Total de visualizações de página

terça-feira, 24 de novembro de 2015

ÚTERO À PALAVRA - II PARTE - MANOEL FERREIRA NETO



S
enhora, Ó hora da ascensão, os olhos sobem, perdem-se maravilhados no raiado do espaço, fremente de luzes, ofuscados de brilhos. Entre eles procuro uns que lá não estão; que estão onde? Porque deve brilhar para os meus olhos que os pressentem. Terei crescido o bastante? Que tem que ver com uma mulher a infância absoluta? Subitamente, ela emerge e surpreendo-me. Porque supunha a infância absoluta assimilada na estabilidade de minha força. Subitamente. Despojado de mim, do que me sei, não é o nada que aparece, mas outra coisa, a outra coisa de todas as coisas – que coisa? Irredutível, fugidia.
De Vós, Senhora, a voz sem eloqüência, os cabelos longos, a origem sem início, a cor...
De Esther, o fio das palavras, a linha dos estilos e significados, os olhos míopes, a história sem desfecho, sem fim, o começo, a dor. São seis horas: entre mim e o aqui-agora, a sombra e suas sobras. De minha história, imagens fátuas, ausências luminosas, resplandecentes. De minha vida, perspectivas de esperanças, fé, sonhos, comungadas aos sofrimentos e dores, ressentimentos, mágoas, o ímpeto de encontrar salvação, a partir de entrega, luta, esforços os mais variados.
Aqui-agora!... Lançando vossas raízes numa alma, maravilhas de graça se produzem, e só Vós as podeis produzir... Vós produzistes, com o Espírito Santo, a maior maravilha que existe e existirá – um Deus-homem, e vós produzireis, por conseguinte, as coisas mais admiráveis que hão de existir nos últimos tempos, em todos os tempos, aqui e agora, por todo sempre. No vosso seio de caríssima Mãe, Cristo não só tornou a carne que uniu a si hipostaticamente, mas, além disso, assumiu um Corpo espiritual, formado por todos aqueles que haviam de crer nele: de modo que se dizer que Vós, tendo em vosso seio o Salvador, trazíeis também todos aqueles cuja vida estava encerrada na vida do Salvador.
Bendito o fruto de Vosso Ventre! Bendita a Palavra de Vosso Útero!...
É vontade de Deus Espírito Santo que em Vós e por Vós se formem eleitos, e em Vós se reproduzam, gerando em cada filho as raízes de Vossa fé, de Vossa humanidade profunda, de Vossa mortificação universal, de Vossa oração sublime, de Vossa caridade ardente, de Vossa firmíssima esperança e de todas Vossas virtudes.
No Vosso olhar, de Virgem Maria, vêem-se as dores de Jesus, que por todos nós, os homens, indivíduos, eus que desejam a autenticidade das situações e circunstâncias, morreu pregado na Cruz. No momento em que o sol desfalece, abre sua face de outras manhãs, alvoreceres, seis horas, Ave Maria... Recolhe-se a Natureza, samambaias, flamboyants, rosas, damas-da-noite...
Fito, em torno, com olhos que já não são mais deste mundo, que não são mais desta vida, e eu tenho forças para tudo, tenho todos os ímpetos no corpo e no espírito, menos para mentir diante desse olhar, que vislumbra e con-templa a Verdade,  o Amor.  O que vem nele ergue-se com o impulso de uma seiva ascendendo ao longo de um caule – só que a ramaria se acha morta, e nenhuma flor brota mais desta paisagem em despedida.
Confio-Vos o meu excesso, paradoxos, extremismos, o meu avesso, re-verso, que me empresto à imagem vária que me dei, ou seria melhor dizer que me doei de modo que a esquerda não viesse a saber o que a direita doara. Viajo ao longo do que sou, entre miríades de idéias e pensamentos, sonhos e utopias, entre imagens de emoções, sentimentos, busco tecer o que em mim trago dentro, as ad-versidades e similaridades desejo comungar  com dignidade. Esplêndido vislumbrar os resultados deste tecimento, a obra de arte, ornamentos e arrebiques; contudo, o prazer e felicidade que constituiriam o orgulho, a lisonja, o sentimento de que a real-ização se faz presente e a Vida, vivida e vivenciada em todos os dias de modo diferente. A busca continua sua trajetória, destino, rumo. Passei a vida inteira observando minhas “mães de criação”, tecendo, crocheteando, costurando. Antes de morrer, a vovó crocheteou colcha de cama de casal para mim, fora a sua última obra. Morrendo, a madrinha, a que considerava mãe, chamava-a de Dinha, deixou-me uma pequena imagem Vossa que trago sobre a mesa de meu escritório. Já deve ter quase cem anos de existência, se não mais por haver sido da vovó. Com agulha, não saberia tecer ou crochetear, mas tecer com as palavras me não é trabalho sobremodo árduo. Bastam-me engenhosidade, esforço e dedicação para trabalhar, sonhar com o desfecho, desejar resultados universais e divinos.
