Conhecendo bem os judeus[2],
Paulo dá testemunho de que os judeus têm conhecimento (gnosis) de Deus, mas carecem desse conhecimento mais
penetrante (epígnosis) que
permite discernir com transparência os desígnios divinos[3].
O paralelo Adão-Cristo desempenha um decisivo papel em Rm 5,12s. Mas
fora utilizado por Paulo num escrito anterior: 1Cor 15,21-22.45.49). Sobre a
origem da tipologia cabem diversas hipóteses: Bultmann aponta a influência da
antropologia gnóstica, perceptível sobretudo na oposição psíquico-pneumático.
Lengsfeld, sem excluir a repetição de “representações gnósticas”, destaca a
incidência do pensamento apocalíptico judeu, no qual o papel de Adão e sua
repercussão negativa sobre toda a humanidade era um lugar-comum.
Paulo estabelece o fato da ignorância dos judeus acerca da justiça de
Deus. O apóstolo põe em contraste duas atitudes com respeito à justificação. A
justificação mediante a fé em Cristo, como um dom que vem de Deus e que se
aceita[4];
e a justificação que se pretende alcançar mediante a prática das obras e em
virtude dos próprios méritos. Os judeus, querendo alcançar a justificação pelas obras[5],
estabeleceram sua própria justiça e não se submeterão à justiça de Deus,
revelada no Evangelho (Rm 1,17).
No tangente à atitude de Sartre de recusar o prêmio Nobel da Paz da
Academia Sueca. Dissera ele que era homem livre, não fazia parte de
instituições. As palavras eram não a sua justificação, mas a busca de
fundamento, portanto compreensível a sua atitude: não se submeteu ao juízo e
reconhecimento do que vinha de cima, o juiz era Deus – Sartre escolhera
escrever para Deus -, eram os leitores, estes sim reconheciam os seus méritos,
o garçom de café sabia que ele escrevia, era escritor.
Referimo-nos anteriormente acerca do sucesso d´As palavras desde a sua publicação, Sartre fora homem que viveu
metade da vida sob as luzes da extrema notoriedade. A obra significava a
des-mistificação. Se ele aceitasse o prêmio que lhe estava sendo concedido,
permaneceria o mito, a autenticidade que construíra ao longo de sua carreira
seria posta em dúvida. A justificação de sua atitude se fundamenta nisso.
Não é certo apresentar a história judaica no período cristão como uma
pura história de sofrimento. Historiadores judeus modernos demonstraram: em
muitos períodos ela foi uma admirável história de sucessos. Até o início das
cruzadas, vigoram, de modo bastante amplo, relações de boa vizinhança entre os
cristãos e a minoria judaica que o império cristão soube, em muitos pontos,
afirmar-se melhor do que qualquer outra minoria ou pequeno povo.
Jean-Paul Sartre diz a respeito do sofrimento:
“Deus
haveria de acabar com meu sofrimento; eu seria uma obra prima autenticada,
garantindo minha parte no concerto universal, teria esperado, pacientemente,
que ele me revelasse seus desígnios e minha necessidade”.
E faz questão de precisar:
“Eu
pressentia a religião, esperava-a, seria o remédio. Se m´a tivessem recusado,
eu a inventaria. Não m´a recusavam...”.
Ao contrário, estava a sua disposição, mas sob
formas tão insignificantes que ele teria muita dificuldade em achar ali o
remédio para a sua própria insignificância. Era-lhe mister ser humano.
Dizíamos anteriormente que a tentação do bastardo, incidindo nosso olhar
no personagem Goetz, é conquistar seu ser no nível de seu mal. A liberdade não
é faculdade neutra que a pessoa possa ter e carregar consigo como algo de
distinto de si, mas é propriamente básica do existente pessoal, que na ação
temporal, já acontecida ou por acontecer, experimenta-se como autopossessão.
Neste ângulo de visão, o agir de verdade, por que tanto sofre devido à
busca do homem “ponto final”, “não era agir segundo ele próprio”, nem tentar se
integrar em sua liberdade, mas sim suplantar este “si” em si mesmo, o que
mostra a dimensão da “liberdade transcendental”.
Experimentar-se como autopossessão, como realidade porque é responsável
e deve ser responsabilizado, até que a resposta pessoal do sujeito à infinita
incompreensibilidade seja dada por este ser em sua transcendência e como tal
seja acolhida ou rejeitada.
Em verdade, Goetz não confessa sua necessidade de ser Deus: ele se diz
instrumento de Deus.
“O Senhor me escolheu para apagar nosso pecado original... Deus me
incumbiu de deslumbrar e eu ofuscarei. Eu sangrarei luz. Sou um corpo ardente;
o sopro de Deus me atiça, eu queimo como chama forte”[6].
O pecado habita o homem, está alojado dentro dele e age por ele: “mas
então, já não sou eu que faço, e sim o pecado que mora em mim”. Superando o
“si” em “si mesmo”, apagando o pecado original, alcança-se a liberdade
transcendental.
Duas vezes São Paulo formula este diagnóstico angustiante (v. 17,20).
Assim se compreende o “incompreensível” (v. 15) de minha atitude; esse “fazer o
que não quero” revela um estado de verdadeira e própria alienação. E Sartre
afirma: “faço o que quero e quero o que faço”. Paulo: “mas sinto nos membros outra lei, que luta contra a lei do espírito e me
prende à lei do pecado” (v. 23).
A tentação demiúrgica é evidente. Goetz se toma pelo próprio Deus, ou
aquele que ousa dizer-se mandatário de Deus, para impor amor aos homens. Goetz,
nessa cena, se encontra no máximo do heroísmo, da exaltação e do mito, quando
afirma:
“Em verdade, eu digo que é suficiente que um homem
ame todos os homens com um amor absoluto para que este amor se propague, de
homem a homem, a toda a humanidade”[7].
Na Cena V, do Segundo
Ato, IV Quadro, Goetz se dirigindo a Nasty:
“O Bem é o amor, está claro. Mas a verdade é que os homens não se amam.
E que é que os impede de se amarem? A desigualdade das condições sociais, a
servidão e a miséria. Urge portanto suprimi-las. Até aqui
estamos de acordo, não é verdade? Nada de surpreendente nisto tudo: aproveitei
bem as tuas lições. Sim, Nasty, pensei muito em ti nestes últimos tempos.
Simplesmente, tu queres adiar para mais tarde o reino de Deus: eu, sou mais astuto:
encontrei um meio de o fazer começar imediatamente, pelo menos num canto da
terra: aqui. Primeiro passo: abandono as minhas terras aos camponeses. Segundo
passo: nesta mesma terra, organizo a primeira comunidade cristã. Todos iguais!
Ah! Nasty, sou um capitão: travo a batalha do Bem e pretendo ganhá-la já e sem
efusão de sangue. Ajuda-me, queres? Tu sabes falar aos pobres. Os dois, juntos,
reconstruímos o Paraíso, pois o Senhor escolheu-me para apagar o nosso pecado
original. Olha, encontrei um nome para o meu falanstério: vou chamar-lhe a Cidade do
Sol. Que há? Ah! Cabeça de mula! Ah! Desmancha-prazeres! Que tens ainda a
censurar-me?”[8]
No Segundo Ato, V
quadro, Goetz se dirige à mulher, após esta dizer: “Ainda não pensamos nisso. Nem sequer sabemos o que é”:
“Vós sabeis que Deus nos ordena que amemos. Só que, até agora, isso era
impossível. Ainda ontem, meus irmãos, vós éreis demasiado infelizes para se
pensasse em pedir-vos amor. Pois bem, eu quis que não tivésseis desculpa. Vou
torná-los gordos e anafados e vós amareis, co´a breca, exigirei que ameis a
todos os homens. Se renuncio a comandar os vossos corpos é para guiar as vossas
almas, pois Deus ilumina-me. Eu sou o arquitecto e vós, os operários. Tudo é de
todos, as ferramentas e as terras em comum, acabaram-se os pobres, acabaram-se
os ricos, acabou-se a lei, a não ser a lei do amor. Seremos um exemplo para
toda a Alemanha. Vamos, rapazes, tentamos o golpe? Não me desagrada meter-vos
um pouco de medo ao princípio: nada mais tranqüilizador do que um bom velho
diabo. Mas os anjos, meus irmãos, os anjos são suspeitos. (A multidão sorri,
suspira e agita-se.) Até que enfim! Até que enfim que me sorriem”[9]
São João da Cruz, em consonância com a tradição mística cristã, afirma
que, nos estágios finais da experiência de oração, o encontro com Deus se dá
sem mediação[10]
de nenhum conceito ou imagem; por isso ele foi chamado de o “Doutor do
nada”.
A partir do instante em que o homem suplanta o “si” em “si mesmo”, à
medida que está entregue em si mesmo o objeto do ato de sua liberdade
propriamente dita, ato que é uno em suas origens e afeta o todo da existência
humana, o suplantar o “si” em si mesmo[11]:
pode-se dizer que o homem tem uma salvação.
