Muitas vezes a verdade dá um friozinho na espinha;
talvez por essa razão ninguém gosta de ouvi-la – gosto, amo dizer a mim as
minhas próprias, sinto prazer com esse friozinho agradável e saudável. Sempre
me encontro com pessoas que morrem de medo da psicologia, algumas têm surto
neurótico só de ouvir falar nela, dão verdadeiros pitis. Quem se submete a um
tratamento terapêutico, analítico, segundo elas, é louco, desvairado, os
psicólogos são em absoluto neuróticos. Pensam que se iniciassem a con-templar
seus sonhos ou des-vendar, des-envelar suas infâncias, aconteceria de a bomba
do tempo explodir, aí nada mais sobraria delas, a pessoa sucumbiria por
inteiro. Estariam perdidas, confusas, não seria seres humanos, seriam neuroses,
esquizofrenias, psicoses. Nos anos 80, alguém me dissera ser eu louco –
satisfeito, completei sua fala: “sou louco, doido, varrido, esquizofrênico,
psicopata, esquizóide”. Conheço homens e mulheres que começaram a assistir a
filmes inspirados nas obras de Nelson
Rodrigues, e não conseguiram chegar ao final, pois a obra dele toda se
fundamenta na psicologia freudiana, as mulheres vivem profundamente o complexo de
Édipo, são prostitutas incubadas. Algumas começaram a ler Dostoiévski e não
conseguiram terminar, pois nele a psicopatologia está por baixo, a ontologia
por cima.
Tomo esse medo a sério, e, com sinceridade, compreendo
que as pessoas necessitam de proteção, o medo é saudável, evita problemas e
dissabores, protege de dores e sofrimentos vários.
Seria exigir em demasia das pessoas ficarem olhando
sozinhas para a profundeza da alma, conhecendo de perto os conflitos, traumas,
dores, sofrimentos. Todas precisam alguém que se incline para seus pontos
vulneráveis e as toque em amor semelhante ao de Jesus Cristo no lava-pés. Tudo
o que precisamos é amor, solidariedade, compaixão. Tudo o que necessitamos são
palavras de carinho, ternura, amizade. Nós, os curvelanos, não precisamos ter
medo de quem somos, pois que a fé em Deus e em São Geraldo Magela nos protege –
não é verdade?! As pessoas precisam da certeza de que não serão acusadas de
seus erros e enganos, censuradas por suas atitudes, gestos, ações arbitrárias e
espúrias, condenadas por seus pecados e culpas de que nada existe nelas que as
exclui do amor de Deus, que nada há nelas que não possa ser trans-formado pelo
Espírito de Deus.
Somente se tiverem fé verdadeira, se acreditarem bem
profundo na mensagem de Jesus Cristo de que Ele veio para sua escuridão como
luz elas podem enfrentar a própria escuridão – a psicologia são os “caminhos de
luz nas trevas”, os raios que trans-formam a inconsciência em consciência de
nossos sonhos de liberdade.
Enquanto as pessoas morrem de medo da psicologia – a
propósito, só tenho um medo na minha vida, da escuridão; não teria dons e
talentos artísticos, não seria escritor, se não tivesse esse medo -, recusam
conhecer a profundidade de suas almas, fogem de seus traumas e conflitos, dores
e sofrimentos, precisam excogitar sempre novas estratégias, subterfúgios,
desculpas e justificativas, a fim de reprimirem a própria verdade. Nada mais
divino que a verdade nossa,a ter nas mãos feitas concha nossas dores e
problemas de toda ordem, apesar de todos os sentimentos de não que nos
perpassam a alma. Embora os sentimentos de não, todos sabemos que é impossível
fugir de nossa verdade. Pois, no mais
tardar, à noite, no silêncio da madrugada – comecei a escrever este editorial à
tarde, agora uma hora da manhã, encontro-me no escritório, digitando para ser
publicado -, no alvorecer do novo dia – quando minha vida, sei-o bem,
re-ve-lar-se-á outra, sentirei a felicidade bem presente -, na visão da pobreza
e da miséria, n a doença ou morte de um ente amado e querido, a verdade as alcançará. Serão torturadas por pesadelos. Ou o corpo
lhes exporá impiedosamente a verdade. Sabem que dificilmente podem esconder sua
verdade perante os outros, perante outras pessoas. O inferno são os outros,
conforme meu mestre-filósofo Jean-Paul Sartre.
Quem, dentre todos nós, reiteradas vezes, não
ouvíramos tais palavras: “Se os outros soubessem quem eu sou, os problemas e
conflitos que vivo, os sentimentos de não que me habitam, que fantasias passam
por minha cabeça, as taras sexuais que me habitam, ódios, raivas,
ressentimentos perpassam minha alma, que pessoa perversa sou, eles me
desprezariam, seria condenado á solidão eterna”. Percebo, sensível e
entristecido, que tais pessoas têm medo que os outros poderiam perceber em suas
palavras, atitudes e gestos, comportamentos e promessas, insegurança, o que
passa nelas – e freqüentemente ouvimos, como justificativa até, que o coração
dos homens é terra por onde ninguém anda. Muitos se sentem inexoravelmente à
mercê dos outros. Acreditam que os outros enxergariam o abismo de suas almas.
Todo o esforço, empreendimento, luta que fazem para construir sua fachada seria
em vão, numa linguagem vulgar, e os curvelanos sempre usamos, por sermos de uma
região agropecuária “conversa-pra-boi-dormir”.
Sentem-se como uma casa de vidro, um palácio de cristal, nas palavras de meu
querido e amado mestre-escritor russo, Dostoiévski, para dentro dos quais se
enxerga de fora, nos quais nada se pode ocultar.
Quem encarou sua verdade – encarei-a desde que
publiquei a novela Ópera do silêncio, que é uma crítica ferrenha ao
racionalismo – sabe que não precisa esconder a si mesmo, e que nada tem a
esconder em si. Pois tudo pode ser – “se o Ser se faz continuamente, a
continuidade é também o Ser”, conforme meu compadre e amigo Paulo César
Carneiro Lopes -, tudo está permeado pela luz de Deus. Deus habita em todas as
profundezas do coração humano. E, porque Deus, o Amor, habita no homem, Ele
pode entrar nos aposentos de casa de nossa vida e convidar outros a entrarem.
Isso dá um sentimento de liberdade e de sossego.
Para o Evangelho segundo João, liberdade é
essencialmente amor, Jesus diz a respeito desse amor que o liberta de todo
agarrar-se a si mesmo: “Não há maior amor do que quando alguém entrega sua vida
por seus irmãos” (Jo, 15,13), aliás aqui está o em que me fundamentei para
fundar esse tablóide Razão In-versa, que é para os leitores, para os
companheiros de estrada, para a cultura curvelana. Razão In-versa não pensa no
que resulta de suas palavras para si mesmo – isso não é ser livre, isso não é
ser amizade, ser amigo dos leitores – Ângelo Antônio sempre disse em todos
esses vinte e cinco anos de nossas relações: “nada melhor que dar com a mão
direita sem que a esquerda o saiba”. Amizade a amor precisam estar livres de
compulsão, de agarrar-se à própria vida. Essa liberdade, porém, não é um mérito
que posso apresentar a Deus e aos outros, aos meus leitores, amigos e íntimos,
e, sim, manifestação de verdadeiro amor. Somente no amor a Deus e aos homens as
páginas de Razão In-versa tornam-se verdadeiramente livres, caminhos para a
espiritualidade, para o encontro verdadeiro com quem somos e representamos no
mundo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário