À humanidade,
Rua
do Desterro, s/nº
Mundo Inteiro
Se
os homens não tivessem o que invejar – desejar o que o outro tem, sabendo que
não pode alcançar, real-izar esse desejo, e por isso destila o seu veneno -,
creio que se sentiriam abaixo das criaturas de Deus. Deus tudo perdoa...
O autor
Dirigir-vos a palavra: não é tão fácil quanto
alguém possa imaginar...
O homem de espírito é o menos hábil, astucioso,
para escrever à humanidade, dirigir-lhe palavras que tenham profundidade
suficiente para fazer-lhe pensar, repensar suas sendas perdidas. Quando se
arrisca, ousa, tem coragem ininteligível, sente dificuldades incríveis,
indescritíveis, não sei se lhes falta palavras percucientes ou se sentimentos
verdadeiros. Desprezando o vasconço da
galanteria, não sabe como se há de fazer entender. Quer ser reservado e parece
frio; quer ser modesto e parece que os êxtases da vaidade lhe habitam todos os
sítios da alma; quer ser vaidoso e parece que as artes do espírito
silenciaram-se; quer dizer o que espera e indica receio; confessa que nada tem
para agradar, e é apanhado pela palavra. Comete o crime de não ser comum ou
vulgar – o comunismo é até inteligível, mas a vulgaridade é imperdoável. As suas missivas saem da cabeça e não do coração;
têm o estilo simples, claro e límpido, contendo apenas alguns pormenores
interessantes, detalhes tocantes. Mas é justamente o que faz com que elas não
sejam lidas, nem compreendidas. São cartas decentes, quando as pedem estúpidas.
Hoje, a maioria dos leitores pedem dos homens de letras só babaquices,
idiotices. E quando há alguém que seja
erudito, clássico, prolixo, hermético, pegam-lhe pelo pé, pensam que têm a
chave-mestra para não lhe deixarem realizar os sonhos – enfim, há os interesses
particulares, alguns devem figurar nos anais da história, não importando as
condições ridículas e imbecis -, pois é assim que irá fazê-lo, só o que é
profundo se pereniza.
Quem
não gostaria de vos dirigir as palavras, confessando pecados e pecadilhos,
vaidades e modéstias, tramóias e sandices, os momentos felizes e tristes que
tivera em vida, de alguns lembrando, de outros olvidando com prazer e júbilo,
até o momento que começou a desejar essa conversa? Dizer dos que são lembrados
é fácil, basta mostrar os sentimentos que lhe habitam o íntimo, as idoneidades
éticas e morais, as dignidades e honras todas, os corações humanos que têm, a
espiritualidade divina de que são imbuídos. Dos que são olvidados, visto que
razões houve e muitas, se conseguem trazer-lhes à memória, é hora de destilar
os ácidos críticos, descascar os pepinos. Reunir as lembranças e olvidamentos
jamais podem, faltam-lhes a engenhosidade de serem imparciais. Muitas vezes
para se sentir importante, tentou dirigir-vos a palavra numa cartinha. Olhe que
alguns, apesar dos pesares, souberam dizer qualquer coisa, os prazeres e
alegrias que sentiram com amigos íntimos, pessoais, quem realmente amaram na
vida, desejaram ao seu lado. Não há quem não tenha imaginado, desejado,
tentado, conseguido. Servindo-se da fala – sozinho no seu canto, perdido no
espaço, o medo do sentimento de vergonha (sempre acreditei que “a vergonha é a lata ao rabo do caráter”)
de ser tachado louco, doido, varrido. Servindo-se das letras, através de
missiva, sem dúvida escondida dos familiares, o maior amigo não sabendo;
através de romances, novelas, contos, poemas... Todos nós os homens desejamos
nos dirigir à humanidade.
Os caminhos foram muito diferentes?!
Não nos hão de lapidar por atos que são antes
efeito de uma epidemia do tempo, por atitudes que são antes conseqüências das
frivolidades de uma doença da alma e do espírito. Ou lapidem-nos com valores e
virtudes que hão de legar frutos à posteridade, mas no sentido em que se lapida
um diamante, para se lhe deixar o puro brilho da espécie. Neste ponto, força é
confessar que ainda há impurezas e defeitos graves nas idéias e pensamentos que
os séculos nos legaram, que nos enfiaram na garganta à força, fomos obrigados a
engolir a seco, impuseram-nos. Mas o belo diamante Estrela do Sul que hoje
pertence a não sei que coroa européia, não foi achado na Bagagem, prestes a ser
engastado, mas naturalmente bruto. Há impurezas. Há inépcia, por exemplo, muita
inépcia. Quando não é inépcia, são inadvertências. Apontam-se diamantes que
tanto têm de finos, luxuosos, como de pataus, e só ao longo estudo da
mineralidade poderá dar a chave da interpretação.
Diz-nos de tua dificuldade de te expressares, não
sabendo se te compreendemos, entendemos, se somos capazes de sentir o mais
profundo de tua alma, o mais abismático, quem sabe melhor dizer abissal, de teu
espírito, o que mesmo desejas dizer-nos ipsis
litteris, o que não sabemos inda se se trata de um recurso de estilo e
linguagem, se a intenção exclusivíssima é negligenciar-nos, enfim as idéias,
pensamentos, posturas morais e éticas que nos obrigaram a seguir, a engolir a
seco, sem qualquer pio de contestação e rebeldia, alienou-nos de vez, ou se com
isto estamos prontas para outros horizontes, e tu estás a dar-nos a
oportunidade de nos redimir dos erros e arbitrariedades. Ao longo do que nos
escreves, lendo com perspicácia e percuciência, sentido no âmago tuas
sensibilidades, teus profundos desejos de liberdade, cremos estar nos dando
esta oportunidade, o que nos faz sentir lisonjeada, orgulhosa, sobremodo
agradecida.