Não pertenço ao número dos Reis Magos, mas ficou-me o jeito de o ser, um rastro procuro, rastro de nada, um sinal busco, sinal de nada. Não o encontrar não será porque o desfiz com os próprios pés para não ser seguido, para não ser des-coberto, para seguir em paz a estrada que escolhi percorrer até o fim de meus dias? Caminho à deriva pelas ruas, que é que me acena? Não o sei reconhecer, serão miríades de luz, o que será? Será a vida que enfim deseja mostrar-se de modo pleno e sublime, reconheceu que pode confiar em minha boa vontade, nos desejos verdadeiros que alimento no peito, servir-se de mim para esta re-velação? Sinto-me bem. Esquema invisível orienta o meu deambular e é decerto daí que vem a minha segurança, porque me sinto bem. Pelas ruas, becos, gentes alegres e satisfeitas caminham. Têm encontro marcado, sabemo-lo, encontro com a verdade perfeita. Verdade antiqüíssima e intocável. Envelhecem, apodrecem, tornam-se cinzas, a verdade fica, deixam-na em herança como a própria vida. Deixam-se como ícone de alguma coisa, merecedores de serem seguidos, imitados, plagiados.
Agora tudo é perfeito, absoluto, sutil, nu. A primavera continua a caminhada, longa, mas pura em todo esplendor e maravilha. Camada nova re-compõe a terra em perfeição, sutileza, contemplação. Um cão uiva, no horizonte a vida, talvez seja o meu cão “museu”, fazendo-se anunciar, magro, surrado de miséria. “As inglesas o adotaram, criaram, educaram, deram-lhe a cultura que usufrui, depois se foram, deixou-o por aí”, vozes em uníssono ouço, dizendo-me isto, olho em direção ao infinito, nuvens azuis e brancas. Ainda há muitas coisas para fazer, realizar, sentir-me em verdade livre das peias, algemas e correntes do passado.
Assumo a Imagem que me ilumina. Assumo o Ser Divino que é Generosa, Amiga, Compassiva, Solidária, Mãe... A explicação de mim, do que faço e vivo, é tão ridícula como monte de feno à beira de Taberna perdida na estrada sem fim... No fim de contas, constato quem sou e para quê a existência. Mas inventar o quê?! Teria algo a ser inventado? A ser criado, re-criado? E para quê? Lindo, maravilhoso, digno dos deuses do Olimpo, mas, sem a essência da Vida, valor algum tem, é inútil, despautério mesmo. Re-conto a minha história, oferto-me com prazer e deleite pequena ilusão: nalgum lugar Sofia re-nascerá, aí começará a Vida, a Verdadeira, com uma Fé que alimenta sempre a minha vida, a Fé em “Vós”. O mundo tinha de morrer, e é só, e junto com ele as suas coisas.  Havia muita coisa que incitava descobrir. Onde, não sei! Levo a face, o semblante, a imagem, deixo o espelho e seu reflexo, deixo a perspectiva e origem, deixo o ângulo e a resolução. Em Vosso rosto, Senhora, de-posito o meu assombro, espanto, susto, medo, temores, os meus sentimentos, emoções, o meu Ser entrego-Vos em mãos, iluminai-me. Re-colhei-me, a-colhei-me nelas feitas concha, um pequeno ser que necessita de Vosso Amor, Compaixão, Solidariedade!...Só Vós achastes graça diante de Deus, sem auxílio de qualquer outra criatura. E todos, depois de Vós, que acharam graça diante de Deus acharam-na por intermédio de Vós, e é só por Vós que acharão graça os que ainda virão.
Vago ressoar pelo espaço, como respiração da montanha. Imperceptivelmente, nos recantos de sombra, o “ó” da geada brilha. O ar gélido desfibra-me a garganta. Até que tudo findou. Manoel Coveiro, com a pá, alisa a terra sobre o túmulo num requinte de perfeição. Dá-lhe ainda uma olhadela perita e satisfeita. Depois recomeça a carregar o esquife e a ferramenta da carroça. Nós partimos.
