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quarta-feira, 25 de novembro de 2015

ANÁTEMAS DO SILÊNCIO E RAÍZES - Manoel Ferreira Neto.



Sou feliz por me esquecer das horas TODAS!... 
Busco ritmo de árias antigas. Só me recorda o modo demasiado imperfeito. A fim de me não entristecer, interrompo-me. Intenciono resgatar-me nos caminhos do rio sem margens, pressa, ser-me inteiro.
O desejo de amor interpenetra a lembrança do labirinto cujo estranho e patético rumor chega através do êxtase. Esquecimento do abismo cujas estranhas vozes e sussurros chega-me aos ouvidos. Busco transmiti-lo, desejando-lhes amenizar a dor no aconchego de luzes incandescentes, acompanhadas de sombras.
Ouvir o sussurro que fere as cordas sarcásticas... Por que não o faria? Toda a vida me entrego em mãos. As palavras, voz dócil e meiga! O corpo são saudades da vertigem do despertar. Ouvidos dão passagem aos ritmos presentes que são outros. 
Dou corda aos sentimentos de felicidade de me esquecer das horas TODAS. Compreendo por que rios estou a navegar. Correspondência anterior e interior: tesouros dos campos, luz nas trevas.
Não levo em mira recompensa, cedo-me às carnes do ócio. Levando-me à solidão, onde falarei ao coração? A solidão responde aos compromissos, tece desculpas. Compreendo ou me persuado maduro estou para linguagem nova.
As palavras, penduradas no tempo, vão desfiando novelos de linha, tecendo letras de compreensão e entendimento. Cada instante é insubstituível; faz-se mister concentrar-me. Quisera-me difuso. O amor espera-me. Conheço-o sempre e jamais o reconheço inteiro.
As letras, suspensas no tempo, vão imprimindo no espaço imaginário do papel a lingüística do instante. Há certa intensidade de clímax que o homem mal pode ultrapassar, e não sem umedecer os olhos. Há nesgas de nuvens, terras e poeiras a trilharem.
O porto, onde a alma repousa, contempla o mar. A lucidez das imagens traz-me este silêncio cheio de palavras. Sou homem quem sente a beleza e poesia, acompanhadas de ritmo.
Procuro no passado série de recordações, a fim de criar. Encontro-me longínquo. Quem ama lembra-se do amor - significado e sentido, retém -, entrega-se de corpo e alma, doa-se. Como se sente no mundo, a autenticidade é a solidão.
É o ser quem vai sentir e emocionar-se, vibrar-se. Isso a que denominam “repousar-se” é-me limitado constrangimento. Alcançar o silêncio que tece orações de júbilo e alegria.
À conta de algumas dissipações antigas, e que ora se tornam presentes, as promessas, anunciações. Sou imbuído da engenhosidade e perspicácia para criar. Digo-o com a pena da galhofa!
Não consigo mais entender a palavra solidão. A presença efemeriza-se no tempo. Ser inteiro é não ser. Existir só, não ser alguém. Viajar, afastar-me de mim. Não é só de desfrutar a presença o desejo. Não é só anseio a sensibilidade pura. Habito-me e sou habitado. O desejo daí me expulsa do silêncio e raízes. Trago-me ao longínquo aquém, onde só a intuição é capaz de revelar-me.
A recordação só se me revela escombro da paz. A lembrança, vestígio da felicidade. Os olhos brilham. O inusitado esquecimento, anátema do silêncio e raízes.
O menor pingo de orvalho da noite, lágrima que seja, umedecendo-me a fisionomia, já se me torna amável realidade. A respeito de minhalma, sou interrogação. Não me importa, sendo correspondência íntima. Por que não haver estas dissipações? Há quando os desejos se afloram pujantes, êxtase pleno e divino. Por que me não lhes entregar? Em me pensando, não me é possível sentir: não sinto quem sou. Em me sentindo, afloro-me: sou quem sou no que não sou e sou.
