Tinha a solidão desenvolvido no jovem que fui
aquela extremada impressionabilidade, e deixado, assim, meus sentidos sem
defesa, como a descoberto? Não se teria acumulado aquela efervescência na
angústia das insônias, no silêncio de minha reclusão? Eram precisos todos
aqueles esforços desordenados e todas as impacientes emoções do espírito,
ingenuidade dos sentimentos de revolta, para que, afinal, o coração pudesse
abrir-se, encontrar uma solução e retomar o entusiasmo? Ou era simplesmente a
hora que tinha soado? E as coisas deviam acontecer assim, rapidamente, como num
dia de calor abafante o céu escurece, súbito, descarregando-se a seguir sobre a
terra sedenta, alterada pela chuva quente que suspende pérolas nos arbustos,
nas ervas dos campos e curva, até o chão, as corolas das delicadas flores...
Mas, ao primeiro raio do sol, tudo renasce, levanta-se, lança-se ao encontro da
luz, e, solenemente, envia ao céu, para festejar esse re-nascimento, abundantes
e suaves eflúvios de alegria e saúde....
Já
estais acostumada comigo, enfim não faço outra coisa senão brincar com os
vossos brios, como o dizeis em muitos dos nossos diálogos, monólogos,
colóquios, dedos de prosa – sei que sabeis distinguir as diferenças entre eles
-, e muitas vezes rides com a minha insolência e prepotência – “... o nosso
menino atribui a si um grande conhecimento das coisas, dos homens, dos objetos,
conhecimento maior que o nosso, tomando em conta a nossa idade secular,
milenária”, e eu, no mesmo tom de brincadeira e galhofa lhes respondi não se
tratar disso, tratar-se unicamente de que sou um sonhador, imagino a vida um
sonho dentro de outro sonho, dentro de outro sonho, e a continuidade dos sonhos
é a nossa imagem no espelho da eternidade. A propósito, onde estão os vossos
sonhos dentro de outros? Cristalizaram-se. Apenas uma imagem para os homens de
quando em vez observarem. O que reflete? Nada. Já me conheceis, sabeis desses
meus arroubos de intelectualidade, emocionalidade, sentimentalidade, e o mais
que se queira ou deseje acrescentar para enfatizar mais a busca do espírito.
Creio
que ireis dizer sobre esse velho hábito de criar pensamentos, idéias, vivê-los,
e “... a continuidade dos sonhos é a nossa imagem no espelho da eternidade” exemplo
mais que típico de profundidade de conhecimento aderido às buscas da
consciência-estética-ética. O vosso menino, desde esse inicio, com essa coisa
que sente no íntimo de si, na alma, no espírito, e a todo momento vive no
quotidiano de sua vida, está querendo mostrar, revelar que adquiriu nesses
longos anos, com as conversas mantidas em tantos momentos, maior profundidade,
perspicácia e destreza com os pensamentos e idéias, e que agora nessa missiva propõe manter um
diálogo nesses termos, sem regras e normas, deixando a nossa intuição e
percepção, e todas as demais dimensões espirituais e contingentes do homem,
estarem livres para criar e recriar a nossa vida, frente a esses e aqueles
momentos. Desde então, proponho a seriedade e um diálogo claro e cristalino, e
para isso um conhecimento de nossa tão difícil Língua Portuguesa – para vós, isso
é verdadeiramente “fichinha”, pois conheceis todas as línguas desde o país
minúsculo até à imagem de um lugarejo à beira da estrada na cabeça de um insano
ou embriagado ou de um asno extasiado. A escolha fica a critério de cada um.
Não
desejas o título de “Machado de Assis dos homens” – isto é, a tua língua é
clássica-erudita, e quem no Brasil escrevia nestes moldes, estilo e linguagem,
era o grande escritor, andais ombro a ombro com ele. Sei o porquê que não
desejas isso: infelizmente há muitos que não o suportam, por essa razão, e por
suas longas descrições. Não é um modo de elogiar; ao contrário, é de
entristecer, pois que se escrevêsseis, muito poucos iriam desejar ler, quanto
mais num Brasil do início do século XXI, impregnado do ensino ridículo, como
devia ser, pois não é bom que os brasileiros conheçam suas artes e sua língua.
