Acho
que tinha conhecimentos, sabia como viver melhor porque admitia ser possível
viver melhor. Fiz de minhas mãos um caminho-da-roça para ir mais longe.
Não
sei porque estou falando isso. É que foram tantas as vezes que fiz silêncio, ao
escutar as águas seguindo o seu itinerário sem pressa, sem margens, ao escutar
o grito do mundo, e hoje calou o mundo e eu posso falar. Às vezes, tudo o que
preciso é que alguém me empreste o coração e deixe minhas
palavras tão guardadas irem como uma cabeça se abrigar entre o peito e o
ombro.
Venho,
mais uma vez, à beira deste rio de águas límpidas. Trago, como uma escrita a
ser traduzida, sinais de tudo que a vida escreveu na minha face. Linguagem que
poucos entendem, compreendem. Falas silenciosas, vozes mudas. Só quem é muito
íntimo chega, aborda e compreende.
Vós
detestais tudo e todos, e é em momentos assim, imóvel diante do espelho que
compreendo a extensão da frieza que vos habitais – qualquer coisa funda e sem
consolo, opressiva, estagnada, tal como se no vosso íntimo tudo houvesse se
crestado, e, com a força dessa queima, houvesse perdido qualquer possibilidade
que existisse em vossa alma, de ternura e de perdão. Não sei dizer porque sois
assim, talvez alguém o soubesse dizer em meu lugar. O que sobra, afinal, é o
ser no fundo do espelho: move-se de um lado para outro, pisca, sorri, mas está
morto há muito, e o que está morto não ressuscita mais nem do logo e nem da
infecundidade.
Contudo,
como sonhei que ouviria a voz de toda a humanidade, conversaríamos, contaríamos
as nossas alegrias e tristezas, o que trazemos em nós, o que nos habita e temos
tanta sede e fome de alcançar, enfim sermos quem somos. Agora, o sonho é uma
missiva que transcenda o eminentemente vivido e mostre os caminhos que
seguimos, vós e eu, no mundo, na vida.
Estabelecidas
assim as nossas medidas e limites, excelente se os transcendermos, creio que a
nossa conversa será muitíssimo interessante, sou o co-autor dessa missiva, a
minha árdua e dura tarefa será de registrar na folha branca de papel, muito mais
difícil e complexo, pois a aprendizagem será imensa; contudo, não, não me
esqueço das lições da des-aprendizagem de tudo o que me habita na alma, o
alfabeto de silêncios oblíquos são as experiências e as vivências através de um
hábito que trago em mim desde os cinco anos e dois meses, conversar com a
humanidade.
Peço-vos
que abris um parêntese para um pormenor sem importância, podereis deixar-lhe de
lado, saltando-o, lendo o próximo. Contudo, desde o início dessa missiva,
quando começastes a lê-la, estivestes mais curiosa por saberdes o que estou a
dizer-vos, o que me afligiu tanto para servir-me da pena para deixar impresso,
as palavras que trocamos nestes todos anos foram levadas pelo vento. Mesmo
sabendo ser a minha profissão psicólogo, estivestes um segundo qualquer
preocupada em estabelecer os limites psíquicos, para que pudésseis entender.
Não. Até esse segundo, desde que começastes a lê-la, o interesse fora saber de
minhas idéias; nem por um átimo de segundo, pensastes que seria preciso
consultasse um psiquiatra, pedir-lhe orientação sobre isso e aquilo, poderia
estar ficando doido. Conversar vós entendeis, mas alguém escrever-vos missiva é
inusitado, excêntrico.
Dura
tarefa, pois se é mister considerar as entrelinhas e além-linhas de nossos
diálogos, a fim de se poder ter uma imagem,
interpretação sobre todas as coisas que conversamos, quem sabe até mesmo
necessitando conhecer as sombras que antecedem as luzes em nossa história, o
que é uma reflexão sobremodo profunda. Isso posso afiançar-vos, mantendo,
obviamente, o respeito e a consideração
que por vós nutro.
Muitos
há que se sentem bem, amados, queridos, se num momento assim têm com quem
conversar, expor os dramas e conflitos que se encontram latentes e isso os
está angustiando, deprimindo, ouvem,
aconselham, sabem o que lhes é melhor, e num breve espaço de tempo se sentem
restabelecidos para a caminhada.
Tenho
a minha esposa, posso dizer o que me perpassa o íntimo, saberá compreender-me e
entender-me. Não tivemos filhos, escolhemos assim. Não é porque não queríamos
legar ao mundo a miséria... Queríamos viver nossas vidas sem filhos. Ela ainda
pode tê-los. Está com os seus trinta e oito anos. Somos casados há treze.
Desejo
dirigir-vos a palavra. Preciso que todos me ouçam, preciso que todos saibam
quem sou, e num diálogo no silêncio posso revelar as minhas entranhas que tudo
será guardado no mais perfeito sigilo, como eu próprio o sei. A humanidade é
compassiva no silêncio, e quem a ela se dirige, pode ter a certeza de que as
palavras não mais serão esquecidas, e a compaixão estará sempre presente.
Quem
sabe, se alguns homens a lerem, não dirão simplesmente que na cabeça deles não
existe compaixão, existem sim dó e pena, para se chegar a pedir-vos que
iluminai os meus passos e traços, perdoando-vos por vossas condutas e posturas
de não, arbitrárias e gratuitas, sou digno de dó e pena, um louco, varrido,
esquizóide, neurastênico... Isso é um absurdo, é preciso haver sido esquecido
pelos vermes que corroem a carne. Que a humanidade pereça no fogo do inferno –
posso garantir-vos que alguns homens dirão isso, se lerem
essa missiva, mas com o decorrer
dos dias, meses e anos chegarão a admitir que é necessário aderir-se aos sonhos da
humanidade.
Qual o problema de a humanidade ser compassiva no
silêncio, isso porque sabe ouvir, aconchegar no peito, mostrar seus caminhos e trilhas
desde toda a eternidade, e nunca perder a esperança, compassiva porque
compreende e entende as dores e sofrimentos, e isto trazemos os homens dentro
de nós, isto nos habita a todos, a imagem será revelada, pois todos já ouviram
e sabem o que nos perpassa inteiros. Esse esgar que alguns dentre vós mostram
em seus rostos, inclusive o olhar de esguelha, sei-o, tornou-se algo até vulgar
de interpretá-lo de tanta asnice,quando alguém, me não recorda o nome, dissera
que o mineiro só é solidário no câncer. São as tais frases ditas com o
interesse de eternidade, já que nada puderam deixar no mundo que tivesse valor
insofismável. Compreendo. Mas o que escrevo, podeis entender perfeitamente, é
que no silêncio podemos conversar e nos entender, contribuindo cada um de nós
com o crescimento e desenvolvimento de nós mesmos. Trocamos experiências e
vivências. Ouço-vos dizer, alguns até murmuram, sussurram, mas ouço as vozes e
a fala, podendo assim mostrar-me, identificar-me, contar de meus problemas,
prazeres, dores, sofrimentos, alegrias, contentamentos em buscada “felicidade”, que é a nossa vocação. E tantos caminhos sinuosos, não é
verdade?
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