O im-previsto improvisado me fascina. O improvisado im-previsto me
extasia. A estesia im-prevista da im-provisação deixa-me aberto a outros
sentimentos, idéias, questionamentos, deixa-me de asas abertas para outros vôos
pelo in-finito das querências de amor, de paz, de serenidade, pelos horizontes
das sensações do efêmero, fugaz, eterno, pelos uni-versos da alma que tece os
seus sonhos de liberdade com os fios dos sofrimentos e dores, quando o dilúvio
das volúpias me toma por inteiro, sinto-me sendo, ouço-me-sendo, re-festelo-me,
re-costado à cadeira de balanço, dando asas ao espírito.
Dando
asas ao espírito,
no
vai-e-vem da cadeira de balanço,
abro
valas em meus sentidos adormecidos,
sem
lembranças, sem re-cordações.
Procuro
imagens ocultas
no
orvalho pousante na relva
de meu
destino,
na
grama viçosa
e
respingada de orvalho
de
minhas esperanças,
na
neblina sobre as folhas e flores
de meus
verbos
de
busca e desejo.
Dando
asas ao espírito,
traço
uma estrada clara,
e sem
desvios,
entrego-me
como a flor à abelha
e a
abelha à flor.
Na
estrada clara
Que se
me a-nuncia
Vislumbro
o límpido desejo
De
encontros de volúpias
Outras,
que me elevem
Aos
auspícios da via-láctea;
Dando
asas ao espírito,
deixo
minha alma
sedenta
de conhecimentos
milenares
e crepusculares,
esfomeada
de prazeres
outros,
de alegrias ad-jacentes
re-fletir
construções,
e nos
versos deste poema
escrevo
palavras
falando
do silêncio
da criação.
Se é um momento que me faz de trouxa, ridículo, pois que me entrego
de modo inominal, a boca saliva, os lábios se molham, aprecio bastante, amo de
paixão as re-vel-idades da trouxice, ridiculice, sou imbecil e idiota, quando
as alegrias sensaboronas se manifestam todas, os sorrisos simples se esboçam
nos traços de expressão peculiares da face; se o im-previsto me pedisse para
colocar uma coleira, puxar-me, enquanto finjo latir, dar um tipo de coice com a
pata esquerda, fá-lo-ia com orgulho e agradecimento, os estados de êxtase todos
perpassando-me os interstícios, o coração quase saindo pela boca de tantas
alegrias, felicidades, o sangue quente correndo nas veias. Mas imporia uma condição: seria cachorrinho
de madame ou de Zé Mané, ambos são tão sensíveis e carinhosos, tão solícitos
com os instintos e pedigrees, tão amáveis com os pelos, rabos e orelhas, o
rabinho balançando nos instintos de cumprimento, de alegria e satisfação,
desfazendo aquele ridículo e imbecil dizer “... meu cachorro me sorriu
latindo...”, fosse solto após um dia,
todavia, de quando em vez, recebendo mordidas carinhosas na batata da perna,
iriam querer-me outras vezes, reivindicar-me a presença para mais algumas horas
de sentimentos de amizade, isento da solidão, desolação, sentimentos de
discriminação e preconceito, da ausência de rumos e destino na vida. Nada mais
divino que cachorro mandado.
