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terça-feira, 24 de novembro de 2015

IMAGEM DE ESPLENDOR E VERBOS - MANOEL FERREIRA NETO


São di-versos os caminhos por que Deus pode nos con-duzir à solidão, estendendo-nos as mãos, sussurrando-nos palavras de sabedoria, guiando-nos através de Sua sensibilidade e espiritualidade, indicando-nos com Seu Amor os verbos do encontro e da felicidade, da vida e morte, e levar-nos a nós mesmos. São inúmeras as veredas por que podemos nós mesmos con-duzir-nos à nossa id-ent-idade verdadeira e real, à nossa espiritualidade divina, através de nossas reflexões, esperanças e fé de que a vida é possível, de que o bem sempre vencerá o mal. A melancolia corrige a ingenuidade, dando-lhe a intuição do mal mundano; a ingenuidade tempera a melancolia, tirando-lhe o que possa haver nela triste ou pesado. A nostalgia corrige a inocência, conferindo-lhe a percepção de nossas gratuidades quotidianas; a inocência tempera a nostalgia, tirando-lhe o que possa haver nela de fantasia ou quimera, idílio ou imaginação. Passam as décadas, séculos, milênios, os homens, as repúblicas, as democracias, as filosofias, religiões, morais e éticas; a história faz-se dia por dia, letra a letra, página a página, folha a folha; as obras humanas alteram-se, corrompem-se, modificam-se, transformam-se. Por um deles, con-duziu-me então, por um deles con-duzi-me eu mesmo em busca perene da imagem de esplendor e verbos.
Era meu desejo conhecer o sentido e a essência do eu, para desprender-me, des-vencilhar-me dele e para superá-lo. Porém só no tempo, envolvido nas circunstâncias e situações, iria poder despertar-me para os caminhos da superação, vividos e vivenciados por mim próprio. Por longos anos logrei iludi-lo. Consegui, sim, fugir dele e furtar-me às suas vistas. Alguém dissera-me: “Não é mudando de poço que encontrará a água límpida e fria, é mergulhando  nele”. Nada no mundo preocupou-me tanto quanto esse eu, esse mistério de estar vivo, de ser indivíduo, de achar-me separado e isolado de todos os demais. Nada na vida preocupou-me tanto quanto o dito popular “passar a vida em brancas nuvens”, quanto isso de não valorizar o para quê fomos vocacionados. E isso surgiu de ouvir as pessoas dizerem, sempre que alguém morria: “por algum tempo será lembrado por todos, ao longo do tempo esquecido; só mesmo os parentes, amigos e íntimos lembrar-se-ão dele(dela) pela eternidade, assim mesmo nalguns ocasiões”.  
Se a id-ent-ifico hoje através destas palavras que se me a-nunciam em todas as dimensões sensíveis, espirituais, corpóreas, não o sei dizer, mas estou consciente de que me guia pelas veredas de todas as vivências e experiências. O desejo forte e presente é de dia após dia estar refletindo, meditando sobre o que é isto, sentir-me espiritualizado.
 Vejo-me avançar desesperançado, desassossegado, ansioso, angustiado, deprimido, como homem atormentado por pesadelo, como indivíduo ressentido e aborrecido com uma palavra de não, com uma atitude arbitrária, através de longas noites e dias de bebedeira e de cinismo, por caminho odiento e sujo, coberto de detritos e viscosidades, de sacos de lixos nas calçadas, de lixo espalhado nas ruas, coalhado de cacos de copos de bebida, de mendigos e bêbados dormindo nas calçadas. Há sonhos assim em que, ao seguirmos em direção ao Palácio de Cristal, afundamo-nos, mergulhamo-nos de repente num lodaçal, penetramos num charco nojento e intragável, ou seguimos por ruelas imundas e pestilentas. Tal foi o que me sucedeu, melhor dizendo, ocorreu, e tal foi o processo nada belo que me estava destinado seguir para chegar à solidão e inter-por entre o paraíso de minha infância e eu uma porta hermética, prolixa, defendida por dois resplandecentes guardiães implacáveis.
Os amplexos do silêncio infeliz...
