Desde a infância, quando a mamãe ou o
papai me encontravam falando sozinho, e perguntavam de que se tratava, o que
estava dizendo, dizia-lhes que estava conversando com os homens, um dia iria
con-versar com a humanidade inteira.
Após ficar ouvindo músicas na
biblioteca, à vontade sentado à cadeira de móvel colonial, pernas esticas e
cruzadas, braços nos braços da cadeira, pensando que assim fosse encontrar
assuntos para tratar convosco, escrevendo-vos, ouvindo cochichar: “Está sem
saber por onde continuar, está
“embasbacado”, queremos ver superar esta situação”. “São apenas alguns
instantes, essas músicas inspiram-me sobretudo... Daqui a pouco, tudo retornará
tranqüilo... Não é assim, num toque de mágica, num piscar, de um fôlego único,
corre-se o risco de dizer somente asnices, abaixar o nível, que eu faça ou não,
questão de decisão, mas se for fazer, tenho a obrigação de ser radical,
escrever uma missiva profunda, transcenda a nossa quotidianidade, os tempos, no
futuro bem longínquo ainda estarão estudando-a, buscando estabelecer luzes que
iluminem as trevas do momento, angústias, depressões, violências, falta de fé,
esperança, enfim isto está aqui sentido... Há, sim, estou aqui,
refestelando-me, ouvindo músicas, estes pensamentos perpassam-me a mente, a
sensibilidade, a intuição, percepção aguçados, não estou querendo tomar da
pensa, estou-me divertindo um pouco, já sei por onde começar”.
Por enquanto, deixai-me aqui tranqüilo,
calmo, ouvindo músicas. Mereço este divertimento, essas horas de lazer. Peço-vos este obséquio. Compreendo sim que se
não tomar da pena agora mesmo, registrando o que me perpassa, a alma, espírito,
a temperatura das palavras transcende os propósitos, objetivos, e é nessas asas
que amo seguir viagem, esquecerei e não vou mais conseguir reaver o perdido,
poderei re-criar, criar, simbolizar, significar, mas os sentimentos deste
instante terão já passado. Tenho condições suficientes para guardar na memória
as palavras, foram pensadas e sentidas, em que instante de reflexão. Contudo,
tomo nota em papel qualquer, depois é só trabalhar. Tendes um pouco de razão nisto, posso mesmo
esquecer-me, terá sido uma grande perda.
Terminando de anotar, cuidar de
deslizar o CD, desligar o computador. Fechei a porta da Biblioteca, colocando a
chave no bolso do shorts, indo à cozinha tomar xícara de café, iria dar umas
voltas, não me demoraria. Isso iria ajudar-me a espairecer as idéias, não sabia
ainda por onde continuar, sentia-me preso, empacado, justamente agora que estou
tomando gosto por ficar horas no computador, enquanto espero os clientes
chegaram, escrevo isto e aquilo, para quando chegar a casa trabalhar como
merece. Ohou-me Iliara Jasmine; pensava com certeza no meu estado emocional,
percebera não estar bem. Se lhe digo que vou sair, logo a réplica de que irá
comigo, não ficar em casa, fazendo janta, nervosa, irritada, quase até
arrancando os cabelos de tanta raiva e ódio, sozinha, o marido na rua sabe lá
Deus em companhia de quem. Nada dissera.
Não sei se pensara que pudesse eu ir à
casa de Roberto Gascharo, conversaríamos um pouco, voltaria para casa bem,
enfim temos sempre muito a conversar, somos ambos psicólogos, assuntos não nos
faltam sobre a loucura, esquizofrenia, neurastenia, psicopatia, neurose.
Tínhamos mais intimidade, isto lá é verdade e das incontestes, vale ressaltar
para enfatizar, atingir o efeito esperado e sonhado, poderia dizer-lhe sobre as
minhas dificuldades que encontro agora em continuar escrevendo. Isso não é
fácil.