Contudo, deixamos-te esta reflexão da lapidação do
diamante bruto, podendo garantir-te que não é tão simples chegar a alguma
conclusão, esclarecer os prós e contras, será preciso longo tempo de meditação,
o teu tempo de vida será insuficiente, mas o importante é que, sendo uma
missiva a nós, os homens, à humanidade, muitos irão ler, legamos-lhes este
privilégio de ler esta missiva, os homens de hoje não serão os mesmos de
amanhã, a humanidade de hoje não será a mesma do futuro, e assim ao longo dos
séculos e milênios a res-posta será lapidada com esmero e acuidade. Quem sabe possam
lapidar o diamante de modo que lhe seja possível riscar o éter, o etéreo. O que
te dizemos não é para hoje, para amanhã, é para o futuro. Distante? Sobremodo
longínquo, muito longínquo.
Que dialogo
interessante! Não vos encerro entre quatro paredes, vós não me encerrais em
muralhas indestrutíveis. Crescemos juntos. Isso é que é importante num diálogo,
conversa. Abrimos juntos o mundo sem porteiras, abrimos juntos a porteira do
mundo, mesmo que, por alguma razão, tragédia, situação e circunstância da vida
e do mundo, decidamos não mais seguir as trilhas que antes seguíamos, siga eu o
meu destino outro, sigais vós outras trilhas. Isto sim é diálogo. Ninguém impõe
suas idéias, ninguém impõe seus pensamentos e ideologias, interesses e
verdades, tudo está aberto, escancarado às novas possibilidades, a um futuro
outro.
Mas sursum
corda, como se diz na missa. Subamos ao alto valor espiritual do
açougueiro, este que com a lida constante com o matar, esquartejar, descarnar,
expor a carne fresca nos ganchos, à apreciação pública, aos gostos variados
desta ou daquela qualidade, patim, chã de dentro, de fora, contra-filet, filet,
perde toda a sensibilidade com a convivência com o sangue, a morte, e, no
tempo, não serão mais homens, tomando em conta a sensibilidade, nada são em
verdade, ousando uma definição para não ficar pedra sobre pedra, serão homens
imbuídos de instintos animalescos unicamente.
Um quilo mal pesado. Uma carne pedida, qualidade
servida outra – quem há-de negar que os açougueiros têm prazer, júbilo, tesão,
em servir aos fregueses na contramão de seus gostos e paladares? Costuma-se
dizer que os açougueiros são os absolutos viperinos da humanidade, e tem razão
quem o diz. São eles os únicos conhecedores, o resto está condenado a comer
músculo ao invés de filet mignon. Só na mesa é possível distinguir a diferença:
os dentes que expliquem!
Saiamos do açougue, o ambiente é infecto.
Posso garantir-vos que muitos tentaram dizer-vos
algo, as palavras faltaram ou começaram a dizer-vos, mas sentiram que era
inútil, não sentia ninguém ouvindo senão ele(ela). Acharam fácil, mais fácil
até que se aproximar de alguém, mas não conseguiram fazê-lo. Estava falando
consigo mesmo e era o que menos desejava, queria ver-se o mais distante de si,
não queria ouvir a própria palavra. Pensastes o que é isto alguém não querer
mais ouvir a própria palavra? Meu Deus! O que é isto, a humanidade? Tinham de
deixar disso de vos dizer algo, se houver quem o saiba serão objetos de
chacota, conversar com a humanidade, só mesmo na cabeça de insano isso é
possível. Rides. Mas não é verdade? Ou não? Não estou sabendo de muitas
transformações e mudanças. São considerados os que vos dirige a palavra gênios,
homens de grandes virtudes, os monstros sagrados. Realmente está diferente
hoje, na minha época não era assim.
Desistiram do desejo, perguntando para que isso de
conversar com a humanidade, dirigir-vos a palavra, o que poderá ganhar com isso
é nada. Não se vive de nada, vive-se do desejo do nada para que o tudo possa se
re-velar. O maior sofrimento se anuncia: será que tenho algo a dizer? Será que
serei ouvido, aclamado, reconhecido por isso? Nada. Isso é o que não queria se
tornar.
Deus meu!... É muito difícil dizer-vos qualquer
palavra, aproximar-me de vós, diria até ser complexo e complicado olhar-vos de
esguelha – rides, olhar-vos de esguelha, o que vem nessas letras, não é mesmo?
-, e eu, extasiado com a anunciação de uma luz no subterrâneo das almas, do
baldio no terreno das almas, dirijo-vos essas palavras, registradas na folha branca
de papel, o que diria senão um dedo de prosa nascido de nossas conversas,
nossos diálogos ao longo de tantos anos.
Alguns acreditaram que lhes fosse possível
dirigir-vos algumas palavras, não iniciando com aqueles patrimônios da
humanidade, “Como vai? Tudo bem?”, e entrando no assunto que é o mais
importante, sem devaneios. “A minha vida está uma coisa de louco. Queria
conversar com todos os homens, ver o que pensam de tudo. Peço que todos se unam
e rezem por mim, quem sabe Deus possa ouvir”. Escreve muito bem até. O que de
imediato disse na “lata”, revelou, anunciou, manifestou? Está angustiado,
desesperado, fracassado, triste, abandonado, exilado, ressentido, magoado... –
meu Deus, a relação não teria fim; está nas últimas de sua vida, quer que alguém
o salve, que a humanidade lhe dê a mão para se levantar. E só. Não continuam, e
se continuam são os primeiros a reconhecer que foram asnices que escreveram na
folha branca de papel. Houve até quem decidiu contestar o pensamento do poeta
Baudelaire, quem disse que se um poeta usar de droga para escrever, irá
escrever poema, e se um imbecil usar droga para escrever, escreverá
imbecilidade. Encheu-se de droga. Escreveu. No momento, pareceu-lhe obra de
arte; passado o efeito da droga, viu que idiotice havia escrito.
