À Maria Elba Lacerda
(TUCA)
A água é o
grande poder da subtração. Por onde passa, limpa. Imaginei, então, um ritual
para a celebração, não da duvidosa passagem de ano, mas para o alegre
acriançamento do corpo: o mergulho nas águas. As águas têm o poder de subtrair
do corpo e da alma as coisas pesadas que a passagem do tempo foi neles sedimentando.
As águas nos re-conduzem ao esquecimento, reduzem-nos aos idílios vários. Lavam o corpo envelhecido e ele volta a ser
criança.
Torno-me uma
linguagem aberta em que se me pode ler o interior. O mais recôndito enche-se,
enfim, de paz, que a solidão exaspera e que o tempo afadiga. Sou palavras
nítidas e nulas que se re-velam e escondem, vontades e desejos elencam sonhos.
Sinto isso absurdamente. É desejar ser o mais autêntico, atingir um nível de
originalidade e singularidade. Sirvo-me da espera do belo futuro, e o caminho
que a este conduz jamais se me afigura interminável, e por ele me desloco a
passos largos. Aproveito-me do campo que se me coloca à vista, imaginando o
verde da grama, o branco dos lírios, o vinho das rosas.
Criança é
mistério humano vestido de ternura. É o grandioso escondido no pequeno. O
consistente abrigado na fragilidade, inocência, ingenuidade. O longo amanhã
encolhido no hoje. O original ainda não visto, o inédito ainda não sentido e
contemplado, dito, pensado, encontrado. O humano com mais interrogações do que
res-postas. O núcleo de vida que vale mais do que todo o universo físico.
A criança
condensa a essencialidade humana. Não é apenas promessa de homem. O que lhe
falta é desenvolver-se, amadurecer. Toda a densidade do homem está pulsando na
criança. E, ontologicamente, ser pessoa. Não bastam visão psicológica e
percepção moral para compreender a criança. É preciso vê-la como "clareira
do ser". Há que reconhecê-la como pólo do mundo, centro da História. Não
pode ser re-duzida a elemento cósmico, a filamento social, a objeto lúdico. É
"Parousia" antropológica. É a manifestação do ser que está chegando,
no ser que já chegou.
Se soubesse
eu o significado e sentido do amor!... Nem seriam somente lembranças e
recordações, instantes felizes e alegres, fontes de água límpida, momentos de
inteira realização. Seria a luz que brilha, trazendo na retina o horizonte de
além, na íris a metáfora da fonte originária.
O orvalho
cai sobre a erva no momento de maior silêncio da noite. Tudo é silencioso. Até
onde se elevam os meus píncaros?! Há uma volúpia no deserto. Afigura-se-me há
um gosto suave no calar-me. Encho a boca de um gosto de mel e de deliciosa
amargura. A solidão, nesta janela do paraíso, é um bálsamo para o coração
sempre fremente, que transborda ao frio exuberante do inverno.
A não ser
que retorne para amar o amor que ficou... Esta imensa extensão, este infinito,
onde não há lugar para ninguém, bastam para me estrangular a sede. Amar é
desejar. O que sinto e digo de ser desejado não é simplesmente o ser, mas só o
ser bom. A mão para rebuçar nos bolsos o jogo de sonhos que sentimos com o
timbre inequívoco.
Ombros
frágeis são os meus para adormecer no tempo a graça da Criação de Deus. A
réstia de luz que perpassa o tempo, espaço, envolve mistério de doação
escondido na Beleza, desejo do Sublime, busca do Sagrado, volúpia, quebra da
Solidão, a-núncio da Esperança, afastamento do Medo, presença e re-velação do
Silêncio.
Um mergulho
nas águas: água do mar, água da chuva, água de cachoeira, água de rio, água de
lagoa, água de piscina, água da banheira, água do esguicho, água do oceano,
água do mar, qualquer água - ou, se por qualquer razão esses mergulhos não
forem possíveis, o mergulho na água da imaginação.
É mergulhar
no ser, captar a nossa sintonia com a totalidade, é sentir que somos chamados
ao ser pleno, e não ao pedaço do ser.
Admiro sim, e muito, o laço que une o homem ao mundo, o duplo reflexo
em que o coração é capaz de intervir e de dizer a felicidade dele, até o limite
em que o mundo pode então aperfeiçoá-la ou destruí-la. Diamantina! O único
lugar onde compreendo e entendo, enfim, que no íntimo de meu silêncio, em busca
da senda perdida, há um consentimento latente. Em seu céu, mesclado de
escravidão e liberdade, aprendo a submeter-me à terra e a deixar-me abrasar na
chama sombria de seus festejos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário