Meu caro amigo,
Marcos Antônio Alvarenga
Saudações Roseanas,
Perdoe-me, caro amigo, se não lhe
faço uma visita, diz Chico Buarque de Hollanda, para lhe inteirar dos últimos
acontecimentos. Aqui em nossa terra estamos no auge do besteirol, cujos
objetivos são de chamar atenção, causar polêmica chinfrim, alcançar o sucesso e
fama, ser eterno jumentado. Há muitas obras realmente dignas de re-conhecimento
e con-sideração, por sua estética, mensagem, profundidade teológica e
filosófica, mas há também as grandes e insofismáveis porcarias. O que seria do
bem não fosse o mal?
Estava sentado num dos bancos da
nossa egrégia Casa da Cultura, no Largo da Estação Ferroviária Central do
Brasil, descansando um pouco das caminhadas por todos os cantos da cidade,
divulgando o nosso Razão In-versa, quando alguém se aproximou, perguntando-me
se era o escritor Manoel Ferreira, havia sido indicado a mim para apresentar
seus três livros já publicados, minha palavra como crítico pesava e muito, se
escrevesse comentário, podia acreditar que os leitores reconheceriam. Desejava
que eu lesse, escrevesse um comentário, não importava se fosse negativo,
publicasse nas minhas páginas. Pensei
comigo: “Isto é que se chama vontade de aparecer”. Disse-lhe: “Não dou
esperanças a ninguém. Não escrevo críticas negativas, meu tempo é precioso.
Contudo, pode deixar seus livros comigo, quem sabe real-izo seus desejos, se as
obras forem boas. Não sendo assim, nada tenho a dizer”. Autografou um deles.
Enfatizou que a crítica negativa seria mui bién recebida. Se antes já intuíra,
percebera, que julgava os livros obras-primas da literatura, estava eu diante
de um escritor que estava empolando os seus leitores, com a sua enfatização de
que ficaria mui feliz com crítica negativa, tive certeza disso.
Abri o livro nalgumas páginas,
como é de minha práxis com qualquer um – uma ressalva: só as suas crônicas no
tablóide Centro de Minas que não li linhas ou parágrafos, antes da leitura de
fio a pavio, li sem esta práxis, amei, escrevi-lhe a missiva. Sem linguagem,
sem estilo, insosso e ridículo. Pensei comigo: “Os leitores estão sendo
solidários com ele. Dão-lhe esperanças. No fundo, sabem que não tem condições
alguma. Estão certos, é preciso dar esperança às pessoas”. Não leria. Chegando
a Diamantina, mostrei a Marize, dizendo-lhe que lesse, quem sabe pudesse
escrever um comentário, mas de responsabilidade sua, Razão In-versa não tinha
nada a ser dito, escreveria isto em nota de roda-pé. A princípio, começou a
gostar, comentou comigo; passadas algumas páginas, irritou-se: o autor estava
descendo a pua em Maria Santíssima, dizendo coisas do arco da velha: “Amor,
disse antes: este livro não presta”. Guardaria na sua estante, no consultório.
“Para quê? Encher espaço? Onde está o álcool? Vou atear fogo, era o que
merecia”. Não deixou. Lembrou-me o compadre Paulo César há vinte e cinco anos,
quando cheguei em sua casa, estando ele tocando fogo num livro. Perguntei-lhe
que sandice era aquela, tocar fogo em livro. Respondeu-me que o autor havia
pedido que o fizessem. Este não me pediu que ateasse fogo, pediu-me crítica
negativa, merecia ser queimado.
Com certeza, estava esperando qualquer
manifestação minha, escrevesse a tão desejada crítica negativa, ou seja, fale
mal, mas fale de mim, conforme o nível da crítica negativa também é modo de
despertar nos leitores o interesse pela leitura. Não sou de deixar ninguém com
expectativas. Não escreveria, mas diria via celular o que pensava de seu livro.
Pediu a crítica negativa escrita, faria verbalmente.
Alguns dias depois, decidi ligar
para o autor, dizendo-lhe que lera algumas passagens, mas não gostei mesmo, não
merecia nem critica negativa. Sugeri-lhe algumas leituras de obras que podiam
ajudar-lhe a desenvolver estilo e linguagem. Citei Machado de Assis, Graciliano
Ramos, Guimarães Rosa... Não me deixou continuar, interrompeu-me, dizendo que
Rosa era um ridículo, imbecil, idiota, adquiriu fama com frivolidades, sua
linguagem e estilo não eram do sertão, enganou trouxa. Se houvesse sido lido
apenas por alguns brasileiros, poderia até acreditar, mas é reconhecido no
mundo inteiro. Lembrei-me de você, caro amigo: “Se fosse Marcos Antônio que ama
Guimarães Rosa de paixão, este sujeito tinha comprado uma guerra daquelas.
´Guerra é guerra´ e tudo é valido”. Disse-lhe: “Para você criticar Rosa, com
certeza sente-se superior a ele. Posso afiançar-lhe que nem subindo três
milhões de degraus de uma escada, você chegará aos pés de Rosa”.
