A luz que
há-de abrir às instâncias imortais, das esperanças às belezas dos universos, à
estância eterna, vice-versa, o fúlgido caminho, serena graça, graça dos céus.
No coração, na mente, assino meu nome, com caligrafia barroca, na carne e nos
ossos, o sobrenome silvestre, despido de vaidades e orgulhos vis, de poderes
chinfrins, de falsas ideologias, de filosofias vãs e medíocres, e só por eles
cuido de entrar cantando, no seio do infinito, os cânticos de esperanças, nas
asas das eternas glórias de minha íntima paz.
Vaga nas linhas curvas, nas entrelinhas sinuosas,
de letras e frases curtas, de pensamentos e idéias profundos, que não tenho
medo de mostrar incertas palavras,
inquietas letras, espalhando-se pelo papel esbranquiçado, liso, como um peito
que deseja abrigo com o coração em êxtase, num só pulsar que relampeja, e me
traspassa os nervos de flor, de pedra, de prazer... e amor.
Nessa sede de luz, de esperança vivaz, ilusões
floridas, busco sempre o almejado ideal de beber no estio as lágrimas da
aurora. Nesta fome de amor, de sublimidade, do etéreo e do efêmero, do diamante
que risca o éter, corro à estrela, leio o que nela está escrito, sua mensagem,
à brisa, ao mar, à flor. E fico em posição de meditação, contemplando o
universo, infinito, buscando sentir nos interstícios da alma e do espírito a
mensagem que as palavras escritas
mostram-me com toda avidez e êxtase.
Que desejo trago no peito? Que vontades se me
a-nunciam? Que esperanças se me brotam
no peito? Quero ver a luz nas luzes da estrela e das palavras nela escritas,
quero ver a luz nas entrelinhas das luzes do sentido e significado da vida, no
além-linhas das luzes da contingência e transcendência. Quero sentir na rosa da
campina o cheiro esquecido do sono e da vigília, aspirar o prazer secreto do
porvir. Na brisa, quero o doce alento, sem culto nem reverência. Quero ouvir a
voz na voz das ondas na roda-viva das melodias de sereias e corujas ao longe,
nas praias esquecidas da terra.
O tempo caleja a sensibilidade, e oblitera a memória
das cousas; era de se supor que os anos me despontassem os espinhos, que a
distância dos fatos apagasse os respectivos contornas, que uma sombra de dúvida
retrospectiva cobrisse a nudez da realidade; enfim, que a opinião se ocupasse
um pouco com outras aventuras. Contudo, o tempo, nas minhas situações e
circunstâncias, experiências e vivências, cuidado da dimensão psíquica,
emocional, sensível das pessoas, exerceu outras influências na minha alma,
espírito, comecei de olhar a vida e o mundo de outro modo, noutra linguagem e
estilo, e, apesar de todos os questionamentos, dores e sofrimento, dúvidas e
incertezas, posso dizer ser hoje um homem realizado e feliz.
Quero ter um mundo sem porteiras e fronteiras, sem
muros, cercas, barreiras, sem ódios, vícios, dores e sofrimentos. Onde todos
plantem e colhem, onde todo faminto coma, na justiça, na paz e no amor. Onde as
aves tenham seus próprios ninhos, onde todos tenham carinho, amor, ternura,
onde ninguém gema de dor, sofra com os problemas e conflitos. Onde os pais
abracem e beijam seus filhos, onde as trevas se transformem em brilhos, onde
gente tenha valor, indivíduo tenha “eu”, homem tenha alma e espírito sedento de
luz e calor.
Ao invés da luz, do aroma, ou do alento ou da voz,
encontro a fonte de todo o ser e fonte de toda verdade, verdade que vivo e
experiencio ao longo dos dias de minha existência, verdade que há-de vir,
resultado e conseqüências de outras que apenas delineei na alma e espírito.
Creio que só na verdade há a luz secreta, creio que só na luz atravesso
cantando, alegre e saltitante, as longas avenidas, os pequenos becos e alamedas
que levam do presente ao misterioso porvir! Vida é amor, é paz, é a doce
quimera e a salgada realidade.
