Total de visualizações de página

quarta-feira, 25 de novembro de 2015

*ERMAS PLANÍCIES DE ESPERANÇA - Manoel Ferreira Neto.



Já nas veias o vivo sangue irrequieto pulsa, como ansioso de correr – tanta esperança, tanto sonho de ouro. Soam, enfim, os gritos do triunfo, os sibilos altissonantes de ventos estendem pelas frestas da montanha próxima, de outras bem distantes. Se em meio de tanta glória, triunfo, re-velação e realizações, há lágrimas, às vezes de alegrias e felicidades, às vezes de tristezas e angústias, gemidos de viuvez, sussurros de orfandade, quem os escuta, quem as vê essas lágrimas choradas na multidão da Praça do Fórum que troveja e folga e ri, circunspecto olha a vida e as coisas do mundo.
Com longo olhar escruto a sombra, que me amedronta, que me assusta, e sonho o que mortal algum há já sonhado, mas o silêncio amplo e calado, calado fica, as ermas planícies de esperança longínquas e silenciosas, vazias ficam, convite natural e divino de palavra única e dileta ser pronunciada.
Desejo trans-portar ao verso doce e ameno as sensações da vida, os sentimentos de vislumbrar, con-templar a natureza. A pena não atende ao gesto de onde os tempos não são quimeras que apenas brilham e logo se esvaecem, como folhas de escassa primavera.
Pedi não faz muitas horas, hora e meia mais ou menos, um exemplar quente de Voz do Sertão, sendo-lhe diretores Túlio de Castro Gonçalves e Larissa de Castro Gonçalves,   estava saindo naquele instante, de tablóide, coisa de dez páginas, creio que exagero. A minha regra e não pedir a qualquer editor exemplar de suas edições. Não sei porquê, deu-me cócegas de pedir, lembrei-me de outrora haver quem dissesse a sua imaginação se tornou, não sei se diga, imbecilizada por ler páginas de tablóides; dizia-me: “se você estiver tomado pelos olhos de lince, encontrará erros gramaticais jamais havidos na história da humanidade, é-se um jegue lendo, numa metáfora singela e terna, e quanto se está conversando com alguém de nível, vê-se em que se tornou, por ler tablóides”.
Não é possível que  chegue a galgar o cimo de um século, e a figurar nas páginas públicas entre imagens, símbolos, signos, o diabo a três. Tenho saúde e músculos, a academia modelou-me, as dores e sofrimentos continuam crescendo. Suponha-se que, ao in-vés, de estar sugerindo cuidar do corpo, tornar-lhe esbelto, objeto de desejos de clímax e gozo das “gatinhas”, tratava de mergulhar inda mais profundo nos sofrimentos e dores, coligir os elementos de instituição política, ou de reforma religiosa.
Fico vexado e aturdido, o que, em verdade, não estou com-preendendo, não me são comuns estes sentimentos. A jornada de traçar algumas letras às ermas planícies de esperança entra a parecer-me enfadonha e extravagante, o frio incômodo está-me impedindo segurar a pena. E depois, dado que o faça raiando a perfeição, não é possível que os séculos, irritados e impacientes, com lhes devassarem as origens, me esmagassem entre as unhas, enfim lhes des-vendei alguns mistérios, justamente aqueles que estavam trancafiados a sete chaves, que deviam ser tão seculares como outros.
Enquanto assim vou buscando tecer os caracteres aderidos aos sentimentos, idéias, pensamentos que me perpassam o íntimo, enquanto assim penso, vou de-vorando caminhos, veredas, e a planície voa de por baixo de meus pés, um jegue a puxar a carroça estaca de única vez, o carroceiro começa seu festival de palavrões. Posso olhar mais tranquilamente em torno de mim. Olhar somente, nada vejo senão algumas vacas magras pastando, árvores secas, a perder de vista, o serrado que invade o próprio céu à distância, nuvens brancas e azuis se confundem com o serrado.
