A paz que em mim, sorrateiramente, talvez à
sorrelfa dos idílios compactos, se instalou – não me é sabido, quem sabe a
intenção não seja instalar um mistério, quanto tempo já fazia, se distante,
além dos confins da terra e do mundo, longínquo, além das arribas do universo e
da eternidade, se muito próximo, umas duas léguas para lá do inaudito, se fazia
um segundo apenas, não era só sensação, era sentimento verdadeiro; não é
intenção de-monstrar sua veracidade, teria que percorrer céus e terras, as
distâncias são ad-versas, não tenho fôlego para tanto, traduzir sim – são frutos
do amor próprio, deste amor que me possibilitou o desejo de conhecimento,
vontade de saber o que me habita, e nele se re-velou o longínquo sorriso
iluminado, conhecer-me-ia, podendo, assim, seguir as trilhas rumo à alegria,
felicidade, por mais efêmeras e fugazes que se re-velem e são aos miseráveis
seres humanos. Essa mesma paz é meu aproximar-me do Criador; sem Deus, tudo é
permitido – assim já dizia o mestre Dostoiévski -, a permissividade não me
desse na garganta.
O longínquo sorriso iluminado que, em mim - nos
passos de um bicho-preguiça, quem sabe à sorrelfa de funestas quimeras – se
instalou, recompondo-me, novamente, o sono profundo, tirou-me a luz, a força,
os dias, a coragem, a farta fé e eterna caridade. Que res-ponder? Não se trata,
aqui, de estabelecer um mistério, décadas, séculos, milênios vindouros repletos
de luz e sabedoria irão elucidar e esclarecer – não o sei, glória e louvor às
musas da inspiração, pudesse fazê-lo com categoria e proeminência.
O homem que busca Deus deseja o encontro consigo,
pois que Ele o criou a partir de dentro. Deus é inerente ao “eu” que nos
habita, vice-versa; para não de-monstrar e sim traduzir, não in-verto o
pensamento, idéia, intuição, percepção, sensibilidade, estes essenciais
utensílios da arte e do primor, estas essenciais pedras angulares da beleza e
do esplendor, com as mesmas palavras, “vice-versa” é suficiente, e quem achar
que deveria tê-lo feito, mostre-me o caminho para re-verter os cílios e as
retinas. O homem que busca Deus é assim: forte e destemido, coração sincero,
honesto, integro e autêntico. Não conhece o amor que morde – digo, às vezes,
carinhosa e ternamente: “Quem ama mordisca, isto é, dá mordidinhas de carinho e
afeto”, isto para extirpar de vez com aquela grosseria e violência de “quem ama
mata” -, que se nutre de nosso sangue, o amor funesto, o amor abutre. Não bebe
gota a gota, sem interrupção, num fôlego só, o brando veneno que requeima e
destrói; não vê em mar sereno subitamente erguer-se a voz dos aquilões.
O homem que busca Deus não dá atenções às
superfluidades dos homens, princípios, dogmas, não se surpreende e assusta com
as vulgaridades do mundo, com as hipocrisias e aparências humanas; segue os
seus caminhos, leva a sua cruz inerente à sua natureza e condição, inerente aos
seus valores e ideais. O que mais importa? Importa a consciência de que as
buscas são verdadeiras e essenciais, importa a sabedoria do limite, a sapiência
da exceção.
Construída, a palavra, no luar da esperança de
realizar o sentimento que se me re-vela, exige de mim a sua tradução,
abraço-lhe com êxtase e volúpia, aconchego-lhe no peito com ênfase, numa só
sensação, inda que efêmera e fugaz, num só sentimento que posso mostrar com
dignidade o que ele elucida de minhas dimensões sensíveis, emocionais, psíquicas,
corpóreas, re-vele-me o Ser. Construído, o verbo, que faz enlouquecer (é ainda
pouco), que faz ensandecer (transcendi o mero dado das esquivas fantasias), uma
sensação entre risos e carícias, repleta de beleza e afeto profundo, desliza
nos lábios meiga canção, deixa crescer em mim o amor majestoso e natural, troca
a linda amizade dos corpos que trepidam no ar.