Em As Palavras, assim nos diz sobre o militante, o místico:
“Militante, quise salvar-me por las obras; místico, intente desvelar o
silêncio do ser por um rumor encontrado de palavras y, sobre todo, confundi as
cosas com suas nombres: esso es creer. Estaba alucinado. Mientras duró, consideré que
no tenia problemas. A los treinta años logré una jugada maestra: escribir en La
náusea – y puede creérseme que mui sinceramente – la existencia injustificada,
salobre de mis congéneres y de poner a la mia a salvo. O era Roquentin,
mostraba en él, sin complacencia, la trama de mi vida; al mismo tiempo era yo,
ele elegido, analista de los infiernos, fotomicroscopio de cristal e de acero
inclinado sobre mis propios jarabes protoplásmicos. Más tarde expuse alegremente que
el hombre é imposible; imposible yo miesmo, difería de los otros sólo por el
mandato de manifestar esta imposibilidad que, como consecuencia, se
transfiguraba, se volvía mi más íntima posibilidade, o objeto de mi misión, el trampolín de mi gloria”[12]
Há na tradição
judaico-cristã, na tradição budista e em todas as grandes tradições místicas
critérios de discernimento. Conforme o cristão-budista Paulo César Lopes,
“A
pedra de toque de todos eles está presente numa afirmação de Francisco de
Sales: para sabermos se nossa experiência mística é verdadeira, não devemos
ficar olhando para ela mesma, para o modo e a forma como ela se dá. Devemos
olhar para a nossa vida posterior; se ela nos leva a ser pessoas mais amorosas,
justas, solidárias, então sim, é autêntica experiência mística”[13].
Na tradição budista, durante a nossa caminhada é fundamental transformar
nosso pequeno “eu” limitado até alcançar o “nada”, o meu “eu” não condicionado.
A explicação teórica de tal transformação é um problema complexo e difícil, mas
aquilo que realmente importa é o caminho que temos de percorrer para chegar ao
“nada”.
Caminhar rumo à anulação do próprio “eu” significa não fundamentar o meu
raciocínio ou o meu juízo sobre o meu “eu”, mas seguindo as indicações do
Caminho. O caminho rumo ao nada equivale, portanto, a anular a nós
mesmos a cada momento e isto será possível se, a todo instante, conseguirmos
dar valor ao nosso caminhar.
Dalai Lama adverte:
“Sem o fundamento apropriado do caminho comum, uma pessoa absolutamente
não pode fazer nenhum progresso no tantra. Sem o desejo compassivo de obter a
iluminação com o objetivo de conduzir todas as pessoas para a liberdade, o
tantra torna-se apenas uma recitação de mantra”[14].
A fé deve
estar baseada na experiência testada e aprovada, conseqüentemente, o homem
deve, constante e deliberadamente, tentar evitar o tipo de percepção que o
conduz a ver falhas no mestre espiritual, as quais, na verdade podem ser suas
próprias projeções, e tentar as grandes qualidades do mestre espiritual.
Tomando em “con-si-deração” o pensamento de Sartre
acerca do “tornar-se valor”, da experiência e, baseando a pessoa na concepção
pré-ontológica (ou espontânea) que o homem tem de si mesmo, descobriremos que o
projeto fundamental ou escolha original do homem não pode ser senão o
“projeto-de-ser”.
O homem é desejo de ser. O para-si[15]
é nele mesmo a sua própria falta de ser e o ser que lhe falta é o em-si, em
busca do qual o para-si anda empenhado. Colocado continuamente entre o “em-si” que ele aniquila por definição e o
“em-si” que projeta ser, o para-si é nada. O em-si corresponde
verdadeiramente aos fins da anulação que me constitui.
Conforme Hegel, a experiência é movimento dialético que a consciência
efetua em si mesma, a um tempo no seu saber e no seu objeto, fazendo surgir
diante dela um novo objeto verdadeiro. O movimento se torna necessário devido à
ambigüidade do verdadeiro nesta experiência. A consciência sabe alguma coisa:
este objeto é a essência ou o em-si. Porém, a consciência reflete sobre si
mesma, e então o saber se torna um objeto para ela. O primeiro objeto muda
então: deixa de ser em-si e passa a ser algo que é para-a-consciência. O objeto
da consciência fica sendo o seu saber, ou seja, a experiência que a consciência
faz do objeto.
O homem é desejo de ser em-si, isto é, desejo de ser ele mesmo o seu
próprio fundamento. O desejo de ser exprime-se e atualiza-se como desejo de tal
maneira de ser, e, como tal, abre e impõe simultaneamente à liberdade um campo
absolutamente ilimitado. Exprime uma estrutura de ser universal, pela qual virá
a ser definida a “realidade humana da pessoa”.
Em Sartre, o nosso caminhar busca a adesão ao perceber-me como sujeito e
pessoa, percebendo-me como ser livre, dotado de uma liberdade que não se refere
primariamente a uma ocorrência psíquica isolada, mas de uma liberdade que se refere
a um sujeito inteiro e uno na unidade de sua realização em toda a sua
existência.
Segundo Karl Rahner, “o genuíno
conceito teológico da salvação não se refere a uma salvação futura que se
precipita como que inesperadamente sobre a pessoa como se vinda de fora”[16].
Se a experiência mística nos leva às nossas origens, à autenticidade, à
coerência com a nossa intimidade e as nossas atitudes, o sentimento de síntese
de nossas dimensões corporais, psíquicas, da alma, do espírito nos fundamenta e
nos revela o Ser do sentido, daí
é que se nos dá podermos re-criar o nosso destino a partir das experiências e
do vivido, do conhecimento e da contemplação, a ação de tornar-se ser
humano.
O cristianismo, a tradição judeu-cristã, lê num código religioso, fala de
pecado original.
Transcrevo o diálogo entre Goetz e Heinrich, no Segundo Ato, V Quadro,
Cena II, quando este revela suas “culpas”, “pecados”:
“Heinrich – Não voltarei a Worms nunca mais e nunca mais direi missa. Já
não pertenço à Igreja, bufão. Foi-me retirado o direito de celebrar os ofícios
e de administrar os sacramentos.
Goetz – Quem podem eles censurar-te?
Heinrich – Ter sido comprado, para entregar a cidade.
Goetz – Mas é uma mentira infecta!
Heinrich – Essa mentira, fui eu quem a criou. Subi ao púlpito, confessei
tudo, diante de todos: o meu amor pelo dinheiro, o meu ciúme, a minha
indisciplina e os meus desejos carnais.
Goetz – Mentiste.
Heinrich – E daí: Espalhava-se por toda a parte, em Worms, que a Igreja
abominava os pobres e me dera ordem para os entregar ao massacre. Era preciso
fornecer-lhes um pretexto para me renegarem.
Goetz – Pois bem, expiaste as tuas culpas.
Heinrich – Sabes que nunca se expia!”[17]
Karl Barth entende por “pecado original” o estado de pecado, que afeta o
homem desde sua origem. Para sermos mais precisos, denominemos esse estado de
pecado original (passivo) (pecatum originale originatum), em oposição ao pecado
original ativo (peccatum originale originans); assim designamos o fato, em
virtude do qual o homem entra no mundo do afeto pelo pecado original passivo[18];
mais claramente podemos denominar esse fato de “queda”.
“O meu inferno são os outros”. Transcendência, fundamentalmente, é a
capacidade de romper todos os limites, superar e violar os interditos,
projetar-se sempre num mais além. Neste sentido, o inferno é o olhar, que lança
sobre si mesmo, em nome dos outros, aquele que sabe que vai morrer breve. É somente pela consciência dos outros (no
sentido do olhar) que cada um se acha atacado.
A leitura[19]
antropológica e filosófica descobre aí o ato supremo do ser humano: “Você não pode comer da fruta proibida; se
comer, você morre”[20].
O prazer de violar o interdito, de fazer a coisa proibida. O homem viola,
descobre a sua realidade de transcendência, se transforma em ser humano. Eis a
revelação da essência da liberdade.
A verdadeira fé inclui opção. Jean-Paul, surpreendentemente para quem só
o conhece existencialista ateu, tem reflexões interessantíssimas sobre o
assunto. Ele afirma: “Não se é um ser humano enquanto não se encontra
alguma coisa pela qual se está disposto a morrer”. Assim até o ateísmo desse grande intelectual
faz parte de sua fé[21].
Fé que ele viveu com grande autenticidade, com uma coerência a toda prova,
entregou-se por inteiro à busca do ser-em-si, isto é, da essência.
No prefácio do livro Le sens cachê des rites mortuaires,
Louis-Vicent Thomas afirma que
“tudo se passa como se, desde a origem, o homem pensasse na
eventualidade de uma vida contínua depois da morte. O rito funerário poderia
constituir perfeitamente a brecha antropológica, o aspecto pelo qual o homem
tem acesso ao humano”[22].
Jean-Paul não teve que inventar a idéia da reabilitação da espécie
humana pela literatura: ela lhe foi sugerida pelo avô, que a tinha tirado de um
mito burguês[23].