O im-previsto im-provisado demora a aparecer de novo, se é que
outra vez aparece com as características e manifestações originais – digo eu:
se for intenção comprovar isso, é só sair do Coração de Minas e dar uma volta
nas Gerais, com efeito retornará ao Coração de Minas, o sentimento de quando
saíra não será o mesmo da chegada -, e sou imagens de todos os momentos
passados, lembrança terna, se muito sensíveis, verto lágrimas, e eu já me
esqueci das situações vividas, lembram-me os sentimentos, lembra-me o estado de
alma, alegria, vivida mesmo, outorguei o direito à im-provisação im-prevista de servir-se de mim, como
cachorrinho de madame ou Zé Mané, satisfazer prazeres e vaidades, saciar sedes
quotidianas, fomes seculares e milenares que sobrevivem em mim, apesar das travessias
todas das idéias e valores, das miríades de sensações e virtudes. Mas me
entrego com mais volúpia, se me pedir o paraíso celestial, marco entre-vista
com Deus no silêncio, e re-torno para ser o emissor, enviado para entregar em
mãos o paraíso, podem os homens se refestelarem à vontade, deitarem na rede
colocada, amarrada aos troncos de jabuticabeira e mangueira, palitando os
dentes, tudo fica por conta da divinidade divina, viverão por todo o sempre só
de prazeres até enfastiarem-se e pedirem por dores e sofrimentos, os homens
clamam e re-clamam por eles, são perfeitos néscios, sem deixarem de lembrar-se
de seu par eterno, absoluto, a preguiça e a nesciedade – quê par perfeito!
Nesciedade e preguiça! Aos néscios,
ainda os deuses outorgariam alguns ímpetos; dos preguiçosos, os deuses manteriam
distância, Zeus basta nisso.
A vida oblíqua? Bem sei que há um des-encontro entre as coisas,
elas quase se chocam, há des-encontro entre os seres que se perdem uns aos
outros entre palavras que não dizem mais nada, entre os vermes que se
entrelaçam livres e espontâneos, em todas as teias diante dos olhos e dos
narizes de múltiplas formas. Mas quase
nos entendemos, não que o quase para completar o absoluto tenha fracassado,
tenha se ausentado, nesse leve des-encontro, nesse quase que é a única forma de
suportar a vida em cheio, pois um encontro brusco face a face com ela, a vida,
me assustaria, espaventaria os meus delicados e generosos fios de teia de
aranha, que são as dúvidas dos sonhos, que são as inseguranças do verbo, que
são os medos nos pratos da balança do juízo por vir final. Sou de esguelha para
não compromissar as perspectivas de meus olhares, sou de soslaio para não
res-ponsabilizar os pincéis no desenho da imagem, sou de banda para não me
culpar das quimeras e sorrelfas que me tergi-versam dos medos e temores da
morte e do esquecimento.
No
silêncio das águas cristalinas,
Seguindo
as sendas silvestres,
Sinto a
profundeza com que em meu ser
A idéia
da irremediável permanência
Da
esperança aproxima a imagem do destino
Ao
sonho do espírito do verbo e sublime,
Da fé
comunga a perspectiva da sina e saga
Às
utopias da alma e das conjugações do “Ser”
Absoluto
e eterno.
A voz
sufocada dos momentos de solidão,
dos
instantes desérticos da desolação,
Como
uma dor que me ameaçasse o coração,
É a imagem
re-fletida na camada mais profunda
Dos
caminhos misteriosos da palavra que a-nuncia
As
sendas silvestres às margens de águas cristalinas,
As
águas cristalinas passando livres à imagem
Das
sendas silvestres.
Mergulho
em todas as palavras, penetro-lhes os
Sentidos,
ininteligíveis ou inconcebíveis,
Lívidos
ou transparentes,
Vivo
sentimentos outros, vivencio desejos outros,
Sinto
querências outras dentro de única esperança
- Viver
vida diferente -,
Ser
diferente à luz de águas cristalinas
- meu
olhar re-{s}-surge como um
Raio
vindo misteriosamente do sub-terrâneo do espírito
Trans-forma
perfeição
Em
pétalas de versos,
Torna
prosa a pureza da rosa.