O Senhor ia dirigindo Vossos passos. Através das circunstâncias alegres e dolorosas de que está cheia a vida. Ele vos ia conduzindo. À primeira vista, Vossa vida podia parecer uma descensão; do maior para o menor, de Jerusalém para Séforis e depois de Séforis para Nazaré... Mas para Vós era o contrário. Na Vossa vida, à medida que passavam os anos, ocorria fenômeno inverso: do menor para o maior. E não só nas passagens dos anos, mas no que vos chamaríeis de maturação espiritual e nas possibilidades para crescer na vida interior. Em Nazaré, encontráreis maior recolhimento, mais tempo para Deus, maior desprendimento. Parecia-Vos o lugar de Deus, que amava as coisas humildes, aquelas que não têm nome.
Que responsabilidade, hein, Senhora, tinha de cuidar do Filho de Deus e Vosso, tinha de dar-Lhe a Vida, enfim os homens desde toda a eternidade esperavam a vinda do Salvador do mundo! Perseguidos, Vós e José!... O Filho de Deus nasceria, custasse o que custasse. A fé na proteção de Deus era inabalável, a confiança na Sua iluminação existia de verdade. Nada temia.
Colina... colina que domina aldeia, casinhas simples e brancas, no meio de romãzeiras e ciprestes. Grande depressão arredondada, de frente para o sul, e as vertentes das colinas descem suavemente até o centro, onde se eleva outeiro no qual se instala a população.
Vós permanecestes por toda vida oculta. Tão profunda, abismática, essencial e nuclear era Vossa humildade. Para vós o atrativo mais poderoso, constante, era esconder-Vos de Vós mesma e de toda criatura, para ser conhecida somente de Deus. Nisto inspirado, não sendo apenas re-presentação, não desejando ser fantasia e quimera, modo de justificar as dores, ressentimentos, mágoas, devido às discriminações, preconceitos, violências físicas sofridas, mostro-me, re-velo-me, digo-me somente aos íntimos, à minha senhora, para ser conhecido apenas por eles. Nas letras, sei como agir e atuar, sei como reunir as perspectivas, sei como comungar as imagens e sentimentos, sei como confundir, tripudiar os enredos e molduras, para que transcenda o meramente dado, a contingência vivida, experimentada, isto sem deixar de ser verdadeiro com que penso e sinto seja eu, sem deixar de ser digno e honrado com os sonhos de liberdade, integridade, acima de nada, antes de tudo, com a minha salvação, redenção dos pecados e culpas. Enfim, não quero expor nas prateleiras literárias o íntimo. Não tenho medo de opiniões, sou homem consciente da vida e dos limites. Se me não estou enganado, isto se denomina autodefesa, isto se chama segurança. 
Para atender aos pedidos que fizestes a Deus de esconder-Vos, Senhora, empobrecer-Vos e humilhar-Vos Deus providenciou para que permanecêsseis oculta em Vosso nascimento, Vida, passando despercebida dos olhos de quase toda criatura humana. Vossos próprios parentes não Vos conheciam; e os anjos perguntavam muitas vezes uns aos outros: “Quem é esta?”, pois que o Altíssimo a escondia; ou, se algo lhes desvendava a respeito, muito mais, infinitamente lhes ocultava.
Quanta vez, Amada e Querida Mãe, em visitas aos familiares de minha senhora permaneci em silêncio absoluto, enquanto todos tagarelavam a todos os ventos – alguns pensando que lhes ouvia a tagarelice, no íntimo censurava e negligenciava as condutas e posturas diversas, as atitudes e sentimentos de não, quando, em verdade, não prestava a mínima atenção nas palavras, nos sentimentos e emoções que com elas eram revelados. Em verdade, presto divino tributo ao silêncio, nele me encontro, nele busco o que me preenche, o que me sacia os desejos de conhecimento.