Quando o
homem deixa de se sentir possuído pela projeção de sua própria transcendência,
sob a forma de um Absoluto “de cima”, seu primeiro movimento só pode ser a
interiorização radical do Pai e a concepção de que ele lhe deve pagar este
absoluto renascimento com sua própria vida. Transformado em filho de ninguém, e
querendo ser, desde então, o Filho de Deus, é pelo sacrifício supremo – desde
logo colocado no horizonte de sua vida – que lhe é necessário fazer anunciar
sua ressurreição e merecer esse prodígio.
Filho de Deus se torna o título daquele em quem a unidade essencial
entre Deus e o homem apareceu sob as condições da existência. Aquilo que é
essencialmente universal se torna existencialmente único. Mas essa unicidade
não é exclusiva.
Esse uso do símbolo “Filho de Deus” transcende tanto o uso judaico
quanto pagão do termo. Ser Filho de Deus significa representar a unidade entre
Deus e o homem sob as condições da existência e re-estabelecer essa unidade em
todos aqueles que participam de seu ser.
Tanto na tradição cristã como na tradição hindu[24],
é essencial ressuscitar antes de morrer. Não se trata de ressuscitar depois da
morte... Jesus ressuscitou “antes” de morrer. O termo evangélico “vida eterna”
explica isso: se existe a vida eterna, ela o é antes, durante e depois! A vida eterna é a dimensão de eternidade que
habita o próprio âmago de nossa vida mortal.
Lúcio Cardoso, curvelano, em seu romance Crônica da casa assassinada, através de seu personagem André,
assim pergunta acerca da morte:
“... meu Deus, que é a morte? Até quando, longe de mim, já sob a terra
que agasalhará seus restos mortais, terei de refazer neste mundo o caminho do
seu ensinamento, da sua admirável lição de amor...”[25]
Na verdade, é no tempo
que se revela a eternidade, a qual propriamente não protrai este tempo para “um
além’ do tempo que vivemos em nossa vida espácio-temporal, mas antes suprime
precisamente as peias do tempo, à medida que se desprende do tempo que se
tornou monótono, a fim de que em liberdade possa fazer a definitividade.
A eternidade não é um modo do tempo puro a perdurar de maneira
imprevisivelmente longa, mas um modo da espiritualidade e da liberdade que se
realizam no tempo e, em vista disso, só a partir da correta compreensão do
tempo é que se pode compreender aquela.
Conforme
Emmanuel Levinas, na morte “o sujeito é
confrontado com algo que não se deixa traduzir em termos de luz, isto é: que é
refratário à intimidade do eu consigo mesmo” (TA, 56). Na morte se
anuncia algo que transcende radicalmente o sujeito. Não é pela morte que o
sujeito se desfaz perdendo o controle sobre o ser anônimo? Como pode o eu ser
salvo na transcendência? Entretanto, uma relação com a exterioridade radical
que não abole o sujeito se realiza na relação com outrem, encontro de um “rosto que dá e retira outrem. O outro
´assumido´ é outrem” (TA, 67). O caráter temporal dessa relação não é o
futuro como puramente imprevisível, mas o futuro ligado ao presente. A relação
com outrem realiza o tempo em plenitude.
Pensando a morte, ainda em Dalai Lama, após a morte, o homem entra no
estado intermediário, o bardo. O ser do estado intermediário tem uma visão tão
poderosa que pode ver através de objetos sólidos e é capaz de viajar para
qualquer lugar sem obstáculos.
Vista na perspectiva do para-si, ou seja, na perspectiva da minha
transcendência, da minha subjetividade auto-realizadora, minha morte é um
absurdo. Pela morte minha transcendência se vê “simplesmente” quebrada: “morremos sempre de quebra”[26].
Meu poder-ser se solidifica na compacta densidade do em-si. Isso não pode dar
sentido algum à vida; ao contrário, a morte priva a vida de toda significação.
Analisemos à luz do Outro. Um indivíduo que não arriscou a vida poderá
ser reconhecido como pessoa, porém não atingiu a verdade deste reconhecimento
enquanto reconhecimento de uma consciência-de-si independente. Quando arrisca a
vida, o indivíduo visa a morte do outro[27]:
a vida alheia não vale mais que a própria. O Outro tem de ser posto em perigo
de vida para suprassumir sua alteridade: assim deixa de ser consciência perdida
nas escórias dos muitos modos de ser e da vida e adquire a pureza do
ser-para-si, como negação absoluta.
Minha morte representa o triunfo definitivo do outro sobre mim[28].
Enquanto vivo, estou em condições de transcender minha transcendência com meu
olhar, mas a morte vem tirar-me essa capacidade de autodefesa.
Não poderíamos aqui começar a repensar a pedra
angular do existencialismo sartreano, “a existência precede a essência”, e com o sentido que ela
traz em si, a ressurreição, a vida eterna, o que ela nos faz aproximar, não
intelectualmente, mas o vivido, o experienciado, do ser humano, este que só
encontra o fundamento de sua existência quando está disposto a morrer por algo?
Declara Sartre:
“Se
Deus não existe, há pelo menos um ser no qual a existência precede a essência,
um ser que existe antes de poder ser definido por qualquer conceito, e que este
ser é o homem ou, como diz Heidegger, a realidade humana”.
A essência é a “vida eterna”[29],
que habita o âmago da vida mortal, a realidade humana. A existência, nesse
ângulo de análise, precede a vida eterna, e no cristianismo é o Amor o caminho
a ser buscado para que se estabeleça.
É necessário haver sentido nesse sacrifício e que esse sentido seja
universal, para que apareça realmente substituída a ausência desse Outro[30]
(ao mesmo tempo Pai e Espírito), cujo papel era exatamente o de figurar noutra
parte, o ser do Sentido. Assim,
cada homem, nesse primeiro movimento[31],
se acha estimulado a tomar a seu cargo o Homem e, na esperança de renascer ele
próprio, a viver sua própria morte, em nome de todos. Diz Sartre em sua
Conferência O Existencialismo é um
Humanismo: “... queremos dizer
que, ao escolher-se a si próprio, ele (o homem) escolhe todos os homens”[32].
Enfatizamos aqui o “tornar-se-autêntico-sendo-responsável-pelo-outro”.
Esse gesto doador efetuará uma revolução no ser “natural”, egoisticamente
voltado para a autoconservação.
“Como se o destino judaico fosse uma fissura na crosta do ser
imperturbável. Ruptura do natural e do histórico incessantemente reconstituídos
e, assim, Revelação sempre esquecida” (AV, 18).
Essa virada, “o dar de mãos cheias em vez da
rapina”[33],
é o ato religioso por excelência, no qual ocorre a aproximação de Deus. Onde
chego a ser único, eleito para assumir a responsabilidade pelo outro, que
reverte os esquemas antigos e batidos deste mundo, ocorre um ato inspirado por
Deus, um ato profético que me torna livre e me confere a identidade própria.
“Não farei o Bem como um empréstimo a juros, a receber a curto prazo.
Será que não me compreendeste, Nasty? Graças a mim, antes do fim do ano, a
felicidade, o amor e a virtude reinarão sobre dez mil jeiras de terra. Nos meus
domínios quero construir a Cidade do Sol, e tu pretendes que faça deles um
covil de assassinos”[34]
No sentido de haver uma verdadeira transcendência, a relação entre eu e
o outro não pode abolir a distância entre ambos. A transcendência se estabelece
“a partir de um ponto separado da
exterioridade tão radicalmente, que se mantém por si mesmo, é eu” (TI,
266). Para a pessoa enquanto ainda está como perdida na exterioridade, sem eu
independente, uma relação com o Transcendente permanece impossível. A
constituição da vida interior do eu separado é como o primeiro momento da
relação ética que produzirá a Transcendência[35].
O eu é auto-suficiente, não devendo sua egoidade a qualquer
contraposição dialética a um outro eu. Sou eu a partir de nada a não ser de mim
mesmo. Sou um começo absoluto, uma descontinuidade no ser, uma vitória sobre o
ser.
O outro revela em primeiro lugar a impossibilidade de ser apreendido por
meios violentos. O outro, fora de qualquer contexto, em sua pobreza e miséria,
apela para nossa bondade. Nesse apelo o outro mostra simultaneamente sua
dignidade e uma certa supremacia que me obriga a comprometer-me. O outro vem
“do alto”, porquanto transcende minha compreensão. A Sagrada Face é o outro.
Para Levinas, a religiosidade é inseparável da relação social. “A divisão do divino se abre a partir do
rosto humano” (TI, 50). O único modo de entreter um relacionamento com
Deus, “visão sem imagem”, é atendendo ao apelo que nos surpreende, vindo do
rosto alheio, pedindo justiça.
Uma certa imagem do Cristo – onde a realização da redenção parece
repousar completamente na humilde aceitação do pior sofrimento – contribua
ainda, por sua pretensa exemplaridade, a desqualificar a nossos olhos a
complexa realidade da atitude em causa.
