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terça-feira, 24 de novembro de 2015

SILÊNCIO DE ÁGUAS PÓSTUMAS E CRISTALINAS Manoel Ferreira



O im-previsto improvisado me fascina. O improvisado im-previsto me extasia. A estesia im-prevista da im-provisação deixa-me aberto a outros sentimentos, idéias, questionamentos, deixa-me de asas abertas para outros vôos pelo in-finito das querências de amor, de paz, de serenidade, pelos horizontes das sensações do efêmero, fugaz, eterno, pelos uni-versos da alma que tece os seus sonhos de liberdade com os fios dos sofrimentos e dores, quando o dilúvio das volúpias me toma por inteiro, sinto-me sendo, ouço-me-sendo, re-festelo-me, re-costado à cadeira de balanço, dando asas ao espírito.
Dando asas ao espírito,
no vai-e-vem da cadeira de balanço,
abro valas em meus sentidos adormecidos,     
sem lembranças, sem re-cordações.
Procuro imagens ocultas
no orvalho pousante na relva
de meu destino,
na grama viçosa
e respingada de orvalho
de minhas esperanças, 
na neblina sobre as folhas e flores
de meus verbos
de busca e desejo.

Dando asas ao espírito,
traço uma estrada clara,
e sem desvios,
entrego-me como a flor à abelha
e a abelha à flor.

Na estrada clara
Que se me a-nuncia
Vislumbro o límpido desejo
De encontros de volúpias
Outras, que me elevem
Aos auspícios da via-láctea;

Dando asas ao espírito,
deixo minha alma
sedenta de conhecimentos
milenares e crepusculares,
esfomeada de prazeres
outros, de alegrias ad-jacentes
re-fletir construções,
e nos versos  deste poema
escrevo palavras
falando do silêncio
da criação. 

Se é um momento que me faz de trouxa, ridículo, pois que me entrego de modo inominal, a boca saliva, os lábios se molham, aprecio bastante, amo de paixão as re-vel-idades da trouxice, ridiculice, sou imbecil e idiota, quando as alegrias sensaboronas se manifestam todas, os sorrisos simples se esboçam nos traços de expressão peculiares da face; se o im-previsto me pedisse para colocar uma coleira, puxar-me, enquanto finjo latir, dar um tipo de coice com a pata esquerda, fá-lo-ia com orgulho e agradecimento, os estados de êxtase todos perpassando-me os interstícios, o coração quase saindo pela boca de tantas alegrias, felicidades, o sangue quente correndo nas veias.  Mas imporia uma condição: seria cachorrinho de madame ou de Zé Mané, ambos são tão sensíveis e carinhosos, tão solícitos com os instintos e pedigrees, tão amáveis com os pelos, rabos e orelhas, o rabinho balançando nos instintos de cumprimento, de alegria e satisfação, desfazendo aquele ridículo e imbecil dizer “... meu cachorro me sorriu latindo...”,  fosse solto após um dia, todavia, de quando em vez, recebendo mordidas carinhosas na batata da perna, iriam querer-me outras vezes, reivindicar-me a presença para mais algumas horas de sentimentos de amizade, isento da solidão, desolação, sentimentos de discriminação e preconceito, da ausência de rumos e destino na vida. Nada mais divino que cachorro mandado.
O im-previsto im-provisado demora a aparecer de novo, se é que outra vez aparece com as características e manifestações originais – digo eu: se for intenção comprovar isso, é só sair do Coração de Minas e dar uma volta nas Gerais, com efeito retornará ao Coração de Minas, o sentimento de quando saíra não será o mesmo da chegada -, e sou imagens de todos os momentos passados, lembrança terna, se muito sensíveis, verto lágrimas, e eu já me esqueci das situações vividas, lembram-me os sentimentos, lembra-me o estado de alma, alegria, vivida mesmo, outorguei o direito à im-provisação  im-prevista de servir-se de mim, como cachorrinho de madame ou Zé Mané, satisfazer prazeres e vaidades, saciar sedes quotidianas, fomes seculares e milenares que sobrevivem em mim, apesar das travessias todas das idéias e valores, das miríades de sensações e virtudes. Mas me entrego com mais volúpia, se me pedir o paraíso celestial, marco entre-vista com Deus no silêncio, e re-torno para ser o emissor, enviado para entregar em mãos o paraíso, podem os homens se refestelarem à vontade, deitarem na rede colocada, amarrada aos troncos de jabuticabeira e mangueira, palitando os dentes, tudo fica por conta da divinidade divina, viverão por todo o sempre só de prazeres até enfastiarem-se e pedirem por dores e sofrimentos, os homens clamam e re-clamam por eles, são perfeitos néscios, sem deixarem de lembrar-se de seu par eterno, absoluto, a preguiça e a nesciedade – quê par perfeito! Nesciedade e preguiça!  Aos néscios, ainda os deuses outorgariam alguns ímpetos; dos preguiçosos, os deuses manteriam distância, Zeus basta nisso.
A vida oblíqua? Bem sei que há um des-encontro entre as coisas, elas quase se chocam, há des-encontro entre os seres que se perdem uns aos outros entre palavras que não dizem mais nada, entre os vermes que se entrelaçam livres e espontâneos, em todas as teias diante dos olhos e dos narizes de múltiplas formas.  Mas quase nos entendemos, não que o quase para completar o absoluto tenha fracassado, tenha se ausentado, nesse leve des-encontro, nesse quase que é a única forma de suportar a vida em cheio, pois um encontro brusco face a face com ela, a vida, me assustaria, espaventaria os meus delicados e generosos fios de teia de aranha, que são as dúvidas dos sonhos, que são as inseguranças do verbo, que são os medos nos pratos da balança do juízo por vir final. Sou de esguelha para não compromissar as perspectivas de meus olhares, sou de soslaio para não res-ponsabilizar os pincéis no desenho da imagem, sou de banda para não me culpar das quimeras e sorrelfas que me tergi-versam dos medos e temores da morte e do esquecimento.  
No silêncio das águas cristalinas,
Seguindo as sendas silvestres,
Sinto a profundeza com que em meu ser
A idéia da irremediável permanência
Da esperança aproxima a imagem do destino
Ao sonho do espírito do verbo e sublime,
Da fé comunga a perspectiva da sina e saga
Às utopias da alma e das conjugações do “Ser”
Absoluto e eterno.

