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quarta-feira, 25 de novembro de 2015

UTOPIA HISTÓRICA-ESPIRITUAL NO SERTÃO MINEIRO - Manoel Ferreira Neto.



Mesmo na primeira leitura, que, com efeito, é bastante superficial, apenas o contato com o texto, só em outras leituras que o mergulho em sua profundidade torna-se real – percebo com nitidez haver sido escrito com a tinta da carne e dos ossos, com o sangue que corre nas veias –, Raimundo de Oliveira se desnuda com propriedade e categoria, revelando os sentimentos e emoções que lhe perpassam a alma, mostrando seus ressentimentos e mágoas diante das discriminações, preconceitos sofridos em sua vida, no quotidiano de sua carreira de soldado da Polícia Militar. Sendo homem sensível, simples, a ínfima palavra de não lhe exerce influência no íntimo, magoa-lhe, fere. Com homens como ele torna-se necessário ser cuidadoso com as palavras, atitudes.
Fundamento-me num de seus textos publicados neste tablóide Centro de Minas, A morta que ainda vive, em cujas linhas e entrelinhas se encontra o tema da discriminação que, infelizmente, muitas pessoas viveram, vivem no dia a dia, muitas vezes ocasionada pela inveja, despeito, ciúme. Assim, oportunidades de construir, de contribuir para o amadurecimento da vida, novos horizontes, são negadas às pessoas. São pessoas que, aos olhos do invejoso, despeitado, não merecem ser projetadas, sombreiam-lhes a vida. No entanto, são estas pessoas que podem trans-formar o mundo em que vivemos, modificar nossos conceitos morais, éticos. São homens que podem nos eternizar com feitos e produções culturais.
Meu Deus!... Quantos amigos, conhecidos já me disseram de suas dores, sofrimentos com as discriminações do povo curvelano – são de índole tais procedimentos? Grandes personalidades do “métier” artístico, literário, cultural foram perseguidos com efusão, Lúcio Cardoso... André Carvalho dissera-me pessoalmente: “Se eu houvesse continuado vivendo em Curvelo, estaria pedindo esmola à porta da igreja”. Lúcio Cardoso jurou jamais retornar a Curvelo, realmente aconteceu, desde que fora barrado na porta do Curvelo Clube, já era escritor reconhecido na Europa. “A obra divina se fez presente” em suas vidas, e com trabalho, entrega, dedicação às letras, munidos dos dons artísticos que Deus lhes doara gratuitamente, tornaram-se imortais em nossa cultura curvelana, por toda a eternidade trarão questionamentos importantes para o nosso amadurecimento.
Embora as discriminações, preconceitos, perseguições hajam sofrido mudanças em nossa sociedade, isto é, há quem sofrera estes problemas, mas se conscientizaram de seus valores, re-conhecendo-lhes, ainda vivem a inveja, discriminação, preconceitos, o que constitui prejuízos inestimáveis à nossa formação humana, espiritual.
Se realmente desejamos ver o “fim de tudo que é perfeito”, de outros rumos de nossa vida, rumos espirituais e humanos, rumos que nos fazem trans-cender, criando outra vida diferente da que estamos vivendo, faz-se mister apenas não darmos oportunidades a quem, com efeito, dis-põe de meios e re-cursos para a grande virada de princípios éticos e morais, para a nossa espiritualização. Somos, os curvelanos, um povo de raízes místicas, de origens religiosas, um povo cuja fé, se vivida e experienciada realmente, poderá nos mostrar com nitidez e transparência os caminhos do campo, real-izar a felicidade, alegria, consciência e espiritualidade a que somos vocacionados. Se ainda não nos ficaram claras essas dimensões da alma e do espírito, é que insistimos em não dar oportunidades às pessoas de concretizarem suas obras, em termos inveja, ciúme das capacidades e inteligências delas, sobretudo da dimensão espiritual que lhes habita intimamente.
Não é fácil mesmo modificar nossos comportamentos; a natureza não dá saltos, só no tempo com esforços reais, mergulho verdadeiro em nossa intimidade, conhecendo-nos, assumindo nossos problemas e conflitos, torna-se possível mudança real. E não é chegado o instante de refletirmos, meditarmos no que tange a tais questões? Conscientizar-nos de que até o momento deixamos de viv-(enc)-iar muitas coisas por não pensarmos em nossas atitudes e ações?
Raimundo de Oliveira servira à Polícia Militar por muitos anos, reformando-se, e o que vivera conta-nos em suas matérias. São crônicas de cunho histórico que visa essencialmente tornar-nos conscientes de um período, tempo vivido. Conhecermos a Polícia Militar, seus feitos e contribuições, responsabilidades com a justiça, segurança, compromissos reais com os direitos do cidadão e do indivíduo, constitui um passo indiscutível para a nossa formação cultural, isto é, os valores cívicos, nossos direitos e deveres sociais e humanos.
A crônica A morta que ainda vive, em sua essência, olhando-a estruturalmente, traz-nos estas reflexões. A morta, aqui, é “re”-presentação incólume de nossos valores humanos e espirituais que nos esquecemos de alimentar ao longo da vida, estão sendo perdidos devido à materialidade em que estamos imersos, mas que ainda vive, e por isso cabe-nos, aos curvelanos, “res”-gatar-lhes, dar-lhes vida e dinamicidade, no sentido de uma re-novação, re-(a)-nunciação de outros tempos, de outras realidades. Obviamente, que o conceito “res-gatar” aqui significa trabalho, empenho, no tempo e diante das circunstâncias e situações reais, no sentido de uma construção, criação espiritual e histórica, re-criação de princípios morais e éticos, isto é, fazer a nossa espiritualização.
Assim, não apenas este texto em que me baseio para esta re-flexão, mas toda a obra de Raimundo de Oliveira, crônicas que refletem a vida da Polícia Militar em nosso município, é de fundamental importância em nossa formação.
Um povo necessita conhecer a sua história, e nós, os curvelanos, esquecemo-nos de dar atenção a isto, impedindo-nos de crescer em todas as dimensões de nossa contingência, de nossa imanência. O curvelano não liga, não dá atenção ao conhecimento de nossa História, e deixamos de experimentar na carne e nos ossos a vida, o que ela significa, o que ela nos pro-porciona ao longo de nossa caminhada. A História são as raízes, são as sementes, são as origens de nosso crescimento, do “novo homem” que re-nasce a todo instante. A história conscientizada e vivida são os frutos que colheremos em nossa espiritualidade. Nenhum povo vive sem história, sem cultura, do mesmo modo sem a fé e a religiosidade de um povo a vida mesma não tem qualquer sentido.
Ler a obra de Raimundo de Oliveira, mergulhando nas suas (entre)-linhas, além-linhas, são trilhas de conscientização, de historialização e historicização de nossa comunidade curvelana, de busca, de passos em direção à identidade. Creio sim toda a sua obra, se conhecida, dar-nos-á recursos e meios de, enfim, construirmos o “novo homem” curvelano, homem consciente, homem histórico, homem real, cuja espiritualidade é justamente a caminhada livre, libertadora das correntes e algemas que ainda estão muito vivas em nossa memória, em nossa COTIDIANIDADE.  









[1] Esta crítica foi em primeira instância publicada pelo tablóide Centro de Minas aos 09 de fevereiro de 2008, Edição 430.

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