Como uma consciência humana jamais poderia arrancar o que quer que seja
da sua humildade, se ela negligencia em tirar daí sua própria dimensão de ser,
contingência, “facticidade” quer dizer, precisamente o que lhe compete a todo
momento transcender, por suas realizações, enquanto ela se considera
consciência, poder significativo, um perpétuo sobrepujar de si por si mesma?
Só o orgulho de dar sentido pode dar sentido e valor[36]
a qualquer humildade; é em vão que alguém se considerará credor de uma pretensa
caução espiritual, se não se tratar no caso senão de se demitir sob a cobertura
do Espírito, renunciando a se conceber a si próprio como espírito no trabalho.
Ou bem a existência lhe apareça de qualquer maneira condenada a
continuar ilusória (“vaidade das vaidades”...) e pouco importa, então, o uso
que ela faça ou bem não pode evitar de se considerar parte aliciante e como
agente real em relação à Causa que escolheu servir. Renunciar a se querer, a existir
segundo si mesmo, na esperança de ser querido e totalmente salvo, é puro
misticismo; querer salvar os outros e tentar realizar a própria salvação,
comprometendo-se, com toda sua consciência, numa realização sem recursos, é apenas idealismo, certamente, pelo
menos durante o tempo em que se crê poder fazê-lo sozinho.
O “realismo” e a “solidariedade” não corresponderiam para nós senão a
uma opção de fracasso, se não os alcançássemos passando pelo idealismo, isto é,
ultrapassando-o, no sentido em que a consciência não pode realmente
“ultrapassar” a não ser o que ela conserva no próprio momento em que o nega[37].
E se toda essa confusão, entretanto, continua impossível, entre aquela
humildade e uma certa humildade “cristã”, é que Sartre inicialmente passou a
considerar como um fato de natureza humana aquela não existência de que sofria.
Assim, tornou ele contábeis os outros e ele próprio. Sem nunca tentar
fugir às suas implicações práticas, seja atribuindo a algum castigo divino,
seja pretendendo mudar esse mal em um “bem”, de modo a ter razão para não
combatê-lo.
Nesse momento, parece-me, seu orgulho se equilibra, encontra seu centro
de gravidade: é nesta aposta inicial sobre a realidade humana – o homem como
único responsável pelas desventuras do homem - que se fixa a própria
“permanência” com a qual ele pôde nos entreter meio século depois.
Em Hegel, o retorno à consciência-de-si, a consciência que representa o
lado do mal (porque nela o ´Ser-aí´ natural vale como essência) deve elevar-se
até ao espírito. O primeiro passo é convencer-se de que o ´ser-aí´ natural é o
Mal; pois, mau, já é: o que está faltando é este saber, puro agir da
consciência dentro de si mesma.
Ora, como a Essência, por um lado, já se reconciliou (em-si e consigo),
as representações recebem agora um sinal oposto ao que antes tinham:
adentrar-se em si já não é o Mal, mas o saber do Mal, primeiro momento de
reconciliação: abandono de uma natureza imediata determinada como o Mal; morte
e pecado.
Será que
Deus é de direita?, Yves Congar, teólogo francês: a idéia que esse título
traz é talvez a mais exata que podemos ter de Deus, ou seja, a de que ele não é
de direita, nem de esquerda, nem de centro, nem do alto, nem de baixo, nem de
alhures, nem de nenhures; a idéia mais exata possível sobre Deus é a de que não
podemos ter nenhuma idéia exata sobre ele[38].
Um dos princípios mais importantes da tradição judaico-cristã é
exatamente este. Deus é afirmado como o Absolutamente Outro.
O essencial da religião judaica não está no ritual. O judaísmo é antes
de tudo um modo de vida. Poder-se-ia dizer que o essencial do existencialismo
não está no seu aspecto teórico. O existencialismo é um estilo de vida, um
convite à autenticidade a toda prova. O ritual, embora seja o aspecto mais
marcante da vida judaica, resumindo-a de certa forma, não é para Levinas o
lugar privilegiado da relação com Deus.
A religião judaica é essencialmente relação ética com o outro, a quem se
deve fazer justiça. Fora da dimensão ética não haverá possibilidade de entrar
em contato com Deus. Um Deus encontrado fora da relação ética seria um
ídolo.
O judeu vive sua religião antes de tudo como ética: o outro, especialmente o pobre, dependente, nos obriga a
fazer-lhe justiça. O único ser ao qual devemos submeter-nos – e essa
“deferência” é uma exaltação! – é o Deus transcendente e o outro ser humano que
traz a marca da transcendência divina.
“Nasty – Quando Deus Se Cala, podemos dizer, em Seu nome, o que
quisermos[39].
Goetz – Oh! Profeta admirável! Trinta mil camponeses morrem de fome, eu
arruíno-me para lhes aliviar a miséria e tu anuncias-me, tranqüilamente, que
Deus me proíbe salvá-los.
Nasty – Tu? Salves os pobres? Não podes senão corrompê-los.
Goetz – E quem os salvará?
Nasty – Não te preocupes com eles; salvar-se-ão sozinhos”[40].
A responsabilidade pelo outro, o judaísmo a expressa na idéia de
eleição. Entre os demais povos, os judeus se consideram eleitos para
preocupar-se primeiramente com a justiça no mundo, passando para o segundo
plano sua própria sobrevivência como nação. A eleição está na origem do destino
do povo judaico, deixando-o por muito tempo viver na diáspora e à margem da
história mundial.
O que polariza toda a vida dos judeus é a espera do Messias que
significa uma sociedade justa, desalienada e personalizada, uma
confraternização universal de todos os homens, “paz para os que estão longe e paz para os próximos” (Is 57,19).
Em toda parte onde se instaura a justiça e a paz, o judeu percebe “os passos do
Messias que se aproxima”. Portanto, a era messiânica é fundamentalmente o
resultado do empenho humano em instalar uma sociedade justa e fraterna. É na prática do amor gratuito e
misericordioso, sobretudo ao pobre e desvalido, que o Deus de Israel se revela
como mistério de ternura materna e de vida.
O judaísmo antigo, embora centrado no varão, permitia, contudo, uma
presença significativa da mulher na vida do povo. Os textos falam da
importância política de Miriam, Éster, Judite, Débora, realçam o papel das
antigas profetisas e das anti-heroínas Dalila e Jesabel; há descrições de
comovedor encanto como o encontro e o diálogo do servo de Abraão com Rebeca (Gn
24,15-67); não deixam de marcar profundamente as figuras de Ana, Sara ou Rute e
mesmo todo o idílio que cerca o amor entre o homem e a mulher no Cântico dos
Cânticos.
A verdadeira imagem é a relação. São João chegará a afirmar: “Quem não ama permanece em Deus e Deus
permanece nele”. Palavras demasiado simples que nos colocam diante de
uma dificuldade de amar, ou seja, de nosso irreconhecimento do verdadeiro Deus.
Não é por acaso que o Cântico dos Cânticos - esse cântico do Bem Amado e da Bem Amada –
se situa exatamente no centro[41]
da Bíblia. É que, tanto para o judeu quanto para o cristão “praticante”, o amor
humano é uma das melhores vias de acesso para chegar a um Deus que não seja um
ídolo, isto é, um Deus que não é possuído por nós do mesmo modo que não é
possível possuir o amor.
“Todas as manhãs, esse amor terá de renascer de suas dúvidas e medos, à
semelhança do dia desenhado em um quadro de Margritte com farrapos da noite
colados aos postes de iluminação”[42].
A igualdade criacional do varão e da mulher é o primeiro princípio da
antropologia judeu-cristã atestado na primeira página da Bíblia, no relato
sacerdotal do Gênesis. Contra o espírito antifeminista do tempo, o autor
sagrado afirma de forma contundente: “Deus
criou o ser humano (humanidade) à sua imagem... criou-os varão e mulher”
(Gn 1,27). Aqui se mostra a fundamental igualdade de ambos; tanto um quanto
outro são igualmente imagem de Deus. Esta imagem de Deus só é completa quando
refletida nos dois sexos.
As ciências antropológicas nos falam do varão e da mulher como dois
modos diferentes e relacionados de ser homem. Que é o homem? É a pergunta que o
espírito faz e que ocupa a filosofia. O espírito não se dá por satisfeito com
saber sobre o varão e a mulher. Quer saber quem é o homem.
Na tradição bíblica, Deus não aparece unicamente sob a linguagem
masculina. O feminino é também veículo da revelação de Deus. Deus e Cristo são
personificados na temática feminina da sabedoria (Pr 8,22-26; Si 24,9; 1Cor
24,30). Esta Sabedoria é uma hipostatização do próprio Deus. Mulher e Sabedoria
estabelecem entre si uma estreita correlação (Pr 31,10.26.30), ocorrendo uma
transmutação simbólica entre uma e outra (Pr 19,14. 40,12; Sb 3,12; 7,28). Ou
Deus é comparado como a mãe que consola (Is 66,12), mãe incapaz de esquecer o
filho de suas entranhas (Is 49,15. Sl 25,6; 116,5); Jesus se compara como a mãe
que quer reunir os filhos sob a sua proteção (Lc 13,34). E no termo da
história, Deus terá o gesto da grande e bondosa mãe, enxugando as lágrimas de
nossos olhos, cansados de tanto chorar (Ap 21,4). Todo o elemento de ternura,
aconchego, derradeiro refúgio da salvação de Deus é apresentado na tradição na
linguagem feminina.
