São di-versos os caminhos por que Deus pode nos
con-duzir à solidão, estendendo-nos as mãos, sussurrando-nos palavras de
sabedoria, guiando-nos através de Sua sensibilidade e espiritualidade,
indicando-nos com Seu Amor os verbos do encontro e da felicidade, da vida e morte,
e levar-nos a nós mesmos. São inúmeras as veredas por que podemos nós mesmos
con-duzir-nos à nossa id-ent-idade verdadeira e real, à nossa espiritualidade
divina, através de nossas reflexões, esperanças e fé de que a vida é possível,
de que o bem sempre vencerá o mal. A melancolia corrige a ingenuidade,
dando-lhe a intuição do mal mundano; a ingenuidade tempera a melancolia,
tirando-lhe o que possa haver nela triste ou pesado. A nostalgia corrige a
inocência, conferindo-lhe a percepção de nossas gratuidades quotidianas; a
inocência tempera a nostalgia, tirando-lhe o que possa haver nela de fantasia
ou quimera, idílio ou imaginação. Passam as décadas, séculos, milênios, os
homens, as repúblicas, as democracias, as filosofias, religiões, morais e
éticas; a história faz-se dia por dia, letra a letra, página a página, folha a
folha; as obras humanas alteram-se, corrompem-se, modificam-se, transformam-se.
Por um deles, con-duziu-me então, por um deles con-duzi-me eu mesmo em busca
perene da imagem de esplendor e verbos.
Era meu desejo conhecer o sentido e a essência do
eu, para desprender-me, des-vencilhar-me dele e para superá-lo. Porém só no
tempo, envolvido nas circunstâncias e situações, iria poder despertar-me para
os caminhos da superação, vividos e vivenciados por mim próprio. Por longos
anos logrei iludi-lo. Consegui, sim, fugir dele e furtar-me às suas vistas.
Alguém dissera-me: “Não é mudando de poço que encontrará a água límpida e fria,
é mergulhando nele”. Nada no mundo
preocupou-me tanto quanto esse eu, esse mistério de estar vivo, de ser
indivíduo, de achar-me separado e isolado de todos os demais. Nada na vida
preocupou-me tanto quanto o dito popular “passar a vida em brancas nuvens”,
quanto isso de não valorizar o para quê fomos vocacionados. E isso surgiu de
ouvir as pessoas dizerem, sempre que alguém morria: “por algum tempo será
lembrado por todos, ao longo do tempo esquecido; só mesmo os parentes, amigos e
íntimos lembrar-se-ão dele(dela) pela eternidade, assim mesmo nalguns
ocasiões”.
Se a id-ent-ifico hoje através destas palavras que
se me a-nunciam em todas as dimensões sensíveis, espirituais, corpóreas, não o
sei dizer, mas estou consciente de que me guia pelas veredas de todas as
vivências e experiências. O desejo forte e presente é de dia após dia estar
refletindo, meditando sobre o que é isto, sentir-me espiritualizado.
Vejo-me
avançar desesperançado, desassossegado, ansioso, angustiado, deprimido, como
homem atormentado por pesadelo, como indivíduo ressentido e aborrecido com uma
palavra de não, com uma atitude arbitrária, através de longas noites e dias de
bebedeira e de cinismo, por caminho odiento e sujo, coberto de detritos e
viscosidades, de sacos de lixos nas calçadas, de lixo espalhado nas ruas,
coalhado de cacos de copos de bebida, de mendigos e bêbados dormindo nas
calçadas. Há sonhos assim em que, ao seguirmos em direção ao Palácio de
Cristal, afundamo-nos, mergulhamo-nos de repente num lodaçal, penetramos num
charco nojento e intragável, ou seguimos por ruelas imundas e pestilentas. Tal
foi o que me sucedeu, melhor dizendo, ocorreu, e tal foi o processo nada belo
que me estava destinado seguir para chegar à solidão e inter-por entre o
paraíso de minha infância e eu uma porta hermética, prolixa, defendida por dois
resplandecentes guardiães implacáveis.
Os amplexos do
silêncio infeliz...
