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terça-feira, 24 de novembro de 2015

CORCOVADO DE ESPERANÇAS - II PARTE - VASCONÇOS DA SOBERANIA




Agora que des-cobri que a Vida existe dentro de mim, percebo com nitidez, con-templo com transparência o que devo fazer na verdade, o que é imperioso que faça para novas concepções e visões.
Aliás, devo e tenho o carinho, consideração de vossa contribuição verdadeira e real, por inter-médio da sensibilidade, intuição, dons e talentos, de haver contribuído com o amadurecimento, crescimento de minhas dimensões sensíveis, poder de percepção das coisas do âmago da alma e do espírito, após haver decidido por lhes dirigir o que me vai fundo na alma e no espírito a respeito de vós, de toda a vossa caminhada ao longo de tantos séculos e milênios; sim, querida, e queridos homens, devo-lhes prestar um tributo por este outro degrau de minha longa escada a ser atingido o cume, numa época tão complicada e des-encontrada, mas é justamente nela que os questionamentos profundos são feitos, não por cultura, intelectualismo, por desejo, sim, de outras realidades e vivências, outros sentimentos e conquistas, pior todo sempre vou negligenciar os interesses, a minha missão é esta, estou convencido e persuadido. Agradecimento por agradecimento é medíocre e mesquinho. Mergulhemos profundo para que nossa relação se pererize, na vida e nas letras. E quando uso tal frase, não é preciso dizer que não estou aludindo a qualquer ordem ou comando externo, pois não os admitiria, não consentiria de modo algum, visto que o mergulho na exterioridade acaba sendo enfadonho e despropositado.
 Sou hoje mais individualista do que nunca. Aos meus olhos, nada parece ter o menor valor, exceto aquilo que consegui obter por mim mesmo. Minha índole procura nova forma de real-ização pessoal, novo estilo de olhar as coisas, objetos e homens. E é a única preocupação. E a primeira coisa que terei de fazer será libertar-me de qualquer possível sentimento de rancor contra vós, contra o mundo.
Ninguém está disposto. Vendem-se a preços módicos em qualquer loja comercial, satisfazem-se com os resultados materiais que obtêm. Real-izai que não tenho preço algum, nem no mercado literário, expondo as utopias de um homem, de todos vós os homens, da humanidade e sabendo que conheceis quais serão vossas trilhas, não tenho qualquer preço.  Não me sinto inferior a vós, também não me sinto superior a vós, a quaisquer dos meus amigos, íntimos, leitores, clientes, sou como qualquer outro homem, e durante minha vida estarei ao lado da humanidade, fazendo parte dela, sendo ela nalgumas circunstâncias e situações. Quem dera pudesse questionar só para mim, espremer os miolos em busca de uma solução, salvação de minha vida que trans-corre no mesmo ritmo de todos os séculos e milênios, desejo felicidade e alegria.
Desde muito cedo, sempre pensei que o homem sem intelecto, cultura, conhecimento não era nada; tinha eu de mergulhar fundo em mim, arrancar-me de dentro, mostrar-me, revelar-me. Entreguei-me. Ler apenas por ler, ser reconhecido como leitor assíduo de grandes obras, conhecendo-as profundamente, poder interpretá-las neste ou naquele ângulo, mostrar-lhes as raízes, as sementes que lhe habitam e, sendo regados as mensagens e mistérios, dará grandes frutos. Isso é lindo é maravilhoso. Sou a casca, a aparência. O importante para mim era assimilar as veredas, meios de conhecimentos, mergulhando em mim, buscando-me. Agora, aos cinqüenta anos, recentemente completados, o desejo é deixar isso inscrito, anunciado e revelado, nesta missiva que vos envio com todo apreço e carinho, amor e agradecimento pelas trilhas de não; não fossem elas, nada estaria sendo inscrito na folha branca de papel.
Confesso-vos o exagero. Não é que dizem ser importantíssimo chegar aos cinqüenta anos, enfim significa meio século de vida, sendo portador de inúmeras experiências e vivências, tendo o que ensinar aos jovens que estão iniciando a vida, aos adultos e velhos que já enfrentaram problemas e conflitos os mais variados e difíceis possíveis? Estou me sentindo um dos grandes homens que chegaram a essa idade, visto hoje ser dificílimo chegar a ela. Sinto-me orgulhoso e exultante com essa empreitada de vos dirigir as palavras numa missiva.