A voz sufocada dos momentos de solidão,
dos instantes desérticos da desolação,
Como uma dor que me ameaçasse o coração,
É a imagem re-fletida na camada mais profunda
Dos caminhos misteriosos da palavra que a-nuncia
As sendas silvestres às margens de águas cristalinas,
As águas cristalinas passando livres à imagem
Das sendas silvestres.

Mergulho em todas as palavras, penetro-lhes os
Sentidos, ininteligíveis ou inconcebíveis,
Lívidos ou transparentes,
Vivo sentimentos outros, vivencio desejos outros,
Sinto querências outras dentro de única esperança
- Viver vida diferente -,
Ser diferente à luz de águas cristalinas
- meu olhar re-{s}-surge como um
Raio vindo misteriosamente do sub-terrâneo do espírito
Trans-forma perfeição
Em pétalas de versos,
Torna prosa a pureza da rosa.

No limiar do agora
Que se tem perdido para sempre,
Que se perdeu no sempre do limiar
Que no sempre perdeu o limiar,
Entre os liames do nada e do ser,
Levado pelo mais brando vento,
Pelo mais inaudível sibilo entre serras,
Respiro uma vida profunda,
Suspiro esperanças e fé íntimos,
Re-velo sentimentos delicados,
Exprimo emoções di-versas, in-versas e re-versas,
Por vezes avessas às manifestações do verbo,
Modelo-me com a facilidade de uma máscara de cera:
Tudo o que corresponde a signo interior, alegria ou tristeza,
Cólera,
Ou esse poderoso hausto de vida que parece,
Às vezes,
Inflamar-me a alma sensível
Como chama de puro entusiasmo,
Inocente êxtase,
Ingênuo prazer.

O segredo da fascinação, do amor pelas águas cristalinas,
Essa presença que vaga, que anda por entre o verbo e a carne,
Cuja aparência é a passagem das sendas silvestres
À cristalidade do ser e do sangue que percorre as veias
E que cintila ao mesmo tempo.

