Antes
de aceitar, admitir, assumir as coisas do mundo, existência dos homens, como a
expressão verdadeira, absoluta, convém in-vestigá-las com esmero, averiguar se
não se está sendo radical, se não perdera o senso da verdade, se por um tempo
apenas terão sentido, res-pondem por nossas necessidades imprescindíveis,
depois podem ser descartadas com toda pomposidade, nada mais dizem, foi-se o
tempo que o perfeito procedia do imperfeito.
Maneira
leve de tratar as coisas graves, maneira grave de tratar as coisas leves, seja
a raiz, semente, o que engrandece, além de evitar as digníssimas gafes, o que
em verdade re-vela as pré-fundas da alma, as entranhas da carne – importante
mesmo é esta re-velação, é dela que se está à cata desde tempos imemoriais,
creio que desde a eternidade. Quem sabe antes de aceitar isso de o perfeito
proceder do imperfeito não seja melhor acreditar que a carne procederá do verbo
e o verbo, da carne? Corre-se menos risco de estar equivocado, pois isto pode
ser interpretado, analisado à luz da fé cristã. Não levo a sério os
acontecimentos cujas dimensões nítidas e transparentes são de origem
quotidianas, não faço outra coisa nas páginas em que figuram as letras por mim
escritas, senão brincar, tirar sarro, ironizar, criticar – quem não tem o dom
de brincar com as letras deveria deixar a pena de lado, ir capinar quintais,
terrenos baldios, roças, jardins públicos; por mim, quem nasceu com este dom, e
as palavras deixam-me fazer delas o que penso, sinto, intenciono, projeto, e
nem tenho consciência mais de quê, molhar a pena da galhofa na tinta dos brios
humanos é a “melhor” pedida, apesar de que de “melhor pedida” é um tremendo
lugar-comum, há quem diga que até a idéia disso deve ser tomada como
indecorosa, ridícula, a verdade mesma ser creditada na conta da “melhor
medida”. Medida ou pedida o certo é que estou a referir-me àquilo em que acredito
posso obter bons e excelentes resultados, qual a verdade que não espiritualiza
o homem. Não é fácil assim brincar com as palavras, corre-se o risco de não
obter qualquer senso inteligível, o papel aceita tudo.
Assim,
outra alternativa, tomando em consideração duas que trago debaixo da manga de
minha cabeça, se me não a-nuncia, surge, senão pensar e sentir que o perfeito
procederá do imperfeito, embora o in-verso seja mais conveniente, o imperfeito
procederá do perfeito, como ousei intitular antes de entregar-me às idéias
propriamente ditas? O princípio metafísico diz isto, o perfeito procede do
imperfeito. Não são desejo ou intenções considerar esta coisa grave, a
metafísica – alias, até o presente momento sua dimensão de entendimento e
compreensão deixam a desejar, de mostrar isto e aquilo, fundamentado nestas e
naquelas idéias, enraizado em conceitos e categorias desde a eternidade do
pensamento. A intenção é de jogo, brincadeira, caçoada, sábado à noite, em
casa, ouvindo músicas, sem mais nada o que fazer senão estar escrevendo, não
vou correr riscos da violência social, evito encontrar-me com pessoas
desagradáveis, fazê-lo é agradável demais, estou feliz, satisfeito, alegre,
saltitante de minha vida. Mas que o leitor não passe a chinela à frente do
sapateiro, não encontrará nenhuma coisa risível. Quem sabe a falta de sentido,
senso não causem risos no leitor, então comece a rir daqui da frente, se é que
já não esteja rolando no chão de tanto rir com as minhas imbecilidades,
acreditar na verdade. Isto não existe.
Desejo
que a pena res-vale para outras dimensões bem diferentes, ao in-vés de jogar o
leitor para escanteio, não está nem um pouco interessado nas coisas graves,
falar de metafísica é muito grave, de tão grave torna-se indecente, insustentável,
e na modernidade que não se pode mesmo acreditar em coisa alguma, ora!,
valha-me Deus! Aí é que está o “x” da questão, são as in-verdades que causam
risos, tudo o que estou dizendo outra coisa não é senão “in-verdade”. Deseja
ler, conhecer as coisas leves consideradas noutros níveis, não quer di-versão,
quer reflexão. Convido-lhe ao riso solícito e aberto, às gargalhadas sem fim.
Tudo
é riso discreto e talvez amargo riso, dependendo de como se lê, interpreta,
analisa, de como se vive, olha a vida e as hipocrisias da natureza humana. Só
uma hipócrita acreditaria piamente que o perfeito procederá do imperfeito, pois
que se já é imperfeito o que haveria dentro do sentido e idéia do termo para
que o perfeito seja anunciado. Não acredito eu.
Há
desses espíritos que, ou por sagacidade pronta, ou por esforço grande, lêem
antes da meia-noite as palavras que a aurora tem de trazer escritas na capa
vermelha e branca, saúdam as estrelas, fecham as janelas, trancam-se nos
quartos, despem-se inteiros, vão dormir “nuzinhos-da-silva”. Alguns sonham,
lindos, maravilhosos, esplendorosas coisas, só faltou estar no Paraíso Celeste
para não ser apenas sonho, sonhos generosos, outros têm pesadelos
inacreditáveis, Deus me livre; mas a imaginação e o coração não mudam a torrente
das cousas, e os homens acordam frescos e leves, pesados, sem haver debatido
nem incandescido nada.