Soube de alguém que recebera esse título “Machado de Assis de...”, o nome da
cidade não me recorda agora – vale ressaltar, carinhoso, terno, de um dos teus
mais íntimos e pessoais amigos -, sentindo-se lisonjeado, mas tem ele condições
e talentos para compensar a chatice da língua clássica, erudita, com a poesia
que habita a sua prosa. Parabenizei-o, embora não o conheça, fiz essa ressalva
a quem mo disse.
Se a
vida é para mim um problema – como certamente acontece – eu também não deixo de
ser um problema para ela. Eis aqui o fundamental para iniciar um diálogo
sincero entre nós, o reconhecimento e a aceitação das coisas como elas
realmente são, de ambos os lados. As pessoas são forçadas a adotar uma atitude
qualquer a meu respeito e, ao fazê-lo, não estão julgando a mim, mas a si
próprios. Seria inútil dizer que não me refiro aqui a qualquer indivíduo em
particular. As únicas pessoas com quem gostaria de conviver agora seriam os
artistas e com os que sofreram, com aqueles que conhecem a beleza e o
sofrimento – ninguém mais me interessa. Nem estou exigindo que a vida me dê
alguma coisa. Em tudo o que disse até agora, minha única preocupação é a
atitude mental diante da vida como um todo. E acredito não sentir vergonha – já
sabeis o que penso mesmo da “vergonha”, mas para enfatizar aqui deixo
registrado novamente: “a vergonha é a lata amarrada ao rabo do caráter”; sempre
que me referir a ela, creio ser imprescindível que a repenseis em conformidade com o que tiverdes lido, uma
in-vestigação criteriosa de meu pensamento, de minha visão-(de)-mundo - de ter
sido castigado é uma das primeiras metas a atingir, em benefício do meu próprio
desenvolvimento e também por ser tão imperfeito. Acerca da imperfeição, estou
persuadido e convencido de que seja assim mesmo que o “engenho completa o engenho e o espírito aprende as línguas do
espírito”.
Aliás,
creio haver-vos dito anteriormente, iria orientar-vos em certos momentos da
leitura, pois que se torna imprescindível
outras luzes de interpretação, e só com estas luzes se torna
possível con-templá-las, desejar o
conhecimento delas, podeis conhecer-me um “poucochito” mais. Creio que a
intuição já vos tenhais alertado para o que estou dizendo. Pensai nisto de a
vergonha ser a lata amarrada ao rabo do caráter comungado a isto e o engenho
completar o engenho e o espírito aprender as línguas do espírito”, sobretudo à
luz do caráter. Ireis perceber com nitidez e transparência que o abismo é muito
mais fundo do que em primeva instância havíeis pensado.
Há em
Coriaçu dois homens singulares. Se um deles pensar que tem direito de destilar
o ácido crítico, o outro vai pensar que é seu dever replicar com ácido crítico
ainda mais forte. No entanto, são pessoas que tem suas próprias posições, não
agem levadas por outros. São muitíssimo amigas.
Foram colegas de escola, um deles era mais novo, estava em ano escolar
anterior. Conforme o que sei, o irmão de um deles é que estudou com o outro.
São personalidades da política e da cultura. Em conformidade com o que sei do
caráter e personalidade de ambos era já para ter havido qualquer qüiproquó, e
no entanto jamais houve.
Faz
longos anos venho pensando em fazê-lo, apoiado em nossas experiências e
vivências, mas dizia – creio que o diga ainda – que não era a devida hora, as
coisas acontecem aí; nisto venho adiando, adiando, mas o desejo continuou a sua
trajetória. Acredito que isso de pensar em dirigir-vos a palavra, através de
missiva, desde a juventude, quando tive em mãos uma carta de amigo que
participara a mudança para outra cidade, e a linguagem dele me fez lembrar-vos,
ele não se dirigia a mim unicamente, ele se dirigia a todos os colegas que
havia deixado para trás, e também uma espécie de mensagem para os rapazes que,
no futuro, viveriam a sua situação.