Escrever ao correr da mão: só nalguns instantes, embora haja tentado escrever a vida, os esforços foram em vão; trans-cende a inspiração, trans-cende a ec-sistência, o importante mesmo é continuar a busca, com ela outras dimensões se re-velam, são as veredas para a compreensão. Este é um modo, afianço haver re-fletido a respeito, observei-me naqueles momentos de inspiração, de não haver algum vazio no uni-verso da plen-itude, nada no horizonte do múltiplo. 
Como traduzir o silêncio do encontro real entre nós dois? Entre dois seres que se des-cobrem? Dificílimo registrar o espírito do olhar: olhei para você, em pé a quatro passos da mesa em que me encontrava, bebendo com amigos. Tais momentos são meus segredos, mistérios, mergulhasse profundo neles, quiçá houvesse estilo de escrever a vida. Houve o que chamo de comunhão perfeita. Olhou-me fixamente, sentou-se ao meu lado. Chamo isso de êxtase de felicidade: “Encontrei o grande amor de minha vida; a busca do verbo amar verdadeiro começaria ali, naquele momento, a verdade das letras e da vida ao seu lado seria o auto-presente pelos esforços, lutas contínuas. Estou lúcido e pareço que alcanço um plano mais alto de humanidade, ou da desumanidade.”
 Minha história é viver. Há quem deseja escrever sua vida, uma autobiografia, re-velar-se por inteiro aos leitores, ao mundo, a partir de suas memórias, através de seus retalhos e pormenores reunidos, conhecer-se melhor, superar alguns problemas, suprassumir alguns sofrimentos, resgatar alguns sonhos que não foram real-izados. Mas escrever a vida, registrá-la na linha da página branca, meus talentos são mui poucos, diria nenhum, se me não fosse assumir, pensar que os leitores vão dizer com propriedade: “Se ele não tem talento, eu sou nada, no mundo. É muito talentoso, inteligência incomum.” Agradeço cordialmente tais palavras, fosse vaidoso ou orgulho, sentir-me-ia um deus, mas não, eis porque a verdade minha que, aqui, registro, dons e talentos que me foram doados têm seus limites, reconheço por ser consciente da vida e de minha missão no mundo. 
Não tenho enredo de vida. Sou inopinadamente fragmentado. Sou aos poucos. Tenho medo mais que neurótico do fracasso, frustração, isto porque entendo que a vida seja busca e não entrega às dificuldades, problemas e impotências. Já me senti fracassado na vida, fracassei, tendo andado sem rumos e perspectivas por alguns anos consecutivos, arrastei-me pelas ruas e avenidas, perdido, confuso, mas é de índole biológica, duas pessoas biológicas já faleceram, fracassadas, outros seguem os mesmos passos, mas em mim, aos olhares dos inimigos que se sentiam felizes e alegres, dos amigos e conhecidos que sentiam pena e comiseração de minhas misérias, nas minhas íntimas pré-fundas, a esperança de superação nunca se silenciou, lutei muito, dei minhas pernadas e coices, superei os fracassos, a ojeriza do mesmo é mais neurótica que a do fracasso. Que o fracasso me aniquile, quero a glória de levantar-me, dar a volta por cima, seguir a jornada, e por isso dis-ponho-me a entregar a vida, custando o que custar. 
 Minha fresca e suave vontade é a tessitura mesma da vida.  Se não a quero em formas di-versas, procuro encontro, quem o sabe, é desencontro. In-verso de minha poesia, re-verso de minha prosa, ad-verso dos meus versos, um dia meu, outro dia... Não sei de quem... Muitas noites de alguém. Poucos segundos de mim. A natureza dos seres e das coisas – é Deus? Não o sei dizer, muito embora o sangue cristão que me corre nas veias diga-me de modo sincero, sério que o novo homem será o deus-homem, o deus-homem será a salvação das hipocrisias e farsas que habitam a natureza humana, que são os pecados e as arbitrariedades da vida, como a escravidão fora pecado ao ser do homem.