Faz provavelmente um mês que nos
encontramos na padaria Santos Dumond, quando estava ele tomando um café; tinha
ido comprar cigarros, os seus vinte companheiros de todas as horas e momentos,
inclusive nas noites de insônia. Perguntara-me o porquê de haver sumido, fazia
uns quatro dias que não víamos. Repondi-lhe que se passasse no trajeto da rua
Geraldo Serafim até a rua Cecília de Mattos às sete e meia da noite,
encontrar-se-ia comigo. Desde então, faz um mês que não nos víamos, não
passaria o resto da vida escrevendo cartas à humanidade, tudo tem um termo. Não
sendo assim, não me encontraria senão em casa ou na clínica.
- Em verdade, Gascharo, você já sabe
que estou escrevendo as minhas missivas à humanidade, a cerveja no Restaurante
do Gregório só mesmo quando terminar.
- E como vão os escritos?
- Vão indo. Não sei que caminho seguir...
Estou bem no início... Creio que seja comum...
- Claro, inteligência e recursos de
linguagem e estilo você tem de sobra, para dar, vender, alugar, ainda lhe
sobrará uma infinidade deles.
- Obrigado pela consideração
verdadeira.
- De nada.
Não tive motivos e razões, alguma
insatisfação com José Roberto. Compreendeu com efeito que não poderia ficar
ligando para sairmos juntos, de vez em quando na semana, uma vez, só Deus
quando dará as caras, de segunda a sábado, escolhia um, estava escrevendo,
precisava entregar-me de corpo e alma, Não estou disposto a manter qualquer
relacionamento com ninguém, não nos termos que estão acostumados a fazê-lo: se
não houver hipocrisia e falsidade na relação, deve-se arriscar a viver sozinho,
muitos sofrimentos e dores são as conseqüências, ter-se-á de mudar os valores.
Isso não...
Concordo e endosso que, com certos
dizeres meus, preciso chamar a atenção, mostrar-me intransigente. Houve um
qüiproquó com um senhor de minhas relações – conhecido de mamãe desde a
infância dela, estava ela com cinco e ele com doze anos quando se conheceram. Afastei-me
dele com todas as pompas – dizer ser eu inconstante, hoje defendo idéias com
pujança, amanha desdigo-as com orgulho, era disparate dos mais radicais. Isto é
o que não sou mesmo, se cismar que pedra é bola de neve, farei tudo até
conseguir esta mágica transformação. Não havia dúvida de tinha os seus
preconceitos com relação a psicólogos, sou mais louco do que meus pacientes. Se
após tantos anos de nossas relações, não percebeu se desdigo as coisas é que
provei a mim próprio estar equivocado, é que não valia a pena a nossa relação.
Contudo, continuei sendo amigo de sua filha mais nova, Jussilene Andrade de
Castro, indo à casa dela de quando em vez para um dedo de prosa.
Interessante isto de ficarmos longo
tempo sem encontrar com uma pessoa, e se encontramos por acaso, ninguém estava
pensando no outro, passamos a nos encontrar a todo momento, inclusive, sendo
comum dizer: “Marcamos de nos encontrar após nos havermos encontrado ontem?”
No mesmo dia que nos encontramos na
padaria Santos Dumond, encontramos quatro horas depois na Travessia dos
Escravos. Estava no meio da rua conversando com duas pessoas, não as conheço. O
papo já havia terminado, pois os dois se justificaram comigo, dizendo que os
desculpasse por estar chegando e eles saindo. Viu-me com algumas folhas em mão
dobradas, perguntando se eram anotações de algum cliente, estava dando uma
olhadela antes de nosso encontro, inteirar-me de como terminara o nosso último.
Respondi-lhe que não. Hesitei um pouco antes de dizer-lhe que eram cinco
páginas de uma missiva que estou escrevendo à humanidade – apesar de que ele
esteja sabendo de nossas conversa, e até haver se admirado com isso – por temer
comentários com alguém, mesmo sem querer, e até haver se admirado com isso –
por temer comentários com alguém, mesmo sem querer, e até haver se admirado com
isso – por temer comentários com alguém, mesmo sem querer, embora eu AC He
interessantíssimo a fala de Chaves: “Sem querer, querendo...”. Disse-lhe.
Toquei-lhe no braço esquerdo, puxando-o para nos sentarmos a uma das mesas que
estavam espalhadas na rua.
