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terça-feira, 24 de novembro de 2015

CORCOVADO DE ESPERANÇAS - IV PARTE - A LUZ QUE HÁ-DE VIR - MANOEL FERREIRA NETO




A  luz que há-de abrir às instâncias imortais, das esperanças às belezas dos universos, à estância eterna, vice-versa, o fúlgido caminho, serena graça, graça dos céus. No coração, na mente, assino meu nome, com caligrafia barroca, na carne e nos ossos, o sobrenome silvestre, despido de vaidades e orgulhos vis, de poderes chinfrins, de falsas ideologias, de filosofias vãs e medíocres, e só por eles cuido de entrar cantando, no seio do infinito, os cânticos de esperanças, nas asas das eternas glórias de minha íntima paz.
Vaga nas linhas curvas, nas entrelinhas sinuosas, de letras e frases curtas, de pensamentos e idéias profundos, que não tenho medo de mostrar  incertas palavras, inquietas letras, espalhando-se pelo papel esbranquiçado, liso, como um peito que deseja abrigo com o coração em êxtase, num só pulsar que relampeja, e me traspassa os nervos de flor, de pedra, de prazer... e amor.
Nessa sede de luz, de esperança vivaz, ilusões floridas, busco sempre o almejado ideal de beber no estio as lágrimas da aurora. Nesta fome de amor, de sublimidade, do etéreo e do efêmero, do diamante que risca o éter, corro à estrela, leio o que nela está escrito, sua mensagem, à brisa, ao mar, à flor. E fico em posição de meditação, contemplando o universo, infinito, buscando sentir nos interstícios da alma e do espírito a mensagem que as palavras escritas  mostram-me com toda avidez e êxtase.
Que desejo trago no peito? Que vontades se me a-nunciam?  Que esperanças se me brotam no peito? Quero ver a luz nas luzes da estrela e das palavras nela escritas, quero ver a luz nas entrelinhas das luzes do sentido e significado da vida, no além-linhas das luzes da contingência e transcendência. Quero sentir na rosa da campina o cheiro esquecido do sono e da vigília, aspirar o prazer secreto do porvir. Na brisa, quero o doce alento, sem culto nem reverência. Quero ouvir a voz na voz das ondas na roda-viva das melodias de sereias e corujas ao longe, nas praias esquecidas da terra.
O tempo caleja a sensibilidade, e oblitera a memória das cousas; era de se supor que os anos me despontassem os espinhos, que a distância dos fatos apagasse os respectivos contornas, que uma sombra de dúvida retrospectiva cobrisse a nudez da realidade; enfim, que a opinião se ocupasse um pouco com outras aventuras. Contudo, o tempo, nas minhas situações e circunstâncias, experiências e vivências, cuidado da dimensão psíquica, emocional, sensível das pessoas, exerceu outras influências na minha alma, espírito, comecei de olhar a vida e o mundo de outro modo, noutra linguagem e estilo, e, apesar de todos os questionamentos, dores e sofrimento, dúvidas e incertezas, posso dizer ser hoje um homem realizado e feliz.
Quero ter um mundo sem porteiras e fronteiras, sem muros, cercas, barreiras, sem ódios, vícios, dores e sofrimentos. Onde todos plantem e colhem, onde todo faminto coma, na justiça, na paz e no amor. Onde as aves tenham seus próprios ninhos, onde todos tenham carinho, amor, ternura, onde ninguém gema de dor, sofra com os problemas e conflitos. Onde os pais abracem e beijam seus filhos, onde as trevas se transformem em brilhos, onde gente tenha valor, indivíduo tenha “eu”, homem tenha alma e espírito sedento de luz e calor. 
Ao invés da luz, do aroma, ou do alento ou da voz, encontro a fonte de todo o ser e fonte de toda verdade, verdade que vivo e experiencio ao longo dos dias de minha existência, verdade que há-de vir, resultado e conseqüências de outras que apenas delineei na alma e espírito. Creio que só na verdade há a luz secreta, creio que só na luz atravesso cantando, alegre e saltitante, as longas avenidas, os pequenos becos e alamedas que levam do presente ao misterioso porvir! Vida é amor, é paz, é a doce quimera e a salgada realidade.