Nas minhas noites de insônia, mesmo naquelas em que acordo altas horas da manhã com uma idéia, inspiração, e, se não vou cuidar de escrever, fico ensandecido, inquieto, angustiado, idéias e pensamentos se debatem nas chamas da lareira. O que se chama de bela paisagem não me causa senão tédio, e dos bravos, posso afiançar. Gosto, aprecio, amo de paixão, é das paisagens de terra esturricada e seca, sertão puro e singular, com árvores contorcidas e montanhas feitas de rocha e com uma luz alva e suspensa. Ali, sim, é que a beleza está – é dela que tenho sede, mais que copos e copos com água para saciá-la serão precisos, e não serão suficientes, deixarão o que desejar. 
Pudesse registrar a vida, cuidaria com esmero, bastante perspicácia, para não incorrer na sátira, humor negro, sarcasmo, que correm nas veias, não vendo jamais um modo de amenizar-lhes, de dar-lhes um paliativo; outra preocupação de cuidado e perspicácia seria a dubiedade, ambigüidade, jogo de palavras, não há como superar-lhes ou suprassumir-lhes, estão inscritos no íntimo desde a concepção, assim encontro o verso verdadeiro, a verdade que busco em estado original e puro; trabalho eminentemente limpo, transparente. Tenho ímpetos ardentes de modificar, não ser mais quem sou, ser outro diferente. Não diria não haver tentado, fi-lo inúmeras vezes, adquiri outros horizontes, multipliquei-me, não, o estilo não me é possível.  
Creio que, lendo estas páginas, iria o leitor se assustar em dizendo assim: re-velo tédio, insatisfação. Não é preciso sentir a dúvida insofismável, tenho consciência disto. Inúmeras vezes defendi a unhas e dentes a autenticidade, quem não a vive nas letras não pode se considerar homem de letras. Ainda reafirmo esta posição, que procuro sempre seguir, um lema insubstituível. Mas queria escrever a vida, não posso fazê-lo porque o estilo de minhas letras não pode abarcar esta profundidade, em verdade, ninguém conseguiu, a tentativa de encontro, a esperança dele continuará por todos os séculos  – sinto, por vezes, que isso de letras jamais me colocará em mãos o que minha alma anseia, tem urgência de atingir e alcançar, meu espírito deseja, fecharei a cortina da vida carente, mesmo que alguém a abra para que sinta eu o brilho dos raios solares, a esplend-idade do uni-verso e infinito, a angústia e tristeza serão as minhas companheiras eternas, impossível abdicar-me delas, seria o mesmo de ab-dicar-me de quem nasci para ser. 
Não me sinto infeliz com esse limite: o estilo não re-vela a vida, re-vela o homem em suas experiências, vivências contingentes e espirituais, há sim estilo adequado à vida, mas ninguém inda o viveu. Sinto-me em busca de algo impossível. Contudo, pude descobrir a sátira, a crônica satírica, os versos, tudo isto, graças às buscas do estilo que revele a vida. Há muito a descobrir, outros resultados ad-virão, outras conquistas hão-de ser, e não posso re-clamar. Ser autêntico nas letras não é fácil, há centenas de milhares de caminhos de fuga e de mentira, são anos e anos de entrega absoluta para sentir que se está trilhando com dignidade e verdade os caminhos da busca espiritual e sensível, poucos conseguem e se sentem real-izados.
Orgulho-me de sempre pressentir mudança de tempo – há coisa no ar -, o corpo avisa que virá algo novo e eu me alvoroço todo, jamais me acostumei ao calor, e sinto que é tempo de me agasalhar com malha quente e suave, entregar-me às simplicidades do questionamento e das indagações. Sou tão misterioso, que no meu mistério habita o inolvidável da vida, o indevassável dos mistérios e enigmas, o ininteligível das idéias e das sensações, das fantasias e dos instintos ávidos de performances. Nestas circunstâncias, a Vida não se me re-vela, não posso escrevê-la, e ainda existe nas veias o sangue do risível e engraçado, do humor. Aparentemente, nada tenho de singular, não me preocuparia com isto, a aparência não me diz nada, o que lhe respeita não me interessa. O nariz adunco me incomoda, não que me sinta feio ou coisa parecida, gostaria que fosse aquilino. Só isto.  