Sim...
Eis a razão de isso estar dizendo. Podeis dizer com toda categoria que a
missiva não passa de um monólogo, conversa com os vários eus que me habitam,
não chegou a tornar-se missiva a vós. Óbvio, quem sou para negar que isso é
possível, não apenas possível, é real. Mas isso irá depender da linguagem e do
estilo. A linguagem e o estilo sou eu, mas transcendem.
Após o
termino da faculdade, num sábado à tarde, liguei a televisão para procurar algum
programa interessante, acabei assistindo a um filme de cujo nome não me lembra.
A história de um casal de médicos. A esposa estava grávida. Trabalhava como
oncologista no hospital em que o marido também o fazia. Fora designada para
servir como médica numa aldeia indígena, creio que na Venezuela. O marido não
queria que ela fosse, dizendo estar grávida, ser preciso cuidar da gravidez,
respondendo-lhe: “Havíamos combinado que se fosse necessário carregaríamos
nossos filhos nas costas para sermos útil a quem estivesse precisando de nós”.
Direis
vós ser muito interessante isso de eu não me lembrar de títulos de filmes a que
assisti desde a primeira película, no Cine Marabá, hoje Hotel Marabá, Tarzan,
estava com os meus cinco anos. Desde então, sempre amei o cinema, sobretudo
grandes dramas e tragédias, e nunca me interessei por memorizar. Houve um curso
de cinema em Coriaçu, estava eu com doze ou treze anos, não me recorda bem,
tive vontade, mas não pude por ser menor, exigiam a maioridade. Posso
garantir-vos que todas as vezes que assisto a filmes, novelas, fico imaginando
todo o processo de construção da personagem, a fala, a re-presentação. Até hoje
o desejo de re-presentar habita-me forte e presente, encontrei outro modo de
desenvolver os dons e talentos para o teatro, cinema e televisão,
encontrei-vos, mantivemos relações amistosas desde então, e agora inicio este
escrito a vós. É uma re-presentação. Quem sabe algum dia não surja a
oportunidade de representar nalgum filme. Certa vez, na época de de estudante
de Psicologia, fui o narrador de um curta-metragem sobre Dom Casmurro, Machado
de Assis. Amei o trabalho que fiz.
Direis
desse modo, ser interessante a não-lembrança de filmes, tendo memorizado a fala
da personagem, a mulher, sobre o que haviam prometido a si mesmo cumprir,
custasse o que custasse. Há-de se considerar serem palavras, para mim mais
fácil de ser feito do que memorizar as cenas... Não saberia explicar-vos isso
com toda a categoria, creio ser mais rápido, não precisando carregar nas tintas,
que a não-lembrança do enredo, das cenas, e só poucas coisas guardei das falas,
não iria nunca conhecer o que era arte cinematográfica, seguiria outros rumos
na vida, a psique, conhecer-me a mim próprio.
Na
infância, apreciava os filmes de imperadores romanos, o despropósito deles, os
que lutavam contra aqueles ditadores – normalmente a criança vai para ver as
lutas; eu ia para conhecer o passado. Na juventude, filmes de ação. Ia à
matinées todos os domingos às dez e meia da manhã, por vezes aos sábados. Na
época de estudante apreciava os filmes de arte, e sempre gostei de Ingmar
Bergman, Rainer Werner Fassbinder, Charles Chaplin, Antonioni, Fellini, Costa Gavras. Só não
gosto mesmo de comédias. Não sei se foi
Cenas de um casamento sueco, Ingmar Bergman, que me deixou sobremodo
angustiado, saí do cinema correndo, queria ver-me bem distante dos homens, das
coisas e dos objetos. Creio que é neste filme que uma das personagens dilacera
a vagina com um caco de vidro, a negação completa e absoluta da vida.
