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terça-feira, 24 de novembro de 2015

CORCOVADO DE ESPERANÇAS - VIII PARTE – FRIOS RUMORES DO CREPÚSCULO - MANOEL FERREIRA NETO



Perturbadora realidade dessa vida tão simples, plasmada com o ímpeto vigoroso das plantas e que se tornava mais nítida ainda, ante essa força que me levava a compará-la com a própria vida, toda ela de sentimentos des-encontrados, de emoções caladas, de sofrimentos e       derrotas jamais esquecidos.
Se vós, com a vossa sabedoria secular e milenar, observardes deslizes e farsas, aos idílios compactos as falsidades, perdoai-me, peço-vos mostrardes com veemência, podendo assim recusá-los e rejeitá-los, o caminho do calvário para as buscas mais íntimas e espirituais terei o orgulho e a satisfação  de trilhar passo a passo. Não o terei dito, escrito com a intenção de expor as máscaras, vivo-as, e a luta é transformá-las, tornar-me verdadeiro em mim.
Sonhos dentro de outros sonhos, dentro de outros sonhos isso nos habita. Sonhar é bom, melhor ainda é real-izar... Desejamos sempre tirar as nossas máscaras, mostrar o nosso próprio rosto frente ao espelho, e a imagem corresponder com o que lha projetou, gerou. Desejamos ser o mais autêntico possível, e, no entanto, muito pouco fazemos para isso tornar realidade nossa, o que penso e sinto ser o mais fácil para vós, a lei do menor esforço para nós os homens.
Sei que são fortes os motivos que insisto em viver, buscar o verbo amar com entrega e doação; sei também que foram grandes as perdas, mas, sem elas, não teria despertado e querido ver-me superá-las com engenho, e, em poucos anos de lutas e desejos os mais profundos, consegui não apenas superá-las, mas construir o que por longo tempo estive à procura.
As dores tomaram-me de assalto, o que, para mim, era o mais importante. Não perdi tudo – necessitava perder o que fora perdido para o novo encontro, desencontros, e o que lera como dedicatória num livro de presente de um dos maiores e melhores amigos: “Há instantes em que encontramos. Há outros que desencontramos, mas é preciso não deixar o fogo da lenha da fornalha apagar”.
A solidão é a fornalha da transformação. Sem a solidão, permanecemos vítimas de nossa sociedade e continuamos a nos enredar nas ilusões do falso eu. O próprio Jesus entrou nessa fornalha. Ali, ele foi tentado com as três compulsões do mundo: ser capaz (“ordena que estas pedras se transformem em pães”), ser espetacular (“atira-te para baixo”) e ser poderoso (“Tudo isso te darei”). Ali, Ele afirmou ser Deus a única fonte de sua identidade (“Deves adorar o Senhor teu Deus e só a Ele servir”). A solidão é o lugar da grande luta e do grande encontro – a luta contra as compulsões do falso eu e o encontro com o Deus zeloso que se oferece como substância da nova individualidade.
Ninguém, enfim, perde tudo – creio que perde o que tem a perder, o que é imprescindível para o crescimento, amadurecimento.  Existe uma chama dentro de mim, de todos os homens, que nunca se apaga. Inevitável mesmo é soprar sobre ela, mesmo  diante destas ou daquelas situações, de pessoas que desarrumaram nosso lar. Cada situação ou circunstância de cinza no humano é a re-vel-ação de uma  chama divina.
Às vezes, não sabendo se atribuir isso à condição, à natureza humana, é difícil admitir encontrar uma saída. Torna-se para o homem mais fácil deixar as pedras rolarem ladeira abaixo,  rápidas ou lentas, o tempo seguir o seu itinerário. Isso não exige quaisquer esforços, empreendimentos.
Preferimos ficar em nossos ódios, ressentimentos, mágoas, rancores, culpando o mundo e os que nele habitam por nossas  infelicidades, vivendo como vítimas do destino, querendo piedades e dós de todos os que nos cercam.
Refazer a vida não é fácil, mas é possível! Devemos tentar quantas vezes forem necessárias. A persistência, a insistência.
Para mim, não fora difícil – isto não significando que fora fácil -, desde quando intui o caminho seria o de deixar as águas fluírem normalmente. As águas prometeram-me devolver as primaveras, não me queriam ver um mar morto. Deixei-as vazarem, levarem para bem longe tudo que fora mágoa em minha vida.
