Falta-me a obediência aos solenes princípios
que das ruínas seculares edificara o tempo de antanho às glórias de outrora, na
soleira do uni-verso descansa as esperanças de arriba; falta-me a veemência aos
deuses de pedra, às imagens de madeira, que, ao olhar sereno e
descompromissado, desfilam as perspectivas de outros crepúsculos à luz do sol
ameno, em cujos raios descansam os idílios. Falta-me a irreverência de verbos e
versos em cujas linhas traspassam os ícones de outro e riso, de versos e
re-versos de sonhos em cujas entrelinhas des-lizam as vertentes de pronúncias
coloridas de branco e verde; falta-me a insolência das inauditas palavras que,
divididas, reúnem as côdeas de pão sagrado e profano, saciando a fome milenar,
no bom sabor de vinho episcopal; em suma, de antemão às revezes, falta-me a
epigrafe dos sonetos, o epitáfio das sandices poéticas e prosaicas, o epíteto
dos sibilos de vento no instante último do crepúsculo.
A antiguidade cerca-me por todos os
lados. E me não dou mal com isso. Há nela um aroma que, ainda aplicado a cousas
modernas, como que lhes toca a natureza. Há nela um perfume que, ainda aplicado
a sofrimentos e dores atuais, como que lhes perpassa a condição das sedes
seculares.
Já
é bom que um título, anunciado de vez, sem preâmbulo, epígrafe, responda
ao que íntimo habita o espírito, e é o caso deste escrito, em que o crepúsculo
e a imagem na tela branca e vazia dos séculos e milênios, sem ponta de drama,
tragédia, comédia, ou raramente.
Não se trata aqui da antiguidade
simples, heróica ou trágica, ainda que as faltas que me habitam os recônditos
da alma indiquem com todo esplendor a sua presença. A antiguidade que prefiro é
a complicada, requintada ou decadente, os grandes quadros de luxo e de luxúria,
o enorme, assustador, assombroso, o babilônico.
Dou à farta daqueles quadros lascivos
ou terríveis, em que a minha imaginação se compraz; mas corre por todo o poema
ainda que só imaginado nos delírios de sonos a en-velarem os sonhos, um fluido
interior, a ironia final do César sai de envolta com o sentimento da realidade
última: “O desejo da morte acabou a minha insaciável sede de vida”.
Ainda que... Ainda que... Ainda que...
Os olhos se perdem, lúcidos e
extasiados, no brilho sombrio da sombra de uma galha de árvore seca projetada
no muro secular dos tempos. Transcendem as primeiras anunciações da noite, de
suas trevas a velarem as insônias congênitas, quando, numa imagem re-corrente,
as estrelas velam o ossuário da terra, quando a luz diáfana da lua vela a cruz
solitária da estrada sem limites e arribas. As idéias se emaranham nos círculos
incertos de tangentes e arestas, perdem-se em sinuosos limites e fronteiras do
nada e obtuso que circundam o re-verso de poemas sem moldura e arrebiques, uma
simples peça projetada no espelho liso das esperanças de fé e amor. Dizem os
alemães que duas metades de cavalo não fazem um cavalo, talvez pelo fato de
que, dividido, a vida lhe foi tirada sem dó e piedade. Por maioria de razão se
pode dizer, sem medo de equívoco e obliqüidade, que metade de um jegue e metade
de um camelo não fazem nem um jegue nem um camelo, talvez devido às naturezas
serem ad-versas, o camelo atravessa o deserto sob os raios de sol esfuziantes,
o jegue prende as patas no primeiro mata-burro no caminho da roça.Isto que
parecerá axiomático aos leitores de fina intuição e percepção, de egrégia
inteligência e sensibilidade, é nada menos que um absurdo aos olhos de um
analfabeto juramento e sem escrúpulos.
A metade de um crepúsculo e a metade de
uma aurora não fazem jamais nem o crepúsculo nem a aurora, não pelas diferenças
de ambas quanto à natureza, o início e o fim de um dia, a noite é uma aresta
que dura seis horas, a madrugada é anúncio do sol que há de brilhas logo que a
manhã despontar. Não fazem nem crepúsculo, nem aurora, pois que os sentimentos,
acompanhados de idílios, quimeras, fantasias, são ad-versos e trazem na
algibeira a vida e a morte.
Não me venham as considerações de ordem
espiritual e contingente, quem sabe até de ordem fisiológica, nem com rifões
populares, trovas folclóricas, nem com outras razões da mesma farinha e
epifania, muito próprias para embalar ignorantes, analfabetos, néscios e imbecis ou colher descuidados, mas
sem valor ou alcance para quem olhar as coisas, para quem observar as mazelas e
pitis humanos de certa altura, à margem de certos limites e fantasias. A
questão é puramente moral; e a presença do pastel árabe não lhe diminui nem lhe
troca a natureza.
