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terça-feira, 24 de novembro de 2015

CORCOVADO DE SILÊNCIOS - XIII PARTE – CÁLICE DE VINHO PURÍSSIMO


Desde a infância, quando a mamãe ou o papai me encontravam falando sozinho, e perguntavam de que se tratava, o que estava dizendo, dizia-lhes que estava conversando com os homens, um dia iria con-versar com a humanidade inteira.
Após ficar ouvindo músicas na biblioteca, à vontade sentado à cadeira de móvel colonial, pernas esticas e cruzadas, braços nos braços da cadeira, pensando que assim fosse encontrar assuntos para tratar convosco, escrevendo-vos, ouvindo cochichar: “Está sem saber por onde continuar,  está “embasbacado”, queremos ver superar esta situação”. “São apenas alguns instantes, essas músicas inspiram-me sobretudo... Daqui a pouco, tudo retornará tranqüilo... Não é assim, num toque de mágica, num piscar, de um fôlego único, corre-se o risco de dizer somente asnices, abaixar o nível, que eu faça ou não, questão de decisão, mas se for fazer, tenho a obrigação de ser radical, escrever uma missiva profunda, transcenda a nossa quotidianidade, os tempos, no futuro bem longínquo ainda estarão estudando-a, buscando estabelecer luzes que iluminem as trevas do momento, angústias, depressões, violências, falta de fé, esperança, enfim isto está aqui sentido... Há, sim, estou aqui, refestelando-me, ouvindo músicas, estes pensamentos perpassam-me a mente, a sensibilidade, a intuição, percepção aguçados, não estou querendo tomar da pensa, estou-me divertindo um pouco, já sei por onde começar”.
Por enquanto, deixai-me aqui tranqüilo, calmo, ouvindo músicas. Mereço este divertimento, essas horas de lazer.  Peço-vos este obséquio. Compreendo sim que se não tomar da pena agora mesmo, registrando o que me perpassa, a alma, espírito, a temperatura das palavras transcende os propósitos, objetivos, e é nessas asas que amo seguir viagem, esquecerei e não vou mais conseguir reaver o perdido, poderei re-criar, criar, simbolizar, significar, mas os sentimentos deste instante terão já passado. Tenho condições suficientes para guardar na memória as palavras, foram pensadas e sentidas, em que instante de reflexão. Contudo, tomo nota em papel qualquer, depois é só trabalhar.  Tendes um pouco de razão nisto, posso mesmo esquecer-me, terá sido uma grande perda.
Terminando de anotar, cuidar de deslizar o CD, desligar o computador. Fechei a porta da Biblioteca, colocando a chave no bolso do shorts, indo à cozinha tomar xícara de café, iria dar umas voltas, não me demoraria. Isso iria ajudar-me a espairecer as idéias, não sabia ainda por onde continuar, sentia-me preso, empacado, justamente agora que estou tomando gosto por ficar horas no computador, enquanto espero os clientes chegaram, escrevo isto e aquilo, para quando chegar a casa trabalhar como merece. Ohou-me Iliara Jasmine; pensava com certeza no meu estado emocional, percebera não estar bem. Se lhe digo que vou sair, logo a réplica de que irá comigo, não ficar em casa, fazendo janta, nervosa, irritada, quase até arrancando os cabelos de tanta raiva e ódio, sozinha, o marido na rua sabe lá Deus em companhia de quem. Nada dissera.
Não sei se pensara que pudesse eu ir à casa de Roberto Gascharo, conversaríamos um pouco, voltaria para casa bem, enfim temos sempre muito a conversar, somos ambos psicólogos, assuntos não nos faltam sobre a loucura, esquizofrenia, neurastenia, psicopatia, neurose. Tínhamos mais intimidade, isto lá é verdade e das incontestes, vale ressaltar para enfatizar, atingir o efeito esperado e sonhado, poderia dizer-lhe sobre as minhas dificuldades que encontro agora em continuar escrevendo. Isso não é fácil.
