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terça-feira, 24 de novembro de 2015

PÁGINAS DE UM FOLHETIM BÊBEDO - Manoel Ferreira Neto


Se é verdade que se possa acreditar, difícil é, mas possível – conforme a alma branca de papéis ou preenchida com letras e caracteres em busca do “verso verdadeiro’, pesa e muito devido à gravidade das idéias e pensamentos, humano algum já concebeu este peso, na história é pioneiro – quem morre bêbedo cambaleia, cata cavacos, cai, levanta, xinga Deus e o capeta, nas veredas a caminho do céu. Encontrar-se com São Pedro, o eterno velhinho de barbas brancas, ser re-colhido e a-colhido no Paraíso Celestial, é o desejo re-côndito que habita as pré-fundas da alma. Talvez após os efeitos da bebida, possa voltar à terra, continuar a trajetória do álcool e dos delírios, tudo não passou de um equívoco, mas, caso contrário, não haverá mais cachaça, conhaque, “cerveza”, abstinência por toda a eternidade, sem dores, sofrimentos, sem ninguém para chamar-lhe pau-d’água, pinguço, sem ter de colocar a mão na boca, estando a conversar com alguém, devido ao bafo. Fora um santo juramentado ou jumentado, o único defeito fora a bebida, se não fora santo, pecou, cometeu erros, blasfemou, tomou o nome do Senhor em vão, hipócrita, cretino, imbecil, canalha, etc., etc., tropeça cai, levanta, cata cavaco rumo ao inferno, com certeza nem precisará confessar sua vida espúria, a porta se encontra aberta, só entrar, escolher o fogo que irá queimar-lhe a alma por toda a longitude das chamas – no inferno, não há eternidade, há postumidade, acredite quem quiser, eu mesmo estou na dúvida se isto é verdade, não o sendo, há posteridade dos pecados, jamais se extinguirão, pois que lá não há o perdão do capeta.
Não digo que a continuidade do álcool no sangue, nas entranhas e pré-fundas, haja me tornado louco varrido, esteja agora bêbedo e ensandecido, formalmente sem qualquer noção do real e das in-verdades; padeço de alucinações, idéias delirantes, os miolos estão mais que molhados com o metanol, se espremidos hajam garrafas; não está bom não; e se estiver disperso, não tiver cuidado os efeitos da cana vão corroer a massa cefálica, a cabeça será vazia, estará vazia, uma espécie de câncer boêmio dos miolos. Dizem as más línguas que os bêbedos têm a cabeça vazia, caso contrário, não tomariam um gole de qualquer bebida, e, se tomasse, seria apenas socialmente, com todo o controle possível e impossível.
A história das comissões é verdadeira. Toda semana, saída a edição do tablóide Sertão Boêmio, uma sátira dos cornos de nossa comunidade, que dera origem a uma fala sempre ouvida em todos os lugares, esquinas, alcova: “não quero saber que está desfilando seus chifres, quem está passando o marido á frente da confiança”, apanhava de cada vez cem exemplares, carregar mais era impossível, saía distribuindo, jogando nos alpendres, jardins, correios, por dia quatrocentos exemplares, recebendo uma comissão que me possibilitava quatro garrafas de pinga por quatro dias, os outros três da semana capinava terrenos baldios, quintais, jardins, nova comissão que me possibilitava sete doses por dia, semana inteira sendo comissionado e bebendo as comissões.
Quero dizer, imaginava que teria a comissão com a capinagem, conversava com as pessoas, ouvia suas exigências de trabalho perfeito, escrevia-as em qualquer papel de quanto era o trabalho, fazia as contas, dava para alguma coisa. Em suma, e isto é triste, desolador, angustiante e desesperador, padeço do que se chama em medicina comissiomania ou mania de comissões. A prova é que alguém me sondou, num instante de quase coma, segundo lhe ensinara os patologistas, o pathos boêmio é o responsável pela embriaguez continua, quotidiana, e perguntei-lhe, em contrapartida, babando, gaguejando, chamando urubu de meu louro, se iria à igreja de S. Francisco, à rua São Francisco, bem no início, frente à estatua de Benedito Valadares, e ao Fórum Municipal. Respondeu-me alegre, sem baba, sem gaguejação, sem trocar “r” por “l”, vice-versa, “j” por “z”, vice-versa, que tinha que falar em São Francisco com o comissário da Ordem Terceira, na Rua do Correio Municipal, com dois comissários de café. Reunião de comissários