Viver a vida é mais um recordar-se dela do que um viver direto, reto. A vida oblíqua é íntima. Parece uma convalescença macia de algo que, no entanto, poderia haver sido ininteligível. Convalescença de um prazer... de um prazer frívolo? Não sei o que diga: creio de modo ímpio, e não me questionem os doutos dessa impiedade, quero apenas enfatizar o modo, mas o termo melhor é frígido, comunga mais com a idéia que venho desenvolvendo para expressar a minha ausência de talento para escrever a vida. Só para iniciados, a quem ainda a pena não revelou seus limites, vive nas nuvens do orgulho e da lisonja, das saltitâncias do sucesso e dos rebolados da fama, a vida se torna fragilmente verdadeira. Será que não sei mais do que estou falando, o que digo, perdi-me nos veios dos sentidos, agora é escrever sem metas e diretrizes, sem propósitos e campos do caminho, deixar a pena deslizar na linha sem eiras e beiras, ler quando terminar e intuir o que provavelmente intuí, o que provavelmente quis significar. Quê hipocrisia deslavada acabo de registrar! Terminado o escrito, jamais releio, a jornada das letras continua o itinerário. Tudo se me escapou sem eu sentir. Escapou-me a razão que direciona os interesses e razões, as intenções e propósitos. Escapou-me a sensibilidade que mostra os sentimentos que me habitam do vivido e do desejado viver. No rosto in-concreto do sonho, na face i-(r)-real da utopia, varando o espaço da mente, sento-me na quina de um pensamento destemido, ousado, noutra palavra mais condizente, valente. Aniquilo a transitória, mas poderosa matéria, e detenho-me pena! Não é a mesma coisa sincera, séria, descrever com sangue os sentimentos que escrevo com tinta, a alma que delineio com a acuidade da caligrafia, o espírito que ins-piro além do bem e do mal, além das intempestivas considerações do quotidiano e de suas sinuosidades da verdade e da in-verdade.    
Faltou-me a inspiração, faltou-me a intuição, faltou-me a percepção para delinear o estilo e linguagem, para burilar as idéias latentes e manifestas. Sei sim, sei do que estou falando: a pena, a partir do instante em que registra, a palavra esboçada pela alma, sentida pelo espírito, sofrimentos e dores, problemas e conflitos, não deixam certezas, deixam questionamentos os mais profundos e perspicazes, responder-lhes dura toda a eternidade e algumas miríades de séculos e milênios além – mas com muito cuidado porque senão por um triz nada sei mais. Alimento-me delicadamente, finesse jamais havida na história dos princípios e exceções, do cotidiano trivial e tomo café na cozinha do segundo andar, ao lado de minha doce-companheira-e-amiga, de meu amor-singular-e-único, de quem se entregou inteira para a minha felicidade, real-ização de meus sonhos e utopias, e eu, amando-a e agradecendo-a, teço essas linhas em sua homenagem, uma saudação de meu ser no limiar da aurora que parece suave e tranqüila porque chovera a cântaros por toda a madrugada, porque é doce e sensível ouvir a chuva caindo, os pingos dágua deslizarem no vidro da janela, e os meus olhos deslizarem neles numa eterna nostalgia e melancolia, numa imortal ambigüidade entre a realidade e os sonhos do ser, entre as quimeras, ilusões, fantasias e os verbos do encontro e des-encontro. 
Estou aflito, os olhos piscam continuamente, sem intervalo.  Mudei o cinzeiro de lugar, da esquerda para a direita, nos últimos instantes, várias vezes, acendi outro cigarro na guimba do outro. Sou capaz de dizer “agora, é o fim”. Mais uma tentativa fracassada de escrever a vida, de torná-la o absoluto do tempo. Mesmo para os descrentes, há o instante do desespero que é divino: se tanto amor dentro de mim recebi, se tantas letras pude traçar nestes anos felizes e realizados ao lado de minha doce-companheira-e-esposa, e ainda continuo inquieto, é porque preciso re-velar mais e mais este amor.
A voz cai no abismo
de teu silêncio,
as palavras elevam-se no deserto
de tuas necessidades de viver
o ser dos sonhos
e dos desejos.