Quem sabe, a espaços, me apareça uma ou outra planta, enorme, brutesca, meneando ao vento as suas largas folhas. O silêncio desta região é igual ao de sepulcro: dissera-se que a vida das cousas ficara estúpida diante do homem.   
Houvera pedido ao diretor um exemplar de seu tablóide, quente ainda, era lançado naquele instante, começava a ser distribuído. Dera-me dois que enfiei na pasta entre livros, cadernos, agenda, daria uma olhadela, quem sabe lesse alguma coisa interessante.
Quem é Fred Vidal Santos? No final de seu texto, através de asterisco deveria estar escrito algo que o identifique. Isto é de responsabilidade do tablóide.  Rogerinho[1] dissera-me que havia lhe dito que providenciasse seus dados, não se importa com isso. Não era justificativa, explicação, conheço Rogério há anos e sei de sua idoneidade.
Fred Vidal Santos, com esmero, fundado nos seus conhecimentos, sensibilidade, sobretudo com olhos de lince, tece suas considerações, num pequeno ensaio, acerca do escritor português Antero de Quental.
Con-viver com os extremos, vivenciá-los, não é simples, uma cruz pesada, sobretudo se a pessoa é dotada de sensibilidade incomum, dons e talentos especiais, quando se trata de um artista, então, as dificuldades se acumulam. Antero de Quental não suportou seus extremos e paradoxos, dando fim à vida – assim começa o ensaio de Fred Vidal Santos. As preocupações de Antero eram de origem metafísica, nascida de educação católica e tradicional, suas idéias revolucionárias de justiça social, nascidas de sua genialidade; ali se findava o conflito.
Interessante ressaltar neste ensaio, cujo tema é o extremo, o paradoxo e o autor, através de seu estilo e linguagem peculiares, não re-vela os extremos de sua busca desenfreada de compreensão dos mistérios, só nas entrelinhas é-se possível captá-las lá e acolá, mas Fred Vidal tem medos indescritíveis de mergulhar em seus conflitos existenciais – não é por ensaio exigir ipsis litteris objetividade de análise e interpretação, não deixando a própria subjetividade interferir, suas raízes culturais estão bem re-presentadas, os conhecimentos filosóficos não são profundos, impossibilitando considerações mais percucientes. Linguagem e estilo poéticos num tema que versa sobre extremos constituem uma dialética das linhas, nas entre-linhas “repouso para os tormentos”.
No de-curso e per-curso de suas análises, diz: “Firmado em suas raízes tradicionais, mas sacudido por doutrinas revolucionárias, influenciado por pensadores como Proudhon e Hegel, ele inicia um processo de dissecação íntima’”, referindo-se a Antero. No de-curso do tecimento das idéias, vê-se que o autor poucos conhecimentos destes filósofos têm, sobretudo de Hegel. Através da linguagem e estilo de Fred Vidal Santos, percebe-se com nitidez e transparência o seu mergulho nas letras, idéias, desejando conhecer-se a si próprio, compreender e entender seus extremos. Nele, em Fred Vidal Santos, o eu-metafísico anseia por encontrar descanso das dúvidas e questionamentos, medos e incertezas, enquanto o eu - contingente procura a moldura da realidade que há-de vir, o presente se lhe foge no eu - lírico ou eu - poético para espairecer dos sofrimentos.
Assim, Fred Vidal Santos, como Antero, ilustra sua busca num poema deste:

