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quarta-feira, 25 de novembro de 2015

CORCOVADO DO SILÊNCIO - XIX – ALAMEDA DOS PERDIDOS - Manoel Ferreira Neto.

            
É sim possível que o palácio de cristal não seja senão um mito, as leis do ponto e natureza não o admitam e que eu o tenha inventado, criado, para satisfazer os desejos de pilhéria e cinismo deslavado, impelido por certos hábitos inconscientes e irracionais da nossa geração, não creio os tenha trazido de outras.
O que importaria, aqui e agora, que o castelo de cristal seja inadmissível, ininteligível? Que me importa, pois que ele existe nos meus desejos – construindo ou não construindo, em verdade -, ou, ainda para ser mais profundo, mergulhar na semente de mamona, pois que o castelo de cristal existe tanto quanto existem meus desejos.
Respondei-me: é ou não exato que os homens que se julgam privados de sentimento nenhum medo têm da morte? E esse medo – por Baco! – não é um mal indiferente! Além nenhum medo têm da morte? Além disso, estão isento dos terríveis remorsos da consciência; não temendo nem fantasmas nem trevas, não são atormentados pela perpétua perspectiva dos males; não são enganados pela vã esperança de futuros bens. Em suma os seus dias não são envenenados pela infinita série de cuidados a que está sujeita a vida.
A desonra, o temor, a ambição, a inveja, o amor, a amizade, são coisas inteiramente estranhas para eles, pois gozam da incomparável vantagem de só na forma diferirem dos animais. Mas isso não basta, pois que, segundo a opinião dos teólogos, chegam a ser impecáveis. Isto posto, tornai a consultar ainda uma vez o vosso íntimo, oh insensatos partidários da sabedoria! Ponderai, examinai atentamente quantas aflições do espírito vos atormentam dia e noite; reuni em bloco, sob os vossos olhos, todos os diversos males da vida; e julgai finalmente, por vós mesmos, quanto é grande a felicidade que proporciono aos meus insensatos. Não gozam eles apenas de continuo prazer, indo, jogando e cantando, mas me parece, além disso, que a alegria, o prazer, a chacota, o riso, seguem-lhes os passos por toda parte.
Dir-se-ia que os deuses tiveram a bondade de misturá-los com os homens para edulcorar a tristeza da vida humana. Eu desejaria que notásseis ainda um privilégio que honra muitíssimo os meus súditos. Diversa é a disposição do coração humano de indivíduo para indivíduo; mas, quanto aos meus loucos, todos os homens sentem prazer em possuí-los, como se soubesse que eles são da sua natureza. Desejam-nos com transporte, abraçam-nos, lisonjeiam-nos, alimentam-nos, socorrem-nos em suas necessidades, em suma, permitem-lhes dizer e fazer todo mal que lhes aprouver.
Não só não se encontra ninguém que atreva a contrariá-los, como parece que até as próprias feras, por um natural sentimento da sua inocência, contêm diante deles a sua inata ferocidade. São sagrados para os deuses, para mim sobretudo, motivo por que é muito justo que todos usem para com eles do mesmo respeito.
Penso e imagino que os leitores estejam caindo na gargalhada pela pilhéria sem limites, numa linguagem e estilo clássicos, eruditos. “Ride até mais não podeis. Ofereço-me a interromper por alguns segundos até que possais continuar a ler. Ride tanto quanto vos façais felizes”.
Se me desnudo diante de vós, apresento-me a vós com estes e aqueles desvios de toda ordem e qualidade, ofereço-me numa taça de cristal para saborear-me num “à nossa”, aceitarei todas as pilhérias, admitirei todas as zombarias, recusar-me-ei, contudo, a declarar-me  saciado das fomes milenares, sedes seculares, quando ainda tenho fome e sede; não me contentarei com uma responsabilidade, com um zero cada vez mais inclinando para a esquerda, renovando-se indefinidamente, pela única e exclusivíssima razão de que está conforme as leis da diplomacia, estratégia, os bons princípios.
Ora se me dá... Aceitar o zero inclinado para a esquerda por estar conforme tais leis, é um absurdo... Nesse caso, prefiro os ângulos obtusos do zero por estarem conforme a sede e fome de contemplação do arbitrário e gratuito. Não posso saber, e o silêncio que fazeis diante dessas palavras aqui registradas, se podeis compreender o que as habita que me saem espontâneas, não me utilizo de qualquer critério de esclarecimento e transparência dos sentidos, deixo-as fluírem com liberdade.
Isso de muitos dizerem que não se escreve para o futuro, escreve-se para o presente, não creio que fora entendido isso com categoria e sabedoria, em verdade, des-cobre-se o futuro a partir dessas palavras do presente. Nessas linhas imagino estar real-izando a intenção primordial, escrevo-vos para refletir e meditar acerca de todas as coisas comungadas, aderidas em nome de respostas que iluminem, sejam luzes no subsolo que se mostram na claridade do dia.
Pois bem, que direis, senhores, se, depois de vos ter provado que a mim devem todos os louvores atribuídos á força e ao engenho humanos, eu vos provar que a mim também pertencem os que recebem a prudência? – Essa é boa! – dirá, talvez, alguém – Pretendeis misturar o fogo com a água, pois a Loucura e a Prudência não são opostas que esses dois elementos contrários – Não Obstante, sentir-me-ei lisonjeado por vos convencer disso, desde que continueis a prestar-me vossa gentil atenção.