Faz provavelmente um mês que nos encontramos na padaria Santos Dumond, quando estava ele tomando um café; tinha ido comprar cigarros, os seus vinte companheiros de todas as horas e momentos, inclusive nas noites de insônia. Perguntara-me o porquê de haver sumido, fazia uns quatro dias que não víamos. Repondi-lhe que se passasse no trajeto da rua Geraldo Serafim até a rua Cecília de Mattos às sete e meia da noite, encontrar-se-ia comigo. Desde então, faz um mês que não nos víamos, não passaria o resto da vida escrevendo cartas à humanidade, tudo tem um termo. Não sendo assim, não me encontraria senão em casa ou na clínica.
- Em verdade, Gascharo, você já sabe que estou escrevendo as minhas missivas à humanidade, a cerveja no Restaurante do Gregório só mesmo quando terminar.
- E como vão os escritos?
- Vão indo. Não sei que caminho seguir... Estou bem no início... Creio que seja comum...
- Claro, inteligência e recursos de linguagem e estilo você tem de sobra, para dar, vender, alugar, ainda lhe sobrará uma infinidade deles.
- Obrigado pela consideração verdadeira.
- De nada.
Não tive motivos e razões, alguma insatisfação com José Roberto. Compreendeu com efeito que não poderia ficar ligando para sairmos juntos, de vez em quando na semana, uma vez, só Deus quando dará as caras, de segunda a sábado, escolhia um, estava escrevendo, precisava entregar-me de corpo e alma, Não estou disposto a manter qualquer relacionamento com ninguém, não nos termos que estão acostumados a fazê-lo: se não houver hipocrisia e falsidade na relação, deve-se arriscar a viver sozinho, muitos sofrimentos e dores são as conseqüências, ter-se-á de mudar os valores. Isso não...
Concordo e endosso que, com certos dizeres meus, preciso chamar a atenção, mostrar-me intransigente. Houve um qüiproquó com um senhor de minhas relações – conhecido de mamãe desde a infância dela, estava ela com cinco e ele com doze anos quando se conheceram. Afastei-me dele com todas as pompas – dizer ser eu inconstante, hoje defendo idéias com pujança, amanha desdigo-as com orgulho, era disparate dos mais radicais. Isto é o que não sou mesmo, se cismar que pedra é bola de neve, farei tudo até conseguir esta mágica transformação. Não havia dúvida de tinha os seus preconceitos com relação a psicólogos, sou mais louco do que meus pacientes. Se após tantos anos de nossas relações, não percebeu se desdigo as coisas é que provei a mim próprio estar equivocado, é que não valia a pena a nossa relação. Contudo, continuei sendo amigo de sua filha mais nova, Jussilene Andrade de Castro, indo à casa dela de quando em vez para um dedo de prosa.
Interessante isto de ficarmos longo tempo sem encontrar com uma pessoa, e se encontramos por acaso, ninguém estava pensando no outro, passamos a nos encontrar a todo momento, inclusive, sendo comum dizer: “Marcamos de nos encontrar após nos havermos encontrado ontem?”
No mesmo dia que nos encontramos na padaria Santos Dumond, encontramos quatro horas depois na Travessia dos Escravos. Estava no meio da rua conversando com duas pessoas, não as conheço. O papo já havia terminado, pois os dois se justificaram comigo, dizendo que os desculpasse por estar chegando e eles saindo. Viu-me com algumas folhas em mão dobradas, perguntando se eram anotações de algum cliente, estava dando uma olhadela antes de nosso encontro, inteirar-me de como terminara o nosso último. Respondi-lhe que não. Hesitei um pouco antes de dizer-lhe que eram cinco páginas de uma missiva que estou escrevendo à humanidade – apesar de que ele esteja sabendo de nossas conversa, e até haver se admirado com isso – por temer comentários com alguém, mesmo sem querer, e até haver se admirado com isso – por temer comentários com alguém, mesmo sem querer, e até haver se admirado com isso – por temer comentários com alguém, mesmo sem querer, embora eu AC He interessantíssimo a fala de Chaves: “Sem querer, querendo...”. Disse-lhe. Toquei-lhe no braço esquerdo, puxando-o para nos sentarmos a uma das mesas que estavam espalhadas na rua.
