Na vida, há coisas diante das quais é necessário se calar. Outras,
porém, impingem uma manifestação qualquer que seja, pois, por sua relevância,
incitam alguma modificação de espírito. Nesta concepção, não há como não falar
do Suplemento-Caderno Literário-Filosófico RAZÃO IN-VERSA, cuja 16º edição
pousou em minhas mãos dia desses, inebriando-me desde ao Editorial.
Tratar do Suplemento e seu conteúdo, vale reportar-se à natureza de tais
publicações e sua importância na formação cultural das respectivas sociedades a
que servem. Quem ainda não tem guardado algum exemplar, unzinho que seja, do Suplemento
Literário do Minas Gerais, coordenado anos a fio pela brilhante e inigualável
mente de Murilo Rubião?
Suplementar implica em acrescentar coisa nova a algo. Assim, os
suplementos literários sempre se portaram como base crítico-analítica da
literatura produzida em seu tempo, bem como de resgate de obras outras já
consagradas. Isso quer dizer que, a despeito de uma publicação de literatura
crítica, não é publicação de literatura propriamente dita. O trabalho do
Suplemento é acrescentar e dar suporte crítico ao leitor interessado no
aprofundamento da obra literária.
Até que nos aparece a RAZÃO IN-VERSA, invertendo a lógica e subvertendo
a ordem (ou, invertendo a ordem e subvertendo a lógica)! Este Suplemento é, no
seu conjunto, uma metalinguagem. O suplemento suplementa a si próprio. Faz a
crítica literária na própria Literatura. Faz de si próprio a Literatura. Sem
contar ainda seu viés filosófico incluso e amalgamado nas peças literárias.
Veja lá, por exemplo, os versos:
“E hoje,
curvado ao peso dos oitenta anos
três centímetros a menos,
caso o pensamento com a razão
e assisto ao nascimento
do meu último rebento”.
(O
Começo do Fim, Raimundo Braga Martins, p. 13)
Tal postura do poeta de plena compreensão da vida e da morte não pode
ser rotulada como conformismo diante do fim próximo, mas reflete a
grandiosidade de sua compreensão da realidade. Tais versos são, a um só tempo,
Literatura por natureza, Filosofia por concepção de vida e Crítica por
comprometimento com as duas anteriores – Literatura e Filosofia.
Não bastasse, os versos de Raimundo Braga Martins encontram ressonância
em outras páginas do Suplemento. Em “Verdades de Primórdios Tempos” (p.27), o escritor/filósofo
Manoel Ferreira Lemos conceitua: “O prolongamento da vida, curto ou longo, é um
pequeno retalho da Glória. A imortalidade é que é de poucos”.
Os dois autores, como membros de uma mesma academia filosófica, como se
tivessem vivido juntos as mesmas experiências, demonstram, cada um a seu modo,
uma compreensão de vida e da morte como fenômenos naturais e a grandeza humana
de ser agente criador. Essa grandeza da criação humana é que lhe concede a
superação da morte, do desaparecimento total. Essa grandeza da criação humana e
seu poder de superação está no “nascimento do meu rebento” de Raimundo Braga e no “pequeno retalho da
Glória” de Manoel Ferreira.
O Suplemento, enfim, está repleto desta universalidade de compreensão do
mundo, da vida e da morte. Mas uma pequena resenha crítica como esta não
comporta a menção de todas as qualidades da obra, para a qual seria necessária
a elaboração de um Tratado de vários volumes.
Não se deixar de registrar, no entanto, a doçura dos poemas de Ludmila
Paixão e Marize Lemos Silva. A instigante poesia de Maria Ernestina Moreira
Barbosa, Sara June da Silva Ferreira e Clélia Correia Leão. A prosa despojada e
reflexiva do cronista Marcos Antônio Alvarenga. O texto hermético e ferino do
escritor/filósofo Manoel Ferreira Lemos, contrastando com o didatismo dos
ensinamentos de Paulo César Lopes. Há ainda a publicação da XVI parte do
Romance “Corcovado de Esperança”, do Manoel Ferreira, a que me eximo de
comentar, para não incorrer na injustiça de julgar o todo pela parte apenas.
Retomo a idéia inicial de que o RAZÃO IN-VERSA se supera como Suplemento
Literário. Faz Literatura por si próprio, sem abandonar a vocação crítica das
publicações deste gênero. Não é por outro motivo que este Suplemento já
encontra caminhando para a 17º edição, sendo-lhe ainda reservadas muitas
edições futuras como sedimentação de seu sucesso, merecendo, urgentemente, ser
material de manuseio constante no meio acadêmico, e não somente das faculdades
e universidades de nossa região sertaneja.
Como é próprio deste Suplemento inverter a lógica e a ordem, subverto os
versos da poetisa Sara June da Silva Ferreira para afirmar que, se “As coisas
de sonhar não são palavras” (p.16) é porque estas, as palavras, demandam
concretização, assim como os sentimentos. E se o mundo não admite como lógica a
concretização das coisas abstratas, vamos à desobediência. Vamos à subversão da
ordem. Busquemos uma RAZÃO IN-VERSA.
Advaldo da Assunção Cardoso Filho
Junho/2009
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