É, sobretudo, no infortúnio que o silêncio abraça os homens. Abraço de compreensão e entendimento, desejo lúcido de evangelização e espiritualidade, promessa transparente de libertação - suficientes a fé, a esperança, sonhos e utopias, comungados aos verbos das quimeras e ilusões, aos verbos dos sentidos e das emoções. De ternura, certeza nítida de aconchego, sonho de traduzir as emoções - bastante o DESEJO pela vida. De solidariedade - cabe a entrega absoluta ao AMOR. De compaixão – cabe a con-templação dos desejos e vontades de VIDA.
Todos os sofrimentos, dores, angústias, tristezas pertencem ao tempo, do mesmo modo que todos os receios, relutâncias, hesitâncias, tormentos com que as pessoas se afligem a si mesmas. Todas e quaisquer dificuldades, tudo quanto haja de hostil no mundo, sumir-se-á, cairá derrotado, logo que o homem triunfar sobre o tempo, logrando arredá-lo pelo pensamento.
Pequena palavra surgida de súbito, em princípio, sugerindo que fora pensada para outras virem à soleira, dizerem suas verdades, modifica a linguagem, revelando perspicácia, acompanhada de vivacidade, para um mergulho profundo, para um conhecimento trans-cendente e real. Ínfimo som a-nunciado de antemão às revezes, trans-forma o estilo, mostrando habilidade e intuição, para a con-templação do sentido de viver.  Quase inaudível melodia nascida nos confins da alma tergiversa a forma, renovando os sentimentos e emoções, para a visão do belo e da beleza. A palavra fora “talvez”. Para mim, na palavra “talvez” reside um mundo diferente de todos os outros que os séculos e milênios id-ent-ificaram.
O que é isto de, talvez, os que mais conhecem os amplexos do silêncio fá-lo sob que águas caladas e profundas?!... Descansa a tênue camada da vida quotidiana, refestela a singela e suave pele das esperanças múltiplas, a carne fresca e vermelha dos idílios vários, dos problemas diários e multifacetados.  Disse-o antes. De imediato, surgem em cena dúvida, desconfiança, medo, diria relutância também.  Talvez quem conhece sabe o que significam, o valor que possuem no frigir dos ovos em busca do verbo e da vida; quanto aos outros homens, não o sabem; a intenção é justamente despertarem para esta busca, sentir-se-ão felizes. Talvez não experimentando a verdadeira felicidade, mas conscientes de que a vida oferece outros horizontes, outras realidades, outras possibilidades, novas probabilidades de outros caminhos e campos rumo ao infinito.  
Não é que nunca tenha percebido os amplexos do silêncio infeliz em momentos de problemas enormes, de dores e sofrimentos dilacerantes; problemas que, de todo, en-velavam qualquer promessa de alegria, qualquer esperança em um futuro, quaisquer ideais de liberdade.  Não restou alternativa senão a de mergulhar neles, re-pousando a face nas mãos em concha, e assim poder constituir, construir esta verdade com as sendas perdidas no tempo, com os cacos de vidro quebrado, com as imagens desfeitas dos espelhos milenares: “É no infortúnio que o silêncio abraça os homens”.
Desde então, em horas difíceis, entrega-se à reflexão, nos braços do silêncio, retornando deles apto a seguir jornada. Sente-se vivo, forte, determinado a todas as aventuras, esforços, lutas, ousadias. Quem sabe ouvir os sinos silenciosos do Natal?!..., prenúncio seja de compreensão de que lhe cabe espiritualmente, prelúdio seja de entendimento de que a jornada prossegue lenta. Quem sabe ouvir as músicas suaves e românticas do Natal?!... prefácio seja de alegria que lhe cabe no canto mais íntimo da alma, posfácio seja de satisfação que lhe cabe no sítio mais silencioso do espírito.  