- Já andei por todos os cantos do
sertão, de fio a pavio. Não existe Manuelzão, existem Mané, Maneco,
Manezinho...
Quê disparate! Despedi-me. Não
iria discutir. Perderia tempo. Sentado na poltrona da cozinha de minha residência,
pensei comigo: “E se eu resolvo escrever uma crônica, chamando Marcos Antônio
de Marqueto, Marquito, quer dizer que no sertão mineiro não existe esse cognome
afetivo, tinha de ser Marquinhos, Marcolino. Se Marcos Antônio escrevesse uma
crônica sobre mim, chamando-me Neca Ferreira, Neca não existe no sertão
mineiro! Por isso, chamaria o amigo de imbecil, idiota, “escrivinhador de meia
tigela”.
Manuelzão foi o maior amigo de
Guimarães Rosa, este não se cansou de prestar-lhe homenagens em sua obra.
Imortalizou-o com categoria e sapiência.
Lembrou-me suas emoções fortes,
quando considerei você do mesmo nível de Rosa, sua obra anda ombro a ombro com
a dele.
Você, meu querido, que é cronista
de “mão cheia”, pode escrever uma crônica daquelas, por exemplo, outra que
aprecio muito, Pisando na tábua da beirada, com um personagem, escritor, que
chega ao barranco do Rio das Velhas, achando-se o maior escritor do sertão,
descascando os pepinos de Rosa, de todos os escritores do sertão. Numa de suas
empolações, encontra um fazendeiro de estopim curto, amante da obra roseana, e
rasga todos os verbos na cara do cretino, e ele não tendo qualquer argumento
para discutir resolve dizer que os caipiras de tão jegues não sabem nem o que é
sertanejo. A guerra está comprada. As reações do fazendeiro só você para criar,
não tenho qualquer sugestão, não sou cronista, não posso dizer que a minha obra
reflita o sertão mineiro, digo que sou mais filósofo do que propriamente
escritor. Imagino que até o capeta pediria desculpas, perdão por tantos
disparates, despautérios. Não sei se você conhece o texto de Machado de Assis,
quando um ladrão resolve roubar galinhas no seu quintal, tendo sido apanhado
com a boca na botija, o discurso do personagem não lhe dera alternativa: “Posso
ou não levar a galinha?”. A galinha do escritor presunçoso seria: “posso
arregaçar as barras da calça antes de picar a mula pelo sertão a fora?”
Marcos, seria uma crônica supimpa
– como diriam os paulistanos -, você com sua veia crítica, irônica, sarcástica,
mostraria aos leitores o que é isto conhecer a alma sertaneja e aqueles que se
julgam capazes de mergulhar no espírito da intuição simples, da humildade, da
visão absoluta do que é isto ser homem caipira, digno de ser imitado em todos
os níveis, digno de saber o que é isto espiritualidade. Não estou passando a
responsabilidade para você de destilar os ácidos críticos no imbecil e otário,
já o faço nestas linhas, quero apenas ler obra sertaneja pura, de quem conhece
o sertão, de quem vive e o ama. Não cito o nome do livro, não declino o nome do
autor. Aí sim estaria realizando a sua vontade, escrever crítica negativa.
Conto-lhe do besteirol que está chegando à nossa querida Curvelo, quero que
você ria um pouco desta minha crônica, já conhece a minha veia sarcástica, o
nível de meus ácidos, diria que pior que o sulfúrico.
Crie esta crônica, meu querido.
Mesmo que eu esteja lhe sugerindo, quase que encomendando um texto, sei que
você é um “escrivinhador divino”, o autor jamais entenderá por se tratar de um
imbecil, pensará até que a personagem é fruto de sua imaginação fértil, capaz
até de elogiá-lo como escritor em presença de seus álibis e cúmplices; claro,
sabendo que a carapuça só pode servir na cabeça dele.
Até acabei de imaginar um título
para seu texto: “A razão dos jegues é o rabo sem cabelos”
Meu amigo, estou sentindo muitas
saudades de você, de ler seus textos no tablóide. Mas sempre leio os já
publicados, republicando-os de novo em minhas páginas, para que os leitores não
percam o contato com obra que só merece elogios, reconhecimentos, consideração,
que engrandece a nossa literatura curvelana, sendo o único que tem veia para
escrever obras sertanejas de cunho e porte.
Se você decidir escrever sobre
esta missiva, ou seja, sobre o pernóstico escritor, terei mais que alegria e
prazer em publicar, sei que você irá, enfim, não para o espanto nosso, de seus
leitores, já o sabemos, mostrar sua sensibilidade divina: o escritor Diadorim
dos sentimentos de quem ama “ter coragem” de ufanizar o sertanejo, sua cultura,
suas crenças, lendas, mitos, ama a verdade fictícia do matuto”.
Mande-me sua crítica. Esta será a
epígrafe de uma resposta que lhe darei: “O SERTÃO DOS SONHOS HUMANOS”.
Um grande abraço. Saudações
Roseanas.
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