Na mão de Deus, na sua mão
direita
Descansou afinal meu coração.
Do palácio encantado da ilusão
Desci a passo e passo a escada
Estreita.

Não era – continua não sendo – intenção ou objetivo comentário, análise do ensaio de Fred Vidal Santos, embora tenha apreciado sua obra, reconhecendo-lhe os méritos do conhecimento do poeta cujo poema analisou com percuciência, mostrando e demonstrando nas entrelinhas o desdobramento de sua personalidade. Artista-plástica escreveu missiva a Dostoiévski re-velando seu desdobramento, desmembramento de sua personalidade, res-pondendo-lhe Dostoiévski que um modo de se salvar era entregando-se por inteira à sua arte. O eu-contingência de Fred Vidal Santos é a pedra angular, a imagem deste desmembramento da personalidade: divide-se ele em eu-lírico e eu-metafísico, sua personalidade se desdobra em tentativa de agarrar-se à realidade, tornando-a presença no mundo, mas desgarra-se do presente, das coisas, para buscar alento no transcendente.
Com estes pensamentos, sentimentos acerca deste ensaio, enquanto deambulava pelas ruas, a intenção era encontrar modos e estilos de traçar, tecer as letras de ermas planícies de esperança.
Quem no peso de uma vida de enfados e misérias quereria gemer, se não se sentira horror de alguma não sabida coisa, que aguarda o homem para lá da morte, esse eterno país misterioso donde um viajor sequer há regressado.
Os séculos desfilam num turbilhão, e, não obstante, porque os olhos do delírio são outros, vejo tudo que se passa diante de mim, desde essa coisa que se chama glória até à outra que se chama miséria, e vejo o amor multiplicando a miséria, e vejo a miséria agravando a debilidade. Advêm a cobiça que devora, a cólera que inflama, a inveja que baba, e a enxada e a pena, úmidas de suor, e a ambição, a fome, a vaidade, a melancolia, a riqueza, o amor, e todos agitam o homem, como um chocalho, até destruí-lo, como um farrapo.
Para que desejaria alguns minutos de repouso, descanso nos braços de esplendorosa poesia que se me re-vela, que se me a-nuncia nas pré-fundas dos sonhos de vida e realidade outra? Ilusões, quimeras são fugazes – desmembrar o eu só porque não posso furtar-me aos sofrimentos e dores de meus paradoxos, por um lado joguei pedra na cruz, por outro a felicidade dos sonhos realizados, se me haver re-velado, encontrei-a no amor, não vou encontrar-me, não vou des-fazer o nó górdio das dúvidas e questionamentos.
Quando as palavras “ermas planícies de esperança” ecoaram, como um trovão, naquele lugar da periferia da cidade, nas imediações da cadeia pública, afigurou-se-me seria o último som, as últimas notas de música lírica que chegariam aos meus ouvidos; pareceu-me sentir a decomposição súbita das dores e sofrimentos habitavam-me as pré-fundas, a decomposição súbita de mim mesmo. Encarei-a com olhos súplices, e pedi mais alguns anos para esclarecer o que em mim são as ermas planícies de esperança. 
A dor cede alguma vez, quando delineio palavras, quando a pena desliza no branco do papel, mas cede à indiferença que em mim trago dentro à realidade, isto significando que pouco se me dá a superficialidade que lhe habita o âmago, interessa-me a realidade da vida, das experiências e vivências; mas não alimento no íntimo as doces ilusões que as palavras purificam, natureza e condição humanas são extirpadas, não haverá mais sofrimento, não haverá mais dores, as palavras me libertarão de todas as angústias e desolações, existem mais pujantes, presentes e fortes. Não me conforta, não descanso, não repouso em saber que com elas não me sinto só, não sinto solidão em mim, com esquecimento das lutas contínuas, com as palavras descobri a solidão ser uma delícia, o conhecimento de conflitos, dramas, problemas de todos os naipes mostraram-me quem sou, o que re-presento no mundo, con-vivo comigo.
Quando, no ensaio, Fred Vidal Santos escreve “tal é o motivo – Antero procura pintar a realidade posterior à morte – pelo qual ele desce do “palácio encantado da ilusão”, penso comigo, fundado nas entranhas das ermas planícies da esperança, convir não exacerbar-me, exaltar-me, criar expectativas de a realidade imprescindível para a consciência nítida e transparente, e pensar na “moradia esplêndida da verdade”, daquela verdade que devemos os homens trazer gravada na alma em letras perpétuas.