Não terei tanta pré-ocupação de saber se, em
verdade, estais entendendo as trilhas por onde ando, passo a passo, em busca da
vida. Aliás, isso é importante, pois que posso desenvolver o que intenciono
fazer com mais espontaneidade – sabeis daquelas situações em que alguém gasta
mais o tempo em explicar do que consegue dizer realmente? Compreendestes com
perfeição, cabe-me ir além de vossa perfeição, preenchendo os desejos e
vontades de expressão, revelar-me, por que decido, noutras dimensões do espírito,
escrever-vos essa missiva.
Admito, então, que seja fácil escrever-vos,
dirigir-vos a palavra. O alguém seja eu próprio, que resolvera fazê-lo, embora
a experiência de conversarmos desde a infância. No fundo, reconheço os limites,
e quero transcendê-los, quero sentir-me-sendo as palavras. Desde a tenra
infância, ouvi de todos que o homem para ser homem tinha de plantar uma árvore,
ter um filho, escrever um livro. Se me perguntassem o que é preciso para se
tornar homem, diria com empáfia: transcender tudo isso. Mas a transcendência de
tudo isso implica solidão absoluta ou silêncio juramentado, e disso ninguém
quer saber, correm léguas ou milhas. Não estais errada nesse aspecto, e desde
já vos parabenizo pela intuição e percepção de meus desejos mais escondidos,
recônditos.
Imaginemos alguém, num sábado, à hora do
crepúsculo, após o banho, no seu quarto, sentindo-se sozinho, angustiado,
triste, aborrecido, deprimido, resolve escrever para alguém de suas relações,
não residente em sua cidade – se residisse na mesma, mais fácil seria ir à casa
dele ou dela, abrindo-se, confessando-se; ouviria alguns conselhos a serem
colocados em prática, caber-lhe-ia apenas selecionar os que dariam maiores e
melhores resultados no restabelecimento da angústia e depressão -, falando de sua vida, seus temores e sonhos...
Pigarreia. Olha em volta de si, examina seu quarto
onde não há livros nem quadros, imagens sacras. Levanta-se com um gemido,
caminha até a cama, deita-se sob as cobertas, que apesar de muito velhas estão
limpinhas e cheiram bem. Uma paz sem medidas. Laços frágeis que pareciam
correntes eternas soltaram-se.
Há vinte anos ele havia escrito no alto daquela
folha: O QUARTO e nunca mais conseguira escrever uma só palavra. Ele olha pela
janela, da cama mesmo, deitado. Há neblina no céu, há neblina nos seus olhos.
Duas escamas caem de seus olhos, a neblina do céu se esgarça e ele vê a
estrela. Ah, esperou por ela tanto tempo!... Desejou-a com toda a força do
espírito. Ela aproxima-se cada vez mais. É linda, linda, com os seus olhos de
fogo. Deita-se ao seu lado, nua, quentinha, sorriso que só especialista pode
ver. Agora ele está nela e ela está nele e nenhum dos dois nunca mais vai
morrer.
Pura poesia. Estar deitado na cama, janela aberta,
a lua se projetando no peito, a claridade, a noite. E usei dessa poesia – a poiésis
me habita, digo-vos desde já para que vos inteireis de mim por inteiro, e,
ademais, se não sabeis o que é isso “poiésis”, é tempo de vos inteirar,
pesquisando a arte grega, os filósofos gregos. Então, aquilo de se conselho
fosse bom não seria dado, e sim vendido, é real: aconselhar-vos a ler e
pesquisar a arte grega não é bom, só mesmo o pior inimigo pode fazer isso. Os
tempos mudaram e a noite custa a passar.
Sim... Mostrais com engenhosidade que estais atenta
a todas as dimensões da vida, estejam presentes e fortes na alma e no espírito,
e desejais mesmo saber o que nesses longos anos de nossas relações consegui
acolher e recolher no íntimo, abrindo-me à plenitude, à amplitude, se é que vós
podeis traduzir essas palavras, pois que fui tomado por um alvoroço no íntimo
que precisava afastar-lhe para continuar a vos dirigir as palavras, devido a
isso o disse com tanta ansiedade, num fluxo de inconsciência e consciência
exacerbado, e no meio do pensamento senti que havia perdido o chão sob os pés,
mergulhando, saindo, ofegante, as palavras na ponta da língua, conseguindo
segurar-lhes pelas tangentes. O que isso importa?!
Escrevendo-vos essa missiva, sentir-me-ia estar em
vós e vós estais em mim, e nenhum de nós dois nunca mais vai ser esquecido na
história, falar de vós suscita a minha lembrança, falar de mim exige a vossa
presença que é quem pode com categoria apresentar-me como mereço, como os
valores adquiridos e assimilados no tempo tornaram-me digno de ser reconhecido,
não louvado, pois que as louvações são características dos espíritos párvulos e
medíocres, e a fama são vaidades dos néscios e imbecis. A sede e fome de
eternidade poderiam ser realizadas a partir do instante em que tomasse da pena
e vos escrevêsseis uma missiva; sirvo-me de vós para realizar os sonhos que
acreditei não ser possível caso assim não fosse? Por que não assumir isso?
Contudo, creio ser-vos imprescindível considerar
que não pensara em nada disso que estais a questionar-me; escrever-vos, desde
que iniciei, não é outra coisa senão registrar o que aprendi, des-aprendi, o
que segui ou não com os ensinamentos que recebi, e sobretudo ter o testemunho
em termos de experiência e vivência de haver mantido colóquios convosco desde a
infância. A primeira vez que ouvi as vossas vozes nos recônditos de minha alma,
olhando para o horizonte distante, tive muito medo, mas ele foi saudável,
inspirado nele aprendi a ler e a escrever. O que estais apresentando como
questionamento e indagações, percucientes, não tenho dúvidas, mas são
considerações que pretendia ir trabalhando nessa missiva, mas vós já o
adiantais, deixando eu como um intróito à margem.