Toda a ardente ebriedade de meus reais pensamentos,
de minhas verdadeiras idéias, de minhas férteis imaginações, tudo gozei nas
noites de amor, nas noites de idílios compactos, nas letras de incólume vazio,
nas palavras de efusivas esperanças. Pronto estou para outras jornadas noites
adentro, outras aventuras pelos séculos e milênios vindouros, outras venturas
pelos sentimentos reais e lívidos de fé e esperança. Como última esperança, nos
ermos da solidão e do ser eterno, peço que a luz não se apague, os seus raios
não se efemerizem, não apague a lembrança do amor que me faz viver, que me fez
con-templar o sonho através da entrega, por inter-médio dos desejos e vontades,
fundado na fé e na consciência das conquistas e encontros.
Minha ventura é imensa, quiçá possa senti-la em sua
totalidade, e foi no amor que encontrei os sulcos quentes e vivos, o canto de
outrora, a moderna insolência, a presente meiguice.
O que é o amor? Amor não se de-monstra, amor se
sente, senti-lo é viver. Sentir a gota de luz do olhar de Deus caída, o pingo
de chuva da flor de rosa deslizando, rosa branca do céu, rosa vermelha do
infinito, rosa amarela do desconhecido, perfume, alento, vida. Palpita-me o
coração já crente, fiel, já desperto e vivo. Fala dentro de mim uma boca
invisível, uma língua indizível, esquecem-me o real, o aqui-agora, as dores,
sofrimentos. Tenho, para atravessar a azul imensidade, o branco eterno, duas
asas da infinitude, duas penas do céu: a esperança e a saudade. Uma vem do passado, dos sonhos olvidados,
dos desejos negligenciados, dos vazios experienciados, do nada vivido, outra
cai do futuro, dos verbos por virem, do amor por sentir, da sede por saciar, da
fome por cevar-se. Com elas voa a alma, paira no ar a fertilidade da semente do
vôo, paira no éter puro; com elas, vou curar a minha mágoa estranha, ressentimentos
excêntricos, angústias inusitadas, ódios e raivas esplendorosos. Quase reanimo
o desusado júbilo.
Se quero falar da luz que há-de vir, tenho de falar
de sentimentos fortes, presentes, de emoções vividas na realidade da vida.
Tenho de falar de alegria, de felicidade, de tristeza, de angústia, de amor e
solidão, de encontro e conquistas, de desencontros e sendas perdidas, pois são
estes os sentimentos que me rodeiam, que me habitam o mais profundo da alma.
Quero que minhas palavras e letras se id-ent-ifiquem comigo. Juro que saberei
aceitá-las como minhas próprias palavras, manifestações de todos os sentimentos
que em mim estão presentes e se anunciam. Permito que elas falem da minha vida
e dos meus sonhos, quimeras, fantasias e idílios, já que meus próprios dizeres
jamais expressam o que vivo, sinto. Deixo que as letras cuidem de mim, do meu
coração... para que cuidem do mundo e dos homens através de poesias que só o
meu amor me permite compor, permite-me registrar no papel.
Tenho no rosto uma expressão tão serena, calma,
tranqüila, como o sono inocente e primevo de uma alma, como a vigília ingênua e
primeira de um espírito – devo acaso morrer? Tranqüilo e profundo durmo, reúno
no sono os sonhos que desejo tornar verdadeiros. O tigre do arrependimento não
me perturba na vigília ou no sono; a serpente do pecado não me incomoda nas
situações da vida, nas circunstâncias da morte, as corujas da verde mocidade,
da azul maturidade, da branca senilidade, em busca do mesmo alvo e do mesmo
ideal, buscam quem e o que o meu coração ama. Percorro a cidade, as ruas e as
praças, as igrejas em busca do que amo. As torrentes não poderiam extinguir o
amor, nem os rios o poderiam submergir.