De meu consultório, sim, sou um psicólogo, cuido de pacientes com AIDS, em situações terminais,  acabou de sair um cliente que está tendo sérios problemas por ouvir vozes, muitas vozes, isto o está deixando até com medo de dormir, tornar-se única e exclusivamente as vozes; claro está que há problemas psíquicos sérios com ele, não diria a loucura. Saindo, cheguei à janela não saberia dizer-vos com que intenção, é uma ação espontânea. 
Com efeito, é impossível crer que homens profundos cheguem à demência; jamais cri que sabedoria, intelectualidade, profundidade sejam causas de insanidade, como também nunca cri que a comunidade, caso queira “comunismo”, simplicidade, humildade, vulgaridade sejam causas de loucura, acredito que a loucura do homem habita-lhe a alma, com as situações do mundo e da vida é que se torna real, manifesta-se pomposa e verdadeira, mas em termos de fisiologia e patologia sou uma anta quadrada, por isto deixo este parágrafo por terminar. Daqui é que darei prosseguimento às idéias que desejo dizer-vos, sendo necessária atenção primorosa para tecê-las a gosto e sensivelmente.
Sigo-vos os passos, orientando-vos os passos, indicando-vos isto e aquilo, para que possais saber in-vestigar os pormenores e detalhes, vestígios disto e daquilo, inteirando-vos de toda a teia que estou tecendo, jamais in-ferindo nos seus julgamentos, idéias e pensamentos, deixando-lhes livres, e assim possais com-preender as minúcias de um estilo e linguagem da Vida, outros, diferentes e inusitados, mas, no frigir dos ovos, saias engrandecida, lisonjeada, orgulhosa de vossos poderes de trans-formação e mudança, sois susceptível às condições climáticas, sociais, políticas, individuais. Vós estais precisando pensar por vós mesma, destruir os falsos impérios, ser soberana.   
Que há entre a vida e a morte? Questão realmente complicada e hermética de ser respondida: quem vive, não tem qualquer noção sobre a morte, sabe que existe, sabe que vai morrer, tudo o mais são divagações e oratórias; quem morreu, jamais retornou para dizer o que é isto a morte. Dizer o que há entre a vida e a morte seria necessário estar vivo e morto, embora a morte nos habite, estamos vivos ainda.
Para responder, não ficar deixando as coisas por serem concluídas, ouso fazê-lo num fôlego só, mesmo porque já começo de ficar inquieto com os profundos pensamentos e questionamentos que se me re-velaram hoje, durante e após a chuvinha que caíra à tarde. O que existe entre a vida e a morte é uma ponte. Quais são os efeitos da chuva, não?! Com ela, já pensamos no rio, nas enchentes, nas tragédias da água, e logo queremos uma ponte que canalize, não, que as águas passem por baixo delas, sigam o rumo e destino molécula a molécula de H20.  Não obstante, se não introduzisse este escrito desse modo, o leitor iria padecer forte abalo, assaz, em demasia, danoso ao efeito da missiva que vos escrevo, e vós mesma iria arrancar alguns cabelos da cabeça para saber o que desejo dizer; se a cabeça não sofresse as conseqüências, seria a angústia que iria habitar-vos a alma, e este não é o meu propósito. Saltar da insanidade, demência, loucura, fica a vosso gosto e paladar decidir qual termo assumir, ao questionamento do que há entre a vida e a morte, pode ser real e comum às inteligências, intelectos, sabedorias, profundidades superiores, mas como estou dirigindo aos homens, à humanidade, há-de de se considerar as nuanças do conhecimento.
Visto que coloquei minha primeira missiva á apreciação de íntimos e amigos, dizendo-me eles que o leitor comum, simples, humilde, até mesmo os vulgares, não se refugiam na obra, texto, senão para escapar à vida, justificando-se, explicando-se, enganando e tripudiando a si mesmos, correndo dos problemas e conflitos, passando pano quente na própria cabeça. Preciso, faz parte de minha índole de homem sincero, honesto e digno, antes que vós digais ser plágio – plágio é característica de homens sem dons e talentos, conseqüência dos ciúmes e invejas que os habitam desde o dedão do pé ao último fio de cabelo da cabeça, depois de percorrer o corpo inteiro, é conseqüência da aparência que vivem, só mesmo com o pensamento e idéia de outros enganarão a si mesmo, fugirão da própria incapacidade e inferioridade -, sendo, em verdade, intertextualidade, isto é, a partir da idéia de outros desenvolvo o meu pensamento, o que desejo dizer.