No
limiar do agora
Que se
tem perdido para sempre,
Que se
perdeu no sempre do limiar
Que no
sempre perdeu o limiar,
Entre
os liames do nada e do ser,
Levado
pelo mais brando vento,
Pelo
mais inaudível sibilo entre serras,
Respiro
uma vida profunda,
Suspiro
esperanças e fé íntimos,
Re-velo
sentimentos delicados,
Exprimo
emoções di-versas, in-versas e re-versas,
Por
vezes avessas às manifestações do verbo,
Modelo-me
com a facilidade de uma máscara de cera:
Tudo o
que corresponde a signo interior, alegria ou tristeza,
Cólera,
Ou esse
poderoso hausto de vida que parece,
Às
vezes,
Inflamar-me
a alma sensível
Como
chama de puro entusiasmo,
Inocente
êxtase,
Ingênuo
prazer.
O
segredo da fascinação, do amor pelas águas cristalinas,
Essa
presença que vaga, que anda por entre o verbo e a carne,
Cuja
aparência é a passagem das sendas silvestres
À
cristalidade do ser e do sangue que percorre as veias
E que
cintila ao mesmo tempo.
Escrever ao correr da mão: só nalguns instantes, embora haja
tentado escrever a vida, os esforços foram em vão; trans-cende a inspiração,
trans-cende a ec-sistência, o importante mesmo é continuar a busca, com ela
outras dimensões se re-velam, são as veredas para a compreensão. Este é um
modo, afianço haver re-fletido a respeito, observei-me naqueles momentos de
inspiração, de não haver algum vazio no uni-verso da plen-itude, nada no horizonte
do múltiplo.
Como traduzir o silêncio do encontro real entre nós dois? Entre
dois seres que se des-cobrem? Dificílimo registrar o espírito do olhar: olhei
para você, em pé a quatro passos da mesa em que me encontrava, bebendo com
amigos. Tais momentos são meus segredos, mistérios, mergulhasse profundo neles,
quiçá houvesse estilo de escrever a vida. Houve o que chamo de comunhão
perfeita. Olhou-me fixamente, sentou-se ao meu lado. Chamo isso de êxtase de
felicidade: “Encontrei o grande amor de minha vida; a busca do verbo amar
verdadeiro começaria ali, naquele momento, a verdade das letras e da vida ao
seu lado seria o auto-presente pelos esforços, lutas contínuas. Estou lúcido e
pareço que alcanço um plano mais alto de humanidade, ou da desumanidade.”
Minha história é viver. Há
quem deseja escrever sua vida, uma autobiografia, re-velar-se por inteiro aos
leitores, ao mundo, a partir de suas memórias, através de seus retalhos e
pormenores reunidos, conhecer-se melhor, superar alguns problemas, suprassumir
alguns sofrimentos, resgatar alguns sonhos que não foram real-izados. Mas
escrever a vida, registrá-la na linha da página branca, meus talentos são mui
poucos, diria nenhum, se me não fosse assumir, pensar que os leitores vão dizer
com propriedade: “Se ele não tem talento, eu sou nada, no mundo. É muito
talentoso, inteligência incomum.” Agradeço cordialmente tais palavras, fosse
vaidoso ou orgulho, sentir-me-ia um deus, mas não, eis porque a verdade minha
que, aqui, registro, dons e talentos que me foram doados têm seus limites,
reconheço por ser consciente da vida e de minha missão no mundo.
Não tenho enredo de vida. Sou inopinadamente fragmentado. Sou aos
poucos. Tenho medo mais que neurótico do fracasso, frustração, isto porque
entendo que a vida seja busca e não entrega às dificuldades, problemas e
impotências. Já me senti fracassado na vida, fracassei, tendo andado sem rumos
e perspectivas por alguns anos consecutivos, arrastei-me pelas ruas e avenidas,
perdido, confuso, mas é de índole biológica, duas pessoas biológicas já
faleceram, fracassadas, outros seguem os mesmos passos, mas em mim, aos olhares
dos inimigos que se sentiam felizes e alegres, dos amigos e conhecidos que
sentiam pena e comiseração de minhas misérias, nas minhas íntimas pré-fundas, a
esperança de superação nunca se silenciou, lutei muito, dei minhas pernadas e
coices, superei os fracassos, a ojeriza do mesmo é mais neurótica que a do
fracasso. Que o fracasso me aniquile, quero a glória de levantar-me, dar a
volta por cima, seguir a jornada, e por isso dis-ponho-me a entregar a vida,
custando o que custar.
