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quarta-feira, 25 de novembro de 2015

ARQUIVO DE IMAGENS DI-VERSAS - Manoel Ferreira Neto.




Cogito ergo sum – eis um princípio, retirado de há tantos séculos da história, eis um ângulo de análise, podendo até tergiversá-lo conforme os interesses da laia e estirpe. Princípio, ângulo – por que iria pré-ocupar-me com isto no início deste escrito. A-nunciou-se-me deste modo, assim registro. 
As máximas latinas fascinam-me sobremodo; quem me dera um texto em latim. Sete anos atrás, num programa de rádio que tive, versei um texto em Inglês, lendo-o no ar. As falas de imbecis existem, são reais, também, coitados, têm o direito de expressão, só que ela re-vela a natureza e condição deles – estava querendo aparecer, estava chamando os ouvintes de analfas de mãe e betos, queria mostrar superioridade, nunca viram um homem tão pernóstico, etc., etc. Versei mais três, significando que as falas imbecis não me intimidavam. Silenciaram-se. Os imbecis não encontram guarida nas minhas pré-fundas. Dois anos depois, dependurei as botinas do Inglês; hoje, nada significa para mim. Não sei se versasse um texto em latim, ouviria as mesmas falas, creio que não, os meus leitores são pessoas inteligentes e sensíveis, ao contrário das difamações, ouviria elogios deles – não leriam, óbvio, mas reconheceriam os valores e talentos, o povo sertanejo sabe reconhecer.
De algumas máximas latinas conheço a tradução – essa com que iniciei este escrito: “Penso, logo existo” -, o que se torna mais fácil tecê-la com as idéias, em especial quando pretendo trabalhar imagens de estilo e linguagem. De outras, não conheço a tradução, mesmo assim ouso registrá-las nalgum texto, no corpo dele, como título. Temo que alguém me pergunte; não sabendo res-ponder, aos seus olhos e princípios fico comprometido. Felizmente, ninguém o fez, sentindo-me tranqüilo – creio não o terem feito, ou por já conhecerem, ou por haverem perguntado a alguém com sólidos conhecimentos de latim; se fizerem a pergunta: “o que esta máxima quer dizer?”, não mudo de camisa para afirmar não saber, prometendo pesquisar e em breve dizer.  Há-de se considerar de perto o orgulho: ninguém gosta de perguntar, ninguém questiona, pois que fazê-lo significa, não apenas aos olhos, mas também ao coração, assumir a ignorância, sentem-se jegues jumentados, o não-conhecimento significa ser burro; ninguém quer sê-lo ao olhos de alguém.
“Penso, logo existo” já preencheu milhares de páginas para in-terpretar a filosofia de Descartes, outras tantas serão pró-duzidas ao longo dos séculos e milênios, e todo o conhecimento que se faz presente com as análises e in-terpretações serão insuficientes para abarcarem o seu uni-verso de sentidos. Acontecerá o mesmo com a minha obra: ao longo dos séculos e milênios, páginas e mais páginas serão pré-enchidas para analisar a divisão de palavras, único modo de mergulhar nela com percuciência, coisas inteligentes serão ditas, também muitas asnices, e jamais esta divisão será abarcada, sempre novas idéias, sempre novas inter-pretações; assim uma obra se torna imortal. Essas divisões não são apenas influências do filósofo Heidegger, anunciaram-se-me como semente de meus desejos de eternidade: “eu morro, as divisões continuam a bagunçar o coreto dos mestres, doutores, especialistas, professores”.
Com a utilização das máximas, não é intenção de o leitor despertar-se para a busca de conhecimento profundo, mergulhar fundo nas idéias em busca de perspectivas que auxiliem na vida, mude os horizontes, encontre espiritualização. Verdade é que a presença delas trans-cende a mera e vulgar análise, as simples inter-pretações, faz-se necessário espremer os miolos, às vezes, colocar-lhes de “ponta-cabeça”, para poder vislumbrar de mais perto as molduras e estruturas.