Quem sabe um artista quem sente o que é isto
intróito à margem possa revelar que nessa missiva que vos dirijo, neste início
palavras que prometem, o importante é o que transcendem a esse momento e
instante, dão asas à emoção. O artista seria se realmente reconhecesse os seus
dons, talentos, privilégios a si doados gratuitamente, e que ele tornou isso
uma busca de entender e compreender os caminhos do homem, do eu, da
humanidade... Rides. Continuais rindo.
Isso ajuda a compreensão, isto é, já estais
consciente de muitos fatores imprescindíveis, desejos disso e daquilo nas
entrelinhas, participando, partilhando, em busca de saberdes a profundidade do
que está sendo revelado, manifestado, anunciado... Lendo, irá, com efeito,
compreender as coisas com mais segurança, em termos de interpretação, de
análise, mergulhar fundo, pois o que conheceis vos lega maiores condições
sensíveis e espirituais, a intuição, percepção, visão intensificam-se, e a
audição permite reconhecer na voz segredos e mistérios que se anunciam.
Ao completar dezessete anos de idade, Balsamão de
Oliveira era admirado e invejado por muitos. Filho único de um poderoso
empresário, era brilhante jogador de xadrez, desejado e disputado por
“gatinhas” bonitas, elegantes e também disputadas e desejadas.
Ele era grande, mas queria ser maior. Alguém lhe
dissera que quem pensa pequeno é medíocre – isso jamais quis admitir, embora,
por vezes, assustasse com os seus pensamentos mais do que pequenos, quase
inexistentes, e era mister superar isso. Também a pessoa que lhe dissera isso
completou o pensamento: quem pensa grande é gênio. Da mediocridade à
genialidade só por milagre, e para quem rezou e pediu esta façanha, conseguindo
realizá-la; se o espírito que o ajudou ainda não foi beatificado, seria preciso
comunicar ao Papa Bento XVI, era merecedor da beatificação. Um dos milagres
mais difíceis de toda a eternidade do mundo. Da mediocridade à genialidade. E
da genialidade à mediocridade é caminho árduo, só mesmo com a Providência
Divina? Não. É a coisa mais fácil do mundo: basta dizer palavras profundas,
quando os homens as pedem supérfluas e superficiais.
Silêncio... O que vos dizer acerca, se não o ouço,
sei que existe em mim, habita-me o espírito? Não me digais que o ouvis, é o
caminho de nossa condição de homens perdidos no mundo, desamparados,
des-encontrados da fé e da esperança, os passos na alameda seguem o ritmo, a
métrica da solidão. Não, não é desfeita de um pensamento profundo – não me
olhais de esguelha -, acredito possais ouvi-lo, e tendes como de-monstrá-lo;
sabeis o que pode contribuir para o encontro da vida nos vestígios das vozes
que se calaram ao longo dos séculos e milênios.
Ah, por que vos dirigis a mim, experimentando dizer
o silêncio; conheço esse vosso desejo, e não credes seja possível realizá-lo.
Posso sentir-vos e saber o que vos habita o íntimo, adivinho vossas palavras.
Seria interessante um diálogo no silêncio.
Perguntais-me, rindo à sorrelfa de idílios
compactos (quem já construíra essa imagem, mesmo em grandes poemas? Ninguém.
Não haja dúvida fora escrito numa missiva que fora escrita por um psicólogo,
nascido em Coriaçu do Norte, Ilíade Adriano; tomei a liberdade de o inscrever
ipsis litteris nesta missiva por saber que dará muito trabalho de construir a
imagem que desejo mostrar-vos, mas é assim mesmo, o mistério é uma excelente
semente para o futuro) como registrar na folha branca de papel essa conversa,
se não trocamos palavras. Respondo-vos: o amor diz tudo. Existe amor entre nós,
não? Torna-se possível, não sendo fácil.
Não. Se a intenção primordial é sermos unidade, vós
sois eu e eu sou vós, creio não haver problema se comungarmos nossos silêncios,
e daí se anunciando as letras de paixão e desejos, de volúpia e vontades, de
quimeras, fantasias, medos, instintos, ódios.
Tendo coisa alguma a ser dita, estando nesse
restaurante, esperando o garçom servir-me o almoço em panela de ferro,
costelinha de porco com quiabo e angu, garatujo essa anotação para ser
trabalhada na missiva. Não me preocupam as idéias esclarecidas e transparentes.
Enfim, são anotações, não sabendo até se me utilizarei delas. Se me utilizar,
terei a preocupação do estilo poético,
pois que a razão, o intelecto são os menos hábeis para os esclarecimentos do
espírito e da sensibilidade.
Tive a inspiração de chamar o proprietário desse
restaurante, mostrando-lhe a anotação, perguntando-lhe se nesta cidade há
alguém que tenha dons e talentos para escrever à humanidade missiva, a
comunidade se orgulhe dele, no futuro será motivo de orgulho e lisonja,
engrandeceu as artes e cultura. Podia garantir-lhe que a comunidade de minha
terra-natal se orgulha de meus talentos e dons, sabe que minhas letras irão
engrandecer a nossa cultura. Nada respondeu, olhou-me de esguelha, os olhos
faiscaram.
Experimentei reler o parágrafo inicial com o
objetivo de mergulhar no que está significando, qual o sentido que merece ser
investigado. Nada há. Palavras, palavras, palavras... Mais nada. Não há
qualquer realidade nelas. Ah, quem dera se não me habitasse isso de dizer as
coisas com engenhosidade, defini-las, conceituá-las, fazer-me entendido. Todos
que escrevem, seja lá o que for, precisam de esclarecer e serem compreendidos.