Deus me permita expressar os abismos da alma, sem
medo, sem hesitação, sem egoísmo, as colinas do espírito, com alegria, paz,
felicidade, os vales do coração ávido de compreensão de entendimento, sobretudo
de compaixão e solidariedade; Deus me permita falar como sinto e penso, como
vivo as situações e circunstâncias, como sonho os desejos mais esplêndidos e
esplendorosos. Deus me permita ter pensamentos, idéias, utopias, sonhos dignos
dos dons que recebi, dons que foram doados gratuitamente, dons de dizer as
profundezas de todas as emoções e sentimentos de glória, de ressurreição, de redenção,
as dores de desencontros, de ressentimentos, de ofensas e humilhações.
Tudo o que está escondido nas
entrelinhas e tudo o que está aparente na superfície das palavras eu conheço:
porque foi a sabedoria, criadora de todas as coisas, de todos os desejos, de
todas as vontades, de todas as utopias, enfim, de todos os sonhos do verbo
amar, que mo ensinou, que mo inspirou, que mo revelou.
Nos rios, peixes em fartura.
Águas cristalinas e puras correm em todo rincão, ninguém sofre com sede, a
natureza é verde, é feliz meu torrão.
Oh Cristo!... Em que alma
mergulhou Vosso nome, Vossa divindade e espírito que lhe não doasse o bálsamo
da vida? Que lhe não concedesse os dons da busca do Ser, este que é pedra
angular, pedra de toque dos caminhos do amor? Que lhe não despertasse para a
beleza da Ressurreição, da Redenção, da Compaixão de Vosso Pai? Em que espírito
penetrou Vossa sensibilidade, Vosso Sagrado Coração, que lhe não entregasse a
eterna e imortal chave da esperança? Em que dons e talentos colocou Vossas mãos
que lhe não re-velasse a poesia do eterno, os cânticos do sublime, estrofes,
versos, melodias metrificadas ou não, transformaram, modificaram, mostram aos
séculos e milênios outros esplendores, liberdade, humildade, solidariedade,
id-ent-ificaram-nos os homens conosco mesmos?
Filosofia existencial, teologia
vivenciária, vivencial, árdua virtude, moral e ética, princípios dignos e
honrados, condutas humanas e espirituais, posturas compassivas e ternas, tudo
passa e expira, o vazio se nos apresenta, os olhos perdidos em todos os espaços
do infinito se mostram, é preciso re-nascer, é mister re-criar o amor, é
necessário re-pensar, re-fletir, meditar novos caminhos e veredas que nos
aproximem dos homens, que nos mostrem suas carências e desejos, seus sonhos e
utopias, libertando-nos das correntes e algemas do passado, tornando-nos
outros, outros a quem nos entregamos de corpo e espírito, às lutas árduas de
libertação de Vosso povo querido, de levar-lhes à Terra Prometida – outras
“terras” distantes, embora Prometida? Não. A mesma, em outros tempos, em outras
realidades, enfim os sonhos dentro de outros sonhos nada são senão a busca da
Plenitude, do Absoluto, do Sublime.
Oh Cristo!... Vós sois eterno,
imortal, divino, Deus. Se Vossa Mãe recolheu-Vos, acolheu-Vos em Seu útero, se
este útero nos revelou a Palavra de Deus, foi o lugar desta revelação, Vós sóis
não apenas o que habitava essencial e divinamente este útero de Vossa Mãe, Vós
sois as esperanças destas Palavras se tornarem “verbos”, “verbos do Amor”,
“sonhos do verbo amar”, sois o Espírito Eterno, sois a alma da Esperança
imortal, e nós, os sonhos da verdade e do Ser que representamos na vida,
devemos e somos mesmos obrigados a continuar esta busca, não apenas nos sonhos das artes, cultura, nós os artistas,
espiritualistas, mas a humanidade inteira deve buscar os “caminhos do campo”,
as “veredas da espiritualidade”.
Na primavera estou, quero a
colheita ver ainda, e bem como o rei dos astros, de sazão em sazão findar meu
ano. Vejo apenas romper a luz da manhã serena. Em vão encho de aroma o ar da
tarde; em vão abro o seio úmido e fresco do sol nascente aos beijos amorosos;
em vão orno a fronte à meiga virgem; em vão, como o penhor de puro afeto, como
um elo das almas, passo do seio amante ao seio amante.
