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quarta-feira, 25 de novembro de 2015

CORCOVADO DE ESPERANÇAS XVIII PARTE – DA PERFÍDIA DA SERPENTE - Manoel Ferreira Neto.



Pareço-me indiferente aos sentimentos que inspiro – não haveria modo de não sê-lo, pois que as dúvidas sobre esta fala são traidoras. Se não indiferentes, não seriam dúvidas, mas distúrbio de personalidade – palavras dizem algo, sou diferente delas. Sendo indiferente aos sentimentos que inspiro, obedeço ao lema não menos que a dis-posição do espírito. Sei a fundo a retórica da paixão, não a emprego sem parcimônia.
Nada dissimulo, não revelo os desígnios. Deixo transparecer no rosto o que sinto no coração. Poder-se-ia dizer seja espírito compulsivo, não negligencio. O senão está justamente que me aproveitei dele com sapiência, sublimei-o. Mas jogo cartas na mesa sem previsão. Expansivo e discreto, possuo estes contrastes aparentes, não sendo mais que harmonias de caráter.
Aquele nome tem uma história.
Ter uma história significa entrar no terreno do convencional. Ainda que o Moisés de Michelangelo seja a maior expressão da arte, será sempre convencional, mediante a relevância de sua história.
A obra moderna não! Sua vida não tem nenhuma convenção. É original em cada momento de seu desdobrar-se. Mesmo quando se repete.
Sem esta trágica repetição não nos reconhecemos, e a identidade se perdia dia após dia, deixando em seu lugar rastro de disparates e de esquecimento. o eudentismo se perde nas encruzilhadas do tempo e o eu já não é mais igual a ele mesmo.
O nome aberrante e assustador para expressar este estado mental é loucura e sua variante mais próxima, vida!
Identificar estes momentos é se tornar como Fausto. Mas a obra de arte moderna já não guarda nenhuma preocupação, e suas teorias começam  a convencer em definitivo.
Haveria quem não pensasse, se me estivesse ouvindo, uma consciência assim não daria o troco, o retorno não seria depressão, momento de fazer inventário, saber o porto a que me destino. Defeitos nascem de qualidades. Sou crédulo à força de ser confiante, ríspido com tudo o que me parece fútil. Tenho a imaginação quimérica, às vezes – a inteligência austera, mas compenso estes defeitos, se o são, por qualidades sedutoras e raras.
Os olhos estranhos buscam esconder o segredo. Afianço nada dissimular, não sabia de que segredo se tratar, visto neste monólogo a distância entre as palavras e sentimentos serem consideráveis. Acho-me perfeito demais. Que razão haveria para esconder-me dos olhos dos outros? Não revelar algo não tardaria a ser público? Pode ser que me engane, mas creio haver imaginação criativa.
Olho, digamo-lo assim, por baixo das pálpebras.
A carruagem desenfreada não regressa, segue destino, os passageiros tentam se salvar abraçados às orações, ditas no silêncio. Talvez alguma voz tenha cantado canções de saudade de um mundo perdido, distante, sonhado. Será que essa voz há quinhentos anos gritou palavras para dominar a voz chorosa de um ente querido, que estava numa negra violentada, enquanto a vossa estáveis num invasor escravo do desejo? Há tantos mistérios nessa voz desconhecida, presente em cada instante, em cada sentimento.
No deserto da história, não são camelos a puxar a carruagem, e sim cavalos. No deserto e solidão dos homens, há o que puxar o desejo de sentido e significado, os camelos.
Sempre houve carruagem de sonhos, provisões de palavras, armazéns de mensagens e idéias, que, deixados para trás, e nas sendas perdidas tentados resgatar, para fazer a ligação do que se faz e o que se fará, aliás, isto é o que definirá a existência, dito logo no intróito sendo a bússola de orientação do camelo que fui, no deserto, ou do cavalo que continuo sendo, no silêncio, que é o deserto do deserto.
O que resta? Resta esperar; enfim, a carruagem continua sendo puxada pelos cavalos, as imagens dos rios e águas em movimento a se anunciarem na passagem, na travessia. Esperar até que o “a-se-viver” se anuncie. Não se é referido ao adiamento da vida. Quer dizer manter-me alerta e, em verdade, no interior do já vivido, experienciado, em direção ao não-vivido, não experienciado, que ainda se guarda e se encobre no já vivido.
Desejo que todos vêem a carruagem desenfreada, as pessoas olhando a paisagem, cenário, passando rápidos, segurando ás palavras de salvação. Sirvo-me delas. Há quem possa entendê-las, a que vieram, o objetivo a que se propõem? Serem inteligíveis á luz da linguagem e estilo, fácil, mas acolhidas, isto a quem interessa, ou que utilidade possam ter? Há quem não possa compreender e entender o que essa carruagem significa, qual o sentido dela em sua vida, se é que lhe atribui algum, para ele ou ela a carruagem apenas passou naquele momento.  
A carruagem desenfreada segue destino, tudo mais é imagem efêmera. Passarem carruagem e imagem de olhos em olhos deixam apenas vagas sensações de vida. Essas vagas sensações, ao contrário do que se pensa ou imagina, isto é, já que são as únicas que posso sentir, não me resta alternativa, são as mais eficazes e eficientes para o desenvolvimento da contemplação, são as luzes do subsolo.
Quando era criança, gostava de imaginar viagens interplanetárias, laboratórios, mil invenções. Havia a fantasia, o desenho animado, o gato, o cão. O tempo passava, o tempo passando – passado. Penso novos versos: o menino perdido procura seu perdido mundo passado e mais se perde no presente; presente passando – passado.