Toda a ardente ebriedade de meus reais pensamentos, de minhas verdadeiras idéias, de minhas férteis imaginações, tudo gozei nas noites de amor, nas noites de idílios compactos, nas letras de incólume vazio, nas palavras de efusivas esperanças. Pronto estou para outras jornadas noites adentro, outras aventuras pelos séculos e milênios vindouros, outras venturas pelos sentimentos reais e lívidos de fé e esperança. Como última esperança, nos ermos da solidão e do ser eterno, peço que a luz não se apague, os seus raios não se efemerizem, não apague a lembrança do amor que me faz viver, que me fez con-templar o sonho através da entrega, por inter-médio dos desejos e vontades, fundado na fé e na consciência das conquistas e encontros.
Minha ventura é imensa, quiçá possa senti-la em sua totalidade, e foi no amor que encontrei os sulcos quentes e vivos, o canto de outrora, a moderna insolência, a presente meiguice.
O que é o amor? Amor não se de-monstra, amor se sente, senti-lo é viver. Sentir a gota de luz do olhar de Deus caída, o pingo de chuva da flor de rosa deslizando, rosa branca do céu, rosa vermelha do infinito, rosa amarela do desconhecido, perfume, alento, vida. Palpita-me o coração já crente, fiel, já desperto e vivo. Fala dentro de mim uma boca invisível, uma língua indizível, esquecem-me o real, o aqui-agora, as dores, sofrimentos. Tenho, para atravessar a azul imensidade, o branco eterno, duas asas da infinitude, duas penas do céu: a esperança e a saudade.   Uma vem do passado, dos sonhos olvidados, dos desejos negligenciados, dos vazios experienciados, do nada vivido, outra cai do futuro, dos verbos por virem, do amor por sentir, da sede por saciar, da fome por cevar-se. Com elas voa a alma, paira no ar a fertilidade da semente do vôo, paira no éter puro; com elas, vou curar a minha mágoa estranha, ressentimentos excêntricos, angústias inusitadas, ódios e raivas esplendorosos. Quase reanimo o desusado júbilo.
Se quero falar da luz que há-de vir, tenho de falar de sentimentos fortes, presentes, de emoções vividas na realidade da vida. Tenho de falar de alegria, de felicidade, de tristeza, de angústia, de amor e solidão, de encontro e conquistas, de desencontros e sendas perdidas, pois são estes os sentimentos que me rodeiam, que me habitam o mais profundo da alma. Quero que minhas palavras e letras se id-ent-ifiquem comigo. Juro que saberei aceitá-las como minhas próprias palavras, manifestações de todos os sentimentos que em mim estão presentes e se anunciam. Permito que elas falem da minha vida e dos meus sonhos, quimeras, fantasias e idílios, já que meus próprios dizeres jamais expressam o que vivo, sinto. Deixo que as letras cuidem de mim, do meu coração... para que cuidem do mundo e dos homens através de poesias que só o meu amor me permite compor, permite-me registrar no papel.
Tenho no rosto uma expressão tão serena, calma, tranqüila, como o sono inocente e primevo de uma alma, como a vigília ingênua e primeira de um espírito – devo acaso morrer? Tranqüilo e profundo durmo, reúno no sono os sonhos que desejo tornar verdadeiros. O tigre do arrependimento não me perturba na vigília ou no sono; a serpente do pecado não me incomoda nas situações da vida, nas circunstâncias da morte, as corujas da verde mocidade, da azul maturidade, da branca senilidade, em busca do mesmo alvo e do mesmo ideal, buscam quem e o que o meu coração ama. Percorro a cidade, as ruas e as praças, as igrejas em busca do que amo. As torrentes não poderiam extinguir o amor, nem os rios o poderiam submergir. 