Estais vendo?! Apenas palavras. Engraçado, se
registro a letra “a” no papel, sinto que vos dirijo a palavra, satisfaz-me. Que
prazer ininteligível registrar palavras no papel, apesar das corcovas de
esperanças, de silêncio, a questão seria não as cristalizar, deixá-las expostas
à luz do sol e da lua, até que o próprio mundo se estiole, um belo panorama e
paisagem aos olhos dos homens.
Este papel de pedido está mesmo interessante.
Palavras que são palavras e nada mais que palavras. E eu fico em silêncio,
desejando que diga ou escreva uma coisa importante. Há dias que as corcovas
ficam escondidas no nublamento causado pela chuva de alguns dias. Acho isso legal. À margem, escrever uma coisa
que irá despertar a intuição pura, e a pena não descansar, enquanto não esgotar
o fôlego.
Grande jogador, reconhecido e aplaudido por uma
comunidade que não bate palma nem para si no aniversário, Balsamão de Oliveira
sabia que os seus pensamentos eram pequenos, a lógica, a razão, a habilidade e
destreza de raciocínio eram voltados apenas para o xadrez. Não posso afirmar
com categoria, mas dizem que era exímio conhecedor da Língua Alemã. Era um
grande medíocre nas coisas do espírito e da alma. Não sei o que lhe aconteceu,
pois a família participou mudança para Cordisburgo e não mais retornara a
Coriaçu do Norte.
Autocrítica, não é verdade? Olhando o teu passado,
as condições que viveras por alguns anos, e a vontade e desejo de superar isso
fez-te tornar quem és, hoje. Quem não te ouve, não conversa contigo, não te
sentes presente, não pode perceber e intuir com facilidade a tua linguagem e
estilo de te mostrares, revelares. Podemos nós. Mas dizemos-te sinceramente que
está superado, não há mais o que pensar sobre, apenas considerar ser o passado,
as origens. Sabemos que vives isso nas entranhas, tuas origens.
Sabemos que o pensamento do filósofo alemão Martin
Heidegger “o artista é a origem da obra. A obra é a origem do artista. Nenhum é
sem o outro...” fora chave-mestra de muitas aberturas que houve no teu
pensamento, idéias, posturas e atitudes diante da vida não apenas
psiquicamente, mas espiritualmente. Ajudou-te a superar muitos problemas.
Devo, então, agradecer-vos por tais palavras
verdadeiras, exemplo de sinceridade e seriedade diante dos sentimentos, o amor
que sentis por mim. Devo ficar orgulhoso, alegre e saltitante, pois, enfim,
alguém reconheceu que superei os sofrimentos e dores sentidos naqueles anos –
não foram muitos, foram três e meio, suficientes para deixarem passos e traços.
Muito obrigado, lembrar-me-ei dessas palavras verdadeiras, e isso é a
chave-mestra para outras superações.
Num dia espetacular, de nuvens tão escuras que o
sol chegou a cochilar atrás delas, permitindo o súbito aparecimento da lua,
Balsamão de Oliveira descobriu que estava com muita sede. Ele sempre tinha
muita sede, sempre tinha muita fome e sempre tinha muita coca-cola, uísque,
comida. Mas aquele era um dia diferente, como todos os dias são diferentes, dia
do aparente não ser e do ser aparecer. (À margem do manuscrito que vos envio
junto com o que fora digitado no computador, para que vejais as mudanças feitas
aqui e ali: “Digo-vos de início: começar hoje esse diálogo significa que o
escolhi para ser o dia do aparente mais não ser e do ser aparecer. Fora
justamente essa idéia que me surgiu súbito na mente que deu o último toque para
escrever-vos essa missiva. Memorizai-a e ledes toda essa missiva tendo essa
idéia no espírito, irá sobremodo ajudar na compreensão, entendimento de minhas
intenções profundas e espirituais)”. Não
sei se digo “advertência”, se digo “conselho”; contudo, lede aos poucos, como
se estivésseis tomando um bom vinho, aquela necessidade de degustar-lhe o
sabor, talvez leve anos para lerdes toda a missiva, mas, ao cabo, os
sentimentos e emoções, a sensibilidade se tornaram outras, e a vida será bem
diferente. Agora, se lerdes num fôlego só, além de nada terem entendido, as
letras não sairão do papel e mergulharão no vosso íntimo.
Tomara água, o suficiente para saciar a sede. Quis
escrever sobre isso, a professora havia mandado escrever uma redação sobre o
tema da sede. Sentira sede, tomara a água. Sentara para escrever. Preenchera
uma página e meia. Lendo-a em classe, não houve quem não risse o tempo inteiro,
não sabendo se continuaram ouvindo desde o primeiro parágrafo, de tanta
besteira. Apelidaram-lhe de “verborréia”, ao invés da diarréia, os verbos é que
mais figuraram na redação. “Estava com
sede e a sede pedia-me que bebesse água, e eu fiquei sem saber se matava a sede
ou se bebia água. A água mata a sede e a sede termina, e só depois de algum
tempo é que outra sede haverá e outra água será tomada”, eis apenas o
intróito de sua redação, que lhe custaram umas duas horas para a realização. Realmente, uma verborréia. Quem sabe nessa
verborréia toda o seu ser não tenha aparecido, enfim já era tempo. Entenderam
de modo errôneo o que dissera com todas as dimensões do espírito.