Devido a estas atitudes, para todos arbitrárias e gratuitas, para todos orgulho, quem eram eles para dialogarem comigo, não tinham condições, pois que o nível de cultura e intelectualidade transcendia-lhes, alguém dissera à minha senhora: “Parece ser um homem muito inteligente, mas não se abre para ninguém”. Não, Senhora, não me abro para as pessoas em particular, abro-me para os homens em sentido universal. Mas também, Senhora, salvas estas explicações que elaboro do “fundo do peito”, jamais compreendi, não o farei nunca, o porquê de quando duas ou mais pessoas estiverem reunidas a palavra deverá sempre ser pronunciada.  Também porque sempre que dizia algo em presença delas, o que pensava e sentia, era objeto de chacota ou de censura, ou era homem desprezível pelo que sentia ou pensava ou por ser sonhador, ter imaginação sobremodo fértil, ou por ser louco, desequilibrado. Precisava encontrar meios de expressão, de exteriorizar os sentimentos e emoções, idéias e pensamentos, encontrei as letras, entreguei-me. Salvei-me.
 Para mim, é dom silenciar-me na presença das pessoas, é dom falar, falar na minha solidão, quando escrevo. É neste momento, em presença de mim mesmo, que me abro, rasgo as letras dos verbos que me habitam o espírito, rasgo os verbos de letras que me fazem sofrer. Aliás, Senhora, sempre vos pedi no íntimo de mim que me protegêsseis, iluminásseis-me, não deixásseis me perder por nada deste mundo. Creio que Vós, nisto confio e tenho fé absoluta e perene, providenciastes para que a minha sensibilidade permanecesse pura, as minhas letras permanecessem verdadeiras, embora as circunstâncias e situações da vida e dos sofrimentos, dores, em qualquer momento pudesse nelas me inspirar para revelar o que dentro trago em mim, a missão que Vós, os Cinco, Deus, Espírito Santo, Vós, Jesus e José me incumbiram de real-izar.
Minha Mãe querida – antes de vós sempre foi “Dinha”, quem, aliás, despertou-me no Espírito a Vossa Presença e amor: “Você, filho, não teve pai, senão o Altíssimo, mas tem várias mães que o amam, desejam-lhe felicidades . Maria Santíssima é a sua Mãe eterna, e Ela será sempre a sua companheira na vida”-, quanto Vos quero, amo, adoro; pedi-me por isto o que quiserdes, porque, seja qual for Vossa petição, sereis por mim ouvida sempre. Minha Mãe, nada me negais na terra, é justo que nada Vos negue, nada negue aos homens, à humanidade. Vós sois onipotente, Mãe querida.
Vós sóis onipotente por natureza. Vós sois a única dentre todos da “indade”. A única mulher dentre todos os divinos, onipotentes e onipresentes. Mãe, amo-vos mesmo de todo coração, “do fundo de meu peito”.
As portas do inferno – ah, Senhora, elucidai-me, esclarecei-me isto: existe mesmo o lugar “inferno”, onde todos purgam seus pecados? O lugar “paraíso”  onde todos desfrutam das alegrias e felicidades absolutas e perenes? Ou é apenas oratória das mais chinfrins e ridículas? Ah, Mãe, nós os homens sabemos que onde quer que sois objeto de sincera e ardente piedade nunca pode faltar a esperança da salvação. Assim, por mais que os homens porfiem com violência e impiedade por tirar do ânimo dos cidadãos a santa religião e a virtude cristã; por mais que o próprio Satanás procure, com todos os meios, ativar esse combate sacrílego e agravá-lo ferozmente, segundo a frase do Apóstolo das Gentes: “... não temos de lutar contra a carne e o sangue, mas contra os príncipes e as potestades, contra os dominadores deste mundo tenebroso, contra os espíritos malignos”; apesar de tudo isso, se Vós interpondes Vosso valioso patrocínio, as portas do inferno não podem prevalecer.     
Fora fácil liquidar os deuses e semideuses de todos os meus sonhos, de toda minha inquietação. Mas ao fim de todas as mortes, nos limites do silêncio, há um fantasma sem nome, oblíqua presença de nada. A terra é estéril e virgem, é a hora do Re-começo Perfeito. Entrego a Vós, minha Mãe Santíssima, o silêncio total. A voz se cala com a minha voz. Erguer-se-á da própria terra. Vem a voz desde o útero à Palavra. Subitamente, uma iluminação!...
Esboço uma face a régua e compasso, com aquela destreza e habilidade do engenheiro, do artífice. É falsa. Desfaço o que fiz, o que criei, re-criei, desfaço o que imaginei. Retraço o retrato, a imagem. Evoco o abstrato, o que transcende as formas, ângulos, perspectivas, resolução. Faço da sombra minha origem, raiz. Faço das sobras sementes e imagens.