A satisfação da carne...
Apesar de que... Apesar de que...
Apesar de que...
A satisfação da carne torce a condição
humana, re-torce o instinto das espécies, igualando-a à das bestas juramentadas
ou não; ao passo que a privação amortece a condição bestial e apura a outra;
fortifica, portanto, o ser inteligível, aclara as idéias, afina e eleva a
concepção da justificativa e da justiça solene e pura.
Convém contar com o pudor e escrúpulo
do estômago, a carne da hora, fresca e mole, indica outros efeitos e resultados
no estalar da língua influenciada pelo sabor. Acresce que a digestão é variável
em seus efeitos. Umas vezes indica ao cochilo, como o que teve o sol com as
trevas que se fizeram presentes, e não se pode calcular que inúmeros equívocos
sairão das mentes e inteligências que dormem a sesta. Não cito o caso e as
evidências dos que fazem o quilo entre a espadilha e os bastos, e ficariam
ansiosos e impacientes por sair.
Tenho no rosto uma expressão tão calma,
serena, tranqüila, como se o crepúsculo deste dia inolvidável e esplendoroso
estivesse apenas começando, o fim haver-se-ia de vir, após longos minutos e
segundos, e neles, ao longo, per-curso e de-curso deles, a inspiração
sussurrar-me-ia a sabedoria do mar que não incha a um temporal desfeito que não
deixa um travo de desgosto no infortúnio e tédio os ponteiros lentos do relógio
secular e milenar.
Desta bela jornada não saberia dizer
nas asas do tempo, nos sibilos de entre as montanhas, neste crepúsculo que ora
finda, logo serão apenas trevas no mundo, se é longe o termo, as trilhas
insinuadas nos caminhos do campo, ora são caminhos da roça, ora são estradas
sem fronteiras e limites, o solo trincado pela luz do sol.
Tenho no rosto a expressão calma como o
sono inocente e primeiro de uma alma donde não se afastou inda o olhar de Deus.
Uma serena graça, uma graça dos céus, é-me o rastro, o brando, o delicado
andar.
Passei apenas os primeiros olmos desta
tarde iluminada de desusado júbilo. No festim em começo d a existência, desta
existência que se anuncia orgulhosa de seu saber pouco e mínimo dos segredos e
enigmas, num só instante, à sorrelfa de quiméricos equívocos, de antemão às
revezes dos enganos e erros, os lábios mais tocaram o copo francês do aperitivo
em minha mão ainda cheia de poesia e palavras ainda que profanas.
Vou consolar os que a vergonha, o medo,
o ressentimento e ódio, o desespero pálido devora sem senso de fome e miséria.
Com apenas palavras que suscitam sendas nos inolvidáveis tormentos, que olvidam
sementes nos inesquecíveis sofrimentos. Assim, triste e cativo, a minha lira
desperta escutando a voz magoada de um homem em busca do cativeiro da
liberdade, ainda que as imagens ambíguas e contrárias desfaçam as sementes
originárias no prelúdio dos tempos.
Sinto que há na minha alma um vácuo
imenso e fundo, e desta meia morte o
frio olhar do mundo não vê o que há de triste
e de real em . A minha liberdade está em
causa. Arte e vida se confundem. Verbos e sonhos se comungam no espelho
re-verso da razão. A dor refalha-se, não
diz no rosto o que ela é, e nem que o re-velasse, o verbo não põe fé, a ignaro
não mostra esperança, o imbecil não reconhece a carne do verbo, o idiota
confunde verbo e carne.
Nu, como a consciência, despido, como a
razão, abro-me aqui nestes frios rumores do crepúsculo. Vós que correis, como
eu, na vereda fatal, na senda originária da tragédia, em busca do mesmo ideal e
do mesmo alvo! Trajo de luto a folha em que deixo escrita a suprema saudade da
anunciação, da aurora, quando me abre as portas desta vista as dores infinitas,
e quando acredito de modo ímpio e obtuso a alma errante e perdida em fatal
desterro embacia nalma o espelho da ilusão.
Viver enfim! O crepúsculo ora termina,
as trevas presentificam a realidade do mundo. A mente não calcula, e onde se
perde o olhar? Que armas nos destes, oh Deus, para transpor o espaço, que
palavras nos inspirastes, para transcender os limites do sonho e da realidade.
Ao esmo do desterro inda me prende um laço.