É,
sobretudo, no infortúnio que o silêncio abraça os homens. Abraço de compreensão
e entendimento, desejo lúcido de evangelização e espiritualidade, promessa
transparente de libertação - suficientes a fé, a esperança, sonhos e utopias,
comungados aos verbos das quimeras e ilusões, aos verbos dos sentidos e das
emoções. De ternura, certeza nítida de aconchego, sonho de traduzir as emoções
- bastante o DESEJO pela vida. De solidariedade - cabe a entrega absoluta ao
AMOR. De compaixão – cabe a con-templação dos desejos e vontades de VIDA.
Todos os
sofrimentos, dores, angústias, tristezas pertencem ao tempo, do mesmo modo que
todos os receios, relutâncias, hesitâncias, tormentos com que as pessoas se
afligem a si mesmas. Todas e quaisquer dificuldades, tudo quanto haja de hostil
no mundo, sumir-se-á, cairá derrotado, logo que o homem triunfar sobre o tempo,
logrando arredá-lo pelo pensamento.
Pequena palavra surgida de súbito, em princípio, sugerindo que fora
pensada para outras virem à soleira, dizerem suas verdades, modifica a
linguagem, revelando perspicácia, acompanhada de vivacidade, para um mergulho
profundo, para um conhecimento trans-cendente e real. Ínfimo som a-nunciado de
antemão às revezes, trans-forma o estilo, mostrando habilidade e intuição, para
a con-templação do sentido de viver. Quase
inaudível melodia nascida nos confins da alma tergiversa a forma, renovando os
sentimentos e emoções, para a visão do belo e da beleza. A palavra fora
“talvez”. Para mim, na palavra “talvez” reside um mundo diferente de todos os
outros que os séculos e milênios id-ent-ificaram.
O que é isto de, talvez, os que mais conhecem os amplexos do silêncio
fá-lo sob que águas caladas e profundas?!... Descansa a tênue camada da vida
quotidiana, refestela a singela e suave pele das esperanças múltiplas, a carne
fresca e vermelha dos idílios vários, dos problemas diários e multifacetados. Disse-o antes. De imediato, surgem em cena
dúvida, desconfiança, medo, diria relutância também. Talvez quem conhece sabe o que significam, o
valor que possuem no frigir dos ovos em busca do verbo e da vida; quanto aos
outros homens, não o sabem; a intenção é justamente despertarem para esta
busca, sentir-se-ão felizes. Talvez não experimentando a verdadeira felicidade,
mas conscientes de que a vida oferece outros horizontes, outras realidades,
outras possibilidades, novas probabilidades de outros caminhos e campos rumo ao
infinito.
Não é que nunca tenha percebido os amplexos do silêncio infeliz em
momentos de problemas enormes, de dores e sofrimentos dilacerantes; problemas
que, de todo, en-velavam qualquer promessa de alegria, qualquer esperança em um
futuro, quaisquer ideais de liberdade. Não restou alternativa senão a de mergulhar
neles, re-pousando a face nas mãos em concha, e assim poder constituir,
construir esta verdade com as sendas perdidas no tempo, com os cacos de vidro
quebrado, com as imagens desfeitas dos espelhos milenares: “É no infortúnio que o
silêncio abraça os homens”.
Desde então, em horas difíceis, entrega-se à reflexão, nos braços do
silêncio, retornando deles apto a seguir jornada. Sente-se vivo, forte,
determinado a todas as aventuras, esforços, lutas, ousadias. Quem sabe ouvir os
sinos silenciosos do Natal?!..., prenúncio seja de compreensão de que lhe cabe
espiritualmente, prelúdio seja de entendimento de que a jornada prossegue
lenta. Quem sabe ouvir as músicas suaves e românticas do Natal?!... prefácio
seja de alegria que lhe cabe no canto mais íntimo da alma, posfácio seja de
satisfação que lhe cabe no sítio mais silencioso do espírito.