Lendo as minhas palavras, mergulhando fundo em sua sensibilidade, intuição, percepção, anunciações, inspirações, dentro de outros re-versos e in-versos, o leitor não se refugia na leitura, ao contrário, vai conhecendo as suas entranhas e prefundas, de modo espontâneo e simples, embora muito não seja fácil de entender, conforme a profundidade que lhe habita, mas isto interessa aos séculos futuros, à posteridade, o importante seja que assim possa dirigir a vida de modo a se encontrar de modo verdadeiro. Isso era o que havia em primeira instância e leitura compreendera e entendera, mas leria outras vezes mais, degustando o que não degustou do vinho nos primeiros goles, agora são outros e já experientes, mais envelhecidos nos tonéis de metáforas, símbolos, arquétipos, signos ao longo das coisas vivenciais e vivenciárias.
Este pensamento não é meu, é de Machado de Assis. É nele que estou me inspirando para vos escrever, dirigir-vos as minhas palavras. A César o que é de César, a Pilatos o que é de Pilatos, a Cristo o que é de Cristo, a Machado de Assis o que é de Machado de Assis, em última instância, a mim o que é meu, os séculos e milênios que separem o trigo do joio.
O pensamento não é meu, há nele uma dose de verdade; ao menos, a forma é pinturesca. Prestai atenção: não digo “pitoresca”, digo “pinturesca”, há diferenças nas imagens e nos sentidos das palavras. Pinturesca diz respeito à imagem, à pintura.
O que vós, durante e após todos os séculos e milênios, dizeis a respeito da sanidade e insanidade. Conforme os conhecimentos que adquiri ao longo do tempo de minhas situações vivenciais e vivenciárias, sempre ouvi dizer que entre a insanidade e a sanidade a linha é tênue, ambas se confundem.
Sim... Não há o que se discutir neste âmbito. Os séculos e milênios já de-monstraram isto com perfeição. Até mais do que se podia pensar e imaginar.
Nunca tive esse hábito de sair da clínica, dando umas voltas pelas ruas, perambulando por aqui e ali, quando não tinha eu pacientes a entender. A secretária é que resolve os problemas de rua, os pagamentos gerais. Então, esperava o horário de o outro chegar, lendo livros, fazendo anotações nas fichas dos pacientes. Há uns três anos que venho para casa, quando não tenho pacientes, dedicando-me a ler. Agora, estou adquirindo o hábito de escrever nessas horas essa missiva.
A prostituta na esquina da rua tem cabelos claros lisos, finos. Há muito pó no seu rosto. Há muito batom em seus lábios. Ela grita pelo homem que passa. Sem motivo, o homem chuta o cão. Vedes isso?! Creio que sim, mas é uma realidade do mundo. Não há motivos ou razões para vos sensibilizar com isso. A prostituição é a mais antiga de todas as profissões. Continuará sendo por todo o sempre. Chutar os cães está  escrito no menu das sagradas etiquetas, até mesmo, para finalizar, tirar o chapéu, fazer as poses à moda francesa. Ir embora do mesmo modo.
Real sim algumas pessoas saírem de Coriaçu do Norte, denegrir a imagem da comunidade, não retornam mais. Não são apenas frutos da imaginação do coriaçuense do norte, ódios, vinganças, não, muitos fizeram isso e outros farão, não resta dúvida. Não faz duas semanas encontrei-me com alguém de Coriaçu do Norte, noutra cidade, Juazeiro do Campo, Juazeiro está bem distante, noutra direção, dizendo-me na “lata” sua terra ser Juazeiro do Campo. Só lhe respondi isso, e creio que ainda esteja pensando para saber o que porventura quis dizer: “Onde não há raízes, não há Deus...”.  Onde construíra sua vida, empresário de valores insofismáveis, tendo prestado muitos serviços à comunidade, até aí eu endosso, enfim é necessário valorizar o lugar onde fazemos a vida, mas o que não me desce na garganta é isso – nascera em Coriaçu do Norte; pode valorizar o outro, conduta mais que responsável, mas negar as origens? Para quê? Para alguns, incluindo eu, isso significaria não ter identidade, personalidade, caráter, só com o assumir as origens é possível isso construir, seja digno como merece sê-lo.