Musa, depõe a lira do crepúsculo. Depõe
os cantos de amor, cantos de glórias esquecem. Não busco o olhar seguro, altivo
e penetrante, e certo ar arrogante, caminho sobre a corda fina e alerta, tenho
comigo a maromba e a ovação é certa.
Contudo, não me encho de ventos, não
faço da modéstia o valor supremo e
divino, não faço da consciência o princípio contingente do talento, não sou
vulgar, faço das vulgarices que são inerentes à minha alma, em cujas luzes me
inspiro, a semente e raízes de outras conquistas emocionais e psíquicas.
O vento morre e a indignação inspira...
Contanto que... Contanto que...
Contanto que...
Com ares de legítima grandeza sem
considerar a onipotência e onipresença, encontro o sublime abatimento, e
dou-lhe agradecimento o monumento.
Dizeis que estou iluminado, a minha
inspiração diante aos rumores do crepúsculo transcende o frio, transcende o
gélido vento dos conspícuos alvoreceres. Não são contrastes novos; já vêm de
longe; e de remotos dias tornam em cinzas frias os templos do inaudito e
inolvidável.
Palavras... Palavras... Palavras...
Tenho na fronte de profeta ungido a
inspiração dos caminhos de sendas perdidas, de silvestres flores esquecidas. Jaz
em ruínas o templo dos deuses. O amor, gota de luz do olhar de Deus caída, um
eterno ansiar por bens que o tempo leva.
Oh alma de poeta, volvei às terras da
musa, às terras da poesia, ao solo de contingências ad-versas às condições e
naturezas, volvei às terras dos sonetos cujo último verso não é a chave, mas a
fechadura e o desejo de abertura do
crepúsculo inaudito.
De antemão às re-vezes de confins... De
confins às re-vezes de antemão... De
re-vezes as antemãos de confins...
Prometeu sacudiu os braços manietados e, súplice,
pediu a eterna compaixão, ao mundo piedade, A Zeus comiseração de seus atos e
atitudes, ao ver os desfilares dos séculos que aí iam sôfregos, dos milênios, o
desfilar dos pêndulos oscilantes, pausadamente, e nos risos cínicos e
debochados dos homens reconheceu o dobre de finados. Uma invisível mão, cingida
de luz, as cadeias dilui; os nós desatam, as carnes de verbos destrinçam e
dilaceram; frio, inerte, ao abismo um corpo sem alma rui; acabara o suplício, o
martírio, a cruz dos desígnios descerra os minutos de tempos idos, outrora de
presentes re-nascidos – quem me dera fosse a Estrela Polar, que arde no eterno
azul, como uma eterna vela que derrete a cera viciosa da claridade imortal.
Sei a priori das distâncias e
longitudes de uma criatura antiga e formidável, que a si mesma devora as
entranhas e os nervos com a sofreguidão da fome insaciável. Conheço à mercê dos
verbos a serpente que se autodevora pelo rabo, e na floresta, que se rasga
insólita dos ramos e galhos à maneira de abismo, espreguiça-se toda em
convulsões estranhas, em pasmos esquisitos.
Ouço que o crepúsculo é uma lauda
eterna; nas linhas que figuram e re-presentam as letras, rola a vida imortal e
eterno cataclismo. Eu, caindo de sono e exausto de fadiga, ante o crepúsculo
que se anuncia nas dobras do fim inaudito, ao pé de muita lauda, sob
recorrências, ensombradas de luz, de uma velha doutrina, senil princípios agora
falecido, vou pensando nas corcovas das esperanças, quando ouço à soleira da
alcova a anunciação das saudades e melancolias que devolvem a paz ao coração
medroso, obra do vento e nada mais. Destas nostalgias, ansioso pela luz do
poste em rua deserta e silenciosa, que estudo amiúde, desde o início do
crepúsculo até ao fim de suas luzes opacas e vazias; dentro em meu coração
um rumor não sabido, nunca por mim padecido, a
explicação do acaso misterioso, a justificativa do ocaso enigmático, se anuncia
esplêndido em outros vocabulários, como se a escassa palavra dissesse à alma o
alfabeto dos resquícios e miríades do tempo soturno à beira da eternidade.
Versos e verbos. Estrofes e melodias.
Sonetos e ritmos sem palavras poéticas e versáteis, sem rimas insolentes e
meigas, ouvem-me os questionamentos do gesto severo, do triste pensamento, e a
coruja da mangueira canta “nunca mais” em sua onomatopéia de séculos e milênios
idos, em sua onomatopéia de crepúsculos e trevas vindouros.
