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terça-feira, 24 de novembro de 2015

LUZES ÀS SENDAS DE OUTRORA Manoel Ferreira Neto




Caídas todas para o fundo do espelho, numa profundidade de emoções, numa essência de sentimentos, as situações de um homem olham úmidas de tristeza e desconsolo o tempo que escoa rápido nas antípodas do universo, nas frestas de horizontes infinitos, de onde se contempla o inaudito e o inolvidável, vivendo num sonho eterno de amor lírico, de entrega poiética e suave, o romance pleno de caricias e ósculos os mais reais e vividos no íntimo da alma, nalgum sítio do mundo, o mais perto e o mais longe possível, o mais distante de burburinhos, risos contidos, disses-que-me-disse, onde brilha mais puramente a brancura da realidade, ressurgindo lá das profundezas, cada vez mais ao passo sombrio de um patrulhamento de solidão, que clama eufórica e comovida por a beleza calma da tarde, por a lassidão a ondear mais viva no ar, tudo tomado numa nitidez de ar sem poeira, sem vestígios de outroras e ontens olvidados nos distúrbios de toda espécie e categoria, conceitos, definições, sem a vibração de raios tensos e densos, a tarde parecendo alargar-se ao redor, mais humana e mais calorosa, por a plenitude dignar-se a se re-velar, habitar-me as entranhas dos prazeres, alegrias, felicidades, possa enfim cair na gargalhada nua e crua de mim mesmo que inda acredito nestas ilusões e quimeras passadas.
Não me lembra, Toninho Fernandes, se chegara a mostrar tais palavras deste primeiro parágrafo acima, tão logo voltei para casa, após o nosso encontro numa noite de bastante chuva.
Amigo, indescritível isto de ainda ontem estarmos a conversar, sentados a uma mesinha de restaurante, enquanto tomávamos uma cerveja, pondo-me eu a explicar-lhe o que sucedera comigo desde o nosso último encontro, tendo você ouvido com complacência e atenções as mais variadas possíveis, não dizendo coisa alguma, apenas prestando atenção às palavras e sentimentos que se manifestavam conciliados às revelações do espírito e da alma.
 Hoje, são lembranças, recordações, saudade de nossas conversas, nossos cinismos com que olhávamos ambos as coisas do mundo e dos homens, sempre um sorriso contido para não despertar suspeitas sobre o que estávamos a observar, olhar.
Contudo, tantos anos depois, sinto-me feliz, sinto prazer, alegria de estar aqui escrevendo, vivo no íntimo aqueles momentos tão agradáveis ao lado de amigo sincero e verdadeiro, que, aliás, os leitores deste suplemento-caderno literário já tiveram a oportunidade de ler as suas palavras tão carinhosas, ternas, tão incentivadoras, depositava em mim toda a confiança com as letras. Os prazeres, alegrias se re-novam nas circunstâncias presentes e atuais, quando se sente mesmo a entrega, amizade, consideração, reconhecimento entre nós, sem elogios baratos, menos ainda de quem puxa saco, intelectual de renome na história da cultura diamantinense, professor, historiador.  
Se digo ter sido indescritível o nosso colóquio – embora acredite seja mais monólogo que propriamente colóquio, pois somente eu estivera a falar por todo o tempo, mas não posso negar que estivera presente, ouvindo, participando de um momento em que um homem conhece e reconhece bem as suas mudanças espirituais e íntimas, sabe de suas situações e circunstâncias as mais dolorosas possíveis, porém soube passar por cima, ou melhor, dar volta por cima, como se tem costume dizer em linguagem vulgar, e conseguiu tornar-se outro homem, outro indivíduo –,  é que nem por breve minuto vislumbrei em seu rosto, olhos, estava eu apenas criando linguagem, conversa, para não ficarmos todo o tempo calados, em silêncio. Observei, ao contrário, estivera você mui interessado em todo o processo de minha fala, conhecimentos, pois que poderia necessitar deles algum dia em sua vida, podendo assim usufruir memórias e lembranças e reverter os processos de dores e angústias que passaram por sua vida, deixando-lhe jururu. Não é verdade, isto, amigo?!... E, no íntimo, pensando consigo próprio que falar de dores e angústias neste nível tem de ter conhecimento, intelectualidade.