Fosse outra pessoa, de qualquer lugar creio eu, ouviria, não concordaria com a afirmação, até concordaria por haver feito sua vida, tornou-se independente; diria até “isso deveria servir de exemplo, o importante é que tenha ganhado seu dinheiro”. Contudo, dadas as costas, não pensaria naquilo mais. Nós os coriaçuenses do norte estamos acostumados com isso: saiu, denegriu. Será que ando démodé? Ninguém mais se importa com isso de personalidade, identidade, caráter (esse então “escafedeu-se”; ninguém mais dá notícia). Quem sabe sair com lanterna na mão, procurando um homem de caráter?!
As más língua diriam que vivo mesmo é do passado, de suas idéias e ideologias, utopias e interesses particulares, teorias, retornei no tempo, tornei-me um Diógenes da Modernidade, quando na verdade dizer que eles sim haviam retornado à época do mesmo.   No frigir dos ovos, exposto aos desdéns, zumbaias dos cortesãos e nobres homens da racionalidade.
Ter raízes é haver Deus na minha vida. Por negar as raízes Deus deixou de existir na minha vida? Isso não é possível. As minhas idéias são cafonas, não existem mais.  Posso afiançar-vos, verdade sim, prefiro ser cafona, démodé, a empreender quaisquer esforços para atualizar as minhas posições, conceitos, concepções, consciência.  
Podeis rir à vontade, mas não consigo me furtar ao lugar-comum. Quem, hoje, está interessado em ter identidade, personalidade, caráter, ter angústias e depressões quando há qualquer coisa de errado neles, lutar com afinco para superar as deficiências nessas dimensões da alma e do espírito? Ninguém. O importante é o renome, o dinheiro que entra nos bolsos para esbanjarem com alegria, contente, e no rosto estampado sem qualquer pudor: “Tenho dinheiro”. Talvez estejam certos, o prazer mesmo só acontece com o dinheiro no bolso, mais respeito, consideração, reconhecimento “saiu do nada. Era “pé-rapado” e fez dinheiro”. Isso de se angustiar, deprimir-se, entristecer-se, para quê? A morte é inevitável. 
Iliara Jasmine chama a essas respostas minhas de “espirituosas”, a primeira gota é simplesmente ininteligível de tão saborosa, as outras também, mas em poucos segundos começam os efeitos. Chamo-as de “ácido crítico”. Os ódios se revelam pujantes, de todos, incluindo as adjacências que não têm qualquer resquício de inteligência para compreender e entender, seguem o ódio, insatisfações e raivas de outros.  A expressão adequada, que isso define com engenhosidade e arte, é “Maria-vai-com-as-outras”, e há tantas Marias perdidas e confusas.
Não pensais que devo sim agradecer a Deus por esses dons gratuitos que me doara, poder sentir tudo isso, não apenas, saber como revelá-los, anunciá-los, confessá-los, com dignidade e honra? Sim, devo agradecer. Posso sentir, posso sonhar, posso realizar... E a vida será isso sentir, sonhar, realizar. Sou um privilegiado do destino.
Imaginai que a expressão de seus pontos de vista, opiniões, sejam necessários. Se vós dissésseis algo sobre alguém e de repente isso se tornasse enorme, todos sabendo o que vós pensais e sentis dele, e todos concordando sem qualquer objeção, não é homem merecedor de consideração, denegrir a imagem de quem o fizera mostra a sua índole. Isso não é ser Maria-vai-com-as-outras? Não ter a própria opinião é humilhante, ultrajante. A porca torce o rabo do lado contrário, digamos assim: a opinião que eu der só não terá qualquer credibilidade, quando me comprovar e provar que estou em absoluto errado, caso contrário fica pela eternidade. Até que eu prove o contrário sou amigo de alguém, isto é, se ele se revelar alguém que não merece a minha confiança, que sentido tem continuar a relação com alguém e ele não ser merecedor mais de consideração?  O que posso fazer é orar pelo restabelecimento de sua dignidade e honra; isso é o que de humano posso fazer. Perdoar alguém por não ter caráter é esquisito.  Posso perdoar por outras inúmeras razões.  
Poderia ter sido diferente, outros problemas, sentimento de não-reconhecimento, mas outras realizações, escolhi a que iria ajudar-me a contemplar algo, desejar o conhecimento, o crescimento, atingir a tão sonhada sublimidade. Afianço-vos, já sabeis o que está realizado, que não me arrependo, tenho sentimentos de culpa e remorso arraigados no íntimo, cristalizados, não fiz o que tinha de fazer, ainda posso, agora com mais condições e senso de avaliação dos frutos que conseguir colher.