 - Em verdade, é a carta que estou escrevendo à humanidade – olhou-me estupefato, bestificado com a informação, dando um sorriso – Titulei até. Intitula-se Corcovado de esperanças. Quer ouvir?
- Não lerá todas essas páginas, quatro ou cinco?...
- Não. Estou compressa. Tenho um cliente às cinco e meia – não tinha inventado, criado esta situação para disfarçar a falta de graça que fiquei por perguntar de modo sarcástico se leria aquelas páginas. Tinha mesmo encontro com cliente naquele horário. Sou avesso a justificativas sem sal, insossas. Não digo que tenho resposta para um, mas  à francesa, posso livrar-me da situação.
Dizendo-lhe isto, li o início, a data, as epígrafes. Dera uma risada daquelas. Quem ficara mais  bestificado fora eu, o que naquelas palavras tinha de risível. Embora a linguagem e o estilo de me referir ao que para mim é a inveja, não era de se rir, deveria sentir compaixão, solidariedade com os invejosos, eles não sabem as conseqüências da inveja na psique humana.
Houve uma situação bastante constrangedora com alguém de nossas relações, Vitório Capanema, quando ele se dirigiu à Iliara Jasmine, e de imediato rasguei-lhe o verbo com todas as letras, mostrando-lhe a sua canalhice total e irredutível, e o homem ainda a ousadia de me escorraçar de seu estabelecimento comercial, o que saí indignado. Isso aqui na cidade é impressionante: ninguém respeita o outro, se alguém decidir cantar a mulher do outro em sua cara, faz sem pestanejar, vice-versa. Numa mesa com algumas pessoas na Praça Dr. Newton Gabriel Diniz, já ouvi mulher dizer tão logo sentara: “Não quero saber quem está comendo quem, quem está sendo traído”. Creio que se me alguém me cumprimentasse, saindo com Iliara, dirigindo-nos para casa, em silêncio, olhando para mim, soltaria outros verbos mais inconseqüentes e indecentes que humano já o tenha feito. Nada comentei a respeito com ela, não tinha quaisquer culpas, não criou a situação, conhecia-a bem, nem era preciso explicar-se. Dizer algo que me tergiversasse a atenção, esquecesse, por que um cretino daqueles iria                                      exercer influência no meu estado de espírito. É que Iliara Jasmine sentiu na pele o que é alguém se sentir envergonhado de ser escorraçado de um lugar, quando era o próprio proprietário quem se dirigira à minha mulher de modo bastante aberto.  Oportunista dos diabos!
Comentara isso com José Roberto, e ele me assegurou que Gustavo Capanema estava tendo surtos neuróticos constantemente, já havia cantado várias clientes. A família anda preocupada, se a coisa não mudar de aspecto, terá de ser internado numa clínica. Por enquanto, estava consultando com o Dr. Frederico Souza.
Despedimo-nos. Roberto Gascharo pediu-me que deixasse as folhas com ele, iria ler com calma, desculpasse-o o riso, no fundo, dizia-me que não precisava eu de seu endosso para o que escrevo ter valores muito profundos, um leito acharia esquisito, excêntrico. Havia compreendido. Disse-lhe que não, desculpasse-me, mas só Iliara Jasmine podia ler, enquanto estivesse escrevendo. A intenção era mostrar coisa e outra, não a missiva por inteiro. Na verdade, não o fiz para não alimentar a sua neurose obsessiva de interpretar certas falas minhas como sendo dirigidas aos traste, que perguntara a minha mulher se  não estava um pouquinho destrambelhada quando me escolheu como marido. Mostrei-lhe o que era ser destrambelhado nas relações familiares com a sua própria mulher, sustentado em alguns assuntos que tratamos, e ele, brincando, disse-me que iria confessar uma coisa, eu que era psicólogo poderia entender, estava perdendo a atração por sua mulher. Respondi-lhe que não interessava sabê-lo, não era assunto para se tratar com alguém fora de um consultório médico, se estava pedindo algum conselho ou ponto de vista, procurasse no consultório. O homem perdeu a cor, pensei até que ter uma crise qualquer de tanto ódio que se instalou no brilho de seus olhos, escorraçou de seu estabelecimento.   A sua funcionária, que ouvia a conversa, estando eu saindo, disse-lhe com todas as letras: “Vai mexer no ninho de cobra!... O resultado é esse”.