O que hei-de fazer? Não me importa o objeto que me inspira estas letras: estarem elas mesmas registradas neste tablóide, um artigo escrito, mais um dentre outros que foram se apresentando dentro de sonhos anteriores a quaisquer outros, e hoje são sonhos a partir de outros que foram sendo realizados.
Quem sabe a vida seja isto mesmo, imagens dentro de outras imagens. O sucesso delas, serem apreciadas, serem sementes de conquistas futuras, de algo que súbito despertou a sede, e tudo o mais são buscar de a saciar com a água, por mais que o acaso as teça e devolva, saem iguais no tempo, quem sabe ao in-verso de in-vernos que me habitam, e nas circunstâncias, o in-vernos de in-versas ilusões; assim a história, assim o resto.
Eis como, com as metáforas, símbolos, imagens, as castas de luzes cristalinas me habitam, o estilo de dentro em mim retratá-las.
Bem, já o sabeis: esquizofrenia, neurose temos todos, uns mais, outros menos. Embora isso, posso garantir-vos não poder considerar a ferro e fogo a questão do castelo de cristal que estou empreendido em construir, realizar, pois que é com esforço, dedicação, renúncias que busco fazer, isto é, entra a vida inteira no empreendimento, na construção, e quando terminar irei nele morar. E daí, só que ele é uma imagem, metáfora da vida: o castelo de cristal aqui significa a Vida, a busca dela.
Perguntar-me-ia em primeira instância, até para ser diplomata e estratégico, o que devo fazer, se se me meteu na cachola que não se vive somente para isto ou aquilo e que, se se vive, é num palácio que é preciso ser instalado? Essa é a minha vontade, isto é meu desejo, instalar este palácio.
Quem seria capaz de me arrancar esta vontade, podem tentar anulá-la a partir da perseguição, preconceito, marginalização, interesses mesquinhos e medíocres, invejas, podem obscurecê-la com máscaras e véus, rótulos e patentes? Nada pode arrancar-me esta vontade senão quando alguém perspicaz e inteligente tiver a ousadia de modificar os meus desejos. Pois bem, direi com todas as palavras e letras legíveis: “modificai-os, apresentai-me, senhores, outro fim, oferecei-me novas utopias e sonhos, novos ideais”.
Se vós mais mostrais, desde que reconheça eu serem realmente utopias e sonhos, ideais, não terei nada a dizer, a contradizer, seguindo-as por onde forem, tentando realizá-los com sinceridade, mas se não os reconhecer como tais, direi sim sobre a tentativa de trapacear com interesses próprios (aliás, qual a trapaça que não seja em benefício próprio; há redundância de sentido, não me importa). Tereis de abaixar a cabeça, se fordes realmente sincera, não apenas um gesto gratuito, mas a vida.
Enquanto espero que me apresentais, ofereçais de coração e espírito, recuso-me a tomar um chiqueiro por um palácio de cristal. Isto até por bom senso: o chiqueiro é chiqueiro, palácio de cristal é palácio de cristal, a menos que esteja afastado de minhas faculdades mentais, seja insano, não distinguindo ambos. Posso afiançar-vos que o chiqueiro não é o meu habitat, não nasci para me locomover num espaço cercado de madeira ou cimento no meio da merda, da sujeira, do odor fétido entra dia e sai dia; posso afiançar-vos que não, digo com toda a sapiência que se me anunciou não faz um segundo, essa não é apenas a minha “verdade”, e a de todos nós, de toda gente, de vós. Não nascemos para viver no chiqueiro.
Uma palavrinha acerca de uma espécie de doidos – creio possais legar-me -, porque seria um grande mal não os pôr igualmente em cena quando honram tanto o meu palácio de cristal. Quero referir-me aos ricos que, vendo chegar o fim dos seus dias, providenciam grandiosos preparativos para uma passagem magnífica ao túmulo. É com grande prazer que se observa como esses moribundos se aplicam seriamente ás suas pompas fúnebres. Estabelecem, artigo por artigo, quantos círios e quantas velas devem arder nos seus funerais, quantas pessoas vestidas de luto, quantos músicos, quantos carpidores devem acompanhar o féretro, quem iria ler o discurso sobre ele próprio, o epitáfio que constaria na lápide de mármore, como se, depois de mortos, ainda pudesse conservar alguma consciência para gozar o espetáculo, ou soubesse ao certo que os mortos costumam ficar envergonhados quando os seus cadáveres não são sepultados com a magnificência exigida por seu próprio estado. Finalmente, parece que esses ricos consideram a morte como um cargo de edil, que os obrigue a ordenar festas populares e banquetes.
Rides. Podeis rir a mais não poderdes com esses dizeres acima, com essas palavras, uma imagem, sim, mas imagem que mergulha nos liames da metáfora e do desejo de poesia, e assim re-costando a cabeça no peito aconchegante. Nossa... Se lerdes vezes sem conta esse dia de minha missiva a vós, até esse momento, e passásseis a meditar o que estou dizendo em verdade, não creio que a insônia se tornasse constante, uma continuidade sem limites, mas algumas noites seriam gastas apenas para imaginar a profundidade dessas palavras que acima vos disse, num tom, digamos desde logo, espontâneo e simples, mas de repente, relendo o parágrafo, desde o início, percebi, intui quais poderiam ser os ângulos de análise, tomando em conta a psique humana e as suas sendas perdidas - claro, não percepção de algo simples, legível sem muitas dificuldades. 

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