Eternidade: um tempo que quer dizer nunca mais! Difícil conceber este tempo, se “nunca mais” quer dizer sempre, o nunca é inicio e origem do sempre. ... Destino dos homens. Ausência de ausentes que não se espera, no mínimo espera as ausentes consintam nas presenças, a presença se real-ize nos ausentes.
No Calvário, realiza-se o seu maior acontecimento de todos os tempos. E é tão grande a Vossa Maternidade, e tão ligada à aplicação dos méritos infinitos que Vosso Filho nos conquistou com Sua morte e Deus Vos quis proclamada naquele momento especial de nossa salvação. Podemos nós os Vossos Filhos dizer que Vossa Maternidade Espiritual foi um testamento com letras de sangue.
É assim, Senhora, que me sinto quando no ápice de dores e sofrimentos, o peito dilacerado, consigo registrar o que sofro, e digo a mim: “escrevi com o sangue que me corre nas veias”, escrevi com a tinta de todas as agonias, angústias e depressões. Se observo com perspicácia as linhas de minha escritura, consigo contemplar serenidade, não necessito mais pensar e sentir que nada fiz para tornar a Vida digna, nada fiz para merecer viver como os homens, passei a vida em brancas nuvens. Mas, olhando com mais perspicácia ainda, percebo que no íntimo habitam-me as indagações mais percucientes, pungentes que as não posso responder com clareza e transparência, perguntas que me afligem e deixam-me suspenso, dores perpassam-me por inteiro.
Chego a pensar, Senhora, que estou sendo fingido, sou falso, uso de farsa para justificar o que em mim dilacera, divide, corta. Escrever belas e esplendorosas palavras não é difícil, suficiente delinear as imagens, mas escrever palavras que revelam e mostram a condição e natureza humanas, o que me habita, não é tão simples assim. Não há única palavra na Bíblia que na superfície, nas linhas mesmas, a beleza, amor não resplandeçam e nas entrelinhas habitam o verso de nossos sonhos e utopias. Desejo, Senhora, atingir esse ápice nas minhas letras, desejo que as minhas palavras sejam sementes de espiritualidade e amor, por mais gratuito e pecador seja eu; desejo a universalidade do espírito com o que escrevo. Minhas obras sejam tão importantes nos séculos e milênios vindouros como a Palavra de Deus. Sonhos, sonhos, sonhos... Contudo, não perco tempo em dedicar-me fervorosamente, de vasculhar os âmbitos de minha alma, de mergulhar profundo em quem sou, buscando o que verdadeiramente habita-me o espírito.
Vida: ironia das ironias, porque se vive na agonia, na dor, sem limites e fronteiras, no desespero e desesperança. Alguém, não me lembra em que circunstâncias, situações, se amigo íntimo, apenas conhecido, dissera-me que a vida é um tempo dentro de um tempo, o sonho dentro de outros sonhos. A vida é algo que está entre o princípio e o fim, entre a origem e as estirpes, causa e efeito, resultado e conseqüência. Isto porque se morre em um tempo, em qualquer tempo.
Vós conheceis e vedes os socorros, auxílios, ajudas de que necessito para viver, os perigos públicos, sociais, políticos, que me ameaçam, as angústias e males que me oprimem, e sobretudo a luta encarniçada que hei-de sustentar com os inimigos da salvação, da redenção, da ressurreição.
Vós sabeis, Mãe amada e querida, que Vós sois Vós!... Que é de Vós e para Vós que falo, sonho, silencio, calo-me. Como posso falar, se não de Vós, se não por Vós. Vivo a sonhar, vivo a tecer as letras de sonhos de plenitude e absolutidade, do eterno e consagrado. Quando, nas primeiras horas da manhã, Vos vejo, quando entro no escritório, no quadro dependurada na parede, na Vossa Imagem, duas outras imagens Vossas ao lado de meu computador, não vejo Vós! Ouço Vossa voz dizendo-me: “Levai, meu filho, a esperança, fé, amor a todos os homens através de vossa vida e palavras”.
Senhora, por tudo que vivo hoje, por todos os prazeres e alegrias que me habitam, por todas as felicidades que usufruo, desde que me glorificastes com o amor, entrega, dedicação de uma mulher, não seria nunca capaz de trairdes, amarei esta mulher como Vós amastes Vosso Filho. Falar de mim no futuro será falar dela, de seu amor, compaixão.  