O teólogo luterano Paul Tillich usa esse mesmo princípio, Deus afirmado
como o Absolutamente Outro, como base de toda a crítica profética judaica. Em
linguagem religiosa é expresso pelo mandamento de não criar imagens de Deus e,
no seu desenvolvimento concreto, apresenta-se como crítica dura contra todos os
ídolos, ou seja, contra todos os falsos absolutos.
Como praticar esse princípio do reconhecimento de Deus como o único absoluto?
Por um esforço constante de transformação de nosso olhar, de nossa perspectiva
diante dos acontecimentos da vida, buscando tomar consciência – não só
intelectual, mas de forma existencial – da relatividade de todos os
acontecimentos.
Deus é, mas não é nada do que pensamos, é sempre outra coisa, é sempre
mais, e essa idéia, unida com o princípio de que devemos amar a Deus sobre
todas as coisas, torna-se um princípio extremamente crítico e libertador. Se
absolutizarmos Deus em nossa vida e ele não é nada do que existe ou do que
podemos pensar ou imaginar, tudo mais se torna relativo.
Absolutizar Deus não deveria implicar a negação absoluta do mundo, mas
uma liberdade diante deste que nos permitisse, por meio de um discernimento
constante, usufruir tudo sem nos apegarmos a nada.
Deus é absolutamente outro, contudo se revela no outro não-absoluto;
acima de tudo mediante o amor ao próximo, mas também mediante as tradições
religiosas, a arte, a filosofia.
A filosofia não prolonga apenas as questões cientificas; ela possui
outra ordem de indagações. Assim, entre a ciência e a filosofia existe uma
ruptura epistemológica. A filosofia arranca, como a poesia, da estarrecedora
admiração de que algo existe[43].
A existência da filosofia como atitude e como disciplina revela a capacidade do
espírito humano de poder alçar-se acima das determinações concretas da
realidade, os entes, e perguntar pelo ser simplesmente.
A partir do ser contempla os entes como revelações e velações do ser.
Assim, na ocorrência masculino/feminino, interroga em que medida o biformismo
sexual é concretização do ser, manifestação da suprema realidade.
As grandes tradições religiosas são espaços privilegiados da revelação
de Deus. Não são, contudo, os únicos.
[1] Capítulo retirado da
tese À Luz das Palavras. Com este texto, esclarecemos o que não concordarmos
com a posição de Marco Antônio Souza.
[2] Citamos uma passagem de Nietzsche em que ele declara que
os Judeus apenas desejam estabelecer-se. Há ainda outra passagem em que o mesmo
filósofo se refere á futura ascendência dos Judeus na Europa: ‘Cada judeu pode
encontrar na história da sua família ou dos seus antepassados uma longa série
de exemplos na maior calma e perseverança no meio das maiores dificuldades e
das mais terríveis situações, e uma perfeita astúcia para lutar contra o
infortúnio e contra os reveses da sorte. E, acima de tudo, é a sua bravura sob
a capa de uma miserável sujeição e o seu heróico spernere se sperni (desprezar
o ser-se desprezado) que ultrapassa as virtudes de todos os santos”. Esta
passagem é favorável aos Judeus. Os Judeus, de acordo com Nietzsche, mostraram
e mostram um notável amor à vida – mesmo mais do que os gregos. Eles não
desejavam por forma alguma verem-se privados do seu corpo, mas desejavam
conserva-lo para sempre. Nietzsche cita o martírio judaico dos Macabeus ii, 7,
que “não queriam abandonar os intestinos que lhes haviam sido arrancados, pois
desejavam tê-los consigo no dia da ressurreição” – uma perfeita característica
judaica.
[3] Rm 1,28; Col 1,9,10; 2,2; Ef e,17; 4,13.
[4] 1,6; 4,25; 7,7;
[5]
Faz-se mister ressaltar e sublinhar que Sartre busca, deseja alcançar através
de suas obras o fundamento, assumindo a fé, o dom que vem de Deus, em suas
próprias palavras “Não se é um ser
humano enquanto não se encontra alguma coisa pela qual se está disposto a
morrer”.
[6] JEANSON, Francis. Sartre.
Trad. Elisa Salles. Ed. Etitions du Seuil. Ed. José Olympio. 1955.
pág. 56.
[7] Idem, idem.
[8] SARTRE, Jean-Paul. O diabo e o bom Deus. Trad. Gabriela
Alves Neves. Edição Unibolso. 1951. pág. 138.
[9] Idem, idem. pág. 151.
[10] A leitura se revela, então: o encontro com o outro se
dá, em Sartre, sem mediação de conceito ou imagem, quando adota como filha a
judia Arlette Elkaim, e com o encontro com Benny Lévy, estar Sartre assumindo a
causa dos judeus.
[11] Tomando aqui em consideração que o “Mesmo”, sob a luz de
Luhmann, Horkheimer, é a Totalidade, neste sentido a ontologia subsume o outro
no mesmo. A teoria se compromete numa via que nega o desejar metafísico, a
maravilha da exterioridade, onde habita este desejar. Entretanto a teoria como
referência à exterioridade [... tem] uma intenção crítica que não reprime o
outro no mesmo como a ontologia, mas que coloca o mesmo em questão... Chamamos
este colocar em questão minha espontaneidade, em presença do outro, ética... A
metafísica, a transcendência, o hospedar o outro no mesmo, o outro pelo eu, se
realiza concretamente como o colocar em questão o mesmo pelo outro, isto é,
como ética que cumpre a essência crítica do saber.
[13] LOPES, Paulo César. Pode um cristão ser budista? Paulus.
2004. pág. 45..
[14] LAMA, Dalai. O caminho para a liberdade. Ensinamentos
fundamentais do Budismo tibetano. Trad. de Beatriz Penna. 4º edição. Nova Era.
Rio de Janeiro. 2001. pág. 18.
[15] Paulo César Lopes em Utopia cristã no sertão mineiro à
pág. 10 assim nos diz, não só reduzindo a vida ao desejo, mas acrescentando “A
vida é desejo, vontade e razão”. Eros, patos e logos em busca de sua
realização. Assim, o homem conhece o mundo com todo o seu ser. Conhecer e ser
confundem-se. O conhecimento como totalidade, unidade, não é suficiente para
ajudar na conservação da Vida. Essa totalidade desfaz-se num desenrolar
histórico que, de certa forma, busca reencontrar-se como totalidade, mas então
como consciência de si mesma. O Em-si da Vida busca o Para-si.
[16] RAHNER, Karl. Curso
fundamental da fé.Introdução ao conceito de cristianismo. 2º ed. Trad.
Alberto Costa. Paulus. 1984. pág. 55.
[17] SARTRE, Jean-Paul. O diabo e o bom Deus. Trad. Gabriela
Alves Neves. Edição Unibolso. 1951. pág. 164-165.
[18] Em Sartre, a responsabilidade entra no mundo pela
“escolha original”, a nascida na tensão da realidade humana e da situação.
[19] Novo em Sartre é a idéia de que a leitura seja um ato
essencialmente livre, não mera resposta a algumas palavras, mas a constituição
de um objeto – a obra – que não existe anteriormente à sua constituição e que
não é idêntica às palavras, as quais não podem causar o ato da leitura.
[20] Aquando recebi o “livro branco”, de Thich Nhat Hahn,
Para Viver em Paz. O
milagre da Mente Alerta, de presente de Paulo César Lopes e Nívea Maria
Matteocci, sonhei que estava à beira de um abismo com os meus filhos. O
primogênito, Sacha Lucien Moser Ferreira, estava calmo e tranqüilo sentado em
meu colo. Kayros Christian Moser Ferreira queria a todo custo aproximar-se do
abismo. Dizia-lhe que não, não se aproximasse. De repente, olhando de lado,
percebi uma porta aberta. Deixei meus filhos, dirigindo-me à porta. Entrando,
percebi que minhas mãos estavam cheias de sementes. Jogava-as no chão. Nascia
uma espécie de pé de alface. Continuei jogando. De imediato a semente caia na
terra nascia a planta. Tive vontade de comer um pedaço da folha. Alguém
surgira, chamei-o no sonho de “homem do espaço”, dizendo que não comesse aquela
planta, era ruim. Disse-lhe que não. Arranquei e comi. Uma delícia. Senti-me
calmo e tranqüilo, uma sensação fria no corpo inteiro, estava ventando no alto
da serra, à beira do abismo. Continuei semeando.
[21] Buscar fundamentar o misticismo de Sartre não significa,
em hipótese alguma, desconhecer ou negligenciar o ateísmo de Sartre; a síntese
misticismo-ateísmo nos dá a imagem do pensamento em sua totalidade.
