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quarta-feira, 25 de novembro de 2015

*AOS PRÍNCIPIOS DE PALAVRAS E PRÉ-FUNDAS - Manoel Ferreira Neto


Ao Paulinho Pizzani e Vander Lúcio Soares Guimarães

Rio a bandeiras soltas, lembrando-me do espanto; jamais tinha imaginado estar na redação do jornal Edição Mineira, tirando foto para me identificar no ensaio sobre As palavras, Jean-Paul Sartre, e, diante do espanto, enfim ali estava começando a carreira na imprensa, saindo da redação pensara comigo: “quem não tem cão caça com jegue”, difícil a publicação pelas editoras, escrevo em tablóides.
Vinte e seis anos depois, ainda na imprensa, caço com jegues, foram sendo treinados em nossas caçadas de perdizes, os resultados são vistos a olhos nus, rasgo riso de orelha a orelha, os jegues zurram em uníssono. Foram caçadas difíceis, preciso paciência de Jó com a natureza dos jegues, em caçada de perdizes é preciso bastante habilidade. Não apenas o caçador, mas muitos saboreiam a deliciosa carne de perdiz no almoço e jantar, estão mui saciados.
Não me re-firo, às avessas, a ninguém, faço mofa da minha criatividade, a mudança de gatos por jegues, e haverem sido os responsáveis por tantas perdizes. A brincadeira se torna vida, com o sentido imaginário do “jegue”, naquelas e noutras situações e circunstâncias, uma carreira foi sendo feita. “Dança de jegues”, imagine o leitor. Seria o  espetáculo da vida: assistir aos jegues dançando a cracoviana – espetáculo divino!
Me não conformo com não poder saber, conhecer o porquê de ser nas orelhas pontiagudas e enormes que começa a sua burrice, assim as pessoas vêem a “burrice”, a instintividade do animal, desprovido de qualquer inteligência, zero de ângulo obtuso. Rio sempre que vejo jegue, e há tantos pelas ruas de nossa comunidade.
Mister salientar que não estou dizendo inversas palavras às pessoas, à imprensa – a esta, então, jamais, pois que agradeço  cordialmente os favores concedidos com tanto carinho e dedicação; estaria, se houvesse nesta frase mesma colocado o hífen na palavra “inversas”, neste caso linguagem e estilo são outros. Mãe Aparecida, se com tais palavras me referisse a alguém, levaria tiro certeiro na testa! Acabaram-se as letras, acabou-se tudo. Não é a minha vontade. Mofo da criatividade, e rio à sorrelfa dos idílios compactos.
Com jegue criei heptologia, romance em sete volumes. Amaria, se pudesse escrever ode ao jegue, respeitando-lhe e louvando-lhe os instintos, realmente merecedores, linguagem e estilo de jegue. Escrevo-lhe outro texto, homenageando-lhe as burrices, fazendo re-verências às jeguices de vinte e seis anos de carreira, esplendorosas re-verências, merecem epitáfio a rigor e critério: “as jeguices também imortalizam’.
Não há quem leia este texto, conhecendo várias de minhas situações e circunstâncias, tendo lido vários textos de minha autoria na imprensa, não diga estar esquivando-me, dizendo me não estar dirigindo a ninguém; está equivocado quem assim concluir, começar a fazer comparações, relacionar, esquecem-se da crítica da crítica crítica, uma das mais esplendorosas pela ambigüidade, in-versão de humores, pela mofa nua e crua. Não guardo raiva, ódio, insatisfação, ressentimento de ninguém; aliás, trago afeição sem precedentes por todas as pessoas, no que diz respeito à imprensa; é amor de paixão que me habita as pré-fundas.
Estou-me enamorando pelos cavalos brancos, especialmente por uns da raça e estirpe de Incitatus, aquele que foi empossado senador de Roma; alguns jegues já de-monstraram ciúme, abanam as orelhas: “caçar perdizes com cavalo branco é chinfrim, não incita os risos”. Ciúmes tolos. Sempre me montarei num jegue para caçar minhas perdizes, serão tais palavras a minha paixão: “montado num jegue escrevi minhas letras, fui aclamado pelos leitores, estive sempre cercado de meus fãs por onde quer que eu vá; tantos jegues me serviram”, não seja este o epitáfio que encomendarei a alguém, homenagem póstuma a mim e aos jegues.