Minha fresca e suave vontade
é a tessitura mesma da vida. Se não a
quero em formas di-versas, procuro encontro, quem o sabe, é desencontro.
In-verso de minha poesia, re-verso de minha prosa, ad-verso dos meus versos, um
dia meu, outro dia... Não sei de quem... Muitas noites de alguém. Poucos
segundos de mim. A natureza dos seres e das coisas – é Deus? Não o sei dizer,
muito embora o sangue cristão que me corre nas veias diga-me de modo sincero,
sério que o novo homem será o deus-homem, o deus-homem será a salvação das
hipocrisias e farsas que habitam a natureza humana, que são os pecados e as
arbitrariedades da vida, como a escravidão fora pecado ao ser do homem.
Nas minhas noites de insônia, mesmo naquelas em que acordo altas
horas da manhã com uma idéia, inspiração, e, se não vou cuidar de escrever,
fico ensandecido, inquieto, angustiado, idéias e pensamentos se debatem nas
chamas da lareira. O que se chama de bela paisagem não me causa senão tédio, e
dos bravos, posso afiançar. Gosto, aprecio, amo de paixão, é das paisagens de
terra esturricada e seca, sertão puro e singular, com árvores contorcidas e
montanhas feitas de rocha e com uma luz alva e suspensa. Ali, sim, é que a
beleza está – é dela que tenho sede, mais que copos e copos com água para
saciá-la serão precisos, e não serão suficientes, deixarão o que desejar.
Pudesse registrar a vida, cuidaria com esmero, bastante
perspicácia, para não incorrer na sátira, humor negro, sarcasmo, que correm nas
veias, não vendo jamais um modo de amenizar-lhes, de dar-lhes um paliativo;
outra preocupação de cuidado e perspicácia seria a dubiedade, ambigüidade, jogo
de palavras, não há como superar-lhes ou suprassumir-lhes, estão inscritos no
íntimo desde a concepção, assim encontro o verso verdadeiro, a verdade que
busco em estado original e puro; trabalho eminentemente limpo, transparente.
Tenho ímpetos ardentes de modificar, não ser mais quem sou, ser outro
diferente. Não diria não haver tentado, fi-lo inúmeras vezes, adquiri outros
horizontes, multipliquei-me, não, o estilo não me é possível.
Creio que, lendo estas páginas, iria o leitor se assustar em
dizendo assim: re-velo tédio, insatisfação. Não é preciso sentir a dúvida
insofismável, tenho consciência disto. Inúmeras vezes defendi a unhas e dentes
a autenticidade, quem não a vive nas letras não pode se considerar homem de
letras. Ainda reafirmo esta posição, que procuro sempre seguir, um lema
insubstituível. Mas queria escrever a vida, não posso fazê-lo porque o estilo
de minhas letras não pode abarcar esta profundidade, em verdade, ninguém
conseguiu, a tentativa de encontro, a esperança dele continuará por todos os
séculos – sinto, por vezes, que isso de
letras jamais me colocará em mãos o que minha alma anseia, tem urgência de
atingir e alcançar, meu espírito deseja, fecharei a cortina da vida carente,
mesmo que alguém a abra para que sinta eu o brilho dos raios solares, a
esplend-idade do uni-verso e infinito, a angústia e tristeza serão as minhas
companheiras eternas, impossível abdicar-me delas, seria o mesmo de ab-dicar-me
de quem nasci para ser.
