Cogito ergo sum – eis
um princípio, retirado de há tantos séculos da história, eis um ângulo de
análise, podendo até tergiversá-lo conforme os interesses da laia e estirpe.
Princípio, ângulo – por que iria pré-ocupar-me com isto no início deste
escrito. A-nunciou-se-me deste modo, assim registro.
As máximas latinas fascinam-me
sobremodo; quem me dera um texto em latim. Sete anos atrás, num programa de
rádio que tive, versei um texto em Inglês, lendo-o no ar. As falas de imbecis
existem, são reais, também, coitados, têm o direito de expressão, só que ela
re-vela a natureza e condição deles – estava querendo aparecer, estava chamando
os ouvintes de analfas de mãe e betos, queria mostrar superioridade, nunca
viram um homem tão pernóstico, etc., etc. Versei mais três, significando que as
falas imbecis não me intimidavam. Silenciaram-se. Os imbecis não encontram
guarida nas minhas pré-fundas. Dois anos depois, dependurei as botinas do
Inglês; hoje, nada significa para mim. Não sei se versasse um texto em latim,
ouviria as mesmas falas, creio que não, os meus leitores são pessoas
inteligentes e sensíveis, ao contrário das difamações, ouviria elogios deles –
não leriam, óbvio, mas reconheceriam os valores e talentos, o povo sertanejo
sabe reconhecer.
De algumas máximas latinas
conheço a tradução – essa com que iniciei este escrito: “Penso, logo existo” -,
o que se torna mais fácil tecê-la com as idéias, em especial quando pretendo
trabalhar imagens de estilo e linguagem. De outras, não conheço a tradução,
mesmo assim ouso registrá-las nalgum texto, no corpo dele, como título. Temo
que alguém me pergunte; não sabendo res-ponder, aos seus olhos e princípios
fico comprometido. Felizmente, ninguém o fez, sentindo-me tranqüilo – creio não
o terem feito, ou por já conhecerem, ou por haverem perguntado a alguém com
sólidos conhecimentos de latim; se fizerem a pergunta: “o que esta máxima quer
dizer?”, não mudo de camisa para afirmar não saber, prometendo pesquisar e em
breve dizer. Há-de se considerar de
perto o orgulho: ninguém gosta de perguntar, ninguém questiona, pois que
fazê-lo significa, não apenas aos olhos, mas também ao coração, assumir a
ignorância, sentem-se jegues jumentados, o não-conhecimento significa ser
burro; ninguém quer sê-lo ao olhos de alguém.
“Penso, logo existo” já preencheu
milhares de páginas para in-terpretar a filosofia de Descartes, outras tantas
serão pró-duzidas ao longo dos séculos e milênios, e todo o conhecimento que se
faz presente com as análises e in-terpretações serão insuficientes para
abarcarem o seu uni-verso de sentidos. Acontecerá o mesmo com a minha obra: ao
longo dos séculos e milênios, páginas e mais páginas serão pré-enchidas para
analisar a divisão de palavras, único modo de mergulhar nela com percuciência,
coisas inteligentes serão ditas, também muitas asnices, e jamais esta divisão
será abarcada, sempre novas idéias, sempre novas inter-pretações; assim uma
obra se torna imortal. Essas divisões não são apenas influências do filósofo
Heidegger, anunciaram-se-me como semente de meus desejos de eternidade: “eu
morro, as divisões continuam a bagunçar o coreto dos mestres, doutores,
especialistas, professores”.
Com a utilização das máximas, não
é intenção de o leitor despertar-se para a busca de conhecimento profundo,
mergulhar fundo nas idéias em busca de perspectivas que auxiliem na vida, mude
os horizontes, encontre espiritualização. Verdade é que a presença delas
trans-cende a mera e vulgar análise, as simples inter-pretações, faz-se
necessário espremer os miolos, às vezes, colocar-lhes de “ponta-cabeça”, para
poder vislumbrar de mais perto as molduras e estruturas.