Se a prudência consiste no uso comedido das coisas, eu desejaria saber qual dos dois merece mais ser honrado com o título de prudente: o sábio, que, parte por modéstia, parte por medo, nada realiza, ou o louco, que nem o pudor (pois não o conhece) nem o perigo (porque não o vê) podem de-mover de qualquer empreendimento.
O sábio absorve-se no estudo dos autores antigos; mas que proveito tira ele dessa constante leitura? Raros conceitos espirituosos, alguns pensamentos requintados, algumas puerilidades – eis todo fruto de sua fadiga.
O louco, ao contrário, tomando a iniciativa de tudo, arrostando todos os perigos, parece-me alcançar a verdadeira prudência. Homero, embora cego, enxergava muito bem essas verdades: “O tolo – disse ele – aprende à própria custa e só abre os olhos depois do fato” . Duas coisas, sobretudo, impedem que o homem saiba ao certo o que deve fazer: uma é a vergonha, que cega a inteligência e arrefece a coração; a outra é o medo, que, indicando o perigo, obriga a preferir a inércia á ação. Ora, é próprio da Loucura dirimir todas essas dificuldades. Raros são os que sabem que, para fazer fortuna, é preciso não ter vergonha de nada e arriscar tudo. Quero observar-vos, além disso, que os preferem a prudência, fundamento-me no julgamento das coisas, estão muito longe de possuírem a verdadeira prudência.
Estivera numa garagem, num princípio de noite chuvosa, conversando com o proprietário quem tinha alguns galões de pinga. Disse-lhe com todas as letras: “Bem... Você já conhece o lema, pode-se dizer lema, isto de termos de articular as nossas preocupações e não nos afastar delas. Deste modo, não admitirei que o coroamento de meu castelo de cristal de meus desejos possa ser um chiqueiro, com alojamentos a preço módico no carnaval”.
Caíra na gargalhada, talvez por haver compreendido e entendido que as bagas aqui não são de infiéis e imbecis. Não, quando eu quero ser cínico, irônicos, sarcásticos, por vezes enigmáticos, misteriosos, sabem brincar com as palavras. Engraçado, não saberia dizer quem mo disse, mas dissera-me alguém que quando quero ser estúpido, chego ao Olimpo dos Deus; mas quando quer ser amoroso, é-me reservado num lugar no paraíso perdido ainda em vida, o que, sinceramente, tive não um acesso de riso, mas um de tosse. O que dissera sobre o castelo de cristal e o chiqueiro haviam atingido os limites da dialética existencial...
O que teria a dizer, não me referindo às gargalhadas do amigo? Destrui meus desejos, derrubai meus ideais, apresentai-me um fim melhor, a infidelidade e imbecilidade são mais dignas, e eu vos seguirei.
Ah, sim, nestes momentos de pilhéria, ainda mais que não dirigido a alguns, aqueles e estes, mas genericamente, a carapuça serve a uns e outros, dir-me-eis que não vale a pena ocupardes-vos de mim, enfim quem sou e o que represento para ser tão prepotente, arrogante, com o “rei-na-barriga”. Neste específico sentido, posso garantir-vos que vos res-pondo do mesmo modo, até com uma pitada de pimenta.
Afianço-vos que não admiro poucochinho sequer em mostrar a língua. Se me dirijo a vós nesta linguagem e estilo, é que outras não me são dadas saber, quem sabe por a língua haver se desenvolvido bastante; não é que aprecie mostrar a língua. Talvez estivesse equivocado – não, pelo amor de Deus, deixemos as ironias aos porcos, será que no meio de toda aquela merda está feliz ou é somente a visão do homem que não inveja a natureza, mas a condição – é a profundidade da língua que não se re-vela, fora passear um pouco na alameda dos perdidos, ou seja, recriação, em verdade o que dizem é que “só os privilegiados do destino descem a alameda dos perdidos”, tratas-se de uma expressão regional que significa, só os imbecis não percebem. Mas o quê? Sei lá. Esqueceu-me. Mas continuemos.
Não, espere um pouco!... Sabemos da ironia, em cujo sudário se cobre de riso, com isso de só os privilegiados do destino descem a alameda dos perdidos. Descem. Quem sobe a alameda dos perdidos, são quem, os não-privilegiados? Queremos que res-ponda isso com categoria e sinceridade. Só as carruagens da redenção sobem a alameda dos perdidos, levando os passageiros em busca do sublime. Se dissestes com categoria e sinceridade, não iria faltar-vos com o desejo tão logo revelado, esperando, quem sabe?, não o dissesse por medo ou relutância em me envolver num questionamento tão capcioso.

Faria cortar a minha língua com todo prazer e deleite, a medicina está muito evoluída para não estancar o sangue, por gratidão mesmo, se se arranjassem as coisas de modo que nada mais fosse preciso dizer, causar polêmicas, as mais sérias possíveis e impossíveis, o sangue continuaria corrido nas veias, apesar dos cortes, quem sabe das cores. Fosse comigo, acredito que o sangue jorraria devido ás dores e sofrimentos, tinha de esvaziar as veias para as dores do corte terminarem. 

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