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terça-feira, 24 de novembro de 2015

MONTANHAS PARA OS VALES E ABISMOS PARA A SUPERFÍCIE Manoel Ferreira Neto


 

“Devemos trazer para os vales e os abismos para a superfície”[1].

 

São questionamentos que surgem no espírito, são reflexões que se a-nunciam na alma, são meditações que se mostram na mente, tendo, às vezes, dificuldades em obter respostas, pensando que desperdiço tempo e beleza com futilidades, que escrevo com a pena das frivolidades e a tinta das imbecilidades.  Deveria ocupar-me com questionamentos que me auxiliem na ultrapassagem desta atmosfera do mundo para uma outra que preencha o vazio, que preencha as carências de paisagens e cenários, que preencha as necessidades do espírito de trazer as montanhas para os vales e os abismos para a superfície, enfim, que me tornem outro homem.

Homem quem é capaz de entregar-se por inteiro à realização dos sonhos e das utopias, aberto para a vida, não me esquecendo do sentido dela, a harmonia de uma e outra. As oportunidades surgem, entrego-me, não sabendo aonde irão levar-me, como irei sentir-me, se feliz, contente, alegre, se frustrado, fracassado, mas conheço o que desejo, tenho conhecimento deste desejo; às vezes, contemplo o lema que criei para mim, desde o surgimento da iluminação, aquando tudo começou a modificar-se, “sigo o rio que não tem margens, sigo o rio que não tem pressa, o rio de águas límpidas”. Outrora, as águas estavam sujas, era necessário, ao longo dos anos e das experiências limpá-las, e isto só se tornaria possível com o mergulho no fundo da alma, de mim, conhecer as circunstâncias e situações que deixaram as águas turvas e sujas.

  Se fosse a indagar onde nascem os questionamentos, andaria em direção aos horizontes, ao infinito, acabando na eternidade, e é onde o espírito humano, talvez nem tanto, há quem imagina a eternidade, é preciso que a imagem da eternidade nos tome por inteiro, as razões nada dizem, orientam, onde o meu espírito aspira por viver. A eternidade, para mim, é a imagem de um sonho que se tornou uma realidade, mas, sendo eternidade, continua o seu trajeto, por entre as montanhas, o rio segue o seu trajeto, sua busca é o mar, a plenitude, não há margens, não há pressa, aberto ao mundo e ao sonho do verbo amar, descubro o sentido da vida, a vida, os homens, e com eles vou construindo a relação com o outro, relação esta que frutifica o conhecimento, floresce a contemplação.

Algumas grandes perspectivas do horizonte espiritual e estético são minhas, mas podem ser fonte de vida, e sinto-me tão em harmonia porque fora exatamente nesta busca de conhecimento e contemplação que a fonte começou a jorrar suas águas, e elas seguem a vocação que lhes é dada, a vocação do mar, a plenitude, assim também são os homens, vocacionados à felicidade, ao prazer, à realização, à divindade e santidade... aí a vida tem suas raízes e esperanças.   

 Olhando algum verbo, qualquer um deles, não só o verbo “ser”, que me traz estes questionamentos, pergunto com toda a empáfia: “Por que o verbo está vivo?” Após algum tempo, só consigo dizer que sou eu quem vive, sou eu quem pronuncia e escreve o verbo, talvez por esta razão esteja vivo, mas ele em si não está vivo, isto é impossível: estar vivo independente de mim. Em momentos de desvario e insanidade, acredito o contrário, o verbo está vivo, sou eu quem não está.

Difícil, talvez seja esta a primeira oportunidade de tratar algo com serenidade e sabedoria, pois que compreendo e entendo  o limite dos indivíduos, também tenho os meus limites, mas às vezes pergunto para quem, enfim, estou a dizer algo, a linguagem é erudita, clássica, exigindo conhecimentos anteriores para o mergulho nas imagens, sonhos, filosofia, teologia, tendo de tentar aproximar-me de um estilo mais delicado, tendo escolhido a dimensão da poesia, e, embora todo este trabalho contínuo, ainda ouço que é difícil entender-me, compreender-me. Compreendo os limites, se não os compreendesse, creio que não teria tido a oportunidade de conhecer a dimensão estética, da beleza, e sigo esta busca que é beleza, inspirado na espiritualidade, cristianidade, humanismo.

