Ah, não vislumbro qualquer sentido em delinear outras características
literárias da escritora Mary Ribas senão que suas “estórias” são de ponta a
ponta risíveis, de um cinismo e ironia sem medidas. No lançamento da obra Reticências,
o escritor-amigo Dalton Canabrava Filho andava de um lado para outro rindo sem
eiras, as beiras seriam outros risos. Estas foram as primeiras informações que
recebi acerca desta obra.
Dissera eu numa crítica sobre Dalton Canabrava Filho, publicada por este
tablóide Centro de Minas, não conhecer escritor curvelano que fizesse o leitor rir
por negar o outro o que é inevitável. Referia-me ao riso diante de valores
retrógrados que os homens insistimos em conservar, sendo eles o símbolo de
nosso atraso humano e existencial. Inevitável que nos libertemos de nossas
verdades absolutas. Mas este riso se encontra nas entrelinhas de Aline o melhor
no melhor dos mundos. Ironia? Devo antes pensar o que digo; o contrário ou o
seguimento virá logo? Enquanto que na obra de Dalton Canabrava Filho o riso se
encontra nas entrelinhas, o de Reticências
encontra-se nas linhas mesmas em outras estruturas sobremodo ad-versas,
explorando os ridículos de cada um em nosso quotidiano.
Fazer o outro rir, o leitor rir durante a leitura de uma obra exige
categoricamente dom e talento. Com efeito, re-presentar um drama no teatro,
cinema, novelas televisivas é muito mais fácil que fazê-lo numa comédia. Poucos
escritores têm dom e talento para mergulharem no risível de nossos hábitos e
costumes, das situações e circunstâncias do quotidiano de uma comunidade com
suas personagens simples, humildes, também as orgulhosas e tradicionais. Às
vezes, é até mais fácil mostrar os ridículos dos simples e humildes, por não
terem medo do ridículo, por não conhecerem o sentido do ridículo, do que as
orgulhosas e tradicionais, por tudo fazerem
para esconder as mazelas e pitis; ambos são risíveis, dependendo dos
talentos e dons do escritor.
Lendo as estórias- ou seriam histórias de hábitos, costumes que na
memória armazenamos das raízes de nosso povo?; ademais, Mary Ribas não tem pejo
algum de id-ent-ificar os personagens da obra com os nomes reais das pessoas,
percebemos e intuímos que na continuidade de nossos acontecimentos e fatos do
dia a dia tecemos a cultura de nossos acontecimentos e fatos do dia a dia tecemos a cultura de nossos ridículos em
busca do riso que enobrece com o seu olhar enviesado de ensinamento e
experiência. Mary Ribas sem dúvida registra a história dos ridículos de nossas personagens curvelanas. Se se
registra os feitos e nobrezas de alguns na construção de nossa História, por
que não registrar os ridículos? Ridículos, feitos e nobrezas são
características de nosso povo, de nossa História.
Reticências – título dado por as estórias/histórias sempre terminaram
com reticências, no sentido de a conclusão ser do leitor -, de autoria da
escritora-amiga Mary Ribas, preenche
o sonho de nossa simplicidade, inocência, ingenuidade, a obra transforma os
ridículos em Arte p0or terem sido vividos por alguém, pelo tempo os tornarem
literatura, os cronistas são os personagens, Mary Ribas se torna a co-autora,
registra as vozes e seus achaques mais íntimos. O sonho de nossas imaginações,
às vezes sarcásticas, às vezes insensíveis e frias delineia as nossas
necessidades de raízes e risos.
“... e tirando do bolso do avental...”, como escreve Mary Ribas, A prova
do crime, à página 22, o tecer da linguagem e estilo, a mistura das reticências
com que finaliza as suas estórias/histórias, as dos leitores em busca do riso,
do que rompe as fronteiras das lembranças tardias e inequívocas, dando lugar ao
sentimento, à emoção, construímos a nossa veia satírica – não é a vida que se
revela? E tirando do bolso o vazio colocamos as reticências no início de cada crônica,
e esperamos pelo belo, beleza, poesia, que se revelarão com novos risos diante
de outras situações, que alimentam as dores e sofrimentos com a presença do
hilário diante do insólito; “tristeza não, apenas o riso que antecede as
circunstâncias e situações de mim, de qualquer um” é o que digo a mim próprio
lendo a obra, e a expectativa do novo, inusitado se mostra palavra a
palavra e, na mistura dos enredos, o
espanto, a imaginação id-ent-ificam a
vida de cada um.
Mary Ribas constrói com ironia/cinismo e as contradições da moral
tradicional a trama do ilusório/real, e a vida com seus per-cursos e in-cursos
res-ponde pela experiência do sensível e intuitivo em busca de valores que
alimentam e saciam a nossa sede de espiritualidade. Aliás, qualquer escritor curvelano
sempre está mostrando a sede de alguma coisa, a sede do sublime, a sede do
sonho, a sede do amor, a sede de espiritualidade, a sede de verdades reais...
Mary Ribas faz-nos rir de nossas ansiedades e dramas antes de cada momento de
nossas vidas. Faz-nos rir da perda de nossos valores e o inusitado de nossos
comportamentos, mas, sublinhe-se isto, em busca de nossa felicidade que são as
nossas raízes curvelanas. Esquecendo o riso, quem somos nós?
O que realmente faz fascina na Literatura Curvelana é o estilo de cada
escritor mostrar uma dimensão de nossos sofrimentos e dores, angústias e
frustrações; a nossa Curvelo em carne, osso e veias habita a pena e os sonhos
de nossos escritores pela Vida, e não apenas pelo sentido da vida.
Ouvi dizer, aqui e ali, de Mary Ribas, através de Delém e Newton Vieira.
Escrevendo sobre os escritores curvelanos, tive necessidade de ler a obra,
procurando-a pessoalmente. Antes mesmo de ler a obra, com as informações tidas
do riso presente na obra, decidi escrever por no encontro com Mary Ribas não
ter conseguido um momento sequer conter
o riso que se manifestava espontaneamente, desde o início até ao final de nosso
encontro o riso esteve presente, Mary Ribas mostrou e demonstrou a sua
originalidade, a presença dela é o riso sem eiras nem beiras. A expectativa da
leitura, o que a obra teria mensagem para os curvelanos, para a humanidade
seria avaliado com a leitura.
Algo acolho bem íntimo e presente no espírito: conheci Mary Ribas numa
conversa espontânea e real, e dela guardo no íntimo a recusa perene de
conservar dores, da alma e espírito. O homem, para Mary Ribas, é a des-coberta
do risível, da porta que abre caminhos para o conhecimento dos desejos e
vontades que nos habitam, das raízes que habitam o curvelano; a necessidade do riso e da alegria
para nos tornar vida e seres humanos.
... (a reticência fica por conta do leitor).
[1]
Esta crítica ao livro da escritora Mary Ribas foi publicado pela primeira vez
pelo tablóide Centro de Minas, de José
Adonias Ribeiro, aos 22 de julho de 2005.
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