Tu me lês,
em silêncio.
Nesse ilimitado campo de trevas,
o desejo de luzes ainda mais forte
para que a claridade
seja esplendorosa
aos nossos olhos,
então não apenas desdobrar
as asas e voar,
mas ser a Vida.

Vamos rasgar fronteiras,
atravessar rios e oceanos,
entrar nas amplidões,
nas multiplicidades um do outro,
e desfazer a solidão
de duas procuras,
de duas buscas,
de duas vontades e desejos.

Tenho uma vertigem. Sinal de baixa de pressão, resta-me tomar uma xícara de café. Tenho um pouco de medo. Inteligível: pode ser a-núncio de enfarto fulminante. A que levará minha liberdade? O que estou lhe escrevendo? Isso me deixa solitário, circunspecto, não negaria o prazer latente porque sou habitado, habita-me em toda a plen-itude da alma, sublim-idade do espírito: os redutos da solidão, circunspecção são elixires inomináveis para a vida, não só quando da criação, busca dos verbos, mas na práxis cotidiana. Regozijo-me, louvo a Deus, agradeço aos céus amar mesmo, não é sonho fácil de ser concretizado, a vida torna-se entrega por inteiro, mas a-nunciando-se ao longo dos passos e traços, não há mais felicidade, as verdades são efêmeras, a busca de novas imagens e panoramas de outros sonhos se faz contínua, as veredas do amor são centenas de milhares, o prazer prolonga-se, perpetua-se.
Solidão e circunspecção. Elixir das perdas, sendas perdidas, elixir das dúvidas e incertezas, se tomado como o espírito envia suas necessidades e carências, outros verbos, outros amores.
Desculpem-me os leitores, não os consultei, se em verdade estou sendo transparente com os sentimentos, idéias e sensações por que estou sendo tomado, enquanto traço estas linhas; se estão compreendendo com nitidez, dúvidas sobre isto ou aquilo devem haver, sem elas não haveria possibilidade alguma de re-flexões, desejos de entendimento, e só em leituras sucessivas, contínuas, poderão ser descobertas as respostas ou leitmotivs para outras tentativas; a tessitura dessas linhas traçadas com a verdade das incertezas, com as dúvidas e inseguranças das in-verdades, com a con-templação das inconstâncias, eivadas de medos de não estar sendo sincero, quando mostro não ser possuidor de talento para escrever a vida, em verdade fundamento o talento latente de flexibilidade com as palavras, em minha mão deixam-se livres, deixam-se ser tocadas e trans-formadas, não enxergo com nitidez a vida que desejo registrar está nas entrelinhas esboçadas, são a-nunciações, ao longo das vivências se re-velarão trans-cendentes e espirituais, serão compreendidas o que me habita os in-terstícios do espírito. Ainda que não o faça na sua inteireza, plen-itude, mas as imagens deixadas nos entre das idéias e pensamentos, linguagem e estilo, serão inter-médios, pedras de toques do que é isto, a vida.
Os cristais tilintam e faíscam. O trigo está maduro: o pão é repartido. Mas repartido com doçura? Sempre cri que harmonizar-me, relacionar-me com o leitor, é entregar-lhe com carinho e desejos de encontro e conquista o coração pleno de amores e verbos, isto é eivar os verbos de espírito e “humusizar” o espírito da carne. É re-partir isso com os homens. É importante isto saber. Não penso assim, como o diamante que risca o éter não pensa. Brilho todo límpido. Não tenho fome nem sede: sou. Tenho dois olhos que estão abertos. Para o nada. Para o teto. Para as estrelas que velam, solícitas e solidárias, o ossuário da terra.
Quero um manto tecido com fios de ouro solar. O sol é a tensão mística do silêncio. Nas minhas viagens aos mistérios, dúvidas, incertezas, ao inaudito, inolvidável, ouço as vozes carnívoras, os sonhos verbais, que lamentam tempos imemoriais: e tenho pesadelos indecentes, indecorosos, imorais sob ventos doentios, que oscilam, tremem e tremelicam, que elevam as folhas e pétalas secas, fazem-nas pairar no vazio, que fazem cair o verde, o viscoso, a vida delas, ao longo do deserto seco. Sinto-me encantado, seduzido, arrebatado por vozes furtivas, efêmeras, na realidade passageira, o eufemismo não está sendo chamado à vida, a verdade sonha o espiritual. As letras quase ininteligíveis, os sentidos quase indescritíveis, as significações – por que não digo os significantes também, não o sei – falam de como conceber, inspirar e escrever sobre o elixir como se alimentasse as luzes de outras querências. Atrás do ser – mais atrás ainda – está o teto que trans-cendia através das idéias, pensamentos e sensações, e aí conquistei o desejo, entregou-se ele a mim, que eu olhava com olhos de lince, com intenções de serpente maligna, de cobra ferina. De repente, verto algumas lágrimas. Aprofundei-me em mim e encontrei que eu quero a vida, e o sentido oculto, resultado e conseqüência de minhas ausências e limites de escrever a vida, tem uma intensidade que tem luz. É a luz secreta ou as trevas de passado remoto, meu rito é purificador de imagens e de espírito, de forças sensíveis e transcendentes.
Estou tão amplo, tão pleno. Sou coerente: meu cântico de vida e verbos é profundo. Há melodia de amor e eu nada posso senão nascer, descobrir o que é nascer e estar dis-ponível para a Vida em todas as suas dimensões. Tudo atrás do ser, tudo atrás do pensamento e idéias, tudo atrás das intuições, percepções, inspirações. Se tudo isso existe, então, eu sou, sou-me.

Não conto os fatos de minha vida. Fatos são objetos, estes não me dizem quaisquer respeito e considerações, em mim a subjetividade, em mim o subjetivo, eis as minhas veredas; se não encontrarem a sim-patia do leitor, encontrará a sua simpatia por buscar caminhos, distantes de minhas verdades. 

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