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terça-feira, 24 de novembro de 2015

DAS RAÍZES DE UM DOM - Manoel Ferreira Neto.



Caríssimo amigo,
Nilzo Duarte

Viver bem a vida é uma maestria difícil de reger, e que somente os maestros, os grandes regentes de uma orquestra sabem exercer!
Antônio Nilzo Duarte.

Admirou-me sobremodo, nas duas leituras feitas de Relatos da paixão e afortuno da vida de um homem, o poder e a plenitude de sua memória. Li tantas biografias e autobiografias de vários autores literatos e filósofos, confessando que, pela vez primeva, me senti assim. A cada palavra, parágrafo, página a admiração por sua capacidade de armazenar, reter na memória tantas informações, detalhes, circunstâncias, situações, aumentava, crescendo-me, no íntimo, espanto e admiração inconteste. Por vezes, interrompia a leitura, dizendo-me: “Acredito que Nilzo escreveu essa obra devido ao estilo e linguagem. Meu Deus!... A memória desse homem é fantástica. É como se ele houvesse vivido única e exclusivamente para reter na memória o vivido e mais tarde tomar da pena e escrever tudo”.
Em sua obra, biografia e autobiografia reunidas, pude sentir o homem de perto, saber de seus estados emocionais e psíquicos, suas atitudes e ações, inseguranças e indecisões. A cada página, o sentimento forte, pujante, doloroso da perda de sua querida e amada esposa, angústias, tristezas que, confesso literalmente, senti-me sensibilizado com a sua situação, era como se estivesse dentro de você presenciando suas dores e sofrimentos, a sensação presente de querer fazer alguma coisa por você, de ajudar-lhe de algum modo, e não poder fazê-lo, era o leitor, estava de fora.
Escrever é um ato de afastamento das dores, sofrimentos, é buscar a purificação, é buscar outros horizontes e universos. Tantas recordações, tantas lembranças de momentos, instantes, tantos sentimentos de felicidade e prazer, tristezas e angústias que você foi armazenando em sua memória, e, com o falecimento de Neusa, os sofrimentos e dores presentes, alternativa não lhe restava senão entregar-se à escrita, era abrir a torneira até ao fim, deixar as águas saírem, saírem, saírem... Exercício de esvaziamento de uma caixa que foi sendo enchida ao longo da vida.  
Durante a leitura, por vezes, interrompia, procurando entender o porquê de seus estados emocionais e psíquicos ao invés de amenizarem um pouco, sentir você mais tranqüilo e conformado com a situação vivida, cresciam mais e mais os sofrimentos e dores. Acredito que você, ao tomar da pena para escrever, tenha imaginado que ao longo da escrita as coisas vividas e sentidas tão profundamente fossem ficando para trás, e, ao escrever a última palavra, todo o vivido pertencia às páginas. Não é assim – foi a inexperiência com as letras que causaram mais e mais desconforto. Você pode ter a genialidade de colocar sua vida por inteiro num livro, com sinceridade, autenticidade, seriedade que o vivido não se extinguirá, pertencerá ao leitor que fará a sua interpretação e juízo. Não – a vida vivida continua dentro de você. O que acontece é uma metamorfose, mudança, modificação.
A partir do instante em que passou a narrar a história de seus filhos é que percebi a grande mudança nos seus estados psíquicos e emocionais, sentiu-se melhor, pôde sentir a vida, pôde saber que ela continuaria ao lado de seus filhos, netos, tão queridos e amados. Pôde, enfim, conscientizar-se de que estaria amparado por eles, fariam de tudo para ver o pai, avô, bem, restabelecido.
Sei que estava no início da velhice, sessenta e oito anos, quando a sua esposa morreu, e isso lhe deixou realmente sensibilizado. Era como se dissesse intimamente a si próprio: “E agora, o que será de minha vida sozinho? Os filhos têm suas vidas, seus afazeres, a família para criar”. Realmente, é uma situação mesmo sofrida por mais seguro que seja o homem, por mais forte e determinado que ele seja; uma perda como você sofreu, com efeito, causa mesmo todas as espécies de sentimento de desamparo, solidão, medo. O que mais se pode depreender de seus estados psíquicos é a solidão. Não há um parágrafo, uma página que você não revela esse sentimento de solidão. Você se sentiu muito sozinho, desamparado.
A última parte do livro, Reminiscências, transcorreu mais tranquilamente, você se sentiu bem, inclusive o estilo e a linguagem apresentaram nuances bem diferentes, era a voz da conformação com a situação, circunstância, foi o íntimo restabelecido, inda que bem sofrido e doloroso, que escreveu essa parte. Tornou-se outro homem, o espírito se avivou, a alma teve aquele ímpeto de prosseguimento da vida.
Bem, caríssimo Nilzo, foi muito importante, para mim, conhecer a história de seu grande amor, de sua vida com sua família, seus per-cursos e de-cursos existenciais. Nós que somos casados muitas vezes não damos a atenção merecida à esposa, não sabemos valorizar a presença dela, deixamos as coisas passarem sem valorizar o quanto é importante o amor da mulher, dos filhos, e quando acontece de um dos cônjuges falecer a dor e o sofrimento são imensos.
Acredito que hoje você esteja bem melhor, recordando os nossos encontros sei que está superando a perda, e sei também de seu grande desejo de viver muito, a aproveitar todos os instantes de sua vida ao lado dos filhos e netos.
Isso é o que tenho a dizer- claro, sucinta e rapidamente – a respeito de suas obras. Tenho muito a lhe agradecer por essa oportunidade de ter seus livros, de eles haverem me despertado e conscientizado de muitos aspectos da vida. Muito obrigado mesmo por obras tão fascinantes e maravilhosas.
Maria Santíssima sempre ilumine os seus caminhos do campo, a sua vida; ilumine esse dom da escrita que recebeu de Deus gratuitamente e que outras obras tão fascinantes e maravilhosas venham à luz do mundo para cada vez mais nos conscientizar do sentido e significado de um grande amor da vida.



[1] Esta missiva fora publicada no tablóide Centro de Minas, 01 de setembro de 2007.

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