O mais
interessante, digo-vos com sinceridade, é que não me lembram cenas. Acontece de
assistir a um filme pela televisão, tempos após assistir até à metade para
desconfiar se já não assisti. Na
adolescência, tinha um caderno onde anotava todos os títulos de filme a que
assistia na televisão e no cinema. Quatro anos. Preenchi três cadernos de 20
folhas. Não dera valor a isso, pois que todas as vezes que abria e consultava
um título não era capaz de lembrar das cenas. Para isso, seria necessário que
visse inúmeras vezes.
Aí,
comecei de um pouco duvidar de minha memória – para mim ela deveria guardar
tudo, desde os mínimos detalhes, em quaisquer âmbitos que vós e todos os homens
podeis imaginar -, não podia guardar tudo (nesse sentido, podia acolher
conscientemente e recolher inconscientemente, apesar de que isto só mais tarde
poderá ser intuído, quando não estiver mais vivo, não sobrando qualquer
“cisquinho” de minha cinza), o que podia guardar conscientemente dependia de
minha capacidade, habilidade, dom, ingenuidade de a recriar, e em cada
recriação sentir como se nada houvesse acontecido, eis a primeva experiência,
as vivências dar-me-ão o gosto de saber-me vida....
Devido
aos questionamentos, buscas que em mim trazia dentro na infância e juventude, o
isolamento, discriminações, preconceitos, ódios, raivas, invejas, ciúmes, mesmo
por ser de caráter forte, digo o que
penso e sinto, e por isso descasquei alguns pepinos na cara das pessoas,
inimizades inúmeras, fiquei com medo de revelar os meus tons artísticos e
intelectuais, tive de reprimi-los para não ser ainda mais discriminado. Não
sabeis como eram os princípios éticos e morais de meu tempo, arraigados,
dogmáticos, manifestar dons artísticos era mesmo objeto de discriminação.
Verdade
é que me senti envergonhado por saber que ali naqueles cadernos estavam
inscritos títulos de filme de quinta categoria, mais na televisão, os de
cinema, dentre eles Tango em Paris, Dr. Zhivago, E o vento levou, Titãs.,
Hércules, Sansão, Moisés, Cleópatra (não sei porque ainda não compreendi a
mensagem que os dois últimos deixaram em minha vida). Lembraram-me esses
títulos por já os haver assistido inúmeras vezes. Se alguém encontrasse esses
cadernos iria duvidar de meus sensos de ridículo e crítica. Perderam-se, não
sei como. Havia filmes históricos, lendas, mistérios, assistidos em nosso
cinema, a época áurea dele. Anotava alguns pormenores, por exemplo,
especificando os mistérios e lendas, e muito poucos históricos.
Voltemos
ao filme assistido por mim. Embora tenha divagado além da necessidade, era
preciso dizer-vos a respeito, para que possa perceber ser uma tentativa de
descrever a obra. Não é tarefa fácil. Creio podeis imaginar estou suando para
isto real-izar.
A médica
partiu. Houve uma tempestade enorme e numa passagem na estrada havia um abismo
e o ônibus foi empurrado, não sobrou ninguém, as águas levaram os corpos. O
médico não quis admitir a morte da mulher. Toda a sua vida no hospital passa
por transformações. Todos os colegas aconselhavam que tirasse umas férias do
hospital, estava necessitando. Depois de muitas situações vividas, decide fazer
a viagem. Havia um desenho feito por uma das crianças, esteve semimorta e, ao
retornar, disse ao médico que a mulher havia pedido que fosse lá, mostrou-lhe o
desenho. Descobriu o desenho no mapa na Venezuela. Partira. Lá numa aldeia
encontrou a filha. A mulher morrera, os índios não puderam salvá-la. Levantando
a criança nas mãos, disse-lhe: “Só acreditando que a gente chega lá”.
