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quarta-feira, 25 de novembro de 2015

*ALIAMBAS DE OUTROS NÔMADES - Manoel Ferreira Neto


Se analisar as histórias da humanidade, desde as correntes às algemas, não significando que após estas o quadro haja modificado, sendo apenas ornamentos, encontra-se sempre a mescla de coisas medíocres e triviais com o que há de mais nobre na alegria ou dor. A vida é de pedra e lama.
Ah!... Sem a profunda fé numa compreensão que paire acima, é-se compelido a descobrir insulto num riso zombeteiro ou olhar casmurro, apesar de não ser sua característica, e são tantas, a fisionomia de ferro do destino. Conhecimento poético é dom de selecionar, nesta esfera de dimensões confundidas, o belo e o grandioso que se escondem sob sórdidas aparências.
A luz do sol incide sobre a fachada da casa fronteira, de cujas janelas o reflexo se pro-jeta através dos galhos da árvore sobre o interior do consultório, dando-lhe mais claridade. A “carroça dos sem-nomes” já passara pelas ruas, afugentando o último vestígio de santidade da noite.
Como se a última barreira entre mim e o mundo acabasse de ser abatida e pela brecha salte torrente de más conseqüências, corro para a sala de estar, atiro-me na velha cadeira de braços e rompo num copioso pranto. Deixo as lágrimas descerem nas faces, não esfregando os olhos e enxugando as lágrimas.
Para quem pretende representar a natureza, suas várias atitudes e circunstâncias, num esboço correto e colorido, é enorme aborrecimento que tanta mediocridade e ridículo estejam mesclados ao mais puro patético que a  vida se me pode apresentar.
Que trágica dignidade pode ser posta numa cena como esta? Como posso elevar estas palavras, quando sou obrigado a trazer, como figura das mais proeminentes, ao invés de alegrias e prazeres ou sentimentos que indiquem a habitação  deles em mim, o pranto.
Quando se está em dificuldades ou prevenido contra o mundo tem-se mais tolerância para o tratamento áspero e talvez mesmo a reação a esta aspereza torne as pessoas mais fortes; porém, assim que se percebe simpatia verdadeira, imediatamente perde-se o controle.
Fora o que comigo acontecera. À voz bondosa da vida que ouvira e ao seu sorriso, tão brilhante numa fisionomia pensativa, irrompera num riso histérico e depois me pus a derramar o pranto. Não nasci gentleman, nem vivo como se fosse cavalheiro. Assim, não é possível esperar que simpatize com risos histéricos antes de deixar as lágrimas descerem no rosto.
Envergonhar-me-ia de que olhos indiferentes tivessem o privilégio de observar estas palavras, escritas após o grande pranto, ocorrendo-lhe a idéia inoportuna de que nada há que traga a cena aos olhos, homem num início de noite, sentado à velha cadeira de braços, cabeça pendida para a esquerda, mãos inertes no colo. Parece que o êxito ou fracasso de referência a momento anterior depende das disposições de narração e descrição de elementos contrários, o primeiro de dor e sofrimento, o segundo de calma e esperança.
Pouco me importo com a dignidade se ora a contemplo, e muito menos com a degradação, tendo-a contemplado aquando derramei lágrimas fáceis, diante de emoções e sentimentos difíceis. O augúrio do fracasso, baseado na sabedoria da experiência, cai sobre minha esperança semimorta como terra num túmulo.
Espírito malévolo, viperino, desenrola, então, aos meus olhos, o panorama da cidade, durante o dia, formigando de consumidores. Estabelecimentos numerosos e magníficos! Confeitarias, lojas de roupas, sapatos, armazéns de secos e molhados, de suntuosas instalações, sortimentos completos, em que se tem investido grandes fortunas! Enormes espelhos nas paredes do fundo multiplicam tudo, numa visão polida de irrealidades! Num lado da rua, esplêndido bazar, com multidão de vendedores perfumados e sempre lustrosos, sorrindo para os compradores, curvando-se e medindo as mercadorias.
Ao repassar estas idéias, quase que ostensivamente, calma inusitada se apodera de mim. A ansiedade e desconfianças que me têm atormentado em sonhos diurnos desaparecem ao sentir  a empresa tomava aspecto mais sólido. Sinto arrepios de contentamento juvenil. É o hálito fresco da atmosfera exterior, depois do longo torpor e monótona reclusão em que vivera ontem à noite.
Pesada massa de nuvens que, obscurecendo o céu, espalhasse um crepúsculo geral até que, quase ao cair da noite, cedesse a momentâneo raio de luz solar – assim é que, sensível, lembra-me de ontem. As nuvens  lutam sempre, para se apoderarem da lista de claridade.
Se homem bem vestido, barba bem escanhoada, mostrando o cavanhaque bem aparado, cuja leveza do andar desse a impressão de haver voado e não palmilhado as ruas e alamedas, deixando na sua passagem fragrância como se ramo de rosas tivesse atravessado a rua retira, a careta não terá justificado somente como conseqüência de miopia.
Dando liberdade a sentimento hostil que perpassara a alma, que é a verdadeira humilhação dos ofendidos e sofridos em face dos vangloriados e ricos, penso: “Com que fim vivo? Ainda que o mundo inteiro se fatigue, as palmas das mãos estarão sempre brancas e delicadas”.
Deus me perdoe. Quanto ao pranto, temo que seja a causa de minha ruína moral e religiosa sem mesmo contribuir com o essencial para a sua subsistência.   


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