Não sei se diga, caríssimo Toninho Fernandes, por “increça que parível” ou ao re-verso, passara poucos dias, depois deste nosso encontro, alguém lhe disse que não entendia o que queria dizer com algumas coisas escritas por mim, reconhecia que em termos de linguagem e estilo tinha de tirar o seu chapéu. O que você res-pondeu, Toninho Fernandes? “Bem... É preciso que você tenha lido pelo menos a décima parte do que ele já lera, assim é possível que venha a entender algum dia, o que duvido muito”.  Por Deus, faria o que as avestruzes fazem, esconder a cabeça debaixo da terra, sem jamais colocá-la de fora novamente, de tanta vergonha, antes nada houvesse dito, teria de restabelecer-se com a pancada que levou na cabeça. Caímos na gargalhada. Chamávamos-lhe “pernóstico”, porque escreve uns editoriais no tablóide, pensando e agindo como se fosse o maior escritor de toda a história diamantinense, e você neste dia mesmo haver dito: “Você é um imbecil, se este pernóstico for escritor”, o que me fez cair na gargalhada, você tirou as palavras de minha boca. O pernóstico é mesmo uma figura, o “cara”... 
Assim que começamos a conversar, você me servira uma pinga num copo especial, este era só para os “amigos de estrada”. A conversa rolou espontânea, livre, sem aquela linguagem técnica, termos exóticos, parece mesmo um encontro de loucos, ninguém entende, mas também é preciso ter argumentos para levar tais conversas, por também apresentar seu nível de dificuldade de entendimento. Você procurou alguma coisa de que não me lembra, não encontrando, começando a dar piti, o que lhe disse: “Interessante um intelectual dando piti... Deste eu ainda não havia conhecido”. Olhou-me de soslaio e caiu na gargalhada, como podia haver um sujeito tão cínico, pensava que fosse você o único. 
Despedimo-nos por volta das oito e meia da noite. Tinha você outro compromisso com alguns amigos, iriam tratar de coisas muito importantes relacionadas... Não chegou a dizer-me que espécie de compromisso tão importante era o seu. Também não fui curioso o bastante para lhe perguntar de que se tratava. Tenho um princípio de que não largo mão: se me disserem as coisas, ouço-as, posso até expressar minha opinião; caso contrário, não pergunto, com efeito não me interessa. Compreendi que necessitava ir embora, numa outra oportunidade iríamos continuar nossas conversas sempre muito ricas em experiências e vivências.
Há sim momentos e instantes em que temos oportunidade de conversar as coisas como pensamos e sentimos, nossos projetos e sonhos, utopias, no seu caso o de historiador, professor de História, intelectual. Há sim estes momentos entre intelectuais, não é comum o nível, se eu fosse analfabeto teria certo receio de conversar com intelectuais, sairia com o sentimento de imbecil, não entendi bulhufas do que disse, então os risos de banda aconteceram, será que riam de minha imbecilidade, aquelas coisas. Com você, Toninho Fernandes, teria sim, queria manter certa distância.
Em Curvelo, tem-se um costume dos mais asquerosos: há pessoas de cultura, intelectualidade, experiências e vivências de grande valor, que deixam os outros falarem as maiores asnices, mas a troca de olhares se revela com perfeição, depois entre elas próprias, os comentários às avessas. As que não são cultas, intelectuais também procedem do mesmo modo: só que as fofocas correm livres e espontâneas. Não ajo assim, silencio-me, abaixo a cabeça, nem ouço as asnices. Certa vez, alguém, numa conversa de livraria, tendo comentado sobre o meu amor por Dostoiévski, perguntou-me se já havia lido os seus poemas. Respondi-lhe: “Dostoiévski jamais escreveu poemas”. Ruborizou-se. Perguntei-lhe para desfazer o clima, qual obra dele já havia lido. Não se lembrava de qualquer título. Quer dizer: nem conhecia o escritor, até creio que jamais tenha ouvido falar nele. 
Aquando nos despedimos, disse-me com alegria e júbilo: “Orgulho-me de você por ter vencido todas as suas dores, recriado a sua solidão que tanto o exasperava”. Agradeci-lhe, dizendo que se tratava de um início apenas, com o passar do tempo é que tudo iria se realizando, que tudo iria se encaixando bem na minha vida, e assim ainda seria possível sentir-me o mais feliz dos homens, e era, sem dúvida, o que esperava de mim.