[23] O mundo era presa do Mal; uma única salvação: morrer
dentro de si na Terra, contemplar do fundo de um naufrágio as idéias
impossíveis. Como não conseguiria isso sem um treinamento difícil e perigoso,
havia-se confiado a literatura a um corpo de especialistas. O clero tomava
conta da humanidade e a salvava pela responsabilidade dos méritos.
[24] O nome hinduísmo foi inventado pelos europeus para a
religião indiana. Na realidade, ele não designa uma religião indiana única, mas
toda uma variedade, um grande número de religiões. No hinduísmo não se trata, em primeira linha,
de proposições a serem cridas, não se trata de dogmas nem de uma ortodoxia: o
hinduísmo não conhece nenhum magistério. Não se trata de determinados direitos
que se possuam perante os outros. Sim da grande destinação do homem, dos
deveres que o homem tem: deveres para com a família, para com a sociedade, para
com Deus e para com os deuses.
[26] SARTRE, Jean-Paul
Sartre. O ser e o nada. Ensaio
de ontologia fenomenológica. Trad. Paulo Perdigão. 11º ed. Vozes. Petrópolis.
Pág. 633.
[27] Observe-se que a epígrafe de A convidada, Simone de Beauvoir, é um pensamento de Hegel: “Toda
consciência visa à morte de outra”.
[28] Idem, idem. Págs. 624-625, 629.
[29] Tomei consciência, não apenas intelectual, mas o vivido,
o experienciado nas situações e circunstância, na vida e na alma – como costumo
dizer ao empregar a expressão “letras adentro” – quando li Utopia cristã no
sertão mineiro – uma leitura de “A hora e vez de Augusto Matraga” de João
Guimarães Rosa, lançado pela Editora Vozes em 1997. A idéia que dei
adesão de imediato, uma intuição do verbo amar: “Se o Ser se faz continuamente, a continuidade é também o Ser”. A
partir então, comecei a
investigar a questão da “eternidade”, do “eterno”. O questionamento: “o que não
entendo é filósofos e mais filósofos, cada um ao seu modo e estilo, dizem da
eternidade, mas é sempre na maioria que o conceito é abstrato, vago,
especialmente em Sartre, enquanto que, em Dostoievski, nós nos alimentamos do
eterno, daí a busca das origens mais profundas. Para mim, alimento-me do
eterno, estou à busca de tomar no cálice um gole de seu gosto e paladar, o
sentimento de liberdade e transcendência. A Literatura, a Filosofia não são
justificativas, no sentido de algo exterior com que me engano e me traio, nego
o meu “pecado original”, quero apenas me refestelar na cadeira de balanço da
“zona de conforto”. É algo que se vai elaborando, estabelecendo, criando,
algumas vezes, o desencontro, por vezes o encontro e, por vezes, ainda, a
realização. Daí é que compreendi o que isto a entrega ao sonho do verbo amar.
Continuamente vou vivendo e traçando os caminhos de busca de quem sou, o
encontro com o outro. “- o êxtase de um encontro com outros seres que
a cada jorrar da água na fonte originária é um ser delineado por outra água, o
espírito se re-velando e se ocultando, criação de dentro de uma criação, de
dentro de outra criação, e o rio segue a sua trajetória...”. Assim, escrevera
em “Na fonte originária do rio de águas límpidas”, publicado pelo jornal Folha
de Curvelo, em 1999, sentindo algo profundo, uma luz que se mostrava por vezes
e se escondia, e um desejo de conhecer, o que não sabia. A água havia
despertado algo profundo em mim, a continuidade de conhecimentos, a busca de me
confundir com quem sou, sem freios e celas. A água busca sempre seguir o seu
itinerário, sem pressa e margens, descer do céu para baixo, e, com os caminhos
perseguidos, ela busca aquilo que sustenta todos os caminhos passados e
vividos, a água, levando-a para o céu onde ela se transforma em nuvens, até
voltar a cair sobre a terra como chuva e aí despertar a matéria para uma vida
nova, o espírito para outros sentimentos e intuições, a continuidade... Assim,
concebo a vida que escolhi consciente de quem sou, o que faço de mim, o que
será de mim... Sei, tenho consciência, vivo, alimento-me desta busca do
sublime. Nesse ensaio, busco, acima de tudo, mostrar as contribuições de
Sartre, no processo de minha vida de intelectual, de escritor, de professor; nunca fechar-me
num sartrismo, aliás, a própria doutrina sartreana isto apregoa, seria uma
justificativa ridícula para a minha vida, a existência. Sartre trouxe grandes
contribuições, e este tema e temática do “místico” “misticismo” em Sartre, não é apenas um mergulho
na fé sartreana, mas o que ela contribui para o meu crescimento, creio, hoje,
que estou maduro para novas experiências, sustentado na busca, e “escrever
sobre os autores” , especialmente sobre Sartre, é um prazer. A palavra-chave,
que está em evidência e ênfase, é o “diálogo ecumênico”, a filosofia e todas as
religiões, tomando em consideração as origens, o judaísmo. E por que não sobre um dos mais famosos
filósofos, considerados ateu, e essa idéia hoje é umas espiras do espiral, que
é a dialética de Sartre. A vida eterna significa, então, para mim, o Ser que se
faz continuamente, a continuidade sendo também o Ser, de acordo com o que
escrevera no artigo mencionado acima: “o
mistério dessas águas, essas águas capazes de encher a carência de amor, viu em
Deus as minhas sensações, intensidade da vida, assumindo um sonho de um real
ad-verso valoriza o sinal inequívoco de um pássaro apanhando um peixe, a
persistência em direção ao fim.”.
[30] Sartre, em O ser
e o nada, diz: “(...) é com relação a todo homem vivo que toda realidade
humana é presente ou ausente sobre fundo de presença originária. E esta
presença originária só pode ter sentido como ser-olhado ou como ser-olhador, ou
seja, desde que o outro seja objeto para mim ou que eu seja objeto-Para-outro.
O ser-Para-outro é um fato constante de minha realidade humana e apreendo-o com
sua necessidade de fato em qualquer pensamento, o menor que seja, que formo
sobre mim mesmo”. A ausência não é um nada de conexões dotado de uma
localização, mas, ao contrário.
[31] A busca só se revela real, experiência vivida, sentido
vivenciado, habitando nela a idéia de continuidade, a continuidade sendo o
eidos da realidade humana.
[32] SARTRE, Jean-Paul, FERREIRA, Vergílio. O existencialismo é um humanismo.
Editora Presença. Livraria Martins Fontes. Tradução e notas de Vergílio
Ferreira. 4º edição. Pág. 219.
[33] Neste sentido, um amigo dera-me a oportunidade de uma
transformação, no dizer vulgar de 360 graus, na minha vida. Pedira-me que nada
comentasse a respeito com ninguém, fosse um segredo tumular, dizendo-me: “Aqui
está o que a mão esquerda faz não deixando a direita saber”. Escrevi este
capítulo pensando com muito amor neste amigo, um agradecimento eterno a sua
atitude.
[34] SARTRE, Jean-Paul. O diabo e o bom Deus. Trad. Gabriela
Alves Neves. Edições Unibolso. 1951. pág. 143.
[35] Levinas pensa em primeira instância numa interioridade
egoísta. Em princípio, O ser e o Nada, de Sartre, está fundado nessa
interioridade egoísta. Mais tarde, a interioridade se aprofunda quando percebo
que estou em dívida com o outro, dívida que vai até mesmo aumento à medida que
procuro pagá-la. É com esta conferência, ministrada por Sartre, contra muitas
críticas, é que Sartre reconhece o compromisso, a responsabilidade com o outro.
Nessa responsabilidade, nesse compromisso interminável se realiza a
transcendência do Infinito.
[36] Sob o ponto de vista ontológico, tanto vale dizer que o
possível e o valor surgem como limites em direção aos quais uma falta de ser se
projeta com o fim de se anular, ou que a liberdade, elo seu aparecimento, faz
surgir o seu possível e, ao mesmo tempo define o seu valor. Qual será, portanto
o possível último e, por conseqüência, o valor absoluto em direção do qual se
projeta o para-si? Somente no-lo poderá revelar uma psicanálise existencial,
isto é, uma pesquisa que revele a escolha
original que o homem opera ao determinar a sua posição no mundo.
Partindo da experiência e baseando a pesquisa na concepção pré-ontológica (ou
espontânea) que o homem tem de si mesmo, descobriremos que o projeto
fundamental ou escolha original do homem não pode ser senão o projeto-de-ser,
pois é evidentemente impossível para lá do ser, não havendo, porém, qualquer
diferença entre possível, valor, projeto-de-ser e ser. Fundamentalmente, o homem
é desejo de ser.
[37] Aqui, o conceito hegeliano de “aufheben”: ultrapassar,
conservando.
[38] Aqui está a dificuldade de compreensão e entendimento de
toda a doutrina sartreana, a que nível ele se lança com a sua traição, pensar
contra si mesmo. Não se pode ter uma idéia exata de Sartre, quem é ele, em
verdade, e este não poder é a idéia mais exata possível. A traição, os jogos,
os dados lançados, as frases bombásticas são as pedras angulares dessa
idéia.