Diante do novo acordo da Língua
Portuguesa, um leitor curvelano, adquirindo Razão In-versa, vendo uma palavra
dividida de modo bem estranho, perguntou-me: “Agora é assim que se divide”,
respondendo-lhe a divisão trans-cende o sentido dicionarizado, torna-se
categoria, conceitos filosóficos. Existem dicionários de termos heideggerianos,
hegelianos, para se com-preender com percuciência a filosofia dos dois é
preciso tê-los ao lado. Já ouvi isto di-versas vezes de meus leitores, e não
estavam se referindo às palavras divididas, referiam-se ao vocabulário rico. No
futuro, será necessário haver um dicionário de meus termos divididos, para que
o leitor assimile os pensamentos e idéias de minha obra. Não saberia dizer quem
primeiro iria isto real-izar. Perguntou-me sobre as máximas latinas,
res-pondendo-lhe tratar-se de vaidade conting-“ente”, as máximas latinas me
prendem á terra, as divisões me trans-cendem, sinto-me numa das cadeiras do
Olimpo dos deuses. A imortalidade só é real, quando o homem, mesmo após a
morte, permanece no mundo através de sua obra, e a obra, mesmo que
des-vencilhada do autor, re-vela a real-idade dos homens.
Aliás, isto de registrar máximas
cujas traduções não conheço é um “re”-curso – só para aparecer, sentir-me
superior: o “re” com aspas significa a “res cogitans” cartesiana; agora,
con-templar o curso à luz da “res cogitans” re-vela inter-pretações
profundíssimas – que criei para in-verter a imagem comum do texto, sua pobreza
e mesquinharia. Há textos que crio que são paupérrimos, as pedras do ofício, as
moedas que tilintam no pratinho da filosofia não proporcionam saciar a fome do
inaudito e do excêntrico, não proporcionam quaisquer arrebiques para a proteção
do in-verno pujante, que faz tremer até os ossos. Então, o único “re”-curso é
intro-duzir máximas latinas; com efeito, o que, em primeira instância, é pobre,
embora não se tornando rico – uma digressão profunda: isto de ser pobre ou
rico, feio ou bonito, jamais me pré-ocupou a mim: o talento sim, e mostrar
talento é ser profundo, re-(n)-ov-ar as idéias, desejos, vontades, criar sem
limites e fronteiras -, dá uma guinada na profundidade, vai caber ao leitor
inteligente e perspicaz enriquecer a sua
espiritualidade, visão-(de)-mundo. Até ousaria dizer que a profundidade ligada
ás pré-fundas da idade, ou pobreza de uma obra não existem por si só, depende
da sensibilidade de quem lê, depende do que está em busca, de seus projetos de
vida e espírito.
“Ler é entender o que o escritor
quer dizer”, como ouvira personagem de novela afirmar aos alunos, cujos
resultados dos exames foram péssimos. Respondeu um dos alunos: “Se não sei o
que o escritor quer dizer, a culpa não é minha, é dele por não saber
expressar-se com transparência e nitidez”. Sem a transparência das idéias, não
é possível qualquer leitura. O povo já não tem o hábito de ler, negligencia e
denigre a imagem das artes e cultura, vira as costas com solenidade e categoria
para as necessidades espirituais da vida, nada re-conhece ou valor-iza neste
sentido, e os autores ainda perderam a noção e senso das idéias anunciadas de
modo legível e inteligível, existir fica realmente difícil, viver,
incompreensível, porque é no livro que os homens encontram os uni-versos e
húmus de outros horizontes.
Meus leitores, noventa e seis por
cento deles, curvelanos, já leram inúmeras críticas, análises, inter-pretações
e comentários de obras de autores de nossa atualidade, isto porque consegui ler
as suas entrelinhas, a importância que têm em nossa cultura, o que suas idéias
contribuem para o amadurecimento espiritual.