-
Em verdade, é a carta que estou escrevendo à humanidade – olhou-me estupefato,
bestificado com a informação, dando um sorriso – Titulei até. Intitula-se
Corcovado de esperanças. Quer ouvir?
- Não lerá todas essas páginas, quatro
ou cinco?...
- Não. Estou compressa. Tenho um
cliente às cinco e meia – não tinha inventado, criado esta situação para
disfarçar a falta de graça que fiquei por perguntar de modo sarcástico se leria
aquelas páginas. Tinha mesmo encontro com cliente naquele horário. Sou avesso a
justificativas sem sal, insossas. Não digo que tenho resposta para um, mas à francesa, posso livrar-me da situação.
Dizendo-lhe isto, li o início, a data,
as epígrafes. Dera uma risada daquelas. Quem ficara mais bestificado fora eu, o que naquelas palavras
tinha de risível. Embora a linguagem e o estilo de me referir ao que para mim é
a inveja, não era de se rir, deveria sentir compaixão, solidariedade com os
invejosos, eles não sabem as conseqüências da inveja na psique humana.
Houve uma situação bastante
constrangedora com alguém de nossas relações, Vitório Capanema, quando ele se
dirigiu à Iliara Jasmine, e de imediato rasguei-lhe o verbo com todas as
letras, mostrando-lhe a sua canalhice total e irredutível, e o homem ainda a
ousadia de me escorraçar de seu estabelecimento comercial, o que saí indignado.
Isso aqui na cidade é impressionante: ninguém respeita o outro, se alguém
decidir cantar a mulher do outro em sua cara, faz sem pestanejar, vice-versa.
Numa mesa com algumas pessoas na Praça Dr. Newton Gabriel Diniz, já ouvi mulher
dizer tão logo sentara: “Não quero saber quem está comendo quem, quem está
sendo traído”. Creio que se me alguém me cumprimentasse, saindo com Iliara,
dirigindo-nos para casa, em silêncio, olhando para mim, soltaria outros verbos
mais inconseqüentes e indecentes que humano já o tenha feito. Nada comentei a
respeito com ela, não tinha quaisquer culpas, não criou a situação, conhecia-a
bem, nem era preciso explicar-se. Dizer algo que me tergiversasse a atenção,
esquecesse, por que um cretino daqueles iria exercer
influência no meu estado de espírito. É que Iliara Jasmine sentiu na pele o que
é alguém se sentir envergonhado de ser escorraçado de um lugar, quando era o
próprio proprietário quem se dirigira à minha mulher de modo bastante
aberto. Oportunista dos diabos!
Comentara isso com José Roberto, e ele
me assegurou que Gustavo Capanema estava tendo surtos neuróticos
constantemente, já havia cantado várias clientes. A família anda preocupada, se
a coisa não mudar de aspecto, terá de ser internado numa clínica. Por enquanto,
estava consultando com o Dr. Frederico Souza.
Despedimo-nos. Roberto Gascharo
pediu-me que deixasse as folhas com ele, iria ler com calma, desculpasse-o o
riso, no fundo, dizia-me que não precisava eu de seu endosso para o que escrevo
ter valores muito profundos, um leito acharia esquisito, excêntrico. Havia
compreendido. Disse-lhe que não, desculpasse-me, mas só Iliara Jasmine podia
ler, enquanto estivesse escrevendo. A intenção era mostrar coisa e outra, não a
missiva por inteiro. Na verdade, não o fiz para não alimentar a sua neurose
obsessiva de interpretar certas falas minhas como sendo dirigidas aos traste,
que perguntara a minha mulher se não
estava um pouquinho destrambelhada quando me escolheu como marido. Mostrei-lhe
o que era ser destrambelhado nas relações familiares com a sua própria mulher,
sustentado em alguns assuntos que tratamos, e ele, brincando, disse-me que iria
confessar uma coisa, eu que era psicólogo poderia entender, estava perdendo a
atração por sua mulher. Respondi-lhe que não interessava sabê-lo, não era
assunto para se tratar com alguém fora de um consultório médico, se estava
pedindo algum conselho ou ponto de vista, procurasse no consultório. O homem
perdeu a cor, pensei até que ter uma crise qualquer de tanto ódio que se
instalou no brilho de seus olhos, escorraçou de seu estabelecimento. A sua
funcionária, que ouvia a conversa, estando eu saindo, disse-lhe com todas as
letras: “Vai mexer no ninho de cobra!... O resultado é esse”.