Havia-me dito, algum tempo depois, de José Paulo da Cruz, estava precisando de um copy-desk de seus textos, tomasse muito cuidado com o que dissesse ao seu lado, com ele, era um homem de princípios e valores arraigados, às vezes dogmáticos, sendo eu direto com o que penso e sinto. Respondi-lhe não se preocupasse, seriamos amigos, não apenas copy-desk, e isto se tornou realidade, inclusive colunista deste suplemento. Nossos encontros significaram realizações, era nos encontrarmos, algo aconteceria de fato no futuro. 
Sua linguagem e estilo ambígua, eivados de cinismo, ironia, sarcasmo, seus sentidos desvirtuados e recriados, sua risada do mundo, das coisas do mundo, mas a responsabilidade com seus projetos históricos, culturais, religiosos, humanos. Obviamente que não mantinha esse nível de conversa com qualquer pessoa, mesmo que tivesse conhecimentos profundos, mas com quem tinha cor-agem de ser autêntico, verdadeiro consigo mesmo, o que lhe pedira que fizesse por menos, o preço estava exorbitante, não teria como agradecer tais palavras de reconhecimento e risadinha por estar eu pensando estas coisas, quando poderia estar vivendo noutro realidade e situações. O quê? Cinco anos depois.
Pensamento importante este: o que esperava de mim. Retornando a casa, andando em passos lentos e comedidos, mãos cruzadas às costas, olhando para o chão, pois que, em se tratando de andar em pedras, faz-se mister muita atenção, a fim de não tropeçar e cair, o que muitas vezes acontece comigo, pensava justamente isto, pensava em tempos de outrora em que não sabia bem o que esperava de mim, não tinha a mínima noção do que realmente necessitava para encontrar comigo próprio, um encontro que deixasse suas marcas e traços. Inúmeras vezes cheguei a casa, deitando, ficando a rolar na cama à procura de conciliar o sono, não conseguindo, ficando ansioso e desesperado, não me restando outra escolha senão dar uma volta pela cidade, lugares desconhecidos, onde ninguém passasse e, assim, poderia, em voz alta, conversar comigo, inteirar-me de minhas dores e angústias, e somente uma coisa era a mais evidente dentre todas as que perpassavam o espírito e a alma: a vida inteira será de muitos sofrimentos e dores, angústias e tristezas. Entristecia-me, pois que bem no fundo, apesar de não ser consciente, algo gritava, gemia, lamuriava, diante destas palavras, dizendo-me que não, poderia ainda ser muito feliz na minha vida, o importante era que aceitasse a minha condição, aceitasse a minha vida, procurasse com os conhecimentos mudar tudo. Tudo era possível.
E, agora que trabalho esta espécie de missiva, testemunho de um tempo, com-preendo e entendo o que aquele encontro significou para mim ao longo destes cinco anos, o que contribuiu para a real-ização de tantos projetos, depois de tantas publicações nos tablóides curvelanos, até agora com a direção de um Suplemento-caderno Literário. Agradecendo-lhe cordial e artisticamente por suas palavras cínicas, irônicas, sarcasmo, pelos ensinamentos de algumas análises históricas e existenciais, lembro-me de nossa amizade que se autenticou com este encontro, agora muito difícil de nos encontrarmos, batermos papo, tem lá outros cargos e responsabilidades. Tempo é curto, mas às vezes nos encontramos, e sempre os olhares cínicos, as palavras ambíguas, a amizade que se alimenta de encontros e eventualidades.
Não me lembra se fora neste encontro que você lembrara o pensamento de Walter Benjamin, “somos culpados de nossa história”, de que me servi mais tarde para escrever o discurso de lançamento. Se haviam quinhentas pessoas, o Mercado Velho está cheio, havia pessoas na praça, ouvindo, assistindo ao evento, presença de autoridades, personalidades de todos os âmbitos, quatrocentas e oitenta queriam apertar-me o pescoço com o discurso, enfim quem era eu para dizer que os diamantinenses são culpados da história que têm e tiveram, há quase seis anos atrás, resido na cidade há quase oito, era ainda pouco conhecido. Fiz inimizades com o discurso, sem conhecer as pessoas ainda. Mas não deixo mesmo de expressar o que penso e sinto, é a minha responsabilidade como intelectual, não entrego de modo algum o diamante ao falsário.