Os
olhos têm um resto da expressão de outro tempo, e o sorriso não perde certo ar
escarninho, isto de modo algum seria possível afastar de mim um segundo apenas,
crendo ser a minha sombra, esse certo ar de escarninho, até sendo inteligível,
pois que algo irônico, cínico, sarcástico está sendo revelado, que me é
sobremodo peculiar, aprecio sim estas dimensões. Suporto com firmeza o meu
espanto.
Essa
sublimação do ser pela ordem inversa, para o fim de contemplar a luz não à
frente, mas de por trás, e tal contemplação, cujo efeito é a subordinação a uma
idéia ao contrário, constitui o equilíbrio das forças interiores que habitam a
alma e o espírito. Perco o sentimento das coisas externas, embelezo-me no
invisível, apreendo o impalpável, desvinculo-me da terra, dissolvo-me,
eterizo-me.
É esse
desejo de romper os limites, de transcender a própria atmosfera do mundo, para
tocar a instabilidade das nossas impressões e a vaidade dos nossos afetos, de
nossos sonhos, mas se, além das volúpias e sedes de conhecimento, desejo outra
coisa, fico com o desejo, porque eu não guardei detalhes e pormenores da
afeição que senti pela vida, só me ficam as letras iniciais.
Tendo
subido a escada, próximo à porta que deveria eu abrir com a chave, parei alguns
instantes para respirar, apalpar-me, convocar as idéias dispersas, reaver-me
enfim no meio de tantas sensações profundas e contrárias, criativas e inversas.
Achava-me feliz. Certo é que os diamantes corrompem um pouco a alegria e a
felicidade, mas não é menos certo que uma imagem, uma idéia iluminem um pouco a
esperança e o desejo da alegria e da felicidade.
Aí é
que o espírito se demora; aí são os questionamentos. Se não há sucesso algum, -
ou se os há são contrários, enfim como está sendo construído isto (começando a
ler do início deste parágrafo “Aí é que o espírito se demora”, sendo aqui o
início mesmo, continuando em direção ao final, será a imagem, o sentido, a
interpretação a mesma, se primeiro é necessário interpretar como fora
originalmente criado, depois outra interpretação do modo normal, então
refletindo ambos e investigando as idéias e pensamentos. Nem por isto as
sensações são desconfortativas; bastava-me o sabor de alguma palavra que eu
mesmo esteja dizendo – de algum gesto que fizesse, a contemplação subjetiva, o
gosto de ter sentido viver -, que esteja dizendo em princípio algo sem sentido
por que era necessário seguir a fala do
final para o início.
Confesso
sim que sempre me sucedeu apreciar a maneira, a sutileza, o modo porque os
caracteres se exprimem e se compõem, se relacionam e se revelam, se anunciam e
se identificam, e muita vez não me desgosta o arranjo dos próprios fatos. E
como construíra o primeiro artigo com esta técnica de iniciar no final,
terminando no início, a linguagem, o estilo em harmonia com a intuição,
inteligência, conhecimento se arranjaram
muito bem.
De
alguma forma, fora, aliás, isto que novamente instigara-me a repetir a façanha
de escrever do final para o início, que, lendo o primeiro artigo na forma
natural, do início para o final, assustei-me com a nitidez, com as emoções,
sentimentos, intuições, era como se houvesse sido criado de modo espontâneo,
não houve uma quebra, não ficou sem pé nem cabeça como, de início, se poderia
imaginar, pensar. Houve concatenação das idéias.
Em
verdade, dá certo gosto deitar ao papel coisas que se me parecem estar sendo
reveladas do final para o início, coisas que eu não saberia explicar se não
interpretasse assim, coisas que querem sair da cabeça, por via da memória e da
reflexão, e não haveria reflexão se antes não houvesse a memória das situações
e circunstâncias vividas, das experiências adquiridas. Tudo é prosa como a
realidade possível.
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