Diante do novo acordo da Língua Portuguesa, um leitor curvelano, adquirindo Razão In-versa, vendo uma palavra dividida de modo bem estranho, perguntou-me: “Agora é assim que se divide”, respondendo-lhe a divisão trans-cende o sentido dicionarizado, torna-se categoria, conceitos filosóficos. Existem dicionários de termos heideggerianos, hegelianos, para se com-preender com percuciência a filosofia dos dois é preciso tê-los ao lado. Já ouvi isto di-versas vezes de meus leitores, e não estavam se referindo às palavras divididas, referiam-se ao vocabulário rico. No futuro, será necessário haver um dicionário de meus termos divididos, para que o leitor assimile os pensamentos e idéias de minha obra. Não saberia dizer quem primeiro iria isto real-izar. Perguntou-me sobre as máximas latinas, res-pondendo-lhe tratar-se de vaidade conting-“ente”, as máximas latinas me prendem á terra, as divisões me trans-cendem, sinto-me numa das cadeiras do Olimpo dos deuses. A imortalidade só é real, quando o homem, mesmo após a morte, permanece no mundo através de sua obra, e a obra, mesmo que des-vencilhada do autor, re-vela a real-idade dos homens.
Aliás, isto de registrar máximas cujas traduções não conheço é um “re”-curso – só para aparecer, sentir-me superior: o “re” com aspas significa a “res cogitans” cartesiana; agora, con-templar o curso à luz da “res cogitans” re-vela inter-pretações profundíssimas – que criei para in-verter a imagem comum do texto, sua pobreza e mesquinharia. Há textos que crio que são paupérrimos, as pedras do ofício, as moedas que tilintam no pratinho da filosofia não proporcionam saciar a fome do inaudito e do excêntrico, não proporcionam quaisquer arrebiques para a proteção do in-verno pujante, que faz tremer até os ossos. Então, o único “re”-curso é intro-duzir máximas latinas; com efeito, o que, em primeira instância, é pobre, embora não se tornando rico – uma digressão profunda: isto de ser pobre ou rico, feio ou bonito, jamais me pré-ocupou a mim: o talento sim, e mostrar talento é ser profundo, re-(n)-ov-ar as idéias, desejos, vontades, criar sem limites e fronteiras -, dá uma guinada na profundidade, vai caber ao leitor inteligente e perspicaz  enriquecer a sua espiritualidade, visão-(de)-mundo. Até ousaria dizer que a profundidade ligada ás pré-fundas da idade, ou pobreza de uma obra não existem por si só, depende da sensibilidade de quem lê, depende do que está em busca, de seus projetos de vida e espírito.
“Ler é entender o que o escritor quer dizer”, como ouvira personagem de novela afirmar aos alunos, cujos resultados dos exames foram péssimos. Respondeu um dos alunos: “Se não sei o que o escritor quer dizer, a culpa não é minha, é dele por não saber expressar-se com transparência e nitidez”. Sem a transparência das idéias, não é possível qualquer leitura. O povo já não tem o hábito de ler, negligencia e denigre a imagem das artes e cultura, vira as costas com solenidade e categoria para as necessidades espirituais da vida, nada re-conhece ou valor-iza neste sentido, e os autores ainda perderam a noção e senso das idéias anunciadas de modo legível e inteligível, existir fica realmente difícil, viver, incompreensível, porque é no livro que os homens encontram os uni-versos e húmus de outros horizontes.
Meus leitores, noventa e seis por cento deles, curvelanos, já leram inúmeras críticas, análises, inter-pretações e comentários de obras de autores de nossa atualidade, isto porque consegui ler as suas entrelinhas, a importância que têm em nossa cultura, o que suas idéias contribuem para o amadurecimento espiritual.
