É meu costume, após o café da
manhã, sair pela cidade com a câmara digital em mãos, tirar fotos, acrescentar
mais no acervo, prática que adquiri faz ano e meio, já possuo dez mil. Não
conheço outra di-versão mais agradável, quanto mais se me meto em bairros
excêntricos; uma palmeira, a sombra dela na amurada, nos portões de madeira,
nas grades, uma tabuleta, um carroceiro levando o leite ás casas, qualquer
coisa é motivo para tirar fotos, entreter o espírito. Volto para casa “lesto e
agudo”, como se dizia em não sei que comedida antiga, já que não me ad-mira
haver-lhe esquecido o título. Esqueceu-me primeiro o autor, depois veio o
esquecimento da obra. Isto é irrelevante.
Naturalmente, cansadas as pernas,
só imagens, luzes, sombras, verde, ângulos, perspectivas, meto-me no primeiro
ônibus que passar, às vezes tendo de ficar esperando no ponto, não mais que
vinte minutos, nunca suporto ficar parado em qualquer lugar; volto para casa a
pé, passando por outros lugares, continuando a tirar fotos.
Esperando o ônibus, pus-me a
ruminar sobre um problema que me estava
afligindo além das contas, dos limites,
mais que pudesse imaginar, nada me afligiu tanto na vida. Não sou tão jovem
como apregoam alguns de meus amigos; vou completar cinqüenta e três anos.
Assisti de camarote a vários homens, terminado o expediente de trabalho,
dirigirem-se a muitos bares, restaurantes, botequins, bistrôs, para tomarem
doses de catuaba, nunca se tomou tanta catuaba, ganhou-se muito dinheiro.
Algumas mulheres remoçaram-se, pele lisa, sumiram-se as rugas, outras se engravidaram, outras engordaram-se,
tinha de restituir as energias gastas. O que em princípio chamou a atenção de
muitos foi o índice de impotência, o que afinal estava causando isto? Fosse a
carência das mulheres, todas haveriam se remoçado, engravidado, engordado, só
algumas.
O que estava acontecendo para os
homens estarem tomando tanta catuaba? Para alguns, modismo, para outros, um
modo de se sentirem sociáveis, terem amigos com quem conversar, para outros o
objeto responsável da pingudice foi substituído por outro, a catuaba substituiu
a cachaça. O problema logo se mostrou.
As mulheres que se remoçaram, engordaram, engravidaram tinham sérios problemas
matrimoniais, mulheres de homens adúlteros. Muitos foram revelados, ninguém
imaginava que estava traindo. O índice de adultério já era enorme naqueles
tempos idos, com a catuaba aumentou bem. Se quem começou isto de catuaba,
pensou que a troca da pinga pela catuaba, iria resolver o seu problema com a
mulher, a pinga estimulava a libido, a catuaba estimulava mais ainda.
Ouvira dizer que os adúlteros
nunca chegam às vias de fato, ficam só nas preliminares, deixando as mulheres
mais excitadas e insatisfeitas por no ato mesmo iria chegar ao clímax, que
delícia, que prazer mais que divino! A resposta a isto fora logo encaçapada com
engenho: o sentimento de culpa, por isto só realizavam as preliminares, vale
ressaltar, muito bem. O inconsciente divino exerce influência. O esclarecimento
do nível de adultério estava aumentando, devia ser creditado na conta de a
catuaba inibir a culpa, sentiam-se livres.
Não me lembra como e quando a
catuaba sofreu diminuição, os homens deixaram de freqüentar os bares, após o
expediente de trabalho. Só mesmo os impotentes usam catuaba em nossa
atualidade, assim mesmo com moderação, os que são abstênicos do álcool, comem
ovos de codorna. O adultério não diminuiu, habita a natureza dos homens de
nossa comunidade, dizem que pau que nasce torto, morre torto, houve épocas que
aumentaram, houve outras que diminuíram, verdade é que em nossa região nossa
cidade é a mais adúltera, nem a Igreja consegue resolver este delito à luz do
Direito, pecado à luz do cristianismo. A diferença existente: naquela época da
catuaba, o nível de adultério era praticado pelos homens, hoje as mulheres
estão traindo além dos limites, dizem até que superaram os homens.