[39] Esta fala de Nasty lembra a de Dostoievski: “Sem Deus,
tudo é permitido”.
[40] SARTRE, Jean-Paul. O diabo e o bom Deus.Trad. Gabriela
Alves Neves. Edições Unibolso. 1951. pág. 141.
[41] Interessante é observar que exatamente no meio da edição
da Unibolso, haja a fala de Nasty, em diálogo com Goetz: “O bem não engendra o
Mal, seja”. Noutras palavras, o Amor não dá origem ao Mal. Na edição da
Gallimard, 1951, também esta fala se encontra no meio da obra: “Le Bien
n´engendre pás le Mal, soit: puisque ta folle générosité va provoquer un
massacre, c´est donc que tu ne fais pas le Bien”
[42] LELOUP, Jean-Yves. A arte da atenção. Para viver cada
instante em sua plenitude. Trad. Guilherme João de Freitas Teixeira. Verus Editora. 2001.
[43] Conforme a famosa sentença de Tomás de
Aquino em seu
Comentário à Metafísica de Aristóteles, 1,3: “O filósofo se
parece com o poeta porque ambos se ocupam com o maravilhoso (mirandum)”.
[1] Capítulo retirado da
tese À Luz das Palavras. Com este texto, esclarecemos o que não concordarmos
com a posição de Marco Antônio Souza.
[2] Citamos uma passagem de Nietzsche em que ele declara que
os Judeus apenas desejam estabelecer-se. Há ainda outra passagem em que o mesmo
filósofo se refere á futura ascendência dos Judeus na Europa: ‘Cada judeu pode
encontrar na história da sua família ou dos seus antepassados uma longa série
de exemplos na maior calma e perseverança no meio das maiores dificuldades e
das mais terríveis situações, e uma perfeita astúcia para lutar contra o
infortúnio e contra os reveses da sorte. E, acima de tudo, é a sua bravura sob
a capa de uma miserável sujeição e o seu heróico spernere se sperni (desprezar
o ser-se desprezado) que ultrapassa as virtudes de todos os santos”. Esta
passagem é favorável aos Judeus. Os Judeus, de acordo com Nietzsche, mostraram
e mostram um notável amor à vida – mesmo mais do que os gregos. Eles não
desejavam por forma alguma verem-se privados do seu corpo, mas desejavam
conserva-lo para sempre. Nietzsche cita o martírio judaico dos Macabeus ii, 7,
que “não queriam abandonar os intestinos que lhes haviam sido arrancados, pois
desejavam tê-los consigo no dia da ressurreição” – uma perfeita característica
judaica.
[3] Rm 1,28; Col 1,9,10; 2,2; Ef e,17; 4,13.
[4] 1,6; 4,25; 7,7;
[5]
Faz-se mister ressaltar e sublinhar que Sartre busca, deseja alcançar através
de suas obras o fundamento, assumindo a fé, o dom que vem de Deus, em suas
próprias palavras “Não se é um ser
humano enquanto não se encontra alguma coisa pela qual se está disposto a
morrer”.
[6] JEANSON, Francis. Sartre.
Trad. Elisa Salles. Ed. Etitions du Seuil. Ed. José Olympio. 1955.
pág. 56.
[7] Idem, idem.
[8] SARTRE, Jean-Paul. O diabo e o bom Deus. Trad. Gabriela
Alves Neves. Edição Unibolso. 1951. pág. 138.
[9] Idem, idem. pág. 151.
[10] A leitura se revela, então: o encontro com o outro se
dá, em Sartre, sem mediação de conceito ou imagem, quando adota como filha a
judia Arlette Elkaim, e com o encontro com Benny Lévy, estar Sartre assumindo a
causa dos judeus.
[11] Tomando aqui em consideração que o “Mesmo”, sob a luz de
Luhmann, Horkheimer, é a Totalidade, neste sentido a ontologia subsume o outro
no mesmo. A teoria se compromete numa via que nega o desejar metafísico, a
maravilha da exterioridade, onde habita este desejar. Entretanto a teoria como
referência à exterioridade [... tem] uma intenção crítica que não reprime o
outro no mesmo como a ontologia, mas que coloca o mesmo em questão... Chamamos
este colocar em questão minha espontaneidade, em presença do outro, ética... A
metafísica, a transcendência, o hospedar o outro no mesmo, o outro pelo eu, se
realiza concretamente como o colocar em questão o mesmo pelo outro, isto é,
como ética que cumpre a essência crítica do saber.
[13] LOPES, Paulo César. Pode um cristão ser budista? Paulus.
2004. pág. 45..
[14] LAMA, Dalai. O caminho para a liberdade. Ensinamentos
fundamentais do Budismo tibetano. Trad. de Beatriz Penna. 4º edição. Nova Era.
Rio de Janeiro. 2001. pág. 18.
[15] Paulo César Lopes em Utopia cristã no sertão mineiro à
pág. 10 assim nos diz, não só reduzindo a vida ao desejo, mas acrescentando “A
vida é desejo, vontade e razão”. Eros, patos e logos em busca de sua
realização. Assim, o homem conhece o mundo com todo o seu ser. Conhecer e ser
confundem-se. O conhecimento como totalidade, unidade, não é suficiente para
ajudar na conservação da Vida. Essa totalidade desfaz-se num desenrolar
histórico que, de certa forma, busca reencontrar-se como totalidade, mas então
como consciência de si mesma. O Em-si da Vida busca o Para-si.
[16] RAHNER, Karl. Curso
fundamental da fé.Introdução ao conceito de cristianismo. 2º ed. Trad.
Alberto Costa. Paulus. 1984. pág. 55.
[17] SARTRE, Jean-Paul. O diabo e o bom Deus. Trad. Gabriela
Alves Neves. Edição Unibolso. 1951. pág. 164-165.
[18] Em Sartre, a responsabilidade entra no mundo pela
“escolha original”, a nascida na tensão da realidade humana e da situação.
[19] Novo em Sartre é a idéia de que a leitura seja um ato
essencialmente livre, não mera resposta a algumas palavras, mas a constituição
de um objeto – a obra – que não existe anteriormente à sua constituição e que
não é idêntica às palavras, as quais não podem causar o ato da leitura.
[20] Aquando recebi o “livro branco”, de Thich Nhat Hahn,
Para Viver em Paz. O
milagre da Mente Alerta, de presente de Paulo César Lopes e Nívea Maria
Matteocci, sonhei que estava à beira de um abismo com os meus filhos. O
primogênito, Sacha Lucien Moser Ferreira, estava calmo e tranqüilo sentado em
meu colo. Kayros Christian Moser Ferreira queria a todo custo aproximar-se do
abismo. Dizia-lhe que não, não se aproximasse. De repente, olhando de lado,
percebi uma porta aberta. Deixei meus filhos, dirigindo-me à porta. Entrando,
percebi que minhas mãos estavam cheias de sementes. Jogava-as no chão. Nascia
uma espécie de pé de alface. Continuei jogando. De imediato a semente caia na
terra nascia a planta. Tive vontade de comer um pedaço da folha. Alguém
surgira, chamei-o no sonho de “homem do espaço”, dizendo que não comesse aquela
planta, era ruim. Disse-lhe que não. Arranquei e comi. Uma delícia. Senti-me
calmo e tranqüilo, uma sensação fria no corpo inteiro, estava ventando no alto
da serra, à beira do abismo. Continuei semeando.
[21] Buscar fundamentar o misticismo de Sartre não significa,
em hipótese alguma, desconhecer ou negligenciar o ateísmo de Sartre; a síntese
misticismo-ateísmo nos dá a imagem do pensamento em sua totalidade.
[23] O mundo era presa do Mal; uma única salvação: morrer
dentro de si na Terra, contemplar do fundo de um naufrágio as idéias
impossíveis. Como não conseguiria isso sem um treinamento difícil e perigoso,
havia-se confiado a literatura a um corpo de especialistas. O clero tomava
conta da humanidade e a salvava pela responsabilidade dos méritos.
[24] O nome hinduísmo foi inventado pelos europeus para a
religião indiana. Na realidade, ele não designa uma religião indiana única, mas
toda uma variedade, um grande número de religiões. No hinduísmo não se trata, em primeira linha,
de proposições a serem cridas, não se trata de dogmas nem de uma ortodoxia: o
hinduísmo não conhece nenhum magistério. Não se trata de determinados direitos
que se possuam perante os outros. Sim da grande destinação do homem, dos
deveres que o homem tem: deveres para com a família, para com a sociedade, para
com Deus e para com os deuses.
[26] SARTRE, Jean-Paul
Sartre. O ser e o nada. Ensaio
de ontologia fenomenológica. Trad. Paulo Perdigão. 11º ed. Vozes. Petrópolis.
Pág. 633.
[27] Observe-se que a epígrafe de A convidada, Simone de Beauvoir, é um pensamento de Hegel: “Toda
consciência visa à morte de outra”.