Não me sinto infeliz com esse limite: o estilo não re-vela a vida,
re-vela o homem em suas experiências, vivências contingentes e espirituais, há
sim estilo adequado à vida, mas ninguém inda o viveu. Sinto-me em busca de algo
impossível. Contudo, pude descobrir a sátira, a crônica satírica, os versos,
tudo isto, graças às buscas do estilo que revele a vida. Há muito a descobrir,
outros resultados ad-virão, outras conquistas hão-de ser, e não posso
re-clamar. Ser autêntico nas letras não é fácil, há centenas de milhares de
caminhos de fuga e de mentira, são anos e anos de entrega absoluta para sentir
que se está trilhando com dignidade e verdade os caminhos da busca espiritual e
sensível, poucos conseguem e se sentem real-izados.
Orgulho-me de sempre pressentir mudança de tempo – há coisa no ar
-, o corpo avisa que virá algo novo e eu me alvoroço todo, jamais me acostumei
ao calor, e sinto que é tempo de me agasalhar com malha quente e suave,
entregar-me às simplicidades do questionamento e das indagações. Sou tão
misterioso, que no meu mistério habita o inolvidável da vida, o indevassável
dos mistérios e enigmas, o ininteligível das idéias e das sensações, das
fantasias e dos instintos ávidos de performances. Nestas circunstâncias, a Vida
não se me re-vela, não posso escrevê-la, e ainda existe nas veias o sangue do
risível e engraçado, do humor. Aparentemente, nada tenho de singular, não me
preocuparia com isto, a aparência não me diz nada, o que lhe respeita não me
interessa. O nariz adunco me incomoda, não que me sinta feio ou coisa parecida,
gostaria que fosse aquilino. Só isto.
Viver a vida é mais um recordar-se dela do que
um viver direto, reto. A vida oblíqua é
íntima. Parece uma convalescença macia de algo que, no entanto, poderia haver
sido ininteligível. Convalescença de um prazer... de um prazer frívolo? Não sei
o que diga: creio de modo ímpio, e não me questionem os doutos dessa impiedade,
quero apenas enfatizar o modo, mas o termo melhor é frígido, comunga mais com a
idéia que venho desenvolvendo para expressar a minha ausência de talento para
escrever a vida. Só para iniciados, a quem ainda a pena não revelou seus
limites, vive nas nuvens do orgulho e da lisonja, das saltitâncias do sucesso e
dos rebolados da fama, a vida se torna fragilmente verdadeira. Será que não sei
mais do que estou falando, o que digo, perdi-me nos veios dos sentidos, agora é
escrever sem metas e diretrizes, sem propósitos e campos do caminho, deixar a
pena deslizar na linha sem eiras e beiras, ler quando terminar e intuir o que
provavelmente intuí, o que provavelmente quis significar. Quê hipocrisia
deslavada acabo de registrar! Terminado o escrito, jamais releio, a jornada das
letras continua o itinerário. Tudo se me escapou sem eu sentir. Escapou-me a
razão que direciona os interesses e razões, as intenções e propósitos.
Escapou-me a sensibilidade que mostra os sentimentos que me habitam do vivido e
do desejado viver. No rosto in-concreto do sonho, na face i-(r)-real da utopia,
varando o espaço da mente, sento-me na quina de um pensamento destemido,
ousado, noutra palavra mais condizente, valente. Aniquilo a transitória, mas
poderosa matéria, e detenho-me pena! Não é a mesma coisa sincera, séria,
descrever com sangue os sentimentos que escrevo com tinta, a alma que delineio
com a acuidade da caligrafia, o espírito que ins-piro além do bem e do mal,
além das intempestivas considerações do quotidiano e de suas sinuosidades da
verdade e da in-verdade.