Só diante deste pensamento de “no infortúnio o silêncio abraçar os homens” pôde perceber não ser o silêncio que se sente infeliz, é o homem, e os abraços são que o torna feliz outra vez, são que o dis-ponibiliza para a continuidade da vida, pronto para continuar o itinerário em busca do sublime e do eterno. Mas não seria verdade também que o silêncio possa se sentir infeliz frente às situações, arbitrariedades, erros do homem consigo próprio? Aí, as vozes todas que habitam o silêncio calam-se, sequer um sussurro, cochicho, murmúrio. Mister despertá-las, acordá-las – mas como? Questionamento, em verdade, sério, difícil de ser respondido, talvez não haja resposta, as trevas se revelam inteiras, adeus à vida, adeus ao mundo, adeus ao imortal, adeus à eternidade, espera-se a morte com a boca aberta cheia de dentes amarelados pela nicotina do fumo. Há espetáculos mais joviais, leituras mais leves; mas o interesse não está na leveza nem na alegria. A tragédia é terrível, é pavorosa, mas é interessante. Se é verdade que os mortos governam os vivos, também o é que os vivos vivem dos mortos.
As tristezas fazem-lhe agora sorrir e não sabe o motivo de, com este amor todo, do fundo da memória, chegar-lhe a imagem de um prado, ladrilhado de ardósia. Os sofrimentos e dores fazem-lhe olhar para trás e não sabe a razão de, com todas as lembranças e recordações, do fundo do inconsciente, chegar-lhe o verbo de tempos outros, de outros segundos e minutos que seguem o itinerário da vida e do mundo. Escapam à compreensão do olhar, ao entendimento da alma e do espírito. Se a consciência reouver um instante de perspicácia, os contornos perdem-se. Perdidos os contornos, há-de se ouvir, escutar o eco do concerto das vozes todas que nos habitam.
Quer dizer que, às vezes, quando a carga da vida se torna demasiado pesada num mundo tão impregnado de intempéries, des-encontrado de seus valores e princípios, perdido no meio das ideologias e interesses espúrios, des-iludido dos amores e esperanças, procura voltar-se para os abismos deslumbrantes da alma, onde tantas emoções novas e inocentes perduram-se intactas. Conhece-as bem demais para ignorar que são emoções eleitas, onde a contemplação e cor-agem podem equilibrar-se, onde o in-verno e o in-verso podem com-prazer-se de virtudes plangentes e exaltar a força de seus encantos. Os acontecimentos tecem-se como as peças de teatro,e representam-se do mesmo modo. A única diferença é que não há ensaio; nem o autor nem os atores precisam deles. Levantado o pano, começa a representação, e todos sabem os papéis sem os terem lido. A sorte é o ponto.
É inútil lamentar-se da tristeza, da solidão do espírito, basta trabalhar para si, batalhar para o encontro, lutar ininterruptamente, sem descanso, sem preguiça, para sua felicidade, e todo o esforço é para que a solidão e tristeza resistam aos ventos do mar pela virtude da brancura e da seiva, pelos limites no mar da vida: saudade ou aspiração; ao nosso espírito ardente, na avidez do bem sonhado e desejado, querido e almejado. Nunca o presente é passado e nunca o futuro é presente.  Porque esta é que preparará o fruto no inverno do mundo, no vernáculo da vida.
O vento varre, o vento assobia, encara, martiriza e não sabe porque o faz; mas outro traz o outro áureo, gente para gente que assobia, que canta, que diverte com primazia, com risos ardentes, naturais, limpos ou simples, esmerados, e sabem porque assim o faz, nunca está só, nunca foi vedado.
É preciso descer ao silêncio da memória e começar a garimpar diamantes perdidos em busca dos brilhos tantos que neles habitam, da beleza que lhes habita.  Um dia algo foi bom, verdadeiro, a luz do sol refletiu na pedra diamantina, os raios multiplicaram-se em todas as direções, festival de cores e brilhos, e o reflexo deixou-lhe perplexo... Acha que o foi, pois ninguém coloca alguém a seu lado acreditando que o faria infeliz, embora possam querer e desejar o mais profundo, ninguém traz alguém para dentro de sua intimidade achando que iria sofrer. Por que agora se sente infeliz? Não será com o silêncio? É consigo próprio. Está carente de seus abraços. Se deseja que algo melhore, ele mesmo terá que começar esta transformação; a mudança começará por si, a trans-formação iniciara pela fé e pelo amor à vida. Deus criou-nos de dentro, escondeu-nos para que nós nos descobríssemos, para que valorizássemos a vida a partir dos desejos de liberdade e de esperança, para que sentíssemos profundo e presente os resultados de todas as lutas e entregas. 



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