É caprichoso e livre o mar do coração, pensava isto comigo, enquanto as pernas levavam-me o corpo pelas ruas curvelanas, quando me encontro como o amigo Gasbarro – se se precisar de um homem gozador, não serve, pois que trans-cende os limites, desde que o conheço tira sarro até de si próprio, ironiza sua vida, ri a bandeiras soltas de si mesmo, amigo inestimável, vale isto ressaltar e sublinhar. Encontramo-nos sempre, a alegria e satisfação são inomináveis e indescritíveis, quando as ironias e sarcasmos são destilados a critério e categoria.
- Quando é, Gasbarro, que terei a felicidade absoluta de mais não me encontrar consigo, não mais vê-lo, só as lembranças de si habitarem-me.
- Quando você se utilizar de um fio denso de nylon, fazer um laço, amarrá-lo na galha da árvore do cemitério, colocar no pescoço, subir numa cadeira, chutá-la. No outro dia, no seu velório, direi: “Aí, você mais não me verá, como estava desejando; direi aos homens que você foi homem de brio e caráter”.
- Você não presta, Gasbarro.
- Quem sabe não vira alguma crônica acerca deste nosso encontro?!
- Com certeza... Você apareceu na hora certa...
Glória da vida, risos do céu, rosa de uma estação, raio do sol eterno da verdade. Surgiu-me, após o encontro com o amigo Gasbarro, a idéia de num remoto dia de polidas lembranças, em que cingindo as mofas e esperanças às falsidades e fé, arrancar-me da apóstrofe do peito as vãs pretensões do orgulho. A vida me aquece e alenta.
Luz do pensamento. A formosa real-idade mostra em todo o efeito.
Gasbarro sugeriu-me o suicídio para me não mais encontrar consigo pelas ruas. Antero suicidou-se por não mais poder deparar-se com seus problemas metafísicos, com os extremos e paradoxos de sua vida. Há corações frouxos, desprovidos em absoluto de sensibilidade, servem unicamente para bombar o sangue; então, quando se trata de advogados de posturas e condutas ilícitas, maculadas, de posturas corruptas e arbitrárias, restam-lhes a “dança” ao ritmo dos cantos, melhor dizendo, gritos das aves negras, quando sentem a carniça de cadáveres de bichos, anúncio do delicioso prato que encontrarão, assim que descerem das nuvens, pousarem no serrado. Advogados, alguns que precisam algo que lhes justifique a existência na terra, cubra-lhes as indecências de personalidade e caráter, sobretudo os que têm os bagos dos olhos para fora, imitação de verde ou azul, escrevem, à luz da estética e ética, escrevem obras, páginas e páginas, para mostrar que, apesar de suas imbecilidades e idiotices, seus instintos ásnicos e analfas, a dança de seus pássaros, sendo os urubus os protagonistas, devem eles bicar e engolir as carnes putrificadas para realizarem e sentirem presentes suas fugas e escapadelas da ética.
De que as nossas lembranças, recordações, nossos segredos são capazes por intermédio das letras, mas a realidade, verdade de quem escreve, onde está, mostrar-se não é “ser”, vice-versa. Por que ácidos tão críticos, se lhe declinasse o nome não seria tão ácido? Em verdade, pouco se me dava naquele instante; corria léguas de um sentimento que tive na noite passada, sentira uma dor nas costas e de imediato vazio sem nome, e para não pensar nisto descasquei os pepinos – leitor, de qual você gosta mais: descascar os pepinos ou destilar os ácidos críticos? Há diferenças de sentido nestas expressões.   



[1] Tendo já manuscrito esta crítica, dirigi-me à Câmara dos Vereadores, pedindo autorização a Rogerinho para ser publicada nestas páginas, o que ma concedeu com finesse. Perguntei-lhe também se autorizava transcrever a matéria escrita por Fred Vidal Santos, devido ao fato de alguns leitores não terem conhecimento da matéria, sendo necessário que a conhecessem para se inteirarem da moldura e estrutura de minha crítica. Isto não poderia fazê-lo, só mesmo com a autorização do autor, mas quanto a citar o seu tablóide estava autorizado. Se isto informo aos leitores, é que nada para mim é mais importante do que re-conhecer e lutar pelos direitos autorais do autor, faz-se mister isto respeitar com rigor. Em Curvelo, infelizmente, direitos autorais não são respeitados.   

Nenhum comentário:

Postar um comentário