Faltou-me a inspiração, faltou-me a intuição, faltou-me a percepção
para delinear o estilo e linguagem, para burilar as idéias latentes e
manifestas. Sei sim, sei do que estou falando: a pena, a partir do instante em
que registra, a palavra esboçada pela alma, sentida pelo espírito, sofrimentos
e dores, problemas e conflitos, não deixam certezas, deixam questionamentos os
mais profundos e perspicazes, responder-lhes dura toda a eternidade e algumas
miríades de séculos e milênios além – mas com muito cuidado porque senão por um
triz nada sei mais. Alimento-me delicadamente, finesse jamais havida na
história dos princípios e exceções, do cotidiano trivial e tomo café na cozinha
do segundo andar, ao lado de minha doce-companheira-e-amiga, de meu
amor-singular-e-único, de quem se entregou inteira para a minha felicidade,
real-ização de meus sonhos e utopias, e eu, amando-a e agradecendo-a, teço
essas linhas em sua homenagem, uma saudação de meu ser no limiar da aurora que
parece suave e tranqüila porque chovera a cântaros por toda a madrugada, porque
é doce e sensível ouvir a chuva caindo, os pingos dágua deslizarem no vidro da
janela, e os meus olhos deslizarem neles numa eterna nostalgia e melancolia,
numa imortal ambigüidade entre a realidade e os sonhos do ser, entre as
quimeras, ilusões, fantasias e os verbos do encontro e des-encontro.
Estou aflito, os olhos piscam continuamente, sem intervalo. Mudei o cinzeiro de lugar, da esquerda para a
direita, nos últimos instantes, várias vezes, acendi outro cigarro na guimba do
outro. Sou capaz de dizer “agora, é o fim”. Mais uma tentativa fracassada de
escrever a vida, de torná-la o absoluto do tempo. Mesmo para os descrentes, há
o instante do desespero que é divino: se tanto amor dentro de mim recebi, se
tantas letras pude traçar nestes anos felizes e realizados ao lado de minha
doce-companheira-e-esposa, e ainda continuo inquieto, é porque preciso re-velar
mais e mais este amor.
A voz cai no abismo
de teu silêncio,
as palavras elevam-se no deserto
de tuas necessidades de viver
o ser dos sonhos
e dos desejos.
Tu me lês,
em silêncio.
Nesse ilimitado campo de trevas,
o desejo de luzes ainda mais forte
para que a claridade
seja esplendorosa
aos nossos olhos,
então não apenas desdobrar
as asas e voar,
mas ser a Vida.
Vamos rasgar fronteiras,
atravessar rios e oceanos,
entrar nas amplidões,
nas multiplicidades um do outro,
e desfazer a solidão
de duas procuras,
de duas buscas,
de duas vontades e desejos.
Tenho uma vertigem. Sinal de baixa de pressão, resta-me tomar uma
xícara de café. Tenho um pouco de medo. Inteligível: pode ser a-núncio de
enfarto fulminante. A que levará minha liberdade? O que estou lhe escrevendo?
Isso me deixa solitário, circunspecto, não negaria o prazer latente porque sou
habitado, habita-me em toda a plen-itude da alma, sublim-idade do espírito: os
redutos da solidão, circunspecção são elixires inomináveis para a vida, não só
quando da criação, busca dos verbos, mas na práxis cotidiana. Regozijo-me,
louvo a Deus, agradeço aos céus amar mesmo, não é sonho fácil de ser
concretizado, a vida torna-se entrega por inteiro, mas a-nunciando-se ao longo
dos passos e traços, não há mais felicidade, as verdades são efêmeras, a busca
de novas imagens e panoramas de outros sonhos se faz contínua, as veredas do
amor são centenas de milhares, o prazer prolonga-se, perpetua-se.
Solidão e circunspecção. Elixir das perdas, sendas perdidas, elixir
das dúvidas e incertezas, se tomado como o espírito envia suas necessidades e
carências, outros verbos, outros amores.
