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quarta-feira, 25 de novembro de 2015

ALARDE DE PALAVRAS - Manoel Ferreira Neto


À Maria Elba Lacerda (TUCA)

A água é o grande poder da subtração. Por onde passa, limpa. Imaginei, então, um ritual para a celebração, não da duvidosa passagem de ano, mas para o alegre acriançamento do corpo: o mergulho nas águas. As águas têm o poder de subtrair do corpo e da alma as coisas pesadas que a passagem do tempo foi neles sedimentando. As águas nos re-conduzem ao esquecimento, reduzem-nos aos idílios vários.  Lavam o corpo envelhecido e ele volta a ser criança.
Torno-me uma linguagem aberta em que se me pode ler o interior. O mais recôndito enche-se, enfim, de paz, que a solidão exaspera e que o tempo afadiga. Sou palavras nítidas e nulas que se re-velam e escondem, vontades e desejos elencam sonhos. Sinto isso absurdamente. É desejar ser o mais autêntico, atingir um nível de originalidade e singularidade. Sirvo-me da espera do belo futuro, e o caminho que a este conduz jamais se me afigura interminável, e por ele me desloco a passos largos. Aproveito-me do campo que se me coloca à vista, imaginando o verde da grama, o branco dos lírios, o vinho das rosas.
Criança é mistério humano vestido de ternura. É o grandioso escondido no pequeno. O consistente abrigado na fragilidade, inocência, ingenuidade. O longo amanhã encolhido no hoje. O original ainda não visto, o inédito ainda não sentido e contemplado, dito, pensado, encontrado. O humano com mais interrogações do que res-postas. O núcleo de vida que vale mais do que todo o universo físico.
A criança condensa a essencialidade humana. Não é apenas promessa de homem. O que lhe falta é desenvolver-se, amadurecer. Toda a densidade do homem está pulsando na criança. E, ontologicamente, ser pessoa. Não bastam visão psicológica e percepção moral para compreender a criança. É preciso vê-la como "clareira do ser". Há que reconhecê-la como pólo do mundo, centro da História. Não pode ser re-duzida a elemento cósmico, a filamento social, a objeto lúdico. É "Parousia" antropológica. É a manifestação do ser que está chegando, no ser que já chegou.
Se soubesse eu o significado e sentido do amor!... Nem seriam somente lembranças e recordações, instantes felizes e alegres, fontes de água límpida, momentos de inteira realização. Seria a luz que brilha, trazendo na retina o horizonte de além, na íris a metáfora da fonte originária.
O orvalho cai sobre a erva no momento de maior silêncio da noite. Tudo é silencioso. Até onde se elevam os meus píncaros?! Há uma volúpia no deserto. Afigura-se-me há um gosto suave no calar-me. Encho a boca de um gosto de mel e de deliciosa amargura. A solidão, nesta janela do paraíso, é um bálsamo para o coração sempre fremente, que transborda ao frio exuberante do inverno.
A não ser que retorne para amar o amor que ficou... Esta imensa extensão, este infinito, onde não há lugar para ninguém, bastam para me estrangular a sede. Amar é desejar. O que sinto e digo de ser desejado não é simplesmente o ser, mas só o ser bom. A mão para rebuçar nos bolsos o jogo de sonhos que sentimos com o timbre inequívoco.
Ombros frágeis são os meus para adormecer no tempo a graça da Criação de Deus. A réstia de luz que perpassa o tempo, espaço, envolve mistério de doação escondido na Beleza, desejo do Sublime, busca do Sagrado, volúpia, quebra da Solidão, a-núncio da Esperança, afastamento do Medo, presença e re-velação do Silêncio. 
Um mergulho nas águas: água do mar, água da chuva, água de cachoeira, água de rio, água de lagoa, água de piscina, água da banheira, água do esguicho, água do oceano, água do mar, qualquer água - ou, se por qualquer razão esses mergulhos não forem possíveis, o mergulho na água da imaginação.
É mergulhar no ser, captar a nossa sintonia com a totalidade, é sentir que somos chamados ao ser pleno, e não ao pedaço do ser.
Admiro sim, e muito, o laço que une o homem ao mundo, o duplo reflexo em que o coração é capaz de intervir e de dizer a felicidade dele, até o limite em que o mundo pode então aperfeiçoá-la ou destruí-la. Diamantina! O único lugar onde compreendo e entendo, enfim, que no íntimo de meu silêncio, em busca da senda perdida, há um consentimento latente. Em seu céu, mesclado de escravidão e liberdade, aprendo a submeter-me à terra e a deixar-me abrasar na chama sombria de seus festejos.


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