Nos últimos dez anos, andei só de jegue, montado no jegue para lá e cá, era-me cômodo, não me utilizava deles só para caçar, retorno à vaca fria, prefiro mesmo andar a pé, é mais interessante, enveredo-me por caminhos outros, troco dedos de prosa com a raça toda, orgulhando-me, sentindo-me vaidoso das jeguices de minha carreira, andar sozinho é tão interessante, encontrando as pessoas, falando com elas, jegues só nas caçadas de perdizes.
Quem não tem cão caça com jegue. A repetição da primeira letra três vezes “cão caça com” é bastante sugestiva. Seria a intenção desta repetição que o cão não caça sozinho, só com os homens?
Não me surgiu, embora tenha buscado outra linguagem e estilo para epitáfio “aos princípios de palavras e pré-fundas”, mas este que criei deu-me oportunidade outra de in-verter os jegues de suas orelhas em busca dos zurros de seus instintos, o verdadeiro verso da jeguice no sertão mineiro, as jeguices à cata de estrofes.
O silêncio durou cerca de três a quatro minutos, quando minha companheira perguntou-me: “mas como você sabe?”, referindo-se a ser jegue, havia passado por nós um, puxando carroça: “é pelas orelhas, meu amor, grandes e pontiagudas”. Silêncio acanhado e vexado, em que ninguém se atreve a reatar a conversação, observadas as hipocrisias humanas. São tantas e tão variadas que se tem o ímpeto de in-verter: “quem não tem jegue, caça com cachorros”, comem músculos e ossos e arrotam filé mignon, o capim é uma delícia sem precedentes no menu, fortalece as patadas póstumas, nem sempre  patadas não são recebidas de volta; plantar os pés no jegue por haver sido escoiceado é perda de tempo, não surte efeito, causa qualquer polêmica, chama a atenção. Prevalece o coice do jegue.
Américo Benfica, com quem me encontrei, após caçada de perdizes na esquina da rua Machado de Assis, dissera-me que outra modalidade de caça está crescendo em nosso sertão, caça de veado a jegue, mas no frigir dos ovos, claras e gemas, estão os caçadores, melhor dizendo, acham-se os grandes, mas as condutas e posturas desses caçadores são de quem caça jegue a veado. Nossa!... Se falar em aparência, Américo Benfica é o grande conhecedor, cita nomes, re-nomes, pronomes de quem caça jegue a veados, de quem come capim e vomita ração da melhor qualidade. Já quiseram traçar-lhe o perfil nas páginas de tablóide, o mais famoso de nossa comunidade, quatrocentas e tantas edições, um primor, a especialidade é o sensacionalismo chinfrim. A questão era: sendo tão conhecedor da aparência, hipocrisia, não seria também um deles, mas fracassaram na crônica, é homem de pouquíssimos amigos, devido às intransigências ética e morais, e todos eles são considerados flores do Lácio. Aquilo de dizerem: diga-me com quem anda, dir-lhe-ei quem é, é perfeito na sua cabecinha, só anda com as flores do Lácio; mas ainda há de se considerar que os iguais se conhecem, que também não se lhe ajusta à boca, o freio tem de fazer-lhe cair o queixo, e não há freio que seja competente para isto. Fazer Américo Benfica cair o queixo com uma puxada de rédea é trabalho inútil.
Aparência... Quê coisa mais ridícula! Quem conta é Américo Benfica, por ser amigo mais que íntimo, congênito mesmo, de uma das personalidades do métier, Homero Salles: cantam a plenos pulmões suas importâncias no menu da história, mas lhes faltam dons e talentos, advogados sem leis e emendas, vereadores sem quaisquer entrada no prédio, escritores sem letras, odontólogos sem universidade,  confundem o meio campo, trocam as bolas, caçar com jegue por que não tem cachorro com caçar jegues com perdizes.
Diz Américo Benfica que cai o queixo se lhe caem todos os sensos, quando Homero Salles descreve a pompa com que se mostram nos eventos, faltam letras, as páginas estão brancas e transparentes, e cantam as glórias das letras perpétuas. São os que caçam cães a jegues, e suas jeguices não passarão das cinzas.
Sei que a caça com jegues em nossa comunidade tornou-se uma febre. Só ainda não caçaram elefantes a ratos, cobras a cavalos, pulgas a jegues. Estamos em plena temporada dos jegues, só porque um dia alguém fez carreira com a retirada do gato no adágio “quem não tem cão caça com gato”, por jegue, suas jeguices se perpetuaram, resta aos homens  esperança de mudar as palavras, substituí-las por outras, mas a origem jamais será esquecida, após sair da redação do Jornal Edição Mineira, tendo tirado foto para ser impressa num artigo, começaram as minhas jeguices, com direito a coices, dar coices em seqüência pelo coração do sertão nas páginas de tablóides, até que abandonei isto de me montarem para mostrar a todos importâncias e glórias, fazer festa de arromba na redação com sucesso que eu lhe estava proporcionando; desfilo pela cidade com os jegues no coração e a pena na mão para guiar-lhes os passos, nenhum freio se ajusta à boca de meus jegues, nenhuma atitude ou gesto tiram-me a pena. Meus jegues não aceitam freios, aceitam penas a coçar-lhes as orelhas. 
Tente, leitor, encontrar palavra para substituir este outro adágio “quem conversa muito dá bom dia a cavalos”. Dar bom dia a carrapatos por falar demais é ridículo, o mesmo a calangos, sapos e serpentes, perde toda a graça da coisa. Até que isto pode ser desconsiderado. É com a troca fazer vida. Pense neste ditado: “conversa para boi dormir”. Vou dormir com os bois da conversa? Vou conversar com os bois dormidos? Boi prá con-versar e depois dormir? Tudo é ridículo e sem sal. De minha parte, diria em tom de galhofa: “vou dormir os bois da conversa”, mas nada construirei, não farei a vida e nem carreira como fiz com “quem não tem cão caça com jegue”, sem métrica, sem ser estrofe, sem qualquer musicalidade, sem poesia; com esta fala desbravei o sertão, o coração de nosso sertão com a pena na mão e o jegue no coração, vou andando, caminhando e cantando as glórias de minhas jeguices nas páginas de jornais e suplemento, com este encerro os dias de vida, a pena se perpetuará sobre a mesa de trabalho, sobre a agenda, ou dentro de gaveta junto com as correspondências. Os jegues continuam suas andanças, as jeguices estão publicadas e todos riem, permanecerão rindo delas, rirão por todo sempre aos idílios das compactas sorrelfas.  Alguns tentando escrever algo no gênero, sendo-lhes impossível: não é só ter a pena em mão que se é possível esta façanha, é preciso que a pena tenha tinta.
Terminando, tendo corrido, após o registro de “sorrelfas”, à casa de Américo Benfica, lendo para ele, dissera-me entre ad-mirado e bestificado: “por que não termina com outro ditado, expressão, adágio, dito popular, mas in-vertendo ou trocando as palavras”?

Pensara numa re-criação de uma das coisas mais interessantes lidas em todas as páginas lidas: “aos vencedores, as batatas”. Aos jegues, às glórias das orelhas e às orelhas as glórias dos jegues. Está registrado nesta página, mas não se é possível começar carreira com isto, pode-se encerrá-la, só depois das jeguices realizadas pode-se isto pronunciar a plenos pulmões, a todos os ventos. Exige experiência e vivência para isto dizer, e ter sentidos múltiplos e ambíguos. Caso contrário, é parábola para jegue abanar as orelhas. 

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