Caríssimo
amigo,
Nilzo Duarte
Viver bem a vida é uma maestria difícil de reger, e
que somente os maestros, os grandes regentes de uma orquestra sabem exercer!
Antônio Nilzo Duarte.
Admirou-me sobremodo, nas duas
leituras feitas de Relatos da paixão e afortuno da vida de um homem, o poder e
a plenitude de sua memória. Li tantas biografias e autobiografias de vários
autores literatos e filósofos, confessando que, pela vez primeva, me senti
assim. A cada palavra, parágrafo, página a admiração por sua capacidade de
armazenar, reter na memória tantas informações, detalhes, circunstâncias,
situações, aumentava, crescendo-me, no íntimo, espanto e admiração inconteste.
Por vezes, interrompia a leitura, dizendo-me: “Acredito que Nilzo escreveu essa
obra devido ao estilo e linguagem. Meu Deus!... A memória desse homem é
fantástica. É como se ele houvesse vivido única e exclusivamente para reter na
memória o vivido e mais tarde tomar da pena e escrever tudo”.
Em sua obra, biografia e
autobiografia reunidas, pude sentir o homem de perto, saber de seus estados
emocionais e psíquicos, suas atitudes e ações, inseguranças e indecisões. A
cada página, o sentimento forte, pujante, doloroso da perda de sua querida e
amada esposa, angústias, tristezas que, confesso literalmente, senti-me
sensibilizado com a sua situação, era como se estivesse dentro de você
presenciando suas dores e sofrimentos, a sensação presente de querer fazer
alguma coisa por você, de ajudar-lhe de algum modo, e não poder fazê-lo, era o
leitor, estava de fora.
Escrever é um ato de afastamento
das dores, sofrimentos, é buscar a purificação, é buscar outros horizontes e
universos. Tantas recordações, tantas lembranças de momentos, instantes, tantos
sentimentos de felicidade e prazer, tristezas e angústias que você foi
armazenando em sua memória, e, com o falecimento de Neusa, os sofrimentos e
dores presentes, alternativa não lhe restava senão entregar-se à escrita, era
abrir a torneira até ao fim, deixar as águas saírem, saírem, saírem...
Exercício de esvaziamento de uma caixa que foi sendo enchida ao longo da
vida.
Durante a leitura, por vezes,
interrompia, procurando entender o porquê de seus estados emocionais e
psíquicos ao invés de amenizarem um pouco, sentir você mais tranqüilo e
conformado com a situação vivida, cresciam mais e mais os sofrimentos e dores.
Acredito que você, ao tomar da pena para escrever, tenha imaginado que ao longo
da escrita as coisas vividas e sentidas tão profundamente fossem ficando para
trás, e, ao escrever a última palavra, todo o vivido pertencia às páginas. Não
é assim – foi a inexperiência com as letras que causaram mais e mais
desconforto. Você pode ter a genialidade de colocar sua vida por inteiro num
livro, com sinceridade, autenticidade, seriedade que o vivido não se
extinguirá, pertencerá ao leitor que fará a sua interpretação e juízo. Não – a
vida vivida continua dentro de você. O que acontece é uma metamorfose, mudança,
modificação.
A partir do instante em que passou
a narrar a história de seus filhos é que percebi a grande mudança nos seus
estados psíquicos e emocionais, sentiu-se melhor, pôde sentir a vida, pôde
saber que ela continuaria ao lado de seus filhos, netos, tão queridos e amados.
Pôde, enfim, conscientizar-se de que estaria amparado por eles, fariam de tudo
para ver o pai, avô, bem, restabelecido.
Sei que estava no início da
velhice, sessenta e oito anos, quando a sua esposa morreu, e isso lhe deixou
realmente sensibilizado. Era como se dissesse intimamente a si próprio: “E
agora, o que será de minha vida sozinho? Os filhos têm suas vidas, seus
afazeres, a família para criar”. Realmente, é uma situação mesmo sofrida por
mais seguro que seja o homem, por mais forte e determinado que ele seja; uma
perda como você sofreu, com efeito, causa mesmo todas as espécies de sentimento
de desamparo, solidão, medo. O que mais se pode depreender de seus estados
psíquicos é a solidão. Não há um parágrafo, uma página que você não revela esse
sentimento de solidão. Você se sentiu muito sozinho, desamparado.
A última parte do livro,
Reminiscências, transcorreu mais tranquilamente, você se sentiu bem, inclusive
o estilo e a linguagem apresentaram nuances bem diferentes, era a voz da
conformação com a situação, circunstância, foi o íntimo restabelecido, inda que
bem sofrido e doloroso, que escreveu essa parte. Tornou-se outro homem, o
espírito se avivou, a alma teve aquele ímpeto de prosseguimento da vida.
Bem, caríssimo Nilzo, foi muito
importante, para mim, conhecer a história de seu grande amor, de sua vida com
sua família, seus per-cursos e de-cursos existenciais. Nós que somos casados
muitas vezes não damos a atenção merecida à esposa, não sabemos valorizar a presença
dela, deixamos as coisas passarem sem valorizar o quanto é importante o amor da
mulher, dos filhos, e quando acontece de um dos cônjuges falecer a dor e o
sofrimento são imensos.
Acredito que hoje você esteja bem
melhor, recordando os nossos encontros sei que está superando a perda, e sei
também de seu grande desejo de viver muito, a aproveitar todos os instantes de
sua vida ao lado dos filhos e netos.
Isso é o que tenho a dizer- claro,
sucinta e rapidamente – a respeito de suas obras. Tenho muito a lhe agradecer
por essa oportunidade de ter seus livros, de eles haverem me despertado e
conscientizado de muitos aspectos da vida. Muito obrigado mesmo por obras tão
fascinantes e maravilhosas.
Maria Santíssima sempre ilumine os
seus caminhos do campo, a sua vida; ilumine esse dom da escrita que recebeu de
Deus gratuitamente e que outras obras tão fascinantes e maravilhosas venham à
luz do mundo para cada vez mais nos conscientizar do sentido e significado de
um grande amor da vida.
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