Não me importaria de dormir sobre a relva fresca no verão e, quando o inverno chegasse, procuraria refúgio junto aos montes de feno ou sob o alpendre de um grande celeiro, desde que houvesse solidariedade no coração. Quando um cliente expõe os seus problemas, dores, sofrimentos, se não houver solidariedade com o que mais deseja e quer no mundo, isto é, um modo de conviver com as dores e sofrimentos, buscando superá-los, não há quem possa contribuir com o mínimo se não houver a solidariedade, o dar as mãos para que encontrem a saída.
Kifa Mendonça, psicólogo, especialista em aidéticos em situação terminal, diz-me sempre isso nos nossos encontros pelos corredores de nossa  clínica em Coriaçu do Norte, é preciso ser solidário com os aidéticos, aliás mais ainda com os terminais, o sofrimento e a dor que lhes habitam o íntimo é forte e presente. A discriminação existe, é real; isto é muito complicado para eles por necessitarem de compreensão e amor para morrerem. Em verdade, deveríamos ser solidários com todos os homens.  Aliás, fora condecorado por uma monografia que apresentou num curso que fizera, a banca examinadora não tiraram uma palavra do lugar na primeira apresentação. A angústia dos eidécticos e o ser-para-a-morte.  
Apesar de que sois lenta na vossa aprendizagem – tantos séculos e milênios e ainda não aprendestes que na guerra não há vencidos ou vencedores, mas dificuldades e sofrimentos nos dias, anos, séculos e milênios vindouros; acaso, chegais ao limite da carência, da falta de atenção, amor, e então precisais de guerras para nos chamar a atenção, sermos solidários convosco; não pensais ser isso um jogo sujo, pois que nós os homens sofremos e vós nos observais de esguelha -, podeis com experiências e vivências mostrar-me caminhos de luz nas trevas. Perdoai-me a ousadia, falta de respeito, mas sois verdadeiro asno, e o pior é que não sabeis dar coice, as pernas só servem para sustentar o corpo e ainda caminhar por poucos metros, é a vida que dá o coice, em alguns tão bem dados que não se levantarão mais, o resto da vida arrastando-se até à morte. Como é possível o homem viver sem a paz, pois que essa é a sua vocação, se sois a responsável e culpada de toda a História que de-correu e per-correu as estradas das misérias, amarguras? Sois culpada de nosso passado.
Questionei-vos certa vez. Escolhera uma imagem para que eu compreendesse, imagem tirada de nossa realidade no momento, estava eu à beira de uma lagoa. Disse-me que a água da lagoa era serena, calma, olhasse e confirmasse vossas palavras. Apanhastes uma pedra e jogastes na lagoa, dizendo que a serenidade e calma da água deixaram de existir quando a pedra tocou-a, afundou-se. Disse-vos eu que após um tempo a serenidade da água retornaria. Respondeu-me que a pedra continuava no fundo, a sua presença no fundo já havia modificado as coisas, antes ela não estava lá. E por todo o sempre a mudança permanecerá até que alguém a tire, mas haverá sempre a ausência dela.
Fácil não, atribuir a culpa aos outros? Sim. Contudo, sei e conheço algumas sobremodo sérias de meu passado. Não me escondo nos juízos, ao contrário adiro-me a eles, e se expressá-las é caminho para o encontro com a minha verdade, não me vexo com nenhum esforço e luta.
Pergunto-vos o que acontecera quando descobri o desmembramento de minha personalidade, as vossas vozes por mim ouvidas, dei as costas, ninguém poderia saber disso, se soubesse, seria discriminado, tachado louco, doido, varrido de pedra. Não, passei a conversar convosco, e assim pude crescer e amadurecer, tornar-me um indivíduo. Assumi os vários eus que me habitam no íntimo. Lutar contra? Enlouquecer devido aos sofrimentos, enfim não era mais normal. Nada disso. Se desejais saber o que penso disso, digo-vos que acho interessante viver do modo que vivo. O prazer do interessante custa muito caro, custa a busca da sublimidade? Não diria assim, diria que há sofrimentos e dores quando alguém deseja ser autêntico, e esse é o caminho para o encontro com a Vida.  