No
breve correr dos dias, sob o azul do céu, presença de nuvens brancas aqui e
acolá – tais são os limites, fronteiras no mar da vida: saudade ou aspiração;
ao nosso espírito ardente, corpo e alma calientes, na avidez do bem sonhado -,
empolados com as palavras que a aurora tem de trazer escritas na capa vermelha
e branca, que nos esquecemos de rir das coisas do mundo e da vida. Nunca o
futuro é presente. Nunca o presente será o futuro.
No
mar das recordações, desce do alto da montanha, onde algumas vezes tive a grata
oportunidade de aspirar ao néctar dos risos contidos e incontidos, da
gargalhada embutida, deixo ao eco dos sagrados ermos a última harmonia – não
quero aqui estar dizendo com todas que esteja eu escrevendo um testamento,
enfim preciso deixar as letras para alguém, quem sabe não esteja fazendo um bem
enorme ao testamenteiro, vão valer uma nota preta estas anotações que faço na
agenda, milhões. Não. Nada de testamentos. Que sábado, hein?! Esse mereceu
estar na história, chegou ao ponto de sentar e escrever o testamento. A vida
está muito difícil, não é mesmo? Com certeza. Tudo o que vivifica a minha
juventude: o culto da verdade e o culto da virtude, a vênia do passado e a
ambição do futuro, o que há de grande e belo, o que há de nobre e puro.
Faleci
ontem pelas sete horas e vinte minutos da noite, céu estrelado, lua cheia,
vento fresco e suave, fazia um pouquinho de frio – exatamente ao contrário de
quando nasci, às sete horas e vinte minutos da manhã, os raios de sol entravam
pela veneziana da janela, fora um dia em demasia quente, a água límpida do
córrego Santo Antônio seguia o seu itinerário rumo ao pleno, ao absoluto. Já se
entende que foi sonho, mas tão perfeita fora a sensação da morte, o despegar-me
da vida, o corpo sendo nada, inútil, tão ao vivo o caminho do céu, as
expectativas do Paraíso Celestial, que posso dizer haver tido um antegosto da
bem-aventurança.
Ouvia
já os coros dos anjos, após ter ouvido os discursos de amigos íntimos,
personalidades e autoridades, só palavras lindas, maravilhosas, eu mesmo em
vida não soube de tantos reconhecimentos que somei no mundo, alguns presentes
já estavam abrindo a boca, bocejando, já estavam cansados de tantos discursos,
do jeito que as coisas estavam andando chamariam o primeiro vira-lata que
entrasse no cemitério para também discursar – esmola demais o santo desconfia,
já dizia o velho e verdadeiro adágio, eu mesmo já estava louco por o coveiro
encher a sepultura de terra, quando a própria figura do Senhor me apareceu em
plena eternidade, absoluto, infinito. Tinha uma âncora nas mãos onde espremera
algumas dúzias de nuvens grossas e inclinava-a sobre a cidade, sem esperar
procissões, que lhe pedissem chuva. A sabedoria divina mostrava conhecer bem o
que convinha a Curvelo do Padre Corvelo.
Dizia,
enquanto Deus ia entornando a ânfora:
-
Com temperatura alta, meu Deus, o calor curvelano é insuportável, eu que era
filho da terra não suportava. Com temperatura alta podem vir transtornos de
saúde os mais complicados e complexos – algum aparecimento de febre, que os
vizinhos chamam logo amarela, não lhe podendo chamar pior... De enfarto, o
coração não resiste a alta temperatura, a pressão explode. Confesso que estou
sentindo tanto calor devido aos muitos discursos que os homens fizeram no meu
enterro. Então, o que dissera o compadre Murilo Terra: “Creio mesmo, meus
amigos, que Deus deveria pensar e repensar um pouco: um homem como ele deveria
ficar para semente”. Quem não fica empolado com palavras tão verdadeiras, digo,
Murilo Terra sempre foi homem de lídima postura ética e moral, não diria isto
se não tivera eu merecido no mundo. Mas, em verdade, são frutos de uma grande
amizade, não fui assim aquelas coisas, tive muitos erros, pequei demais, minhas
palavras sempre andaram na contramão de minha vida. O Senhor sabe e conhece: os
homens necessitam muito das quimeras, fantasias, idílios, sonhos e utopias. Fiz
o que pude com as letras.
Sim....
Chovam risos sobre Curvelo quem puder estas letras interpretar, quem puder
sentir no âmago e interstício do espírito o que isto é, rir do sufrágio
universal. Sério. Outra coisa não faço senão rir do sufrágio universal. Por que
levaria isto a sério? O que justificaria tal atitude? O que me vivifica é o
culto da verdade, isso de derramar lágrimas com sufrágio universal é
cretinismo, aliás jamais desde toda a eternidade jamais houve qualquer coisa de
terrível, horrorosa, tragédias no mundo, o homem sempre viveu e muito bem,
desfrutou só de prazeres, alegrias, contentamentos, foi feliz, jamais teve
qualquer sofrimento, sentiu dores, sufrágio universal é “conversa-para-boi-dormir”.
Rir
no pensamento é uma coisa, pensar no riso, outra, mas acreditar no humorismo a
partir destas letras é outra história bem diferente, outros quinhentos mil réis,
como a mamãe gostava tanto de dizer, e estava coberta de razão, história em que
o gosto carnavalesco invade todos os espíritos, todos os bolsos, todas as ruas,
não é outra coisa diferente senão que é ridículo rir diante do insosso.
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