Recentemente, estive sentado num dos bancos da Praça da Cultura (tem outros nomes: Praça da Estação, Largo da Estação, Largo da Cultura -, quando alguém se aproximou, dizendo haver sido aconselhado a procurar-me, apresentar-me sua obra, escrevo sobre os novos talentos, a minha palavra tem peso. Aliás, há vinte e cinco anos dissera a um amigo, Toninho Cabeleireiro, no restaurante da universidade: “a cultura pesa”. Se eu escrevesse alguma análise, comentário, ensaio, poderia acreditar que atingiria seu objetivo, ser reconhecido e valorizado pelos leitores, sua carreira sofreria grandes trans-formações. Doou-me um de seus livros, publicara três. Disse-lhe: “Não dou esperanças a ninguém. Só se eu gostar da obra, faço comentário”. Pediu-me que fizesse qualquer crítica, mesmo negativa, o que percebi queria figurar nas minhas páginas, mesmo desfilando os ácidos críticos com prepotência e empáfia, seria um modo de se re-velar em nossa comunidade curvelana.
Após autografar o exemplar, ido embora, li algumas passagens. Nada de original, autêntico, linguagem chinfrim. Passei a obra para minha esposa, dizendo-lhe: “Leia, se gostar, escreva qualquer coisa, publicarei. A responsabilidade é sua; não quer dizer que sua análise exerça influência na minha visão. Não vai dar-lhe qualquer chance de vir a publicar nas minhas páginas. Não significa que lhe vá considerar e reconhecer”. Começara a ler; em princípio, informou-me estar gostando. Depois de algumas páginas, mostrou-se irritada e insatisfeita, o autor estava destilando os ácidos críticos em Maria Santíssima: “Disse-lhe antes, meu amor: este livro não presta”. Ser escritor é criticar, é levantar questionamentos, é criar polêmica. Indiscutível. Desde que tenha fundamentos reais e profundos. Os autores medíocres sempre criticam com a imbecilidade de suas visões.  De todas as obras que me foram doadas por seus autores, gostei tanto que escrevi comentários profundos, reconheci-lhes os dons e talentos, enraizei-os em nossa cultura. Fora o primeiro de que não gostei, o autor para mim não passa de um imbecil com a pena na mão. Decidi, então, ligar, dizendo-lhe não haver gostado, sua obra não é autêntica, original, faltava ser ele mesmo. Nada publicaria em minhas páginas, ele não merecia, pois que destilara ácidos críticos contra Maria Santíssima. Quem arranca os cabelos em busca de reconhecimento e consideração tem que negligenciar os valores espirituais e humanos. Talento é buscar verdade do estilo e linguagem; talento é ver a vida em suspenso, em busca de outros valores; talento é assumir as próprias mediocridades e mesquinharias. Não tinha ele nem talentos nem dons.
Serviu-se de meu nome para se justificar. Na cultura sertaneja, não existe Manuelzão, referindo-se a Guimarães Rosa, existem Mané, Manezinho, Manuelão. Guimarães Rosa se tornou famoso e universal por as pessoas não saberem distinguir o joio do trigo, os intelectuais por não saber o que é joio, o que é trigo. Disse-lhe, diante destes despautérios todos: “Para você criticar Rosa é preciso que seja superior a ele. E você, meu amigo, nada é em relação a ele”. Nada teve que responder.

Após o telefonema, fui até à sala de estar de minha residência, para apanhar o livro, havia-o visto sobre a mesa. Lá não estava. Perguntei à minha esposa em que lugar teria posto. Estava no móvel de nosso quarto. “Onde está o álcool? Vou embeber esta porcaria em álcool e tocar fogo com muita alegria. O imbecil criticou Rosa. Meu Deus!... Como existem pessoas imbecis. Para ser famoso é necessário criticar os imortais e universais”. Não deixou que o fizesse, ficaria com ele. Depois fiquei pensando se ele houvesse criticado Machado de Assis: convidar-lhe-ia para um duelo com uma nova milímetros na Praça da Cultura. Amo os dois, mas Machado de Assis é a menina de meus olhos.         

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