Se é verdade que se possa acreditar, difícil é, mas
possível – conforme a alma branca de papéis ou preenchida com letras e
caracteres em busca do “verso verdadeiro’, pesa e muito devido à gravidade das
idéias e pensamentos, humano algum já concebeu este peso, na história é
pioneiro – quem morre bêbedo cambaleia, cata cavacos, cai, levanta, xinga Deus
e o capeta, nas veredas a caminho do céu. Encontrar-se com São Pedro, o eterno
velhinho de barbas brancas, ser re-colhido e a-colhido no Paraíso Celestial, é
o desejo re-côndito que habita as pré-fundas da alma. Talvez após os efeitos da
bebida, possa voltar à terra, continuar a trajetória do álcool e dos delírios,
tudo não passou de um equívoco, mas, caso contrário, não haverá mais cachaça,
conhaque, “cerveza”, abstinência por toda a eternidade, sem dores, sofrimentos,
sem ninguém para chamar-lhe pau-d’água, pinguço, sem ter de colocar a mão na
boca, estando a conversar com alguém, devido ao bafo. Fora um santo juramentado
ou jumentado, o único defeito fora a bebida, se não fora santo, pecou, cometeu
erros, blasfemou, tomou o nome do Senhor em vão, hipócrita, cretino, imbecil,
canalha, etc., etc., tropeça cai, levanta, cata cavaco rumo ao inferno, com
certeza nem precisará confessar sua vida espúria, a porta se encontra aberta,
só entrar, escolher o fogo que irá queimar-lhe a alma por toda a longitude das
chamas – no inferno, não há eternidade, há postumidade, acredite quem quiser,
eu mesmo estou na dúvida se isto é verdade, não o sendo, há posteridade dos
pecados, jamais se extinguirão, pois que lá não há o perdão do capeta.
Não digo que a continuidade do álcool no sangue,
nas entranhas e pré-fundas, haja me tornado louco varrido, esteja agora bêbedo
e ensandecido, formalmente sem qualquer noção do real e das in-verdades; padeço
de alucinações, idéias delirantes, os miolos estão mais que molhados com o
metanol, se espremidos hajam garrafas; não está bom não; e se estiver disperso,
não tiver cuidado os efeitos da cana vão corroer a massa cefálica, a cabeça
será vazia, estará vazia, uma espécie de câncer boêmio dos miolos. Dizem as más
línguas que os bêbedos têm a cabeça vazia, caso contrário, não tomariam um gole
de qualquer bebida, e, se tomasse, seria apenas socialmente, com todo o
controle possível e impossível.
A história das comissões é verdadeira. Toda semana,
saída a edição do tablóide Sertão Boêmio, uma sátira dos cornos de nossa
comunidade, que dera origem a uma fala sempre ouvida em todos os lugares,
esquinas, alcova: “não quero saber que está desfilando seus chifres, quem está
passando o marido á frente da confiança”, apanhava de cada vez cem exemplares,
carregar mais era impossível, saía distribuindo, jogando nos alpendres,
jardins, correios, por dia quatrocentos exemplares, recebendo uma comissão que
me possibilitava quatro garrafas de pinga por quatro dias, os outros três da
semana capinava terrenos baldios, quintais, jardins, nova comissão que me
possibilitava sete doses por dia, semana inteira sendo comissionado e bebendo
as comissões.
Quero dizer, imaginava que teria a comissão com a
capinagem, conversava com as pessoas, ouvia suas exigências de trabalho
perfeito, escrevia-as em qualquer papel de quanto era o trabalho, fazia as
contas, dava para alguma coisa. Em suma, e isto é triste, desolador, angustiante
e desesperador, padeço do que se chama em medicina comissiomania ou mania de
comissões. A prova é que alguém me sondou, num instante de quase coma, segundo
lhe ensinara os patologistas, o pathos boêmio é o responsável pela embriaguez
continua, quotidiana, e perguntei-lhe, em contrapartida, babando, gaguejando,
chamando urubu de meu louro, se iria à igreja de S. Francisco, à rua São
Francisco, bem no início, frente à estatua de Benedito Valadares, e ao Fórum
Municipal. Respondeu-me alegre, sem baba, sem gaguejação, sem trocar “r” por
“l”, vice-versa, “j” por “z”, vice-versa, que tinha que falar em São Francisco
com o comissário da Ordem Terceira, na Rua do Correio Municipal, com dois
comissários de café. Reunião de comissários
- Vê sempre, leitor, a mesma mania de comissão. O
metanol, com toda a sua eficiência e competência transformou comissionários em
comissários, não me perguntem porquê, estou latindo de tão bêbedo, não sei
discernir o trigo do joio, quanto mais comissário de comissionário.