Tivera a
intuição da vida – acreditou que fosse a mulher quem estivesse viva, o seu
desejo era esse, pudesse ter o filho que tanto desejava. A esposa morrera. A
criança sobreviveu. A Vida... Não sei se diga que nem sempre as coisas
acontecem como as desejamos, mas, com efeito, como se revelarão será um caminho
outro para seguir e, nas profundezas e corcovas do silêncio, encontrar o que
nos preenche por inteiro.
Acreditei
que um dia, além de nossas conversas, que é corriqueiro até conversarmos, mas
escrever-vos-ia uma missiva, dizendo-vos do quotidiano da vida, não apenas meu,
mas de vós e de todos os homens. Bem: por que “de vós”, “de todos os homens”, a
união de todos os homens de todo mundo é chamada, definida, conceituada como
humanidade? Não é necessário tecer toda uma explicação. No decorrer da escrita
dessa missiva vós podeis analisar, traduzir, interpretar qual a idéia
primordial que intenciono deixar inscrita nessa missiva.
Sabeis
de meu grande amor pelo blues, jazz, rock´n´roll, música clássica, a genuína
sertaneja, popular brasileira; sinceramente, odeio o “brega”, as duplas que
infestaram a rádio no Brasil. Paupérrimas. Tenho arrepios só de imaginar
estejam tocando nalgum recanto. Nesse
sentido, conheceis Meu caro amigo, Chico Buarque de Holanda - desperta
em mim, um sentimento de quem envia uma missiva a todos os homens de seu
exílio, contando sobre as coisas do país, do sistema econômico, social e
político.
Iliara
Jasmine, por vezes, irrita-me com a insistência e persistência com o dar eu
atenção às pessoas, saber todas têm problemas insolucionáveis, angústias,
tristezas, sonhos e utopias. Sei disso. Contudo, conheço o sentimento que me
habita por todos, estou interessado em quem me procura para conversarmos sobre
os seus sofrimentos e dores. Não diria que perdera a paciência, mas lhe disse
um pouco agressivo: “Faço o que quero. Sou amigo ou inimigo de quem quero.
Trato bem ou mal a quem quero”. Simples palavras, não penso assim. Está mais
uma vez confirmado que numa simples discussão entre um homem e uma mulher o que
se diz são palavras vãs, mas que ferem, machucam, humilham, ofendem. Não vos
parece a imagem da descida, estar descendo uma escala de sentimentos desde o
ferir até o ofender? Não sei se intuo ou sinto isso presente, verdade é que a
imagem me sugeriu essa decida.
Dissera-me
à noite que trabalhara todo o dia aborrecida, não gosta de discutir comigo, é
ruim, é triste. Respondi-lhe:
-
Meu
tesouro dos cabelos cacheados, não guardo mágoas de você. É só no momento. Você
é a única pessoa que perdôo no mundo, juntamente com alguns amigos. Não se
preocupe, amo muito você. Querida... Minha vida... Perdoe-me pelas palavras de
não. Sabe de uma coisa? Nunca tive de perdoar os amigos por uma atitude de não,
não foram arbitrários comigo. Mas alguns deles tiveram de perdoar-me por
atitudes indecentes.
Chamou-me,
então, para irmos a um barzinho, conversarmos coisas tolas, comer e tomar uma
cerveja. Sabe que não bebo, mas ela adora uma branquinha e uma cerveja. Fomos.
A caminho, sugeri-lhe que fôssemos a um barzinho que havia recentemente aberto,
dois quarteirões de nossa residência.