Deus me permita expressar os abismos da alma, sem medo, sem hesitação, sem egoísmo, as colinas do espírito, com alegria, paz, felicidade, os vales do coração ávido de compreensão de entendimento, sobretudo de compaixão e solidariedade; Deus me permita falar como sinto e penso, como vivo as situações e circunstâncias, como sonho os desejos mais esplêndidos e esplendorosos. Deus me permita ter pensamentos, idéias, utopias, sonhos dignos dos dons que recebi, dons que foram doados gratuitamente, dons de dizer as profundezas de todas as emoções e sentimentos de glória, de ressurreição, de redenção, as dores de desencontros, de ressentimentos, de ofensas e humilhações.
Tudo o que está escondido nas entrelinhas e tudo o que está aparente na superfície das palavras eu conheço: porque foi a sabedoria, criadora de todas as coisas, de todos os desejos, de todas as vontades, de todas as utopias, enfim, de todos os sonhos do verbo amar, que mo ensinou, que mo inspirou, que mo revelou.
Nos rios, peixes em fartura. Águas cristalinas e puras correm em todo rincão, ninguém sofre com sede, a natureza é verde, é feliz meu torrão.
Oh Cristo!... Em que alma mergulhou Vosso nome, Vossa divindade e espírito que lhe não doasse o bálsamo da vida? Que lhe não concedesse os dons da busca do Ser, este que é pedra angular, pedra de toque dos caminhos do amor? Que lhe não despertasse para a beleza da Ressurreição, da Redenção, da Compaixão de Vosso Pai? Em que espírito penetrou Vossa sensibilidade, Vosso Sagrado Coração, que lhe não entregasse a eterna e imortal chave da esperança? Em que dons e talentos colocou Vossas mãos que lhe não re-velasse a poesia do eterno, os cânticos do sublime, estrofes, versos, melodias metrificadas ou não, transformaram, modificaram, mostram aos séculos e milênios outros esplendores, liberdade, humildade, solidariedade, id-ent-ificaram-nos os homens conosco mesmos?
Filosofia existencial, teologia vivenciária, vivencial, árdua virtude, moral e ética, princípios dignos e honrados, condutas humanas e espirituais, posturas compassivas e ternas, tudo passa e expira, o vazio se nos apresenta, os olhos perdidos em todos os espaços do infinito se mostram, é preciso re-nascer, é mister re-criar o amor, é necessário re-pensar, re-fletir, meditar novos caminhos e veredas que nos aproximem dos homens, que nos mostrem suas carências e desejos, seus sonhos e utopias, libertando-nos das correntes e algemas do passado, tornando-nos outros, outros a quem nos entregamos de corpo e espírito, às lutas árduas de libertação de Vosso povo querido, de levar-lhes à Terra Prometida – outras “terras” distantes, embora Prometida? Não. A mesma, em outros tempos, em outras realidades, enfim os sonhos dentro de outros sonhos nada são senão a busca da Plenitude, do Absoluto, do Sublime.
Oh Cristo!... Vós sois eterno, imortal, divino, Deus. Se Vossa Mãe recolheu-Vos, acolheu-Vos em Seu útero, se este útero nos revelou a Palavra de Deus, foi o lugar desta revelação, Vós sóis não apenas o que habitava essencial e divinamente este útero de Vossa Mãe, Vós sois as esperanças destas Palavras se tornarem “verbos”, “verbos do Amor”, “sonhos do verbo amar”, sois o Espírito Eterno, sois a alma da Esperança imortal, e nós, os sonhos da verdade e do Ser que representamos na vida, devemos e somos mesmos obrigados a continuar esta busca, não apenas  nos sonhos das artes, cultura, nós os artistas, espiritualistas, mas a humanidade inteira deve buscar os “caminhos do campo”, as “veredas da espiritualidade”.
Na primavera estou, quero a colheita ver ainda, e bem como o rei dos astros, de sazão em sazão findar meu ano. Vejo apenas romper a luz da manhã serena. Em vão encho de aroma o ar da tarde; em vão abro o seio úmido e fresco do sol nascente aos beijos amorosos; em vão orno a fronte à meiga virgem; em vão, como o penhor de puro afeto, como um elo das almas, passo do seio amante ao seio amante.