Os colegas riam a Deus-dará de Balsamão, alguns se
levantaram para continuar a rir, permaneci na minha carteira, ouvindo, apesar
das dificuldades devido aos risos, e pensando comigo mesmo que era sim
verborréia, a quantidade de verbo existente nesta escrita dele, não o que
significa cinicamente em termos do apelido que recebera, aquele que só diz
besteira, que memorizei. Tinha sentido o que ele dizia, só que naquela idade
não podia entender e compreender, intui, percebi, memorizei. Algum dia iria
saber o que mesmo Balsamão estava dizendo com aquelas palavras tão sem sentido
e esquisitas, devido a um jogo bem inocente que fizera, aliás inconsciente, mas
que legará um nível de profundidade enorme.
A missiva é isso também: tempo do aparente não ser
e do ser aparecer. As palavras atuam nesse sentido, têm essa função, a de
des-velamento, se assim podeis compreender com distinção e engenhosidade.
Se a intenção primordial é sermos único, vós sois
eu e eu sou vós, creio não haver problema se comungarmos o silêncio, e daí se
anunciando as letras de paixão e desejos.
Poderia iniciar a tua missiva com essas coisas que te
surgiram na mente, um bom início, seria preciso apenas saber colocar na folha
de papel branca, de modo a identificar o que te perpassa o íntimo, o que enfim
necessitas dizer para que seja possível a libertação de teus estados de
espírito. Não é suficiente ter a idéia, é necessário saber trabalhá-la, e é
isso que não sabes.
Podemos garantir-te que ficarás por longos minutos
à cata de única palavra que inicie, e só depois de enervar-te é que escreverás
a primeira. Continuar. No máximo, conseguirás dois parágrafos. Assim mesmo terás
sérias dúvidas se há correção gramatical nas tuas frases pequenas, há muito que
não pesquisas a gramática para aprender alguma coisa, na escola em termos de
Língua Portuguesa só tiravas o mínimo para ser aprovado. Por que não sabes escrever? Não. Porque não
sabes exteriorizar suas dores e sofrimentos.
Em verdade, não gosto de comentar sobre isso de
haver sido péssimo aluno de Língua Portuguesa, haver sido reprovado no terceiro
ano de ginásio porque ao invés de usar o termo “senão” numa frase, usei “se
não”. Houvesse escrito certo, não teria sido reprovado. Não gosto porque se
tornou lugar-comum dizer que alguns grandes homens de letras foram péssimos em
redação, em Língua Portuguesa. E todos dizem, o que me deixa envaidecido, que
escrevo muito bem. Alguns chegam a ter inveja de mim.
Quem não conhece o que lhe habita o silêncio, na
profundeza das águas, não saberá escrever para ninguém senão o trivial. E de
trivialidades estamos mesmo preenchidos até a alma, e dela não saímos. Se
conhecer poucochinho que seja, será capaz de mostrar a poesia de seus desejos e
vontades, e aí haver interesse em ler o que está realmente escrito, apesar de
que a linguagem e estilo importam e muito.
Não diria finalizando, por estar iniciando, mas
chegando ao ponto exclusivo disso, haver-me decidido escrever-vos essa missiva,
fora importante descobrir que a intenção verdadeira seria: escrevendo, sou-vos
e vós sois eu. Difícil... Dirigir-me à humanidade, essa é a reunião de todos os
homens, é uma idéia sobremodo abstrata; dirigir-me aos homens, e todos, cada um
por si, às vezes ao mesmo tempo, discutindo, opondo, não concordando,
endossando. Nossa... Difícil. Inda mais que o desejo é dirigir-me a vós, em
primeira instância, e só depois aos homens, vice-versa, até quando não puder
distinguir mais ninguém, ouvindo as vozes de todos nos meus ouvidos, aquela
conversa agradável, eu no centro, sou eu a dirigir-vos, sois vós a dirigir-me.
As luzes da ribalta incidindo sobre mim. Que espetáculo glamoroso!...
Sim... Já havia pensado que haverá momentos que, se
alguém lesse, os leitores, iria sentir que não estava sendo você a dizer as
coisas, sim nós, e você, com certeza, estivera pensando que não poderia haver
isso a todo momento. As nossas vozes se confundem no corpo da missiva, e quem
ler terá de estar muito atento para construir a mensagem aos homens que
desejamos passar. Aliás, Ilíade Adriano, tu admiras bastante a linguagem e
estilo dúbios, gerando ambigüidade nas idéias e pensamentos, e muitos leitores
irão ter certas dificuldades de leitura, o que mesmo querias tu dizer. Estamos te
lembrando isso para que te conscientizes e sejas feliz nas tuas visões, idéias
que nos quer dirigir, deixando-nos pensativos. “Quem sabe não tenha sido Ilíade
Adriano quem recebera a missiva da humanidade? É possível”. Uma viagem...
Que ousadia! Meu Deus, que ousadia!...
Devo confessar-vos que uma espada de dor traspassou
meu coração – creio que devido a imaginar se não soubesse exteriorizar os meus,
nas entrelinhas e além-linhas reconhecer de que posso me servir para atingir
essa ou aquela realidade na vida, posso ver nelas a felicidade que as habita, e
que são frutos de minhas experiências e vivências. Foi terrível, nunca imaginei
que fosse possível sentir algo assim; terrível, terrível... Eu, que sempre ri
do profeta Galileu, de repente, entendi tudo o que ele quis dizer e tudo se
resume a única frase: minha alma está triste até a morte. Sim, a dor que senti
foi assim, como a morte, foi a morte.
Se é difícil, por que pensar em fazê-lo? Pensar
assim interfere na espontaneidade da anunciação e revelação do que deseja
sentir e expressar. Não acha que seria melhor levar as palavras, as letras ao
som do ritmo de “blues”, especialmente cantado e interpretado por B. B. King?
Levar os sons, os símbolos no ritmo do Jazz.
