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quarta-feira, 25 de novembro de 2015

NUM CALICE DE VERBO, ORATÓRIA - Manoel Ferreira Neto.




A vara de que dis-ponho é curta. Não vou cutucar onça ou cobra, não existe a necessidade de ser longa. De que tamanho? Maior que a régua tradicional, creio de 30 centímetros, uns trinta e cinco a quarenta centímetros? Vara de bambu? Vara de quê? De bambu. Trago-a em mão para uma eventualidade, quem sabe não encontre cobrinhas no caminho, com a vara curta arremesso-as longe no serrado. Senão assim, não me utilizarei dela. Torna-se, então, hábito de ter a vara na mão.
No métier literário, costuma-se dizer com toda a categoria e empáfia que se possa imaginar ou um dia idealizar: “com as palavras, use sempre a vara bem grande, elas são ágeis, nunca se sabe os seus subterfúgios. Caso desconheça isso, sentirá o que é ver o ácido crítico destilar noutras ocasiões e circunstâncias das criações, re-criações”.
A curiosidade, diz o ditado popular, mata o gato. O celular estava sobre a mesa do computador. Abri-o e liguei nas Imagens, a primeira foto era de vara outra que, se cutucada, proporcionará prazeres inomináveis, conforme as “querências” mútuas resultam em relação conjugal, de amantes, não importam os clichês sociais, mas o proprietário dele era homem. Mesmo sendo homossexual, a intimidade nas Imagens de celular de-monstra que não a a-colhe íntima, mesmo que ninguém resolva fazer o mesmo que eu. Para quê? Chamar atenção? Mostrar suas preferências libidinais, libidinosas, cada um decida por conta própria qual destes termos caí bem. Fechei o celular de imediato. Nada dissera ao seu proprietário, embora houvesse sabido de minha atitude. Conversamos – se aqui não há a divisão com hífen, “con-versamos”, é que não teria condições de mergulhar no espírito da coisa, na coisa do espírito, a sua vara de entendimento e compreensão não é curta, simplesmente não existe, não sou quem aprecie isto de varar a curiosidade dos desejos e vontades, de contemplar o ridículo das atitudes e as atitudes ridículas com os gestos.
Se o faço comigo, não varo apenas isto, varo as mazelas e pitis que me acompanham desde os primórdios da humanidade, não há bisturi ou laser que se lhes arranquem, arremessando-lhes aos “lobos da estepe”, lembrando-me vagamente de Hesse. Podendo assim andar pelo serrado com a vara na mão, o espírito distante, desejando-me no deserto, quem pensa pequeno é idiota, o charme é pensar grande, no deserto do Saara, sol de cozinhar os miolos com a vara em riste, indicando-me o caminho do horizonte sem fim.  
Muito embora, reconheço, a ambigüidade e dubiedade de sentidos, insinuações, pouco isto se me dá, pois que a intenção é varar os sentidos múltiplos que a palavra se me oferece, como se me oferecem os meios, subterfúgios de sentir as impressões di-versas do real, ad-versas da imagem.
Varo as notícias dadas em jornais e pasquins. Verdade inconteste de um amigo mui íntimo, quem me dissera em tenra infância: “As coisas valem pelas idéias que sugerem”. A vara vale pelas ambigüidades que sugerem, suscitam, insinuam, numa linguagem mais que chinfrim, dão a entender, mas os tempos anda mui modernos, e quem profeta for e souber delineá-las com perspicácia e sabedoria, em línguas e linhas, na avidez dos sarcasmos, na alvura das páginas de um sonho, sentir-se-á ofuscado, e tudo o mais será uma busca eterna de poder outra vez viver este momento, nada mais. Perdeu-se na neblina de entre serras numa manhã de in-verno. Perdeu-se nos ventos contrários das montanhas longínquas e distantes.
Em verdade, enquanto varo estas notícias, digiro o estômago, enquanto o cérebro vai remoendo, certo é que as mazelas e pitis se resolvem na mastigação. Não olho para a vara com a mesma satisfação com que olho os caminhos da terra, a minha bota, luzindo, após a tinta líquida, alguns instantes aos raios do sol exposta, a escova para lá e cá. “A bota...”, continuava o amigo íntimo a dizer-me no banco de mármore no alpendre de minha residência, certo é que algumas pessoas diziam-me que residia numa floresta no centro da cidade, outras, num Paraíso no coração do sertão, verdade, muito arborizado: “... é a metade da circunspecção; em todo caso é a imagem que se pro-jeta no luzir da bota”, creio que re-crio a fala do amigo, por não conseguir lembrar-me com eficiência dos ipsis litteris de suas palavras, contudo, penso haverem sido: “... é a base da sociedade civil”. A vara, considerando serem as palavras que completavam a idéia da bota, é o alicerce dos hábitos ridículos, deste  meu hábito de ter a vara na mão.  
Varo a preguiça que amamenta os ócios muitos, a virtude de minguar força e agilidade às línguas de cobras que num simples toque de vara curta o veneno que as portas do céu e do inferno são abertas é cuspido com propriedade, e que eficiência – jamais ouvi dizer que abrisse as do purgatório. Não passo o par de botas à frente do sapateiro, não passo a vara à frente da natureza, refiro-me a de bambu, se houver outra, debito-a às custas do olvidamento, ando no serrado, inteligível isto acontecer.
Varo os temas nucleares da indecisão, dúvida, idéia fixa de perfeição – já acordei com idéia fixa de registrar na “nivealidade” das linhas uma anedota -, loucura. Como pêndulo, que se verifica no deslizar dos minutos e segundos, o que importa a in-versão?, quase nada, senão o nada absoluto, assim creio e junto os pés em sinal de consciência e não apenas de opinião, ponto de vista, o espírito oscila entre o real das ad-versas impressões e as impressões que a vara na mão traz em sua algibeira,  guarda em segredo de 666 chaves. 