Desculpem-me os leitores, não os consultei, se em verdade estou
sendo transparente com os sentimentos, idéias e sensações por que estou sendo
tomado, enquanto traço estas linhas; se estão compreendendo com nitidez,
dúvidas sobre isto ou aquilo devem haver, sem elas não haveria possibilidade
alguma de re-flexões, desejos de entendimento, e só em leituras sucessivas,
contínuas, poderão ser descobertas as respostas ou leitmotivs para outras tentativas;
a tessitura dessas linhas traçadas com a verdade das incertezas, com as dúvidas
e inseguranças das in-verdades, com a con-templação das inconstâncias, eivadas
de medos de não estar sendo sincero, quando mostro não ser possuidor de talento
para escrever a vida, em verdade fundamento o talento latente de flexibilidade
com as palavras, em minha mão deixam-se livres, deixam-se ser tocadas e
trans-formadas, não enxergo com nitidez a vida que desejo registrar está nas
entrelinhas esboçadas, são a-nunciações, ao longo das vivências se re-velarão
trans-cendentes e espirituais, serão compreendidas o que me habita os
in-terstícios do espírito. Ainda que não o faça na sua inteireza, plen-itude,
mas as imagens deixadas nos entre das idéias e pensamentos, linguagem e estilo,
serão inter-médios, pedras de toques do que é isto, a vida.
Os cristais tilintam e faíscam. O trigo está maduro: o pão é
repartido. Mas repartido com doçura? Sempre cri que harmonizar-me,
relacionar-me com o leitor, é entregar-lhe com carinho e desejos de encontro e
conquista o coração pleno de amores e verbos, isto é eivar os verbos de
espírito e “humusizar” o espírito da carne. É re-partir isso com os homens. É
importante isto saber. Não penso assim, como o diamante que risca o éter não
pensa. Brilho todo límpido. Não tenho fome nem sede: sou. Tenho dois olhos que
estão abertos. Para o nada. Para o teto. Para as estrelas que velam, solícitas
e solidárias, o ossuário da terra.
Quero um manto tecido com fios de ouro solar. O sol é a tensão mística do silêncio. Nas minhas viagens aos
mistérios, dúvidas, incertezas, ao inaudito, inolvidável, ouço as vozes
carnívoras, os sonhos verbais, que lamentam tempos imemoriais: e tenho
pesadelos indecentes, indecorosos, imorais sob ventos doentios, que oscilam,
tremem e tremelicam, que elevam as folhas e pétalas secas, fazem-nas pairar no
vazio, que fazem cair o verde, o viscoso, a vida delas, ao longo do deserto
seco. Sinto-me encantado, seduzido, arrebatado por vozes furtivas, efêmeras, na
realidade passageira, o eufemismo não está sendo chamado à vida, a verdade sonha o espiritual. As
letras quase ininteligíveis, os sentidos quase indescritíveis, as significações
– por que não digo os significantes também, não o sei – falam de como conceber,
inspirar e escrever sobre o elixir como se alimentasse as luzes de outras
querências. Atrás do ser – mais atrás ainda – está o teto que trans-cendia
através das idéias, pensamentos e sensações, e aí conquistei o desejo,
entregou-se ele a mim, que eu olhava com olhos de lince, com intenções de
serpente maligna, de cobra ferina. De repente, verto algumas lágrimas.
Aprofundei-me em mim e encontrei que eu quero a vida, e o sentido oculto,
resultado e conseqüência de minhas ausências e limites de escrever a vida, tem
uma intensidade que tem luz. É a luz secreta ou as trevas de passado remoto,
meu rito é purificador de imagens e de espírito, de forças sensíveis e
transcendentes.
Estou tão amplo, tão pleno. Sou coerente: meu cântico de vida e
verbos é profundo. Há melodia de amor e eu nada posso senão nascer, descobrir o
que é nascer e estar dis-ponível para a Vida em todas as suas dimensões. Tudo
atrás do ser, tudo atrás do pensamento e idéias, tudo atrás das intuições,
percepções, inspirações. Se tudo isso existe, então, eu sou, sou-me.
Não
conto os fatos de minha vida. Fatos são objetos, estes não me dizem quaisquer
respeito e considerações, em mim a subjetividade, em mim o subjetivo, eis as
minhas veredas; se não encontrarem a sim-patia do leitor, encontrará a sua
simpatia por buscar caminhos, distantes de minhas verdades.
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