- Vê sempre, leitor, a mesma mania de comissão. O metanol, com toda a sua eficiência e competência transformou comissionários em comissários, não me perguntem porquê, estou latindo de tão bêbedo, não sei discernir o trigo do joio, quanto mais comissário de comissionário. 
O comissário dissera àquele alguém que o pathos da boêmia pode salvar alguém, é só beber quase até cair e sair fazendo seresta às janelas das raparigas loiras e das moçoilas de cabelos pretos, castanhos. As alucinações e delírios dos comissionados, quando são tratados, podem chegar à demência total e sem precedentes na humanidade, quando não tratadas com médicos perfeitos, daqueles para quem não há mistérios do corpo, mas certezas da alma e espírito; e mesmo à idiotia e à imbecilidade, para a qual nota-se-lhe tendência imprescindível.
Mesmo babando, chamando urubu de meu louro, confundindo gatos com lebres, dissera a este alguém, não me lembra se troquei as letras, como é hábito quando me encontro bêbado, tomei todas e mais algumas.
- Há mil, há cem milhões de pessoas no mundo, nunca sou capaz de contar com categoria, que raciocinam perfeitamente, racionalizam com divinidade, e, entretanto, padecem de uma dessas alucinações ou delírios.
Bem, poderia servir-me destas palavras indicando diálogo, para discutir a divinidade da bebedeira, do alcoolismo sem precedentes desde a metade do século XX até à primeira década do século XXI. Até na hora da bebida a verdade dói: dizer, por exemplo, e com todos os argumentos que comprovam a veracidade do dito, que em nossa região a cidade em que mais há alcoólatras, que mais se bebe cachaça, é a nossa, meu Deus, ninguém aceita. E isso é verdade inconteste. Bebida e adultério em nossa cidade é coisa de louco. Certa vez recebi minha namorada em minha residência, era tempo de Forró. Queria por que queria que a levasse ao Forró. Disse-lhe: “Você está é louca; aqui, querida, é a coisa mais comum “cantar”, sejam mulheres, sejam homens, casados, namorados, noivos. Você acha que a levaria ao Forró, seria cantada sem dó nem piedade, quanto mais que bebo muito. Aí é que aproveitarão da oportunidade. Não vou poder brigar. Não vou poder fazer coisa alguma. De modo algum. Se quiser ir, vá sozinha”.
Mas vou, agora que me encontro às portas do céu, logo, não, depois de uma eternidade de tropeços, quedas, cata cavacos, falar que as pessoas vêem, sincera e dignamente, séria e honradamente, as absolutas e virtuosas donas da verdade, por alucinação, uma comissão diante de si, oferecendo-lhes alguma coisa, verdade efêmera, in-verdade absoluta e eterna – venera ou retrato, ouvem os discursos, agradecem, convidam para um copo dágua, e crêem que dançam – antes de a bebedeira terminar no céu ou no inferno, e que as danças se prolongam pela madrugada ao ritmo das carcovianas, que engrandecem o espírito, diminuem os instintos, elevam a alma, denigrem a vida humana.
São casos puramente psicóticos, neuróticos, patologia pura e simples. Ah, a patologia dos pés e passos incertos, dos caminhos duvidosos, das idéias ridículas. Não há neles a menor sombra de comissão, ao menos no estado agudo e augusto da moléstia, porque é observação feita que, quando a cura começa a operar-se o doente ilude-se a si mesmo, arranjando uma comissão de verdade, que vai deveras à casa dele, com a veneração, que ele mesmo comprou, em moeda de mil réis, cruzeiro, cruzado, reais, segundo a idiotice dos políticos, vereadores, deputados, senadores, prefeitos, chefes da Câmara dos Inauditos.
Não há neles a menor sombra de comissão, ao menos no estado augusto da moléstia, repito-o, sei-o com consciência e utopias do asno no sertão mineiro.    






















Um comentário:

  1. MANOEL FERREIRA, FALAR NELE é descrever poesia bem feita casos que nos leva a viajar na alma,
    ainda existe bons escritores que conseguem descrever o que o coração quer falar

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