Nestes instantes, penso comigo: “Van Gogh, artista-plástico, só vendeu um quadro em sua vida, assim mesmo porque seu irmão, com a intenção de incentivo e reconhecimento, dera uma quantia a uma pessoa, pedindo-a que comprasse um quadro. Pintou a vida inteira. Teve seu gozo, seus momentos de alegria e júbilo, porque sabia que no futuro seria reconhecido. Comigo o mesmo, não importa mais se não sou compreendido hoje, sei que amanhã o serei, a minha vida são as letras. Isto é o importante. Apego-me a este valor”.
Lembraram-me as gargalhadas por dois ou três dias, quase que contínuas, não necessito de exagero nem de situação vivida, nem de recurso de estilo, nem de tripúdio, aquando lera em Memorial de Aires, Machado de Assis: “Meu amigo, não lhe importe saber o motivo que me inspira este discurso; late-se como se morre, tudo é ofício de cães, e o cão do casal Aguiar latia também outrora; agora esquece, que é ofício de defunto”. E muitas vezes, diante de alguns acontecimentos, situações, circunstâncias, digo o mesmo “late-se como se morre, tudo é ofício de cães”. Se me dediquei por toda a vida ao sonho do conhecimento, tendo até superado a expectativa em muitas de suas dimensões, agora o que tenho a fazer é mostrar os frutos que fui colhendo com esta entrega, creio sim que abre perspectivas e oportunidades.
Ainda estando a contemplar a imagem que me surgiu no espírito, a respeito da esperança, ser ela o sagrado caráter de eterno e idêntico, relendo, buscando inda mais a translucidez e nitidez da idéia, da intuição, da criação, tornando-a um prazer, o prazer de seguir o rio que não tem margens, o que não tem pressa, a esperança de entendimento e compreensão. Releio, temo haver-lhe sobrecarregado (principalmente ao estar me referindo ao rio) de ênfases, constituindo até uma repetição sem necessidade, desejei inda mais poder sentir este rio em minha intimidade, envolvido com todas as dimensões sensíveis, e em cada uma delas revelo dimensões outras, há uma busca de níveis a serem alcançados. Não há disso; antes é tudo uma conversa sobre os prazeres e delícias de estar aberto para a contemplação de realizações, realidades, horizontes, montanhas, vales, abismos, sombras, enfim quem sou eu neste mundo, a minha dimensão espiritual. 
Ontem, ao passar pela Basílica de São Geraldo, ouvi tocar um belo tango ou fadinho; não sei bem o que era; mas realmente era coisa patusca. Os sonhos vinham da torre; eram os sinos que falavam aos fiéis. Já os tenho ouvido inúmeras vezes, mas só ontem pude senti-los presentes e fortes.  
Reconheço que aqui, então, torna-se ainda mais difícil de ser entendido e compreendido, mas não deixo de  lado a dimensão poética, daí os caminhos do campo em direção do sonho tornam-se agradáveis, lívidos, as imagens penetram e mostram-se, mostram a ternura, busca do verbo amar, do verbo desejar. Agora mesmo, descubro um outro estilo de expressar o que estou a dizer, aqui, ouvindo músicas, Roxette, Seleção de Músicas, inclusive mostrando o lugar onde estou, em que circunstâncias me encontro diante da tela do computador, falando sobre a esperança, este sagrado caráter de eterno e idêntico, sim o intelecto proporcionou-me o eterno, mas se faz necessário que eu seja idêntico a ele, à busca do verbo e do sublime, uma canção lírica que vele os sonhos, os desejos, a vontade de conhecimento e poder, de consciência e espírito, as esperanças todas em uníssono, harmonizados todos, seguindo o rio que não tem pressa, o rio que não tem margens, o rio de águas límpidas. 
Interessante, causando-me salivas contínuas na boca, saboreando algo agradável, se é que se pode dizer que salivas têm um sabor sutil, mas a sutileza do doce, algo como a bala de hortelã, pois que me pergunto quem é que está pensando neste desvario, nesta insanidade, um louco não diria nunca ser louco, caindo na gargalhada, pois que este limite entre a normalidade e a loucura não existe, confundem-se. Deixo de pensar, reconheço a complexidade destas dimensões, tendo consciência, sabendo delas, é-se possível viver bem, os olhos voltados para os horizontes. Não havendo também o limite entre criação e realidade, harmonizam-se, há-de se cuidar em conhecer e saber a realidade, a relação com os homens, os objetos, as coisas. Aprendi que a espiritualidade não é um acúmulo de conhecimentos, mas a realização de conhecimentos no mundo, no meio das coisas e dos objetos, também no meio de quem frutifica o vazio, floresce o nada.