Os olhos têm um resto da expressão de outro tempo, e o sorriso não perde certo ar escarninho, isto de modo algum seria possível afastar de mim um segundo apenas, crendo ser a minha sombra, esse certo ar de escarninho, até sendo inteligível, pois que algo irônico, cínico, sarcástico está sendo revelado, que me é sobremodo peculiar, aprecio sim estas dimensões. Suporto com firmeza o meu espanto.
Essa sublimação do ser pela ordem inversa, para o fim de contemplar a luz não à frente, mas de por trás, e tal contemplação, cujo efeito é a subordinação a uma idéia ao contrário, constitui o equilíbrio das forças interiores que habitam a alma e o espírito. Perco o sentimento das coisas externas, embelezo-me no invisível, apreendo o impalpável, desvinculo-me da terra, dissolvo-me, eterizo-me.
É esse desejo de romper os limites, de transcender a própria atmosfera do mundo, para tocar a instabilidade das nossas impressões e a vaidade dos nossos afetos, de nossos sonhos, mas se, além das volúpias e sedes de conhecimento, desejo outra coisa, fico com o desejo, porque eu não guardei detalhes e pormenores da afeição que senti pela vida, só me ficam as letras iniciais.
Tendo subido a escada, próximo à porta que deveria eu abrir com a chave, parei alguns instantes para respirar, apalpar-me, convocar as idéias dispersas, reaver-me enfim no meio de tantas sensações profundas e contrárias, criativas e inversas. Achava-me feliz. Certo é que os diamantes corrompem um pouco a alegria e a felicidade, mas não é menos certo que uma imagem, uma idéia iluminem um pouco a esperança e o desejo da alegria e da felicidade.
Aí é que o espírito se demora; aí são os questionamentos. Se não há sucesso algum, - ou se os há são contrários, enfim como está sendo construído isto (começando a ler do início deste parágrafo “Aí é que o espírito se demora”, sendo aqui o início mesmo, continuando em direção ao final, será a imagem, o sentido, a interpretação a mesma, se primeiro é necessário interpretar como fora originalmente criado, depois outra interpretação do modo normal, então refletindo ambos e investigando as idéias e pensamentos. Nem por isto as sensações são desconfortativas; bastava-me o sabor de alguma palavra que eu mesmo esteja dizendo – de algum gesto que fizesse, a contemplação subjetiva, o gosto de ter sentido viver -, que esteja dizendo em princípio algo sem sentido por que  era necessário seguir a fala do final para o início.
Confesso sim que sempre me sucedeu apreciar a maneira, a sutileza, o modo porque os caracteres se exprimem e se compõem, se relacionam e se revelam, se anunciam e se identificam, e muita vez não me desgosta o arranjo dos próprios fatos. E como construíra o primeiro artigo com esta técnica de iniciar no final, terminando no início, a linguagem, o estilo em harmonia com a intuição, inteligência, conhecimento  se arranjaram muito bem.
De alguma forma, fora, aliás, isto que novamente instigara-me a repetir a façanha de escrever do final para o início, que, lendo o primeiro artigo na forma natural, do início para o final, assustei-me com a nitidez, com as emoções, sentimentos, intuições, era como se houvesse sido criado de modo espontâneo, não houve uma quebra, não ficou sem pé nem cabeça como, de início, se poderia imaginar, pensar. Houve concatenação das idéias.    
Em verdade, dá certo gosto deitar ao papel coisas que se me parecem estar sendo reveladas do final para o início, coisas que eu não saberia explicar se não interpretasse assim, coisas que querem sair da cabeça, por via da memória e da reflexão, e não haveria reflexão se antes não houvesse a memória das situações e circunstâncias vividas, das experiências adquiridas. Tudo é prosa como a realidade possível.

































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