Convém
sublinhar, de início, o sol desta manhã de maio quase me cozinhou os miolos; se
estive com fome, matando cachorro a grito de tanta, era só cortar umas rodelas
de cebola, colocar farinha, um excelente prato, saciar-me-iam a fome, não se
faria necessário comer pelo resto do dia.
Assim
há-de se considerar que as idéias e pensamentos estão quentes, fervendo, o que
não proporciona escrever com decoro e empáfia. No final, nada estará escrito,
apenas caracteres na página. Urge que imbecilidades sejam registradas, enfim
não sou obrigado a ser profundo em todos os instantes; tenho direito a
diversões, momentos de pura hipocrisia, jogar palavras a esmo, idéias ao léu.
Não
penso, nada sinto. Sei apenas que é mister estar fazendo estas anotações para
não ficar olhando as coisas inutilmente, enquanto tomo uma cerveja, “cabeça
vazia é tenda do diabo”, diz o adágio com sabedoria. Bebo cerveja, e o xixi é
de letras, conceitos, categorias. Nada de sério, nada que mereça esforços de
interpretação, o melhor seria se nada disso fosse lido por alguém. Não existe,
contudo, única letra escrita por alguém que não seja endereçada a alguém, o
orgulho é saber que está sendo lido, se gostar
ótimo, se não gostar, o que posso fazer?
Se
até o presente momento tudo que fora escrito re-vela profundidades, agora quero
modificar um pouco; não as quero nestas poucas páginas, passo o tempo, o leitor
se diverte lendo algo que não apresenta qualquer mérito de interpretação, é
mais uma sobremesa no almoço, a tarde de trabalho será tranqüila e serena. O
calor sempre me incomodou, os raios de sol queimam-me a calvície, é a primeira
vez que cozinharam os miolos, as idéias e pensamentos escafederam-se durante o
processo de ser cozidos, o fogo estava insuportável. Podem até voltar no
finalzinho da tarde, no crepúsculo, restam horas a fio, tenho de andar por
todos os lados da cidade, preciso divulgar o que agora está a faltar-me, sendo
de responsabilidade do sol, tornei-me um vendedor de sonhos e utopias através
das palavras.
Contudo,
anuncia-me uma idéia, inda que distante, longínqua, talvez por estar sentado
debaixo de árvores, aqui os raios de sol não chegam, servindo para deleite e
diversão próprias, merecem respeito e consideração os tropeços na sua
concepção, os cata-cavacos na sua criação, merecem os pensamentos, tentativas
de lhes esboçar, mas nada de interpretações. Estive pensando que o verso
verdadeiro nasce justamente nestes momentos de falta de inspiração, de miolos
cozidos, de ócios artísticos e preguiças conting-“entes”, quando só a
imbecilidade pode sa-tisfazer.
Com
esta idéia presente, depois de uns quinze minutos deslizando a penas nos papéis
de saldo bancário, creio que a imbecilidade não será mais possível, será apenas
aparência – imbecilidade com aparência profunda, profundidade com aparência
imbecil, não é este o retrato real da condição humana, dos homens que já
acordam com o poder, desejo de poder infernizando-lhes a cabeça, só descansando
se os bens materiais se multiplicam a olhos vistos, mesmo que os simples e
humildes sejam pisoteados a rigor e classe.
A
idéia acaba com o sonho das letras de nada, o nada nas linhas, a imbecilidade
nas entrelinhas. Queria que a minha imagem fosse denegrida, dissessem todos que
só escrevo e digo asnices, evitar-me em quaisquer circunstâncias é a melhor
medida, conheço algumas personalidades e autoridades de quem todos correm, não
se deseja ouvir-lhes sair da boca qualquer palavra, com os movimentos e
trejeitos da língua. Não mais o será. A idéia roubou a cena.
A
idéia do verso verdadeiro não será mais possível, mais um vez fracasso e me
frustro. Há quando sinto que os deuses, pagãos e cristãos, condenaram-me a
escrever só coisas profundas, e viver só as dúvidas e questionamentos sem
respostas. Levo os símbolos até a soleira do Olimpo, e quando preciso
tergiversar as imbecilidades em versos, para solidificar e comprovar os méritos
de ocupar uma de suas cadeiras, dúvidas da veracidade dos sonhos e desejos
tomam-me por inteiro. Retorno-me ao pé de todos os idílios, tenho de re-pensar
tudo, recriar. Subo dois degraus, desço um sem-número deles. Nunca a
profundidade absoluta, nunca a imbecilidade perene, nunca e jamais a comunhão
de ambas.
O
verso verdadeiro será possível de realização se os verbos da condição e
natureza são aceites e consentidos.
Indago.
Num momento como este, miolos cozidos, busca de apenas diversão, traçando
letras, tecendo caracteres, para não ficar olhando as coisas da vida, mundo e
realidade, como é possível saber o que são verbos da condição e natureza, inda
mais quando decidi com prepotência não lhes saber, em palavras simples e
vulgares: “De nada sei e tenho ojerizas de quem sabe”.
Escreveria
horas a fio, preencheria páginas e mais páginas, enrolar-me, seria objeto de
chacotas, o fio da meada seria perdido, qualquer conclusão estaria em suspenso,
dando origem a todos dizerem: “Se nada houvesse escrito, apenas registrado o
título “Letras de estirpe e raça”, palavra alguma a mais, teria atingido os
objetivos e projetos de nada dizer, quaisquer ângulos de interpretação seriam
obtusos.
Sempre
que tomo da pena para escrever, o que mais desejo é dizer coisas profundas com
imbecilidades, é imbecilizar a vida e as coisas com dimensões profundas, não
sei se algum dia isto me será possível, as tentativas foram-me insuficientes,
acumulo frustrações e fracassos. A condenação dos deuses são implacáveis. O
fígado de Prometeu continua sendo comido pelos abutres, Sísifo continua levando
sua pedra ao topo da montanha, sempre caindo. Nada há que re-verta essa
realidade, é eterna. Meu Deus!, quando me será possível registrar a imbecilidade
pura. Encontro-me enfastiado e cansado, perco o sono todas as noites, e não
tenho qualquer segurança de o espírito serenizar.
Difícil.
Complicado. Fazer o quê? Conscientizar-me de que nunca estarei livre da
profundidade, acumularei dúvidas e fracassos na tentativa de falar besteira,
preencher os desejos e vontades dos leitores de uma leitura leve e
descompromissada.
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