Desponta, através da vidraça, a manhã,
toda a serena, nítida e sorridente sabedoria
de que é dotada, embalada pelo vento,
destino cuja simples intensidade
seria a experiência de júbilo,
seria a vivência de glória,
seria a sabedoria do poder,
aqui estaria eu diante da singela escolha
entre um espírito leve e uma saudação amigável,
entre uma alma suave e e uma diplomacia solidária.
Se em todas as transmutações,
no derradeiro instante de consciência,
o bastante próximo para saborear,
ao compasso de música antiga –
o grito antigo indubitavelmente
cai sempre no abismo,
e dele não se terá qualquer lembrança,
dele não se sentirá qualquer presença da memória –
brilha um momento e se esvai,
para a continuidade deste caminho
que me conduz cada vez mais
à busca de todos os ideais e sonhos,
cintila um instante e se efemeriza
para a verbalidade das sendas,
para a carnavalidade das veredas
que me indicam a cada passo
à procura das esperanças do bem e eterno.
O tempo-sonho,
em cujos escaninhos cochilam ainda escondidos,
em sistema de usufruto,
medos que surgiram algum dia no passado,
angústias que se manifestaram contínuas outrora
desesperos que se fizeram presentes -
face à quase imortal Aparência/Eu em imaginá-los,
um tempo em que o espírito desconhecia-se a si mesmo,
ou vagava ao redor de si,
ao quase instante eterno de entrega e esquecimento,
ao quase rosto perene Verdade/Eu em conscientizá-los,
um tempo em que o espírito busca revelar-se,
mostrar-se.
Enquanto eu vir os raios de sol dourarem as folhas
e sentir toda a brisa nos cabelos,
não quererei mais nada,
seria que houvesse algo a querer, desejar?
Que me pode o Destino conceder melhor
que o lapso gradual da vida entre ignorâncias destas?
Que me pode a Saga con-sentir melhor
que o olvidamente contínuo da morte
entre indiferenças e negligências daquelas?
Ponho a dúvida onde há lírios.
Mergulho dentro de mim,
procurando o sabor,
o cheiro real do mistério fluído
deste momento, tantas vezes evocado,
mas que, por algum motivo,
somente delineado em sua superfície.
Quase toco este mistério,
quase o retenho,
cuidadosamente na concha das mãos,
na retina dos olhos.
Não chego nunca a vê-lo,
a tocá-lo, de leve que fosse.
Descia ontem a Alameda das Ovelhas,
com alguns exemplares de jornais nas mãos,
quando observei um homem sentado
num tronco de árvore,
à porta de sua residência,
com os cotovelos sobre os joelhos,
amparando o queixo com as mãos,
olhando na direção do horizonte.
Débil lembrança de um momento
nunca abarcado pelos sentidos,
de uma verdade só memória, sem tempo.
A longa desolação do mundo branco,
fechando os olhos, fechando-se todo,
e imaginando.
Manoel Ferreira Neto
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