[28] Idem, idem. Págs. 624-625, 629.
[29] Tomei consciência, não apenas intelectual, mas o vivido,
o experienciado nas situações e circunstância, na vida e na alma – como costumo
dizer ao empregar a expressão “letras adentro” – quando li Utopia cristã no
sertão mineiro – uma leitura de “A hora e vez de Augusto Matraga” de João
Guimarães Rosa, lançado pela Editora Vozes em 1997. A idéia que dei
adesão de imediato, uma intuição do verbo amar: “Se o Ser se faz continuamente, a continuidade é também o Ser”. A
partir então, comecei a
investigar a questão da “eternidade”, do “eterno”. O questionamento: “o que não
entendo é filósofos e mais filósofos, cada um ao seu modo e estilo, dizem da
eternidade, mas é sempre na maioria que o conceito é abstrato, vago,
especialmente em Sartre, enquanto que, em Dostoievski, nós nos alimentamos do
eterno, daí a busca das origens mais profundas. Para mim, alimento-me do
eterno, estou à busca de tomar no cálice um gole de seu gosto e paladar, o
sentimento de liberdade e transcendência. A Literatura, a Filosofia não são
justificativas, no sentido de algo exterior com que me engano e me traio, nego
o meu “pecado original”, quero apenas me refestelar na cadeira de balanço da
“zona de conforto”. É algo que se vai elaborando, estabelecendo, criando,
algumas vezes, o desencontro, por vezes o encontro e, por vezes, ainda, a
realização. Daí é que compreendi o que isto a entrega ao sonho do verbo amar.
Continuamente vou vivendo e traçando os caminhos de busca de quem sou, o
encontro com o outro. “- o êxtase de um encontro com outros seres que
a cada jorrar da água na fonte originária é um ser delineado por outra água, o
espírito se re-velando e se ocultando, criação de dentro de uma criação, de
dentro de outra criação, e o rio segue a sua trajetória...”. Assim, escrevera
em “Na fonte originária do rio de águas límpidas”, publicado pelo jornal Folha
de Curvelo, em 1999, sentindo algo profundo, uma luz que se mostrava por vezes
e se escondia, e um desejo de conhecer, o que não sabia. A água havia
despertado algo profundo em mim, a continuidade de conhecimentos, a busca de me
confundir com quem sou, sem freios e celas. A água busca sempre seguir o seu
itinerário, sem pressa e margens, descer do céu para baixo, e, com os caminhos
perseguidos, ela busca aquilo que sustenta todos os caminhos passados e
vividos, a água, levando-a para o céu onde ela se transforma em nuvens, até
voltar a cair sobre a terra como chuva e aí despertar a matéria para uma vida
nova, o espírito para outros sentimentos e intuições, a continuidade... Assim,
concebo a vida que escolhi consciente de quem sou, o que faço de mim, o que
será de mim... Sei, tenho consciência, vivo, alimento-me desta busca do
sublime. Nesse ensaio, busco, acima de tudo, mostrar as contribuições de
Sartre, no processo de minha vida de intelectual, de escritor, de professor; nunca fechar-me
num sartrismo, aliás, a própria doutrina sartreana isto apregoa, seria uma
justificativa ridícula para a minha vida, a existência. Sartre trouxe grandes
contribuições, e este tema e temática do “místico” “misticismo” em Sartre, não é apenas um mergulho
na fé sartreana, mas o que ela contribui para o meu crescimento, creio, hoje,
que estou maduro para novas experiências, sustentado na busca, e “escrever
sobre os autores” , especialmente sobre Sartre, é um prazer. A palavra-chave,
que está em evidência e ênfase, é o “diálogo ecumênico”, a filosofia e todas as
religiões, tomando em consideração as origens, o judaísmo. E por que não sobre um dos mais famosos
filósofos, considerados ateu, e essa idéia hoje é umas espiras do espiral, que
é a dialética de Sartre. A vida eterna significa, então, para mim, o Ser que se
faz continuamente, a continuidade sendo também o Ser, de acordo com o que
escrevera no artigo mencionado acima: “o
mistério dessas águas, essas águas capazes de encher a carência de amor, viu em
Deus as minhas sensações, intensidade da vida, assumindo um sonho de um real
ad-verso valoriza o sinal inequívoco de um pássaro apanhando um peixe, a
persistência em direção ao fim.”.
[30] Sartre, em O ser
e o nada, diz: “(...) é com relação a todo homem vivo que toda realidade
humana é presente ou ausente sobre fundo de presença originária. E esta
presença originária só pode ter sentido como ser-olhado ou como ser-olhador, ou
seja, desde que o outro seja objeto para mim ou que eu seja objeto-Para-outro.
O ser-Para-outro é um fato constante de minha realidade humana e apreendo-o com
sua necessidade de fato em qualquer pensamento, o menor que seja, que formo
sobre mim mesmo”. A ausência não é um nada de conexões dotado de uma
localização, mas, ao contrário.
[31] A busca só se revela real, experiência vivida, sentido
vivenciado, habitando nela a idéia de continuidade, a continuidade sendo o
eidos da realidade humana.
[32] SARTRE, Jean-Paul, FERREIRA, Vergílio. O existencialismo é um humanismo.
Editora Presença. Livraria Martins Fontes. Tradução e notas de Vergílio
Ferreira. 4º edição. Pág. 219.
[33] Neste sentido, um amigo dera-me a oportunidade de uma
transformação, no dizer vulgar de 360 graus, na minha vida. Pedira-me que nada
comentasse a respeito com ninguém, fosse um segredo tumular, dizendo-me: “Aqui
está o que a mão esquerda faz não deixando a direita saber”. Escrevi este
capítulo pensando com muito amor neste amigo, um agradecimento eterno a sua
atitude.
[34] SARTRE, Jean-Paul. O diabo e o bom Deus. Trad. Gabriela
Alves Neves. Edições Unibolso. 1951. pág. 143.
[35] Levinas pensa em primeira instância numa interioridade
egoísta. Em princípio, O ser e o Nada, de Sartre, está fundado nessa
interioridade egoísta. Mais tarde, a interioridade se aprofunda quando percebo
que estou em dívida com o outro, dívida que vai até mesmo aumento à medida que
procuro pagá-la. É com esta conferência, ministrada por Sartre, contra muitas
críticas, é que Sartre reconhece o compromisso, a responsabilidade com o outro.
Nessa responsabilidade, nesse compromisso interminável se realiza a
transcendência do Infinito.
[36] Sob o ponto de vista ontológico, tanto vale dizer que o
possível e o valor surgem como limites em direção aos quais uma falta de ser se
projeta com o fim de se anular, ou que a liberdade, elo seu aparecimento, faz
surgir o seu possível e, ao mesmo tempo define o seu valor. Qual será, portanto
o possível último e, por conseqüência, o valor absoluto em direção do qual se
projeta o para-si? Somente no-lo poderá revelar uma psicanálise existencial,
isto é, uma pesquisa que revele a escolha
original que o homem opera ao determinar a sua posição no mundo.
Partindo da experiência e baseando a pesquisa na concepção pré-ontológica (ou
espontânea) que o homem tem de si mesmo, descobriremos que o projeto
fundamental ou escolha original do homem não pode ser senão o projeto-de-ser,
pois é evidentemente impossível para lá do ser, não havendo, porém, qualquer
diferença entre possível, valor, projeto-de-ser e ser. Fundamentalmente, o homem
é desejo de ser.
[37] Aqui, o conceito hegeliano de “aufheben”: ultrapassar,
conservando.
[38] Aqui está a dificuldade de compreensão e entendimento de
toda a doutrina sartreana, a que nível ele se lança com a sua traição, pensar
contra si mesmo. Não se pode ter uma idéia exata de Sartre, quem é ele, em
verdade, e este não poder é a idéia mais exata possível. A traição, os jogos,
os dados lançados, as frases bombásticas são as pedras angulares dessa
idéia.
[39] Esta fala de Nasty lembra a de Dostoievski: “Sem Deus,
tudo é permitido”.
[40] SARTRE, Jean-Paul. O diabo e o bom Deus.Trad. Gabriela
Alves Neves. Edições Unibolso. 1951. pág. 141.
[41] Interessante é observar que exatamente no meio da edição
da Unibolso, haja a fala de Nasty, em diálogo com Goetz: “O bem não engendra o
Mal, seja”. Noutras palavras, o Amor não dá origem ao Mal. Na edição da
Gallimard, 1951, também esta fala se encontra no meio da obra: “Le Bien
n´engendre pás le Mal, soit: puisque ta folle générosité va provoquer un
massacre, c´est donc que tu ne fais pas le Bien”
[42] LELOUP, Jean-Yves. A arte da atenção. Para viver cada
instante em sua plenitude. Trad. Guilherme João de Freitas Teixeira. Verus Editora. 2001.
[43] Conforme a famosa sentença de Tomás de
Aquino em seu
Comentário à Metafísica de Aristóteles, 1,3: “O filósofo se
parece com o poeta porque ambos se ocupam com o maravilhoso (mirandum)”.
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