O garçom
atendeu-nos com muita educação. Pareceu-me que me conhecia. Talvez tenha
comprado algum medicamento ou ração para o seu cão na loja, estando eu no
momento. Tocava a genuína sertaneja, a que mais gostei foi João Boiadeiro, não
me lembra os compositores. Conhecia Chico Mineiro. Os autores da primeira, são
dois, não consigo lembrar-me. Não os memorizei. Confesso nunca, jamais haver
sentido tão bem num lugar quanto no Taberna das Gerais, lembravam-me as músicas
de minhas origens sertanejas, a minha terra-sertaneja, e por isso garatujei
umas palavras no papel e entreguei ao garçom. Falava de sensações e sentimentos
que me habitara enquanto conversava com Iliara Jasmine e ouvíamos músicas. Só
nós dois no barzinho, aliás, porão de uma residência antiqüíssima, que fora
restaurada por seus proprietários. Algumas pessoas, quando chegamos, estavam
sentadas em bancos encostados ao balcão. Três homens, mas não ouvia a conversa
que mantinham, não por estar distante, mas por falarem baixo. Fora uma noite
esplendorosa, ouvindo a genuína sertaneja.
Em nossa
conversa, que, de início, versou sobre a inveja, contou-me que certa vez, ainda
era solteira, na missa das sete horas na igreja da Matriz, vira uma blusa tão
linda, tão linda, que não conseguia desviar as vistas, e a vontade enorme de
possuí-la. Se não estivesse na igreja, teria arrancado a blusa da mocinha.
-
Não é
inveja. Foi o desejo de adquirir uma igual. A inveja é quando a pessoa não tem
condições de alcançar o que o outro tem, ou adquirir, deseja, e conhece os seus
limites, sente-se inferiorizado, atribui a culpa ao outro, daí destilando o seu
veneno.
Não sei
se fora mesmo Machado de Assis, quero acreditar que sim, devido à linguagem e
estilo: “vão-se os anéis; ficam os dedos”.
Nessa missiva, para brincar à “ironia branca”, pensei nisso: no sentido
de que nessa missiva habitariam as idéias, experiências, pensamentos,
mensagens, entrelinhas, além-linhas ou não, e o que fica são os desejos de outros frutos, de outras conquistas,
experiências e vivências, o caminhar rumo à plenitude, assim penso eu. O que vai são os desejos, vontades, sonhos e
esperanças, fé.
Devo ser
sincero, se é que desejo ter respostas, não só através das razões, as
des-razões não necessárias no processo. Saber fazer as perguntas, explicando-me
sempre que puder, para obter o que desejo nesse nosso diálogo, agora através de
uma missiva.
Não é
interessante isso: imaginai que estais ao meu lado, participando de todas as
minhas emoções, orientando nos caminhos das letras, sabendo o que me perpassa a
alma e o espírito, e vou enviar-lhe, quando for encerrada, quando não vos posso
garantir, será longa essa missiva, nada além dos limites pré-estabelecidos pelo
cansaço. Aliás, como dizia um escritor curvelano, Lúcio Cardoso, o escritor
maior dessa terra mineira, a “capital da literatura” de Guimarães Rosa: “O
longe é imagem do nosso cansaço”. Sei que vós ireis ler com todo apreço e
carinho, quanto mais que é escrita pelo vosso eterno “nosso menino”, terá
prazer em degustar as suas letras, óbvio, terá muito trabalho para as entender
e compreender nas suas entrelinhas e além-linhas, mas tendes a eternidade
inteira para lerdes essa missiva, o meu tempo é que é breve nesse mundo. Quem
sabe não haverá especialistas, mestres, doutores nessa missiva, in-vestigando-a
em todos os ângulos e pontos de vista possíveis e impossíveis, a fim de
mergulhar fundo nela, arrancar-lhe, anunciando o que, nela, habita, e muitos de
vós, tendo dificuldades de compreensão, será suficiente procurar um desses
homens e pedir-lhe para esclarecer um detalhe.
Se
lerdes mais de uma vez – alguns homens lerão muitas -, por ser epígrafe dessa
missiva de quem é, durante toda a leitura irá procurar entender sob o ângulo
dela, por que o longe é a imagem do nosso cansaço? E simplesmente essa pergunta
irá despertar-vos para encontros, realizações, não se cansa de buscar, de
desejar, de ter vontade, enfim a vida é isso, sonhos, desejos, vontades.
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