O comissário dissera àquele alguém que o pathos da
boêmia pode salvar alguém, é só beber quase até cair e sair fazendo seresta às
janelas das raparigas loiras e das moçoilas de cabelos pretos, castanhos. As
alucinações e delírios dos comissionados, quando são tratados, podem chegar à
demência total e sem precedentes na humanidade, quando não tratadas com médicos
perfeitos, daqueles para quem não há mistérios do corpo, mas certezas da alma e
espírito; e mesmo à idiotia e à imbecilidade, para a qual nota-se-lhe tendência
imprescindível.
Mesmo babando, chamando urubu de meu louro,
confundindo gatos com lebres, dissera a este alguém, não me lembra se troquei
as letras, como é hábito quando me encontro bêbado, tomei todas e mais algumas.
- Há mil, há cem milhões de pessoas no mundo, nunca
sou capaz de contar com categoria, que raciocinam perfeitamente, racionalizam
com divinidade, e, entretanto, padecem de uma dessas alucinações ou delírios.
Bem, poderia servir-me destas palavras indicando
diálogo, para discutir a divinidade da bebedeira, do alcoolismo sem precedentes
desde a metade do século XX até à primeira década do século XXI. Até na hora da
bebida a verdade dói: dizer, por exemplo, e com todos os argumentos que
comprovam a veracidade do dito, que em nossa região a cidade em que mais há
alcoólatras, que mais se bebe cachaça, é a nossa, meu Deus, ninguém aceita. E
isso é verdade inconteste. Bebida e adultério em nossa cidade é coisa de louco.
Certa vez recebi minha namorada em minha residência, era tempo de Forró. Queria
por que queria que a levasse ao Forró. Disse-lhe: “Você está é louca; aqui,
querida, é a coisa mais comum “cantar”, sejam mulheres, sejam homens, casados,
namorados, noivos. Você acha que a levaria ao Forró, seria cantada sem dó nem
piedade, quanto mais que bebo muito. Aí é que aproveitarão da oportunidade. Não
vou poder brigar. Não vou poder fazer coisa alguma. De modo algum. Se quiser
ir, vá sozinha”.
Mas vou, agora que me encontro às portas do céu,
logo, não, depois de uma eternidade de tropeços, quedas, cata cavacos, falar
que as pessoas vêem, sincera e dignamente, séria e honradamente, as absolutas e
virtuosas donas da verdade, por alucinação, uma comissão diante de si,
oferecendo-lhes alguma coisa, verdade efêmera, in-verdade absoluta e eterna – venera
ou retrato, ouvem os discursos, agradecem, convidam para um copo dágua, e crêem
que dançam – antes de a bebedeira terminar no céu ou no inferno, e que as
danças se prolongam pela madrugada ao ritmo das carcovianas, que engrandecem o espírito,
diminuem os instintos, elevam a alma, denigrem a vida humana.
São casos puramente psicóticos, neuróticos,
patologia pura e simples. Ah, a patologia dos pés e passos incertos, dos
caminhos duvidosos, das idéias ridículas. Não há neles a menor sombra de
comissão, ao menos no estado agudo e augusto da moléstia, porque é observação
feita que, quando a cura começa a operar-se o doente ilude-se a si mesmo,
arranjando uma comissão de verdade, que vai deveras à casa dele, com a
veneração, que ele mesmo comprou, em moeda de mil réis, cruzeiro, cruzado,
reais, segundo a idiotice dos políticos, vereadores, deputados, senadores,
prefeitos, chefes da Câmara dos Inauditos.
Não há neles a menor sombra de comissão, ao menos
no estado augusto da moléstia, repito-o, sei-o com consciência e utopias do
asno no sertão mineiro.
MANOEL FERREIRA, FALAR NELE é descrever poesia bem feita casos que nos leva a viajar na alma,
ResponderExcluirainda existe bons escritores que conseguem descrever o que o coração quer falar