Pedi que as águias levassem para bem longe das praias as lembranças que me amarravam em muitas dores e sofrimentos. Escrevi com as mãos, ainda que vazias, a palavra “silêncio”, nas areias de todos os desertos  por que passara. Pedi ao silêncio que não deixasse a esperança perder-se nos sibilos de ventos de entre as serras. Pedi aos verbos que devolvessem ao meu coração a oportunidade de tentar de novo. De tentar mais uma vez amar.
Digo, dizendo, a vida não forçar ninguém à infelicidade ou à alegria, o último gesto é ser               o homem a manifestar, os últimos passos são o homem a dar nas trilhas a serem percorridas. Aos pedidos todos que fizera, recebi como resposta que me encostasse no que fora rompido, perdido, a forma voltaria, e de novo os sonhos visitariam os meus anseios...
Seria muitíssimo difícil para mim, se nalgum instante interrompesse a caminhada perdida e confusa, olhando para trás e percebendo que passei toda a vida com a sensação de ser apenas cacos. Não podia viver em metade, ou estava todo, ou algo de mim ficaria fora da história, que me desejava inteiro.
Não sei se diga nesse estilo  ou linguagem, há outros, mas a verdade é que a vida exigiu com prepotência e arrogância, através dos sofrimentos e dores, dificuldades, que me conhecesse para que soubesse como superar as coisas. Custaram-me longos anos a aprendizagem, oito anos, mas só tendo consciência do dom é que me foi possível libertar-me das algemas. O dom era o de mergulhar na alma humana. Segui a carreira de psicólogo.
Acreditei em tantas coisas. Na beleza, na sinceridade das pessoas, no eterno que abrigava as amizades e deixava, na memória dos ventos e sibilos, um disfarçado ar de herói, passei a vida em brancas nuvens – adulterando um pouco o sentido do adágio: “Quem passou a vida em brancas nuvens não viveu, vegetou” -, não sofri e tive dores como os homens.
Sabe, viajante do sublime, eu acreditava poder ser feliz. Acreditava num  mundo grande, onde os homens pudessem se saber solidários, compassivos, onde de mãos dadas se satisfaziam com as conquistas dos outros. Acreditava que a minha rua daria nas estrelas... a fresta de uma árvore, em verdade, um a  mangabeira, daria no infinito, na eternidade.
- Por quê? Não sei. Um coração de mulher não tem a profundeza do mar. Você o aprenderá por si!  E é verdade que Sonia Balço queria fugir com Arnaldo de casa, é verdade, ela desprezava o velho, ela pensava que lhe havia tirado tudo o que tinha de vida... Será que ela gostou de Arnaldo no início, ou foi uma simples necessidade de mudança? No entanto, em nada a contradigo. Se quisesse   leite de pássaro, dar-lho-ia. Ela é orgulhosa. Quisera ser livre, mas não saberia que fazer com a liberdade. Portanto, é melhor que as coisas fiquem como estão. Eh, Ilíade Adriano, você ainda está novo demais, tem o coração quente. A liberdade, meu amor, não foi feita para os corações fracos.       
Algo veio a bater de frente com tudo isso. Devastou as florestas que cobriam minhas serras e encantavam as estrelas que velavam o ossuário da terra. Tudo foi parecendo um vazio, abismo, eu querendo um caminho que levasse ao verbo amar, sempre, que me levasse a ser,sempre, um ser humano melhor, e tendo que con-viver com a sensação de não conseguir ouvir-me-ser.
Sonhei as sementes do sagrado des-velando a mim e dando ao mundo motivos maiores, podia sentir o gosto dos frutos que colhia. Sonhei com os grandes homens, capazes de tudo por terem dito suas palavras. Homens capazes de dar a vida por um sonho de    liberdade e solidariedade, vidas capazes de amar o impossível. De não temerem as madrugadas escuras e solitárias, com suas chuvas, na hora de estenderem a mão a quem quer que fosse. Cavaleiros solitários,sempre partindo, deixando para trás rastros de saudades e melancolias e um desejo de reencontro.   






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