Caminhava mesmo naquela atitude de quem
está mesmo espairecendo as idéias, lembrando-me destes acontecimentos,
investigando-lhes, buscando entender com clareza as entrelinhas e além-linhas,
o que isto significa para mim.
Decidi tomar uma cerveja num botequim
de esquina da avenida Othon Bezerra de Melo. A manhã de domingo estava bem
convidativa, já estava com algumas idéias na cabeça para continuar escrevendo.
Tomaria a cerveja e escreveria.... Poderia escrever livremente, não tinha
qualquer compromisso com horário.
O caminho a seguir... Escreveria sobre
isso. Havia duas mesas na calçada, dentro não havia ninguém, o que achei
estranho, pois muitos gostam de ficar conversando com os amigos, encostados no
balcão, contando histórias, casos, causos. Pedi a cerveja, um aperitivo. Abri a
agenda, comecei a escrever.
Ainda que não saiba que caminho seguir
– houve inúmeros incontáveis momentos em minha vida que não vislumbrava
qualquer um, mesmo que espremesse os miolos, mesmo que espremesse a massa
cefálica, via-me diante de vários, não sabia qual escolher, bifurcação de
estrada que levava a lugares diferentes, diversos; na adolescência isto é
comum, comigo acontecera até por volta dos quarenta anos, daí para frente
discerni com transparência os que me levariam aos desejos íntimos, os que
colocariam em minhas mãos feita concha o nítido e transparente diamante da V
IDA; as bifurcações continuaram, são
necessárias para o despertar da reflexão, delinear no espírito e na alma a estética do sonho feita realidade, o jogo
de cintura e meneios do corpo e mente auxiliam-me na longa jornada -, ainda que
ignore o endereço das coisas que permanecem e que vale com inflexível valor, já
dará boa prova de obscura crença, quem sabe até de obtusa beatice, nesse
valores quem souber afirmar certa incredulidade nos ostentatórios valores do
mundo.
O endereço das coisas não se sabe, não
se conhece com a razão, com a lógica dos pensamentos e das idéias, com a
transparência dos pensamentos, com o olhar o mundo e a vida à luz dos conceitos
e definições, categorias e propriedades, contempla-se – vale este verbo
enfatizar, pois é ele que nos mostra a sede de conhecimento, que nos habita
inteiro, corpo, alma, espírito, carne e ossos; o que deseja no futuro, através
da experiências, vivências, tornar realidade, desfrutar das alegrias e
prazeres, “con-templar” é “pro-jetar” – o endereço das coisas com os
sentimentos verdadeiros, isto é, os que nascem e re-nascem com o que é vivido
no cotidiano, vivenciado nas relações objetivas e sensíveis com os homens, as
coisas, os objetos, os homens, e, trans-cendendo estas meras palavras, com a
VIDA, na sua dimensão contingente e espiritual.
Se eu sabia o endereço das coisas?
Perguntais-me, não sabendo eu dizer se admirada com o que já escrevi nesta meia
hora que estou aqui sentado, tomando cerveja, dirigindo-vos à palavra. Quem
diria que há pouco tempo atrás largou de escrever, pus-me a ouvir música, e,
quando encostei a cabeça na costa da cadeira, pensei comigo próprio: “Nietzsche
não sabia o que fazer, quando a música acabasse; sei o que fazer quando não
tiver mais palavras para registrar no papel, ouço músicas”. Já escreveu tudo
isso.
Bem... Não, não sabia o endereço das
coisas. Na adolescência, até a idade de quarenta anos, acreditei piamente que
traçaria este endereço com a razão, com a soma das experiências, com a vivência
à luz dos conhecimentos adquiridos na escola, na faculdade. Aprendi-o no tempo
– o tempo é o grande sábio, o sábio do perpétuo e divino -, e, desde então,
busco sensibilizar-me de verdade, sem meias palavras, sem meios sentimentos,
sem meias emoções, quimeras, fantasias, ilusões com a VIDA mesma, e ela é tudo
isso e muito mais que isso.
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