A imaginação deixou-se-me embalar pela música –
devo isso confessar-vos, com intenção mesma de mergulhar mais profundo nesta
missiva que está sendo escrita com o coração, intelecto e razão, com todas as
dimensões sensíveis que me habitam: sempre que me sento para escrever faço
questão de fazê-lo ouvindo músicas, a música me acompanha desde tenra infância,
quando ainda nem caminhava, arrastava-me pelo chão, e,chegando perto da
radiola, apontava, pedindo à mamãe que colocasse disco – e inebriar pelo aroma, duas fortes asas que me levam de
norte a sul, de leste a oeste. Atrás dela, é o coração tomado à simpleza
antiga, secular, milenar. Nietzsche, o filósofo alemão, perguntava-se o que
fazer, quando a música terminava. Não tenho dúvidas de que a musicalidade de
minhas letras advém daí, embora as influências adquiridas de alguns mestres.
E eu, embalado pela música, ressurjo antes de
Jesus. E Jesus aparece-me antes de morto, antes de ressuscitado, a julgar pela
sua fisionomia com os seus trinta e dois anos, olhos brilhantes, face lívida,
suave, terna, compassiva, como nos dias em que rodeava a Galiléia, e, abrindo
os lábios, disse-me que a sua Palavra é a salvação, a resolução de todos os
meus problemas, conflitos, dores e sofrimentos, é realmente a liberdade
absoluta, devido a ela já superei muito o que habita minhalma, é necessário
entregar-me de todo, por inteiro. Por que ainda reluto?
- Senhor – digo-lhe eu sentindo-me circunspecto,
olhando as coisas do mundo, respirando com um pouco de dificuldade -, a vida é
aflitiva, dolorosa, dificílima de ser vivida, e aí está o Eclesiastes que diz
ter visto as lágrimas dos inocentes, e que ninguém os consolava, ninguém lhes
dizia palavras de esperanças, ninguém lhes dava o peito para deitar e
sentirem-se protegidos.
- Bem-aventurados os que choram, porque serão
consolados.
- Vede a injustiça do mundo. “Nem sempre o prêmio é
dos que melhor correm”, diz ainda o Eclesiastes, e tudo se faz por encontro e
casualidade – di-lo, olhando-o, sentindo que os olhos brilhavam, mostrando-lhe
o que meu coração sentia, as tristezas que o habitavam.
- Bem-aventurados os que têm sede e fome de
justiça, porque eles serão fartos.
- Mas é ainda o Eclesiastes, Senhor, que proclama haver
justos, aos quais provêm males... Vós me entendeis, disso tenho convicção,
sabeis o porquê vos digo isso. Conheces-me a alma e o espírito.
- Bem-aventurados os que são perseguidos por amor
da justiça, por amor da solidariedade, por amor da compassividade, porque deles
é o reino do céu, porque meu Pai sempre os protegerá.
E assim por diante. A cada palavra de lástima, de
dor e sofrimento, a cada palavra de reclamação, respondia Jesus com uma palavra
de esperança, de fé, de amor. Mas já então não era Jesus que me aparecia, era
eu que estava na própria Galiléia, diante da montanha, ouvindo com o povo. Era
eu quem me deixava embalar por suas Palavras, que me deixava ser consolado. E o
sermão continuava. Bem-aventurados os pacíficos. Bem-aventurados os mansos...
Bem aventurados...
Posso dizer-vos com sinceridade, dignidade, quando
alguns amigos, conhecidos, íntimos lerem esta missiva que estou a vos escrever,
pois que desejo colocá-la à apreciação deles, antes de colocá-la em vossas
mãos, dirão que sou o único de minha terra que escrevo nesta linguagem, sou o
único que se preocupa com a espiritualização e evangelização dos homens.
Dir-lhes-ei que não, não sou o único, há outro, mas que reside noutras terras,
continuando sua trilha de evangelização, espiritualização através de suas
letras, de seu compromisso com a vida e com os homens. Quanto ao resto, a única
preocupação é com as frivolidades das letras, fama e sucesso, tirar foto com as
grandes personalidades e aparecer nas colunas sociais.
Ficarei lisonjeado, não resta a menor dúvida, mas
esta é a minha missão, embora só no futuro distante e longínquo serei
compreendido, quando não mais restar qualquer vestígio de cinza de meus restos
mortais. Como dissera um grande amigo: “Não quero encher-lhe de vento, Ilíade
Adriano, mas você é o único realmente escritor de nossa terra, o mais
profundo”. Alguns reconhecem-me, dão-me os valores merecidos, mas a compreensão
de meu pensamento só mesmo no futuro longínquo.
Voltemos a Deus. Para mim a questão do Paraíso
terrestre explica-se com nitidez e transparência, terna e singelamente, pelo
vegetarismo. Estaria eu brincando, querer fazer galhofa, para não deixar o
cinismo, ironia, sarcasmo de lado, para não largar mão de meu espírito
contestador, rebelde, digo-vos sobre o vegetarismo que é a explicação do
Paraíso Terrestre. Há verdade nisto, não nego, mas, antes de qualquer juízo,
ouvi meus argumentos. Aí, sim, podemos passar para as discussões.
Deus criou o homem para os vegetais, e os vegetais
para o homem; fez o paraíso entupigaitado de amores e frutos, e pôs o homem
nele. Comei de tudo, fartai até mais não puderdes, menos do fruto desta árvore.
Ora, essa chamada árvore era simplesmente carne, um pedaço de boi, talvez um
boi inteiro. Se eu soubesse hebraico, explicaria isto muito melhor. Não sei
Latim, Grego, Hebraico. Sei a Língua Portuguesa e Inglesa, que nestes méritos e
ângulos nada dizem, são paupérrimas. Quanto ao Inglês, deixei-o de lado, faço
jus a minha língua, ela é a minha identidade.