Bem... Sou homem irritado,
impaciente, nervoso, o que justifica o maço de cigarros todos os dias, o
cigarro inibe o nervosismo. Devido a este nervosismo, ser cardíaco, o médico
achou conveniente receitar-me o remédio Cloridrato de Fluoxetina. Nada me disse
acerca da inibição sexual. Tomo dezesseis compridos por dia, não seria louco de
tomar calmante acima das drágeas prescritas pelo médico, um antes de dormir ou
pela manhã. O uso é contínuo.
Depois de um mês, comecei a sentir
os efeitos. Não conseguia chegar ao clímax, cansava-me. A mulher chegara à
conclusão de ser preocupação, muito trabalho. Procurasse não me preocupar,
levasse a vida na corda bamba, ficasse tranqüilo, vivíamos felizes em nossa
“casinha”. Jamais me preocuparia com traição de minha esposa, conheço a
idoneidade dela. Também me não preocuparia com divórcio, por carência sexual, o
meu problema não era ereção; alias, tendo sido referido em uma de nossas
conversas, o problema era o clímax. Naqueles idos tempos da catuaba, o problema
dos homens era com a ereção, o nível dela estava mais do que baixo. Tomando
banho, resolvi masturbar-me, a mão doeu e não gozei. Conversei com alguns
amigos muito íntimos; alguns me disseram o responsável direto era o remédio de
pressão, Atenolol, outros disseram ser a idade, estava caminhando para a
terceira, a andropausa. Até que um deles, psicólogo, dissera ser o Cloridrato
de Fluoxetina, começasse a diminuir as drágeas, uma de três em três dias. Nem
cheguei a consultar médicos ou farmacêuticos, fiz o sugerido pelo amigo. Depois
de três semanas consegui o tão desejado e con-templado clímax. A coisa mais
gostosa do mundo é sexo com a mulher amada.
O problema estava resolvido, não
mais tomei o Cloridrato de Fluoxetina. Andava sim nervoso, irritado,
impaciente. A mulher conseguiu um calmante homeopata “35”, da Almeida Prado.
Nervosismo e sexualidade resolvidos. Nossas relações não sofreram quaisquer
prejuízos. A mulher não pensara minuto sequer não estar chegando ao clímax
fosse devido a adultério, sabe o que penso a este respeito.
O ato sexual, sem amor,
afinidade, é coisa mais que nojenta, o prazer é apenas carnal. Não faria isto
de modo algum, para mim o amor e os sentimentos estão acima de tudo. Daí é que
me não foi possível ainda compreender o porquê do adultério. Os prazeres da
carne são efêmeros, e só trazem insatisfações, ressentimentos, dores, mágoas...
Os prazeres da carne e do espírito são eternos, saudáveis e divinos.
O ônibus não passava. Aqueles
pensamentos acerca dos velhos tempos da catuaba, dos velhos tempos de minha
incapacidade de chegar ao clímax diminuíram, inibiram a irritação, nervosismo,
impaciência. Vinte e cinco minutos de espera, nem senti o tempo passar.
Lembrou-me conhecida, vendedora,
estando eu num bar tomando cerveja, aproximou-se, perguntando-me a razão de
haver sumido, não mais enviava por ela meus cadernos a um amigo comum, lá do
Barranco do Rio Velhas, o envio é feito através de malote. Autografei um e lhe
entreguei. Comentou sobre suas vendas, ofereceu-me um produto para passar na
parte íntima, hora e meia de ereção.
- Fosse nos velhos tempos,
perguntar-lhe-ia se não havia alguma pomada para chegar ao clímax. A minha vida
sexual está mais do que saudável. De nada preciso.
Não esperaria mais pelo ônibus.
Retornaria a pé mesmo. Poderia aproveitar o ensejo e mergulhar mais fundo nisto
do adultério, nossa comunidade ser o ícone dele.
Talvez fosse o caso de os médicos
receitarem o Cloridrato de Fluoxetina para os casais adúlteros, diminuiria
bastante o nível, oxalá deixasse de existir, fosse extirpado vez por todas. Os
casamentos não terminariam devido a esta prática indecente e imoral,
terminariam por falta de sexo, por carência dele, e não por negar fogo como era
nos velhos tempos idos. Caso o marido ou a mulher negasse fogo na noite de
núpcias, podia pedir anulação do matrimônio.