Óbvio que sei o meu destino não será a solidão cristalizada e que, se alguma vez chegar a senti-la forte e presente, tenho condições de in-vestigá-la. Em muitos momentos de minha adolescência tive essa sensação de solidão, abandono, não me comunicava com os colegas de escola senão o necessário nas nossas relações, em termos de estudo, no que tange ao resto um absoluto silêncio. Se algum dia chegar a deitar-me na relva fresca, será para reconhecer que, nas profundezas do silêncio, pude contemplar a Vida, e, desde então, toda a luta e esforço são para senti-la em mim.
A melancólica, nostálgica aventura de um amor sem esperança, irremediável, tinha de exercer sobre o caráter e a vida de Gê Doido – sinceramente, não sei o nome desse colega de ginásio; era o seu apelido – uma triste influência. Aquele coração ardente, aquela alma de poeta ficaram acres e esterilizados. Vivia sem utilidade para os outros, insuportável para si mesmo, e morreu aos quarenta e dois anos, abandonado, pobre, deixando às poucas pessoas que o conheceram a recordação de um indivíduo singular – o que é uma das piores injúrias entre as pessoas decentes – singular e até esquisito, isto é, caprichoso, variável e, para dizer tudo, muito desagradável.
Após um ano de seu último encontro comigo – encontrei-o há sete anos -, abandonara Coriaçu do Norte e começou a viajar, esperando talvez encontrar alguma distração, diversão, a seus eternos aborrecimentos, na variedade das paisagens. Mas, dois meses depois, voltou a Coriaçu do Norte, cansado, enervado, sempre triste. Por outra parte quase já não tinha mais dinheiro do que conseguira economizar ao longo de quinze anos. Tinha o seu emprego na Receita Federal. Mas, logo aborrecido com a grosseria do público, com quem suas funções o punham em contato, permutou o cargo por outro menos rentoso, auxiliar de escritório.
Uma pequena herança, com a que já não contava, devolveu-lhe a independência. E sua vida, a partir de então, transcorreu triste e cinzenta até o último dia. Saíra por volta das sete e meia – gostava de sentar-se no banco da Praça Tadeu de Melo, apreciava ouvir as músicas, ler algum livro -, sentando-se, olhando para o letreiro de um filme interessantíssimo Ninho de Cobras, de Ingmar Bergman. Abaixou a cabeça, amparou-a sobre os braços sobre as pernas, morreu. Alguém que passou achou estranha a sua posição, foi chamá-lo, tocando-lhe no ombro, caiu no banco, enfarto fulminante.
No entanto, ainda tivera uma aventura, uma segunda veleidade amorosa. Mas já não podia amar! E, aliás, que amor triste lhe oferecia a fatalidade!
Ele mesmo escreveu essa dolorosa história. Não lhe conhecia o costume de anotar, para ele próprio, pensamentos que a seguir atirava numa gaveta. Todavia, não esperava um relato tão circunstancioso que comprei de Adolfo Fernandes. (Adolfo Fernandes era seu primo com quem deixou essas anotações).
É, pois, das profundezas da água que verdadeiramente podia datar esta história lúgubre, de um homem vítima de sua demasiada clarividência interior. Esse homem viu-se, conheceu-se, e seu destino é uma triste resposta à antiga máxima: “conhece-te a ti mesmo”.  Aqui está a minha real história, ilusão, fantasia, medo, quimera, dó e esperança, compaixão e fé, não me interessa, e se vós lembrardes de mim algum dia é nestas palavras que estão todas as minhas descendências, heranças, não importa tudo isso, importa que vivi nas veias e no sangue, não existirá vida humana sem eles. Não é bom que o homem se conheça a si mesmo.  Conheci-me, lutei, sofri, superei... a espiritualidade só me virá quando sentir a sublimidade da vida, não apenas a sublimidade como afirmei, afirmarei, e a história responderá por tudo...
Fiquei só, as musas varreram-me do espírito os pensamentos maus, ridículos, cínicos, irônicos, sarcásticos; preferi sentar-me à poltrona da sala de visitas – Iliara já se encontrava dormindo, que é “modo interino de morrer -, e ficar pensando numa das críticas que recebi de Diógenes Cantagalo a respeito do que vos tenho escrito, que postei ontem no correio, do que ficar ruminando as questões íntimas e particulares dos outros, perguntando-me o funcionário se aquela rua existia no mundo, em que cidade ficava, havia-me esquecido de subscritar, escrevendo Paris, França, à frente de “Mundo Inteiro”; as vossas correspondências para lá são endereçadas, os funcionários cuidam de enviá-las a todos os países, só em breve o Brasil receberá, por enquanto só alguns amigos, íntimos e conhecidos, dentre elas a artista-plástica Martha Moura recebeu-a para uma apreciação sua, aliás já tendo ela exposto suas peças no Museu do Louvre.