Caminhava mesmo naquela atitude de quem está mesmo espairecendo as idéias, lembrando-me destes acontecimentos, investigando-lhes, buscando entender com clareza as entrelinhas e além-linhas, o que isto significa para mim.
Decidi tomar uma cerveja num botequim de esquina da avenida Othon Bezerra de Melo. A manhã de domingo estava bem convidativa, já estava com algumas idéias na cabeça para continuar escrevendo. Tomaria a cerveja e escreveria.... Poderia escrever livremente, não tinha qualquer compromisso com horário.
O caminho a seguir... Escreveria sobre isso. Havia duas mesas na calçada, dentro não havia ninguém, o que achei estranho, pois muitos gostam de ficar conversando com os amigos, encostados no balcão, contando histórias, casos, causos. Pedi a cerveja, um aperitivo. Abri a agenda, comecei a escrever.
Ainda que não saiba que caminho seguir – houve inúmeros incontáveis momentos em minha vida que não vislumbrava qualquer um, mesmo que espremesse os miolos, mesmo que espremesse a massa cefálica, via-me diante de vários, não sabia qual escolher, bifurcação de estrada que levava a lugares diferentes, diversos; na adolescência isto é comum, comigo acontecera até por volta dos quarenta anos, daí para frente discerni com transparência os que me levariam aos desejos íntimos, os que colocariam em minhas mãos feita concha o nítido e transparente diamante da V IDA;  as bifurcações continuaram, são necessárias para o despertar da reflexão, delinear no espírito e na alma  a estética do sonho feita realidade, o jogo de cintura e meneios do corpo e mente auxiliam-me na longa jornada -, ainda que ignore o endereço das coisas que permanecem e que vale com inflexível valor, já dará boa prova de obscura crença, quem sabe até de obtusa beatice, nesse valores quem souber afirmar certa incredulidade nos ostentatórios valores do mundo.
O endereço das coisas não se sabe, não se conhece com a razão, com a lógica dos pensamentos e das idéias, com a transparência dos pensamentos, com o olhar o mundo e a vida à luz dos conceitos e definições, categorias e propriedades, contempla-se – vale este verbo enfatizar, pois é ele que nos mostra a sede de conhecimento, que nos habita inteiro, corpo, alma, espírito, carne e ossos; o que deseja no futuro, através da experiências, vivências, tornar realidade, desfrutar das alegrias e prazeres, “con-templar” é “pro-jetar” – o endereço das coisas com os sentimentos verdadeiros, isto é, os que nascem e re-nascem com o que é vivido no cotidiano, vivenciado nas relações objetivas e sensíveis com os homens, as coisas, os objetos, os homens, e, trans-cendendo estas meras palavras, com a VIDA, na sua dimensão contingente e espiritual.
Se eu sabia o endereço das coisas? Perguntais-me, não sabendo eu dizer se admirada com o que já escrevi nesta meia hora que estou aqui sentado, tomando cerveja, dirigindo-vos à palavra. Quem diria que há pouco tempo atrás largou de escrever, pus-me a ouvir música, e, quando encostei a cabeça na costa da cadeira, pensei comigo próprio: “Nietzsche não sabia o que fazer, quando a música acabasse; sei o que fazer quando não tiver mais palavras para registrar no papel, ouço músicas”. Já escreveu tudo isso.

Bem... Não, não sabia o endereço das coisas. Na adolescência, até a idade de quarenta anos, acreditei piamente que traçaria este endereço com a razão, com a soma das experiências, com a vivência à luz dos conhecimentos adquiridos na escola, na faculdade. Aprendi-o no tempo – o tempo é o grande sábio, o sábio do perpétuo e divino -, e, desde então, busco sensibilizar-me de verdade, sem meias palavras, sem meios sentimentos, sem meias emoções, quimeras, fantasias, ilusões com a VIDA mesma, e ela é tudo isso e muito mais que isso. 

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