Caso o médico não fosse
consultado, os juízes, ao in-vés, de promoverem o divórcio, mandasse o casal ao
médico para ser consultado acerca do uso do Cloridrato de Fluoxetina, com sério
e responsável acompanhamento, o adultério deixaria de existir e o casamento não
sofreria qualquer prejuízo, refiro-me ao índice de natalidade; sem o sexo
conjugal, endossado pela Constituição e pela Igreja não nasceriam mais filhos,
em pouco tempo nossa comunidade de jovens seria logo trans-formada em
comunidade de senis, em poucas décadas restariam apenas as casas, todos
morreriam de tédio, angústia, desesperança, fadiga, cansaço, enfim o sexo
prolonga a vida, dá-lhe sentido para as lutas e esforços de realização.
Por que – fora a última pergunta
que me fiz, chegando ao portão de minha residência, o último pensamento acerca
do adultério, dos velhos tempos idos da catuaba, da minha incapacidade de
chegar ao clímax – houve a época da catuaba, quem não tomasse era logo
discriminado, sofria na carne e ossos os efeitos do preconceito, eram afastados
do convívio social? Talvez, aliás, estou disposto a nisto crer de modo ímpio, a
catuaba estivesse proporcionando efeito colateral: alguns homens adúlteros
conheceram o prazer espiritual com as esposas, com as amantes intensificaram os
da carne, vice-versa. Enfim, há-de se comungar o corpo e o espírito, que um
filósofo ensandecido separou, para sentir as delícias da vida, o que é a
felicidade plena e absoluta.
Antes de fechar o portão de minha
residência, passou de braços dados com suas duas mulheres um de meus vizinhos,
soube contornar seu problema existencial: só com os prazeres do espírito, sexo
gostoso e saudável, sentia-se deprimido, só com os da carne sentia-se infeliz e
angustiado. Encontrou as mulheres certas, a oficial satisfazia-lhe o espírito,
a amante, a carne. Era feliz com as duas, as duas eram felizes com ele.
Passaram a viver juntos, embora toda a vizinhança e muitas outras pessoas
condenam isto de o homem viver com duas mulheres debaixo do mesmo teto, é uma
prática desavergonhada. Os padres tomaram medidas: nenhum deles poderia receber
a comunhão. Deixou meu vizinho de tomar cachaça, cerveja, vez por outra uma
dose de catuaba com conhaque. Parou de beber.
Não seria esta a solução para os
adultérios, as insatisfações, mágoas, dores, sofrimentos, causando divórcios,
separações, a mulher ter dois homens, o homem, duas mulheres? Tanto a Igreja
como o Direito aceitariam realizar esses casamentos.. Novo tempo, novos
costumes e hábitos, novo homem. Isso jamais será aceite. Ninguém admite ver o
ser amado nos braços de outrem. Haverá sempre a cachaça, a catuaba, o adultério
até a consumação dos tempos. Enfim, nossa comunidade será eternizada, com o
adultério sem limites e fronteiras, sem peias, algemas e correntes, sem freios
e estribos, é que os homens encontraram os caminhos de nunca mais serem
esquecidos.
Se isto fosse seguido, diriam
todos haver sido eu a semente e húmus deste despautério, para livrar os casais
da separação e divórcio, criei através dos pensamentos, idéias, das letras,
casamento de três cônjuges. Quem deveria ser extirpado da sociedade seria eu, e
não o adultério. Ademais, o bolso dos advogados de defesa e acusação sofreriam
prejuízos, uns chegariam a desistir do Direito, nada estavam ganhando, o
adultério é que lhes garantiam o pão de cada dia, passando a exercerem outra
função qualquer. Outros me processariam por danos materiais e à moral conjugal.
Ainda bem que as pessoas lêem, mas não colocam em prática as interpretações e
análises. Posso continuar pensando e escrevendo, as letras divertem, fazem rir,
quanto mais quando são ambíguas e in-versas.
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