Talvez uma visão resplandecente junto à
foz de brando e amigo rio de estranhas gentes habitado, mar de esquisitas
sereias, salva as páginas de livro que nas entranhas trago recônditas, servem
de arca imortal, de eterno abrigo a língua, a poesia, os versos
frios do tempo
ad-verso. Vivo a eterna vida. Eternizo a lida árdua das letras efêmeras.
Amostra-se-me no futuro, no porvir dos crepúsculos, a sonorosa tuba,que
cantaria a ação famosa de um verso frio, vencerei o tempo e a imensidade na voz
de outro moderno e brando Nietzsche.
Adormeceu a coruja no ápice de galhos inóspitos e esquecidos.
Ouço a noite que se aproxima, quando terá fim este crepúsculo, a língua cansada
já ousa a inércia de uma sílaba do verbo “perecer”. A rasgada janela deixa entrar
da primavera os bálsamos, do outono os venenos das serpentes, do inverno os
sonos lívidos que embalam as parcas nos arremates dos fios de linhas singelas e
singulares.
De arribas aos confins dos uni-versos.
Dos uni-versos aos confins de arribas. Das arribas os uni-versos de confins.
Suspendo o riso, que é alheio ao dobre
de finados. No vigor da idade madura, levanto um monumento à galhofa, um templo
ao escárnio, retiro-me a uma quinta, entro em concórdia com o livro e a luz.
Erudição de primeira ordem e princípio. Palpo-me, esfrego os olhos, dou
pequenos murros no peito e na cabeça, agito os braços, passeio de um lado para
o outro no ínterim de palavras que se me não anunciam, a fim de certificar-me
de que não estou sonhando, não desejo a falsa quimera, não desenho na tela
limpa e vazia as perspectivas do vazio, os ângulos do nada, o obtuso das
imagens.
No momento em que escrevo estas linhas,
desde as quatro e meia da tarde, no verão o crepúsculo estende-se por hora,
coberto de minutos e segundos longos e lentos. Ao cabo de tudo, é a mesma
alegria e a mesmíssima di-versão.
Pura poesia... Pura poesia... Pura
poesia... Que fazer da prosa, que vem amarrada ao seu
rabo, e que tece o sono de súcias ajoelhados, mãos postas diante do tabernáculo
profano de erros e enganos? Os touros é que dizem não ser de primeira bravura.
Os poetas é que dizem não ser da primeva inspiração. Alguns parecem ser de
antes do pecado original, quando o dogma não suscitava a luz do mistério,
quando o mistério não inscrevia o enigma do dogma secular e milenar. Que este
século seja o século das serrilhas, nenhum homem há que se atreva a negá-lo,
nenhum indivíduo ouse negligenciar, nenhum cidadão arrisque-se olvidar, salvo
se absolutamente não tiver um tigre de miolos na cabeça.
Ademais, ademais, ademais..
Se os escrevo sentado no banquinho de
mármore, no alpendre de minha residência estas curvas e sinuosas linhas,
inspirado que estou nos frios rumores do crepúsculo, a respeito de sentimentos
que se efemerizam na roda-viva das sensações, sobre sensações que se a-nunciam
e apresentam nas górdias letras da infinitude insofismável, nos barrocos
caracteres da sublimidade pura e etérea.
Os lobos dormem com o cordeiro; não sou
quem suspeite que um deles é representado simplesmente na moldura da peça, inda
por ser criada, recriada, ainda por ser imagem folclórica e divina. Por agora,
sinto-me alvoroçado, nada menos que redivivo.
Frios rumores do crepúsculo... Frios
rumores do crepúsculo... Frios rumores do crepúsculo...
Ouço o tempo de verbos, sinto nos
verbos a pronúncia real dos sonhos e utopias.
Os cordeiros sonham com os lobos; ah,
desejo de devorar num só fôlego e mordida o rabo espalhado pelo chão
inconstante e instável...
De conhecimentos e estratégias em
passos trôpegos, ronda-se-me a imagem re-versa dos prelúdios in-versos, dos
pre-téritos irreversíveis das outroras imagens, busco o real verdadeiro que me
desmanche as nódoas insólitas do vulgar, escuso e espúrio, que me des-faça
destes risinhos e gargalhadas medíocres.
Cântico dos cânticos prosaicos, em cujas veias
passa o sangue do soneto e da poesia, e só o brio nítido e transparente
identifica as molduras de espelho na concavidade do templo, distante e próximo
da imagem modular das experiências vivenciárias e vivenciais, um só instante de
éter que perpassa o diamante, os olhos verdes tergiversam os ângulos e
perspectivas do efêmero e eterno.
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