Passara mui profundamente que o funcionário fosse perguntar-me o que é isto de escrever missiva à humanidade, já trabalhava no correio fazia anos, e jamais havia visto isto, escreve-se para todos, menos para os homens e a humanidade. Houve quem subscritara uma para o inferno, endereçada a Lúcifer – isto o funcionário me dissera com as letras aqui registradas, pois que diminuí-las é não respeitar-lhes a dignidade de expressão, aumentá-las é não respeitar-lhes a dignidade do mistério - , mas era louco de pedra, recebeu-a, carimbou, mas nada cobrou, oferta da casa. Guardou-a para si próprio, por falta de tempo ainda não lera. Se me houvesse feito esta pergunta, ter-lhe-ia res-pondido que sou “humanista”, a humanidade que me habita, desejo de amor, liberdade, compaixão, paz e solidariedade entre os homens, fizera-me escrevê-las, nada mais além disto, e cria que os indivíduos todos se sentiam felizes, enfim foram poucos que o fizeram, e não na linguagem e estilo que o faço, é coisa inédita, com certeza já está nos anais da História. Nada disse sobre. Silenciei-me.
- Por favor, senhor, gostaria de obter uma cópia, seria possível. Pago por ela. Aqui do lado do correio tem uma papelaria, tiram Xerox.
- Pague apenas pela cópia. São doze páginas. Melhor seria se encadernasse, colocaria em sua estante de livros. Todas as vezes que quiser ler é só retirar o caderno do lugar.
- Providencie, para mim, não vou poder sair daqui agora – colocou-me em mãos cinco reais, sobrasse troco, ficasse com ele, tomasse um cafezinho, pensando na continuação da carta – Vou ler com muito carinho, Senhor. Sou também um homem, sou parte da humanidade.
- Claro.
- A julgar pelo seu semblante e fisionomia parece um homem sobremodo profundo, tendo muito a ensinar-nos aos homens simples e comuns. Sei que é psicólogo. Já ouvi falar muito do senhor.
Fi-lo com prazer e satisfação.
Mas não venho para contar-vos sobre estas circunstâncias quotidianas. Se o fiz agora foi para esquentar a pena, tirá-la do ostracismo e ociosidade, fazê-la suar, correr-lhe suor em seu corpo, até que enfastiada de tanto trabalho, começasse de se mostrar inteiramente.
Disse-vos, antes, que as musas varreram-me do espírito os pensamentos maus, sozinho na poltrona da sala de visitas de minha residência, fiquei a pensar na crítica que receba de meu querido amigo  Trindade dos Santos. E convosco desejo discuti-la com percuciência, mesmo porque através delas através dela mostrar-lhe um pouco mais de mim.
Pois bem... Entremos na questão com força e vivacidade. Sem preâmbulo demasiado longo e cacete.     
- A você, Iliade Adriano, pouco importa o que disserem a respeito de seu hermetismo, prolixidade. Vale-lhe a soberania de seu fazer artístico, pautado dentro dos princípios que julgou ser mais adequado.  “Afinal, “(...) a opinião dos outros, seja qual for o peso intelectual ou moral que carregue, não deve ser considerada mais importante que a opinião que o artista tem de si mesmo”. Nessa missiva que escreveu à humanidade, isto não poderia deixar de ser considerado, estou sujeito a todas as interpretações e análises, a todas as críticas e pontos de vista, opiniões, terei de res-ponder por tudo que disser, a soberania do pensamento e das idéias, da consciência torna-se imprescincível, você simplesmente se arrancou de muito fundo. Isto é o que penso. Alguém já lhe disse alguma coisa mais.
- Você está sendo o primeiro. Não pense que isto seja “vasconço de soberania”, pois que busquei tecer de modo e estilo que a in-versão  fosse inteligível à soberania das nações e dos homens. Talvez o ininteligível esteja nas entre-linhas, pois que se trata de idéia inusitada, diferente, inédita. Acredito que não será des-coberta com categoria nos próximos cinco anos, por enquanto deixemos que amadureçam, quando vós lerdes e começardes de discutir comigo em nossas eternas e longas conversas e diálogos.









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