E quando lhe apresentei o discurso, após a nossa leitura juntos no computador com a presença de Wander Conceição em minha residência, fazendo eu o copy-desk para vocês, perguntou-me de antemão à quaisquer revezes o que queria dizer com Caminho de Luz nas Trevas, havia entendido a imagem, mas para mim o que era isto. Respondi-lhe que é através do sentimento de culpa que podemos vislumbrar o sentimento de realização. Assim, perguntar-me-ia o que dizer com “luzes às sendas de outrora”. Dir-lhe-ia: “as nossas realizações verdadeiras são construídas nas relações com os homens, amigos, íntimos, o outro”, são elas que nos seguem ao longo de nossa caminhada, os homens seguem ao longo de nossa existência. Posso compreender e entender o que é isto – um encontro, uma amizade que se renova a cada passo dado, embora muito pouco temos tempo de nos encontrar para um bate-papo daqueles, daquela noite, noutras circunstâncias e situações.
Com efeito, Toninho Fernandes, depois deste discurso tudo se me anunciou de chofre, digamos assim, contemplei os rumos que seguiria em minha carreira, fora um momento importante para mim, ajudou-me bastante na real-ização de meus sonhos. 
Como?!... Não sabia eu o que teria tanto de assumir para ver a minha vida a partir de outras imagens, paisagens, horizontes. De que necessitava tanto? E, ontem, amigo, enquanto conversávamos, veio-me à mente que o de que mais necessitava era acreditar em minhas capacidades e talentos, crer em mim, e isto nunca havia acontecido. Em verdade, desacreditava em absoluto em mim. As angústias, tristezas, depressões eram até um modo de justificar tudo o que estava a causar-me, em verdade, estava a destruir-me, contribuindo e muito para acelerar esta destruição. O melhor seria destruir-me ao invés de olhar-me ao espelho, ver-me, contemplar a imagem refletida no espelho.
Conheço de perto a sua biblioteca, não me lembra se tive a curiosidade de olhar para o teto para ver se havia algum livro dependurado, que bagunça generalizada, mas organizada, sabia encontrar o que necessitava no momento com destreza e perspicácia. Ninguém pode tocar nas obras. Se no meu escritório acontecia o mesmo, chego a tropeçar em livros de vez em quando, não tivera qualquer problema de mexer neles, ler algumas passagens, colocar-lhes exatamente no seu lugar. Dissera-lhe de uns amigos íntimos que na minha biblioteca, quando iam à minha casa, eu precisava por os livros todos nos lugares, jamais reclamei, e na casa deles é difícil tocar em seus livros, a esposa de um deles é que lhe chama a atenção.
Conversar com alguém neste nível de linguagem e estilo, primeiro que tenha condições de o fazer, caso contrário torna-se ridículo, parece mais um tablado de circo, é preciso ter conhecimentos para fundamentar os sentidos e significações que afluem no ato do diálogo. Segundo, a coisa tem de ser verdadeira, a confiança se faz necessária, não se deve conversar de coisas íntimas com qualquer pessoa. No meu caso, então, a pessoa comum, simples, achar-me-ia louco, tachar-me-ia de maluco, jamais iriam entender. Para trazer rótulo na testa com todas as letras, é daqui para ali, quando se trata de personalidades da cultura e das artes, alguns dão vontade de esconder a cabeça na terra como as avestruzes.
Desde que publicara o seu discurso aquando do lançamento de minha dissertação Alteridade do Outro em Sartre, pensara e repensara como iria responder-lhe, o que lhe diria, como mostrar o nosso encontro naquele dia chuyoso na garagem de sua residência, isto modo de dizer porque nele há os seus galões de pinga fabricados em sua fazenda. Não seria fácil, posto que você comparou a minha obra, minha intelectualidade com a de J. Chasin, que, aliás, me faz sentir muito orgulhoso, vindo de você posso mesmo acreditar serem verdadeiros a amizade e o reconhecimento. 