A dúvida de qual impressão re-colher e a-colher na alma sedenta de con-templação, com a vara na mão, de vislumbre do real, visto à luz das impressões reais dos sonhos ad-versos, in-versos, re-versos, liames das virtudes e con-(s)-ciência do mundo, objetos, coisas, e homens que olham o umbigo sob a luz da estrela que guiou Maria e José, e o jegue que lhes serviu na caminhada, com o espírito das palavras nos dedos que digitam, e nada lhes identifica as origens e raízes. Digita-se no vazio, no abismo... Não se sabe a agilidade dos dedos, os olhos fixos na tela.
A fantasia e a utopia – quiçá a quimera dos idílios – entrelaçaram as mãos e olhavam para mim, o que me deixara circunspecto, pois não soube distinguir, discernir se era indagação, por alguma atitude desconhecida, parecerem-me sobremodo sérias, se lhes faltaram as palavras para se me dirigirem, observei ansiedade. Se fizesse um gesto com a vara, talvez as palavras viessem. Talvez por estar ainda pensando, refletindo, meditando, elucubrando a respeito da vara que sempre trago na mão bem segura, não sem carinho e afeição, ternura e meiguice, por me seguir há tantos anos, indicando-me por onde varar os desejos e vontade, esperanças e fé, em que dar varadas ao longo da caminhada.
Eu, como que enlevado, olhava para ambas, esperando o que fosse advir, em que estaria eu metido, envolvido. Durou isto alguns segundos; quis fazer algumas perguntas, dentre elas o que sucedia para olhares tão fixo, acaso houvera algum problema, mas quando ia falar reparei que as duas se haviam tornado mais delgadas e vaporosas. Articulei alguma coisa, embora me seja aqui difícil identificar; porém, vendo que elas iam ficando cada vez mais transparentes, e distinguindo-se-lhes as feições, soltei estas palavras numa linguada só:
- Então, que é isto? por que se desfazem assim? – mais e mais as sombras desapareciam, corri à sala das obras publicadas; espetáculo idêntico me esperava; era pavoroso; todas as figuras se desfaziam como se fossem feitas de névoa. Atônito e palpitante, percorri algumas outras salas e, afinal saí à praça, estava havendo uma feira de artesanato, um show com um cantor de nossa comunidade, tudo estava sofrendo a mesma transformação. Não havia tomado nada, não sou de drogas. Alguma coisa errada estava acontecendo comigo.
Dei com a minha vara nalgum lugar indevido? Não sei se de fato pensara isto, se esta indagação se me a-nunciou, sei que me faria esta pergunta numa situação desta. Só dando com a vara nalgum lugar indevido que acontece estas coisas, o toque mágico, daí em diante tudo são fantasias e utopias, quimeras, elucubrações, e depois de tudo a mágica termina e a realidade nua e crua continua a sua trajetória. Envolvi-me de vara tanta que acabei sem vara alguma para me auxiliar na realidade daquele evento cultural.  
Ensandecia? Enlouquecia? Perdia os juízos? Meu Deus, em que me metera? As indagações, perquirições esvaeceram-se todas, nada me sobrara na cachola.
Nesta situação, não pude conter-me, soltei um grito de dor, não sei se alguém ouvira, parece-me que não, não vi ninguém olhar-me de soslaio, não vi ninguém rindo, girando o dedo indicador da mão direita próximo à fronte, em sinal de ser mais um louco. Quê situação! Valha-me Deus! Fechei os olhos e deixei-me ir como se tivesse de encontrar por termo de viagem a morte. Era, em verdade, não se sei diga o mais plausível ou o mais provável. Distinguir entre a plausibilidade ou probabilidade nestas circunstâncias é fugir à verossimilhança, é escapar da realidade, é procurar abrigo e proteção no ilusório.
Passados alguns segundos, andando no meio da multidão naquela sexta-feira na Praça da Cultura, abri os olhos e vi que caía perpendicularmente sobre um ponto negro que me parecia do tamanho de um ovo de galinha garnisé. A minha queda tinha alguma coisa de diabólica, não apenas patética, soltava de vez em quando um gemido, e, em contrapartida, ouvia rumores e sussurros. O corpo era-me rasgado como um raio o espaço. O ponto negro cresceu, cresceu e cresceu até fazer-se do tamanho de uma grande espera. O ar, batendo-me nos olhos, obrigava-me a fechá-los.
Vênus, mais pálida e loura que de costume, ofuscava as estrelas com o seu clarão e com a sua beleza. Há beleza mais pura e singela do que a de Vênus? Confesso que jamais me será dado saber de outra, nem Vésper. Lancei um olhar de ad-miração para a deusa da manhã. Os planetas passavam à minha ilharga como se foram corcéis desenfreados – não sei se me lembrara ou se alguém ativara-me a memória, alguém que passava por mim, certo é que pensei em Lúcio Cardoso, quem, se me não engano, era chamado “corcel de fogo”.
Antes que chegue o suspirado dia em que penas e perdizes se comunguem, o desejo da beleza da forma e do estilo se real-izem, e descanse eu os movimentos da mão a delinear letras, burilar palavras, pouso os olhos nas serras distantes, vislumbro as vagas do infinito, as perdidas nuvens brancas. Declamo orações que eternamente louvam a fé não do encontro, mas do eterno desejo da sublimidade.
Realizar a rima que suspiro, o resto é mistério ignoto, às turbas, fascínio doce vivencial e vivenciário, o verso e rima verdadeiros levam no seio sedento de beleza a virgindade da poesia e fé, que, voltando à alma de sofrimentos  e dores.