Recentemente, estive sentado num
dos bancos da Praça da Cultura (tem outros nomes: Praça da Estação, Largo da
Estação, Largo da Cultura -, quando alguém se aproximou, dizendo haver sido
aconselhado a procurar-me, apresentar-me sua obra, escrevo sobre os novos
talentos, a minha palavra tem peso. Aliás, há vinte e cinco anos dissera a um amigo,
Toninho Cabeleireiro, no restaurante da universidade: “a cultura pesa”. Se eu
escrevesse alguma análise, comentário, ensaio, poderia acreditar que atingiria
seu objetivo, ser reconhecido e valorizado pelos leitores, sua carreira
sofreria grandes trans-formações. Doou-me um de seus livros, publicara três.
Disse-lhe: “Não dou esperanças a ninguém. Só se eu gostar da obra, faço
comentário”. Pediu-me que fizesse qualquer crítica, mesmo negativa, o que
percebi queria figurar nas minhas páginas, mesmo desfilando os ácidos críticos
com prepotência e empáfia, seria um modo de se re-velar em nossa comunidade
curvelana.
Após autografar o exemplar, ido
embora, li algumas passagens. Nada de original, autêntico, linguagem chinfrim.
Passei a obra para minha esposa, dizendo-lhe: “Leia, se gostar, escreva
qualquer coisa, publicarei. A responsabilidade é sua; não quer dizer que sua
análise exerça influência na minha visão. Não vai dar-lhe qualquer chance de
vir a publicar nas minhas páginas. Não significa que lhe vá considerar e
reconhecer”. Começara a ler; em princípio, informou-me estar gostando. Depois
de algumas páginas, mostrou-se irritada e insatisfeita, o autor estava
destilando os ácidos críticos em Maria Santíssima: “Disse-lhe antes, meu amor:
este livro não presta”. Ser escritor é criticar, é levantar questionamentos, é
criar polêmica. Indiscutível. Desde que tenha fundamentos reais e profundos. Os
autores medíocres sempre criticam com a imbecilidade de suas visões. De todas as obras que me foram doadas por seus
autores, gostei tanto que escrevi comentários profundos, reconheci-lhes os dons
e talentos, enraizei-os em nossa cultura. Fora o primeiro de que não gostei, o
autor para mim não passa de um imbecil com a pena na mão. Decidi, então, ligar,
dizendo-lhe não haver gostado, sua obra não é autêntica, original, faltava ser
ele mesmo. Nada publicaria em minhas páginas, ele não merecia, pois que
destilara ácidos críticos contra Maria Santíssima. Quem arranca os cabelos em
busca de reconhecimento e consideração tem que negligenciar os valores
espirituais e humanos. Talento é buscar verdade do estilo e linguagem; talento
é ver a vida em suspenso, em busca de outros valores; talento é assumir as
próprias mediocridades e mesquinharias. Não tinha ele nem talentos nem dons.
Serviu-se de meu nome para se
justificar. Na cultura sertaneja, não existe Manuelzão, referindo-se a
Guimarães Rosa, existem Mané, Manezinho, Manuelão. Guimarães Rosa se tornou
famoso e universal por as pessoas não saberem distinguir o joio do trigo, os
intelectuais por não saber o que é joio, o que é trigo. Disse-lhe, diante
destes despautérios todos: “Para você criticar Rosa é preciso que seja superior
a ele. E você, meu amigo, nada é em relação a ele”. Nada teve que responder.
Após o telefonema, fui até à sala
de estar de minha residência, para apanhar o livro, havia-o visto sobre a mesa.
Lá não estava. Perguntei à minha esposa em que lugar teria posto. Estava no
móvel de nosso quarto. “Onde está o álcool? Vou embeber esta porcaria em álcool
e tocar fogo com muita alegria. O imbecil criticou Rosa. Meu Deus!... Como
existem pessoas imbecis. Para ser famoso é necessário criticar os imortais e
universais”. Não deixou que o fizesse, ficaria com ele. Depois fiquei pensando
se ele houvesse criticado Machado de Assis: convidar-lhe-ia para um duelo com
uma nova milímetros na Praça da Cultura. Amo os dois, mas Machado de Assis é a
menina de meus olhos.
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