Na noite de 22 de junho de 2007, haveria um evento de entrega de diplomas de personalidades do ano, a Marize também fora homenageada, estando você presente, chegou-lhe aos ouvidos que havia eu tido um enfarto, um comentário, até que alguém confirmou, pois que a filha de Marize receberia o diploma, estava mesmo internado, tivera um enfarto. Encontramo-nos tempos depois e, brincando, disse-me: “Você deixa de dar susto na gente, Manoel. E você como está? Está passando bem?” Conversamos um pouco, observando-lhe no íntimo o desejo de meu completo restabelecimento. Ah, amigo, você não sabe o prazer que é a sua presença, a sua amizade, não lhe dissera neste sentido aquando nosso encontro, mas você conhece e sabe o nível. Digo-lhe ora “muito obrigado por existir, viu!”.
Após o encontro em que tive a coragem de confessar o que perpassava a minha alma e o meu espírito, tive nítida consciência de que o que esperava de mim era justamente a destreza e perspicácia de um conhecimento que me devolvesse por inteiro os sentimentos e emoções, um autoconhecimento, e mais importante ainda, poder falar deste conhecimento, ter argumentos para enfatizar este ou aquele pormenor, ter inteligência para perscrutar o íntimo, arrancando de lá as felicidades todas que andavam dispersas e perdidas nalgum rincão do inconsciente e da vida. Posso afiançar que muito influenciou este encontro na linguagem e estilo de me expressar. O tempo, óbvio, com as experiências e vivências, tendo uma vida matrimonial equilibrada, realizada, que muito tem contribuído com a minha entrega às ilusões, luzes às sendas de outrora e ontens, de agora e de outros séculos e milênios, o amor, o verbo amar, à minha doce-companheira-e-esposa, aos íntimos e amigos.  
Desde a segunda edição deste tablóide que venho pensando em publicar este discurso que fora enviado, após o lançamento do livro, para a Unesco, mas não fora possível porque teria de falar daquela noite de nosso encontro, meses antes do lançamento, que determinou outros horizontes de minha carreira, para o leitor entender a profundidade do discurso, teria de conhecer as nossas relações. Algum tempo depois, nove meses, veio a luz o lançamento de Alteridade do Outro, escrevendo o seu discurso, lido por Wander Conceição, pois que você estava numa reunião importantíssima, não podia dispor desse tempo na época. Nas páginas do tablóide era impossível, devido ao espaço. Outros projetos se tornaram mais urgentes, guardei-o com carinho para a edição de Ano Novo, sua obra fora publicada dia 25 de janeiro de 2003, um presente, cumprimento de Ano Novo. 
Felizmente, pude, Toninho Fernandes, com o tempo, inteirar-me deste conhecimento e, hoje, apesar de algumas dificuldades de expressão, isto não é tão fácil assim, torço e retorço-me para escrever, às vezes quero abandonar o que estou escrevendo, pois que a dificuldade é enorme, embora  você também diz de minha facilidade de linguagem e estilo, não ser um escritor de prontidão, escreve para preencher o vazio da folha de papel, usufruir ganhos e resultados, posso não só falar com conhecimento de mim, de minha vida, como também posso escrever sobre, com engenhosidade e arte, e esta escrita, conciliada com as verdades de minha vida, servem a outros homens como referência para um momento difícil e complicado da vida, da existência. Os homens se refletem nas coisas que escrevo, pensam, meditam, e se põem a uma investigação sincera e verdadeira. Assim, encontram-se consigo mesmos, e a vida se torna algo esplendoroso.
Recentemente, numa entrevista que fiz com um de meus patrocinadores, incentivadores com Razão In-versa, que, aliás, escrevi um texto e publiquei nestas páginas numa de suas edições, dissera-me que depois de ler, a pessoa fica ruminando aquelas coisas, começa a pensar nas coisas, nas circunstâncias da vida, nas situações complicadas e difíceis, problemas sem solução, e a pessoa vai sentindo diferenças. 
Agora que lhe dirijo estas palavras, em resposta ao seu discurso de lançamento de meu terceiro livro, também estando sendo publicado nesta edição o meu discurso por ocasião do lançamento de seu e de Wander Conceição , Mezza Notte, tive o prazer de ser o mestre-cerimônia, abri o lançamento com a minha leitura deste texto, ouço Hey Jude, lembrando-me de você haver certa vez dito que era ininteligível escrever ouvindo músicas, você não conseguiria fazer o mesmo, retruquei, dizendo que você não escrevia literatura e sim obras de cunho histórico. Mas é verdade é difícil escrever ouvindo, é necessário estar com a atenção voltada para o escrito, ouço a música, não me preocupa entender, tendo sido professor de Inglês compreendo e entendo, sem precisar de estar com a atenção voltada para isto, isto ajuda-me, pois que são líricas, poemas.