Torno-me linguagem aberta em que se me pode ler o âmago. O recôndito se enche de paz que a solidão exaspera, tempo afadiga. Sirvo-me da espera do belo futuro, e o caminho que a este conduz jamais é interminável, desloco-me a palavras largas e distantes.
Sentir menos o chão de terra e que me adentre melhor. Sentidos abertos acolhem a presença. Jamais alcançável haverá abismo. A estes sentimentos as palavras não se prestam. O íntimo entreabre-se num aconchego de luz. É a nobreza do desejo intenso alcance o que o testemunho do mundo reflete em sua plenitude. Imaginar as lágrimas, comoção, e, no fundo, a conquista.
A curta inteligência fora capaz de chegar às desculpas e etiquetas. Se eu soubesse o que é amor... Há volúpia no silêncio. Encho a boca de gosto de mel e de deliciosa amargura.
Percorro os cômodos sem reabrir as janelas fechadas há anos, nem ergo as cortinas. Perambulo pelos labirintos abrindo frestas, escancarando portas. Um homem deve interessar-se por se inteirar dos séculos.
EPITÁFIO
O sentimento de plenitude, provável, deixa-se entrever, lega-me o ensejo de vislumbrar, e torna a voltar, em meio a essas eternas represálias. Encontro-me nas linhas, sob céu novo e no meio de coisas renovadas. Não é que reclame do outro a inteira disposição. Não é que reivindique plena espontaneidade do outro. O instante é de solenidade ardente.
O mistério da vida recomeça a rumorejar em cada entalhe das emoções - enigma da viagem. Deixo as letras sublimes deslizarem nas pontas dos dedos, esquecendo-me do estilo coevo e póstero. As mãos são destras em tecer linhas.
São estas antigas dissipações que me tornam homem acompanhado de palavras. Estiolo-me e encaro o vazio, abismo que separam esperanças... Reclino-me na cadeira, desembainho olhar afiado e controverso. 
A vida indistinta quer atardar-se no sono autêntico, intenciona adiar-se no adormecimento original. De não permito palavras lançadas.  
Há sensualidade num amplexo estético. Os olhos sentem tristeza: servem-me na atitude de entrevisão. A sensualidade greta-se com o suave para dar acolhida à nobreza de sentimentos. Nenhuma forma de vida detém a totalidade mais tempo do que lhe é necessário para se dizer.
A letra dá vida, o espírito é que é objeto de ambigüidades e controversas, de interpretação, e, conseguintemente, de amor, esperança. O mundo vil e vulgar termina à porta – daqui para dentro é o infinito, unidade sensível de todos os desejos, vontades pela exclusão das que me são adversas.
À semelhança de um ébrio, guinando à esquerda e à direita, andando e parando, resmungando palavras pelas metades, ameaçando o céu com os olhos mortos e brilhosos, dar-me-ia lágrima para escorrê-la pela face, todo entregue à áspera função de descrevê-la.
O menor instante da vida é mais longo do que a recusa. A morte, acordo mútuo de outras vidas para que tudo sem cessar se re-assuma. A palavra retine. Ó imagem em que meu desejo se abismou!...
Deixo-me ser algo sem nome. Fecho-me sobre águas calmas. Por onde passei as ondas voluteiam suaves. Surpreendo a sombra, silêncio sob a ambigüidade. Minha intimidade, desde que se fixe, não mais vive. 
Perfeito êxtase. A estrada em que me encontro é a minha, sigo-a como cumpre fazê-lo. O sol deita-se, nuvens azuis colorem os terraços brancos. Ouço à superfície das águas a eclosão dos sons do silêncio, luzes.
O declive do vale favorece as enormes passadas.  Alcanço a água do rio sem margens, pressa, resfolegando. Teço longo discurso. Há, como nas obras célebres, o passo da simulação e da reconciliação. Só ao longo da grande planície é-se possível um encontro com a essência. 



[1] Em verdade, este texto fora escrito na mesma agenda em que escrevi o texto por ocasião da morte de meu tio Heli Ferreira, sendo-lhe título original Meiguices Insolentes do Inferno. 

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