Só diante deste pensamento de “no infortúnio o silêncio abraçar os
homens” pôde perceber não ser o silêncio que se sente infeliz, é o homem, e os
abraços são que o torna feliz outra vez, são que o dis-ponibiliza para a
continuidade da vida, pronto para continuar o itinerário em busca do sublime e
do eterno. Mas não seria verdade também que o silêncio possa se sentir infeliz
frente às situações, arbitrariedades, erros do homem consigo próprio? Aí, as
vozes todas que habitam o silêncio calam-se, sequer um sussurro, cochicho,
murmúrio. Mister despertá-las, acordá-las – mas como? Questionamento, em
verdade, sério, difícil de ser respondido, talvez não haja resposta, as trevas
se revelam inteiras, adeus à vida, adeus ao mundo, adeus ao imortal, adeus à
eternidade, espera-se a morte com a boca aberta cheia de dentes amarelados pela
nicotina do fumo. Há espetáculos mais joviais, leituras mais leves; mas o
interesse não está na leveza nem na alegria. A tragédia é terrível, é pavorosa,
mas é interessante. Se é verdade que os mortos governam os vivos, também o é
que os vivos vivem dos mortos.
As tristezas fazem-lhe agora sorrir e não sabe o motivo de, com este
amor todo, do fundo da memória, chegar-lhe a imagem de um prado, ladrilhado de
ardósia. Os sofrimentos e dores fazem-lhe olhar para trás e não sabe a razão
de, com todas as lembranças e recordações, do fundo do inconsciente, chegar-lhe
o verbo de tempos outros, de outros segundos e minutos que seguem o itinerário
da vida e do mundo. Escapam à compreensão do olhar, ao entendimento da alma e
do espírito. Se a consciência reouver um instante de perspicácia, os contornos
perdem-se. Perdidos os contornos, há-de se ouvir, escutar o eco do concerto das
vozes todas que nos habitam.
Quer dizer que, às vezes, quando a carga da vida se torna demasiado
pesada num mundo tão impregnado de intempéries, des-encontrado de seus valores
e princípios, perdido no meio das ideologias e interesses espúrios, des-iludido
dos amores e esperanças, procura voltar-se para os abismos deslumbrantes da
alma, onde tantas emoções novas e inocentes perduram-se intactas. Conhece-as
bem demais para ignorar que são emoções eleitas, onde a contemplação e cor-agem
podem equilibrar-se, onde o in-verno e o in-verso podem com-prazer-se de
virtudes plangentes e exaltar a força de seus encantos. Os acontecimentos
tecem-se como as peças de teatro,e representam-se do mesmo modo. A única
diferença é que não há ensaio; nem o autor nem os atores precisam deles.
Levantado o pano, começa a representação, e todos sabem os papéis sem os terem
lido. A sorte é o ponto.
É inútil lamentar-se da tristeza, da solidão do espírito, basta
trabalhar para si, batalhar para o encontro, lutar ininterruptamente, sem
descanso, sem preguiça, para sua felicidade, e todo o esforço é para que a
solidão e tristeza resistam aos ventos do mar pela virtude da brancura e da
seiva, pelos limites no mar da vida: saudade ou aspiração; ao nosso espírito
ardente, na avidez do bem sonhado e desejado, querido e almejado. Nunca o
presente é passado e nunca o futuro é presente. Porque esta é que preparará o fruto no inverno
do mundo, no vernáculo da vida.
O vento varre, o vento assobia, encara, martiriza e não sabe porque o
faz; mas outro traz o outro áureo, gente para gente que assobia, que canta, que
diverte com primazia, com risos ardentes, naturais, limpos ou simples,
esmerados, e sabem porque assim o faz, nunca está só, nunca foi vedado.
É preciso descer ao silêncio da memória e começar a garimpar diamantes
perdidos em busca dos brilhos tantos que neles habitam, da beleza que lhes
habita. Um dia algo foi bom, verdadeiro,
a luz do sol refletiu na pedra diamantina, os raios multiplicaram-se em todas
as direções, festival de cores e brilhos, e o reflexo deixou-lhe perplexo...
Acha que o foi, pois ninguém coloca alguém a seu lado acreditando que o faria
infeliz, embora possam querer e desejar o mais profundo, ninguém traz alguém
para dentro de sua intimidade achando que iria sofrer. Por que agora se sente
infeliz? Não será com o silêncio? É consigo próprio. Está carente de seus
abraços. Se deseja que algo melhore, ele mesmo terá que começar esta
transformação; a mudança começará por si, a trans-formação iniciara pela fé e
pelo amor à vida. Deus criou-nos de dentro, escondeu-nos para que nós nos
descobríssemos, para que valorizássemos a vida a partir dos desejos de
liberdade e de esperança, para que sentíssemos profundo e presente os
resultados de todas as lutas e entregas.
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