Quis ver cessar o meu pranto, desditas, ressentimentos, mágoas, ódios, raivas, eu que já tanto sofrera... Vi-me a cismar, hoje, antes de entrar nesta igreja, caminhando a esmo pelas ruas, alamedas, becos, ladeiras, e quando coloquei o pé direito aqui, a Ave-Maria resplandeceu em todos os lugares da Vida, nós os homens somos da mesma água, do mesmo âmago, da mesma essência.
Farto de mim, afasto-me, distancio-me, e constato, diria até de queixo caído, Senhora: na arte ou na vida, em carne, osso, pena, lápis, pincel, tintas, giz, onde estou não é sempre, onde sou não é jamais, e o que sou é por um triz.  
O silêncio estala a minha boca como uma pedra, estala-me nos ossos. É o Silêncio do Espírito, da minha condição última. É uma luz de dentro, íntima. É uma luz. O luar vibra – uma lua enorme escorre pela montanha, coada luminosidade, pálida. É uma luz de dentro, do útero, íntima. Luar aberto. Repassa a terra, residência, acende-lhe a superfície o Halo do Mistério.
Quem, então, é meu próximo? Nós, os homens, sabemos que o reconhecimento do outro é universal, é a sagrada face. Todo homem é meu próximo. Num tempo em que a informação é mundial, em que as mídias constituem um quarto poder, nós podemos ser tentados a confundir esta universalidade do reconhecimento que é Amor, com uma forma sutil de abstração. É bom, Senhora, ter a idéia fixa de um mundo que sofre, de homens que enfrentam problemas os mais variados, dores as mais pujantes, sofrimentos difíceis; é normal, Senhora, para um cristão.
Como em esperança o alimento da vida, paragem breve ou longa para o balanço de um re-nascimento e re-começo possíveis. O mundo é pequeno: cabe todo numa mão colérica. Pelas entranhas dos montes, a areia acumula-se ao pé dos buracos, formigam homens dentro e fora, obstinados, dentro e fora, tecnificados, formigam – o tempo morreu. É o presente absoluto.
Luz de escuros, véu para o olhar, contemplar, vislumbrar, que não vê senão a cor da noite que reluz. A lua desliza sob as sombras do sol que não há. De um infinito azul, a serena ironia, soberano cinismo: cerração de sono. O reino do longe é aqui: na terra insone, na vigília do mundo, nos nevoeiros de espectros, onde a pedra consome a falsa raiz, onde a raiz some na terra profunda.
De meu quarto, não digo solitário, há letras, há luzes, há músicas, nenhuma envolvente penumbra, ouço estrondear trovões. A chuva cai, desce as ladeiras; de quando em vez, relâmpagos anunciam mais barulho. Outrora, uma cama vazia retratava o meu viver sempre vazio; eterna espera de um bem que não vinha, um amor que se quer e nem se sente.
Para a eternidade da memória dos milênios de silêncio, para a contemplação e vislumbração, a Fé e a Esperança, no negrume das sombras do céu, no cruzado símbolo da Cruz e do Tempo, dobram os sinos, dobram – quem re-nasce?!...
Há-de chegar o instante que todos nós sentiremos após a meditação, o quinhão de nossas culpas e remorsos, de nossas dores e sofrimentos, sentimentos de pecado e de erros, enganos e tropeços, pelo desmoronamento de tantos sonhos desfeitos.
Daí-me o esquecimento, oh, Senhora. Daí-me uma noite sem sombra ou sobressalto, um sono inteiro, completo, profundo, sem rumores. Daí-me Vosso silêncio, Senhora, a serenidade das flores, a tranqüilidade das águas, a iluminidade da luz, o rigor das coisas. Daí-me, Senhora, a plenitude do Amor.  Somente o perdão redime, e a humildade enobrece, assim nos ensinou Vosso Filho. Sinto-me resignado a sofrer o meu castigo para me redimir das culpas.
Espero o que esperam, o que todos esperam. Algo que jamais chegou. Mas espero, porque me desespero, torço, contorço-me, se não espero o in-verso do que sou. Eu que sou efêmero, assim como os homens que me cercam, me desespera, porque preciso ser eterno. A eternidade é-me modo e estilo de compensação pelas dores e sofrimentos vividos, pelas desesperanças e angústias da humanidade, dos homens.





[

Nenhum comentário:

Postar um comentário