Entre os rios sem margens,
Contempl-orando os contrários ventos
                   - seculares e milenares –
E ao som de novos cânticos
Deixo as perdizes livres para a ventura
                    - da raça –
Os idílios da espécie
Entre os rios sem margens,
Ao sol e às brisas tépidas respira a terra
Viçam de novo os alvores, a grama serena e suave
Com o orvalho da noite,
Brota de novo as flores do Lácio,
As últimas dos cânticos
                      - de glória e triunfo - 

Senti expandir-se-me a alma na nova atmosfera. Seria aquilo o céu? Fosse, tudo o que elucubrei dele no passado não passava de mera fantasia, utopia, quimera. Não ousava perguntar, e mudo esperava o termo da viagem. Dei com a minha vara nalgum lugar que não devia, iniciou-se alguma viagem, por onde não tinha a mínima noção, para onde não tinha a mínima condição de saber.
Dizer que tudo começara quando terminara um evento de aniversário de um suplemento literário, a que compareci de gaiato, e, ouvindo uma cantora lírica executar a peça Ave-Maria, perdi-me por inteiro, a fantasia e utopia tomaram-me por mim; antes de sair do salão nobre, não sei dizer se a personalidade maior do evento, se um leitor fanático por suas letras e idéias, dissera-me: “Espero que nosso encontro tenha lhe despertado para o sublime”.
Caminhando, os objetos, até então vistos através de um nevoeiro, tomavam aspecto de coisas reais. Pude ver então que me achava em uma nova terra, a todos os respeitos estranha.
As Utopias e Quimeras foram festejadas pela personalidade, pelos amigos e íntimos, pelos leitores e ad-miradores, que se dignaram a bater-lhes na face como atitude de amizade e reconhecimento. Elas, Utopias e Quimeras, alegres e risonhas, receberam os carinhos reais como coisa que lhes eram devidas.
Era uma necessidade da vida eterna – a personalidade maior daquele evento havia-me dito esperava haver-me despertado para o sublime. Por que houvera dito aquilo não tenho qualquer modo de sabê-lo? Se havia percebido algo em mim que identificava andava eu às antemãos do sublime, e tudo o que eu desejava era isto? Também não saberia dizer. A vara estava na mão, carrego a vara na mão por todos os cantos, só não durmo com a vara no peito, fica no criado mudo. A idéia de ficar doido um dia. Imaginem os amigos íntimos: um doido eterno, imortal. A comoção que esta idéia me dava foi tal que quase enlouqueci ali mesmo, ouvindo as  palavras da personalidade. Sem essa idéia cairia na demência absoluta e divina, muitas vezes o que é absoluto não é divino, vice-versa. Não parece esquisito? Haja esquisitice para res-ponder a este questionamento. Esquisitice seria uma das maiores virtudes, por exemplo, a fidelidade conjugal.
Esquisitice é estar me lembrando de toda esta situação vivida, experienciada, vivenciada, hoje, logo após acordar-me, sem ter qualquer explicação plausível ou razoável, senão o questionamento que me fizera a personalidade das letras.
Ainda sob os efeitos da fala da personalidade, encaminhei-me ao hotel, ou fui encaminhado, não saberia dizer, com a vara na mão, havia-a trocado de mão, estava na esquerda, apanhei as malas, chamei um táxi, tive de esperar longo tempo o ônibus chegar, o que me ajudara a colocar a vara no lugar, ou melhor, entender o que realmente tinha acontecido comigo, voltando ao normal. Retornei à casa. Naquela cidade estava a passeio.      
  

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