Vede o nobre cavalo! o paciente asno! o
incomparável jumento, o inigualável burro! Vede o próprio boi. Contentam-se
todos com a erva e o milho. A carne, tão saborosa à onça, - e o gato, seu
parente pobre – não diz cousa nenhuma aos animais amigos do homem, salvo o cão,
exceção misteriosa, enigmática que não chego a compreender. Talvez, por mais
amigo que todos, comesse o resto do primeiro almoço de Adão, de onde lhe veio
igual castigo.
São estes os meus argumentos para a explicação,
de-monstração de meu pensamento, disto de o vegetarismo ser a chave de leitura
do Paraíso Terrestre. Não espero que me entendais de imediato, há muito a
considerar, separar o trigo do joio, meditar e refletir, não é de supetão,
embora reconheça eu a vossa inteligência e sensibilidade secular e milenar. Já
vos mostraram inúmeros, di-versos ângulos de interpretação do “fruto proibido”
de Adão e Eva, que, vós mesmos concordais, fizeram-vos engolir a seco,
ideologias, dogmas chinfrins, mas este argumento só dois vos mostrardes, um no
final do século XIX, eu, no início do século XXI, com a cenoura devidamente
suspensa numa engenhoca colocada à frente do burro, para suscitar-lhe o desejo
de comê-la, e não com a lata amarrada ao rabo dele.
Pensais, refletis, meditais... Quando tiverdes a
res-posta na ponta da língua, já não mais estarei no Paraíso Terrestre, terei
participado minha mudança para o Paraíso Celestial. Respondei aos homens, são
eles que interessam, eu vou, os homens ficam, para ser fiel àquela teoria de
que os anéis vão, os dedos ficam.
Pode ser que, se deixar amadurecerem as idéias,
sentimentos e emoções que te perpassam a alma, o que desejas tanto dizer-nos,
não seja mais tão difícil quanto estás a dizer-nos. Isso é porque não estás
preparado, necessitas de algumas outras experiências que revelem as verdadeiras
intenções e propósitos. Aconselhamos-te a esperar um pouco mais. Tua missiva
será escrita num só fôlego – e, ao chegares ao final, assustar-te-ás, dizendo:
“Não acredito que fora tão fácil; consegui o que almejava”. Terás a convicção de que estivera escrita
fazia longo tempo, só restava registrá-la. A missiva nasceu pronta e acabada.
Conhecendo-te como o fazemos, sabemos que não irás
esperar o tempo revelar as coisas para ti, preferes escrever diante de todas as
dificuldades, assim te sentirás orgulhoso pela luta e tentativa, a persistência
e insistência são a chave-mestra das grandes realizações. Admiramos isso em ti.
Continues. Ao longo dos dias, irás percebendo os obstáculos serem vencidos.
Há uma lenda de um jornalista e um escritor. O primeiro
lera certa obra e de repente tornou-lhe escritor renomado. Todas as vezes que o
escritor lhe colocava novo livro em mãos, tendo lido, perguntava-lhe: “É
obra-prima?...”. O outro respondia: “Já disse... Vou ficar como um crítico sem
crédito. Se eu digo que é, você escreve outro e supera, como eu vou ficar nessa
história?...”. Risível. É uma lenda apenas: para mostrar-te o que é isso o
desejo, vontade, perseverança de estar sempre superando as dificuldades,
problemas, caminhando rumo à sublimidade. Isso é o mais importante.
Sim... Conversar é uma coisa, escrever é outra. Não
estou interessado em escrever uma obra artística, romance, novela, crônica,
etc., etc. Contudo, é intenção primordial que me expresse, diga o que me
perpassa a alma, o espírito, o que me transcende, identificar-me sem peias,
algemas, correntes, amarras, quem sou e represento no mundo, na
existência.
Em verdade, estou deprimido e só vós podeis
compreender o que se passa comigo, dizendo-vos as razões de o estado de
espírito se encontrar desse modo. Apesar de que saiba que, deprimido,
angustiado, triste, magoado, e tantos outros estados de espírito, toda a
tentativa de ser cínico e irônico torna-se vã, sai pela “culatra”, como se tem
costume dizer. Não posso deixar de lado isso do cinismo e ironia por serem
características primordiais de minha alma sedenta da verdade, da sublimidade.
Se não vos dissésseis, seria que podíeis sabê-lo melhor que eu? – nesse futuro
do pretérito “seria” há sim uma dúvida de que sejais capaz de responder-me, em
verdade, nada saberia disso. É bom real-izar, ninguém melhor que eu para me
conhecer, se é que estou disposto a ouvir os silêncios sinuosos, a trilha de
ansiedades, medos, angústias, desejos e vontades, encontros e desencontros, e
poder dizer a alguém: “Importa é que vivi tudo aquilo; não o fosse, quem seria
eu agora e aqui?”.
Os recursos de que disponho para vos escreverdes
voltam-se todos para as lutas de sentimentos, para as paixões que destroem e
aniquilam, para as revoltas que sufocam e transbordam, para os amores, os
ódios, as invejas, os ciúmes que parecem captar e conter a essência mesma da
vida.
Complicado explicar isso; contudo, digo-vos que
penso a liberdade aí habitar: quando o homem toma a sua vida em mãos, isto é,
assume o passado e o presente, projetando o futuro – fez o que pôde para evitar
certos problemas, solucionar outros, não tendo sido possível, mas o que seria
do homem, de mim, de toda gente, se não fossem as coisas passadas. Cumpre
sabê-las primeiro, caso contrário, não se é possível mergulhar fundo na
liberdade e arrancá-la de dentro, sê-la – se é que podeis compreender e
entender isso em profundidade. Não perderá por esperar:
“Vim aqui só pra dizer/Ninguém há de me
calar/Se alguém tem que morrer/Que seja pra melhorar/Tanta vida pra viver/Tanta
vida se acabar/Com tanto pra se fazer/Com tanto pra se salvar/Você que não me
entendeu/Não perde por esperar... Lá-rá-lá-lá-rá-lá”.
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