A sinfonia dos dedos... ah, se não fosse temer o ridículo e a galhofa e acaso o patético e sarcástico, imaginaria esta sinfonia sendo executada com cítaras, diria que esta sinfonia sinto-a no pensamento, vivendo as notas que a memória, a imaginação, a busca do belo e do sublime, a intuição e criação, re-criação e percepção... Se houvesse aprendido a executar algum instrumento musical, estaria agora a tocar ou compor, quem sabe? Não faço, não assino tratados de exposição da vida íntima no mercado literário, isto é um embuste, mas reconheço os sonhos nascidos de experiências, no meu estilo, crio e re-crio.  
Em pensando em um verbo que expresse com nitidez a idéia que me perpassa a alma e o espírito, não o encontrando, tendo de substituir por um outro que aproxima e suscite a idéia, digo que não é um verbo vivo, mas com engenhosidade e arte torna-se até elegante, e em todo caso, exprime o sagrado caráter de eterno e idêntico. Dentro de mim, acho que a opinião é injusta, haver-se tornado elegante, exprimindo o sagrado caráter de eterno e idêntico, mas, talvez, este conceito que me surge seja uma relação de afeição que venho tendo com o que parece haver nascido da perfídia da serpente e da desobediência do homem.
Creio que tentarei reunir as duas imagens, a de “late-se como se morde, tudo é ofício de cães”, “a perfídia da serpente e da desobediência do homem”, diria que agora estou completamente só diante dos sonhos e desejos, o de que mais careço é de uma canção lírica, a canção que o silêncio entoa para mim, revelado em meu íntimo. Enfim, a desobediência da serpente é morder o fruto de seu prazer, a perfídia dos cães é engolir os ossos.
A minha arte, e quando digo a minha arte não me refiro apenas à criação, à recriação, linguagem, estilo, busca do belo e do perfeito, refiro-me à vida, e nisto está também a imagem de Machado de Assis, “late-se como se morde, tudo é ofício de cães”, enfim me entreguei à arte, faz-se necessário construir a vida em direção a um horizonte, a horizontes, preciso ser real com o que digo, esta identidade é sobremodo importante, é o meu mais caro dom em que o silêncio aprendeu a  frutificar os ritmos, florescer as vozes.  
Contemplo as palavras todas na tela do computador e falo aos homens com a ternura e carinho velhos que já estou cansado de observar, amaria poder renovar e inovar, e talvez sejam eles agora maiores que de outras vezes, pois que desde há muito observo que a minha vida, diante de todas as transformações e mudanças que sofreu, tornando-me, óbvio, esperançoso da realização a que sempre aspirei, consiste no desejo de que em tudo as coisas fossem em absoluto diferentes do que as compreendo, do que as entendo; e que alguém, não sei se me importaria se fosse qualquer homem, se gostaria de ser alguém das relações pessoais, íntimas, tornasse minhas “verdades” inacreditáveis para mim.
Isto de escrever com a primeira pessoa do singular, eu, se ao menos estivesse a criar personagens, envolvidos nesta ou naquela situação, diante de seus problemas e conflitos, de suas dores e sofrimentos, estou a referir-me a mim, interpretando e recriando as situações e circunstâncias, identificando-me como homem, indivíduo, pessoa, como cínico, sarcástico, irônico, revelando os sofrimentos, dores íntimas, num estilo bem diferente, isto, às vezes, faz as pessoas questionarem, até mesmo a rejeitarem a leitura, o que é de direito delas, mas, se elas têm a gentileza de ler com o espírito, sentindo a linguagem e a poesia com que é identificado este eu não há quem não se identifique, ou seja, sinta que também estou a dizer dela, de seus sofrimentos, desejos, vontades, suas dores, decepções. Amaria sim renovar, inovar, mas penso que ainda surgirão oportunidades, deixo-me aberto às situações e iluminações... 






















[1] Esta epígrafe fora retirada da apresentação de minha primeira peça de teatro, encenada no Sindicato dos Trabalhadores em Curvelo, Avenida Afonso Pena. Sombras refletidas nos pedaços de mim expõe o drama da existência, onde o homem se vê na responsabilidade de uma busca íntima e espiritual, algo capaz de resgatar sua individualidade e sua postura consciente e ética diante de si e dos outros. Faz-se mister um conhecimento de quem somos e quem representamos no mundo, tornando-nos conscientes, homens em busca de nossa verdadeira vocação:  a PAZ e a FELICIDADE. A  sombra é uma dimensão do conhecimento. Às vezes, se observarmos com perspicácia, percebemos que ela reflete exatamente a ad-versidade de nossas condutas, atitudes, ações. Ela mostra-nos que andamos em direção contrária às nossas necessidades mais fundamentais: a compaixão, solidariedade. Colocando-nos diante desta nossa sede de contemplação e conhecimento, estamos desejando sim que haja uma síntese do homem e de sua sombra. O questionamento que nos é colocado é justamente a nossa responsabilidade com a vida e o sentido desta. 

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