O tempo está ensimesmado, fazendo-me lembrar deste nosso encontro naquele dia chuvoso, meu Deus, quem ali chegasse diria que encontrara com dois homens completamente loucos, os risos então de ironia, cinismo, sarcasmo, e ali acontecendo de verdade o que agora está sendo registrado nesta folha branca de papel, estas luzes, sendas de outrora.
Tenho de esperar tempo de anunciação de única palavra, na certeza de que irá surgir, re-nascendo  aí a esperança de emoção ou sentimento, e não me angustiarei. É indescritível andar daqui para ali, contemplando o mundo, buscando sonhos que possa ir construindo, cheio de impaciência, e veemente esperançado, imaginar com antecedência a lâmina do machado que fere o sândalo, o sândalo que fere a lâmina do machado, o encontro, o diálogo, a conversação, os acontecimentos do ser e do tempo.
Aqui estou. Realiza-se o prodígio de re-tornar a sentir-me Ser que se faz continuamente, a continuidade de sonhos, utopias, desejos, vontades são também o Ser. Importa-me que tudo prossiga, prolongue, abandonar-me à vertigem, seguir a Estrela Polar. Sentir o espírito fervilhar de idéias, e poder atravessar a ponte que separa os campos imaginários do devaneio das colheitas positivas de atitudes. A luz e os espetáculos estão de acordo com o caráter da eternidade. Que tudo seja atraído pelo íntimo desejo, impulsionado por vocação profunda, tão simples como no pensamento, pela Natureza e Alma, pelo Sonho e Espírito.
Por que não consentir e reconhecer essa súbita visão que se me impõe, resplendor, raio de luz que admiro? Em verdade, o assegurar de novas buscas, de maneira que o outono se apóie (ou apóia) à soleira do inverno? Peregrino em direção às ruínas dos tabernáculos: lá encontro o risível e insosso, que é o encontro com a condição de homem que deixei nalguma taberna da estrada longa e desprezível.
Acontece que o saber compreender, o saber entender, [e por que não o saber morrer?], romper o véu de mistérios e enigmas, ir buscando eterna e ininterruptamente mutações em mim, conduz à eternidade.
Nascimento significa o genuíno, ingênuo, pureza, desunir do todo, aniquilação da doída e con-doída individualidade, afastamento de Deus, re-tornar ao Todo, chegar a ser Deus, quero dizer: ter buscado cristianizar a com-preensão e entendimento de Deus, ter ampliado a dimensão do espírito de tal modo que se mostre possível voltar a conter de novo o Todo.
O que me importa é o que o rio me comunicou, às vezes não só difícil e complicado entender, mas impossível de sentir realizado, o fato de o tempo não existir. E, pensando nisto, interrompo-me e percebo estar a cofiar a barba com o dedo indicador e polegar, com as pernas cruzadas sobre a cadeira e com o braço direito estirado sobre a perna direita.
O que sinto é movimento, circulação. Ai, no subir de mim, nesse criar do nada, perfeitamente absurdo, porque do nada nada se cria – e eu criei... Mas esse mesmo subir é ininteligível como subir montanha descalço, porque não subo além do que faço para me ver fazer, porque o agir é apenas simultânea consciência desse agir que dele se não desprende. Sei-me como homem que atua ou pensa, mas não vejo o meu eu a atuar ou a pensar.
Consegui, não sem alguns sofrimentos desnecessários, romper a solidão, a de sair e perambular pelas ruas sem rumo nem destino, porque a arranquei das mesmas portas do inferno e consegui despertar-me, re-nascer.
Bocejos inscrevem a mesma atitude de afeto... Palavras algemadas, sem margem de possível sublimação, tecem, na oponibilidade de um dedo aos outros, a falha de gestos; cerram da súbita idéia de evidência o emudecer que me violenta, reduz-me a qualquer manifestação. Parvo crocitar tateia do mundo a realidade da língua. O som existe no coaxar absurdo, no gralhar descoordenado e informe. Toda a gralhada alheia passa por mim – a claridade turba-se, certa impotência atinge a pronúncia, labirinto de caminho imprevisível.

Até de repente, Toninho Fernandes!...    

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