Saudando as passagens da lua, com ovações e
aplausos, sorrisos e olhos faiscantes, o coração arfando de alegria e prazer, a
alma transbordando de desejos e esperanças, o espírito repleto de sonhos,
desnudo-me. Isto não significa apenas tirar a roupa que me cobre a intimidade,
confere-lhe dignidade e honra, mas arranco as máscaras, aparências, que me
id-ent-ificam com as hipocrisias, farsas, falsidades, interesses escusos e
espúrios, com o charco de minha vida. Alegro-me com a força, determinação,
ousadia de minhas buscas, mesmo ouvindo os homens, de bem ou do mal, dizendo em
uníssono: “con-viver com você é difícil, suplício, a cruz é muito pesada, pois
que não se pode saber da profundidade de suas palavras, sentimentos,
sensibilidade, não se sabe se chora, ri, fica sério diante das angústias e
desesperanças do mundo e das situações”.
Confesso que o paraíso e o luar foram feitos para
quem traz, numa corrente, não importando se de ouro, artesanato de camelô
vulgar e miserável, no peito, dependurada, a imagem da Verdade e da Fé.
Não sei para onde ir. O lugar é estranho, nas
entranhas do universo, nas prefundas do infinito, acontece, não sei dizer,
sensação ou sentimento. O resgate, a liberdade... A verdadeira fonte
inesgotável de realizações. Este lugar é farto, abundante de força mística. Não
tenho medo. Arrisco a sorte. Renasço novamente, mesmo sendo “cinqüentão”,
rasgado, sujo e desiludido. Sou sem dúvida um herói, um ídolo, realizei
palavras e verbos, tirei de outros a pretensão da imortalidade falsa e
medíocre, com a des-inteligência do povo; plagiar-me, imitar-me, isto é
impossível – quem ousar, verá que a única solução para não ver de perto os risos,
galhofas dos homens de inteligência pura, é esconder a cabeça debaixo da terra
por todo o sempre.
Amo as flores multíplices de cores do campo. A
delicadeza das gotas de orvalho, o esplendor e o brindar das borboletas
multicoloridas, multifacetadas, que encanta as maravilhas do uni-verso,
horizonte, infinito, finitude, completude... Amo as maravilhas de Deus, amo as
esplendorosidades da essência humana, do espírito sedento e esfomeado do
Absoluto e Perene. Amo a Vida, embora tenha consciência e sabedoria de que a
minha Morte não fará qualquer diferença, não deixará nos corações humanos
quaisquer lembranças, quaisquer saudades, quaisquer ausências, precedo ao
nada...
No crepúsculo noturno deste orbe turbulento,
absorvo o perfume do tempo. Doce orvalho rociando os corações de homens
mesquinhos, medíocres, idiotas, em latas blasfemações. Tudo trêmulo, mesmo com
a delicada luz matutina. Nada é sagrado, apenas adormecido.
Os homens, cultos, analfabetos, simples, humildes,
poderosos ou escravos, vivemos momentos excelsos de dificuldades, problemas de
toda ordem emocional, psíquica. Para os de nível médio, este é o ponto da
existência em que surge a maior oposição entre o avançar da própria vida e o
mundo em derredor, o ponto em que se torna árduo conquistar o caminho que
con-duz à frente. São di-versos os que unicamente esta vez passam na vida por
aquele morrer e renascer que é o nosso destino, o pão nosso de cada dia,
somente esta vez, quando tudo o que chegamos a amar quer abandonar-nos e
sentimos de repete em nós a solidão e o frio mortal dos espaços infinitos, o
gelo inaudito da distância entre a aurora e o crepúsculo. E há muitos também
que se embaraçam para sempre nesses escolhos e permanecem a vida inteira
atrelados a um passado sem retorno, ao sonho do paraíso perdido, o pior e o
mais assassino de todos os sonhos.
Tudo que começa tem sabor de conquista, meditando e
agraciando a fertilidade da vida. Na vida nada tem arremate, não existe um
término. É sempre um re-começo, sempre nova época; inda que cheia de
limitações, indica um novo caminhar, nova direção, rumo a uma nova morada.
Amei as flores e as folhas caídas – por quê? Porque
as flores caídas são húmus e seivas de outras flores, são sementes de outros
mundos, de outras realidades, e com elas sinto profundo o que é isto – a vida.
Se uma discreta e muda lágrima cai, não murcha a flor do rosto, revela o
longínquo sorriso iluminado da
melancolia tácita e serena, que os ecos não acordam em seus queixumes de
entendimento e compreensão da alma errante a contemplar teus insepultos ossos.
Ite, missa est!...
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