Vós me ouvis, Senhor?
Sofro de modo atroz,
Encarcerado em mim mesmo,
Prisioneiro de mim mesmo,
Só ouço a minha voz,
Só enxergo a mim próprio,
Só penso em minhas dores e angústias
Só consigo enxergar miríades de lembranças
Que não se encaixam, e fico pensando que são
criações ridículas.
Não é ridículo, Senhor,
Outrora pensar e sentir estranho
Os indivíduos que só sabem olhar para o próprio
umbigo
Chegar a criticar os homens de letras
Que não incentivavam as manifestações artísticas
Dos novos e inédito,
E, hoje, estar sentindo justamente isto
Olho o meu próprio umbigo.
Sofrimentos e amarguras
São as sinfonias das tristezas e desolações
Operas dos medos e hesitações
E, por detrás de mim, só o sofrimento existe.
Vós me escutais, Senhor?
Lençóis subterrâneos de água cristalina,
Cascatas e lagos surgiram,
Surgiram para, enfim, a seiva de vida se escoasse
Então
A fim de fortalecer o solo árido e trincado pela
luz
Forte e presente do sol
Para a criatura se sentir possuidora das matas e
dos vales,
E a natureza ali o amor repassasse.
Libertai-me de meu corpo; ele é pura fome, pura
sede, e tudo o que ele toca com seus grandes olhos incontáveis, com suas mil
mãos estendidas, crispadas, é sempre para se apossar e tentar acalmar seu
apetite insaciável.
Vós me ouvis, Senhor?
Libertai-me do meu espírito: está cheio de si
mesmo, de suas idéias, de seus julgamentos, da saudade de minha querida e amada
Sofia – nem sabe dialogar, pois nenhuma outra palavra o atinge senão suas
próprias palavras.
Se o amanhã não vier, Senhor, vou com certeza
arrepender-me pelo resto de minha vida de não ter gasto tempo extra num
sorriso, num abraço, num beijo. Se o amanhã jamais chegar, Senhor, não terei
que me arrepender pelo dia de hoje. O passado não volta, e o futuro talvez não
chegue.
Livrai-me do medo de passos à frente, de olhares ao
horizonte longínquo e próximo, de desejos de nas sendas da eternidade
contemplar as esperanças de jardins floridos, de caminhos do campo. Livrai-me,
Senhor, dos temores de amanhã, de nada vislumbrar senão as trevas, as alamedas
sem luz.
Teria enorme felicidade, alegria, prazer, e uma
exultante satisfação, se Vós, Senhor, me concedêsseis nestes últimos anos que
me restam para viver sobre a terra, o direito de poder escolher fatos que me
comovessem, que viessem me acontecer e atender os meus desejos, sobretudo
aqueles que ultimamente dominam a minha mente, e que faz surgir grande
voluptuosidade no meu coração.
Caminhei por muitas estradas desconhecidas, de
terra e poeira, de pedras e buracos, em busca da verdade, mas em tudo via a
hipocrisia; sentia que jamais poderia existir a perfeição. Todavia é através da
imperfeição que se contempla, vislumbra-se a perfeição.
Deixo que a luz brilhe em meu rosto, deixo que a
vida seja a luz dos meus olhos, mas esteja sempre sonhando que exista: a paz,
alegria, amor, compreensão e muito carinho para a humanidade. Aí está o
mistério do sol. Ninguém pode brilhar tanto e receber tanta luz,, já nos basta
a luz da vida que é tanta, em sua essência.
Vós me compreendeis, Senhor?
Dizem as palavras da Bíblia
Que o Espírito de Deus pairava sobre as águas.
Na gênese da criação.
Se acredito nisso, Senhor?
Não tenho o direito de ter qualquer dúvida
Contudo, pergunto-me se o Espírito de Deus
Pairava sobre as águas cristalinas.
Se sobre elas, acredito, que era uma fonte de vida
que jorrava,
Que o Senhor gerava em profusão
E o Amor Divino, em suas fráguas
- Desculpe-me, Senhor, esta rima ridícula
Águas com fráguas; só um espírito medíocre
Assim seria capaz de proceder nas letras.
Quem sabe?!... Ir mais longe ainda,
Naquele passo de bicho-preguiça,
Tendo acabado de se alimentar,
Dizer que só mesmo a angústia pode
Ocasionar estes efeitos,
Enfim é preciso correr léguas dela,
E só a imaginação fértil
Poderia explicar
Isto de rimar “águas com fráguas”.
Sozinho, me aborreço, Senhor
Canso-me,
Detesto-me,
Enojo-me a mim mesmo.
Há um vestígio musical
Na sua ausência, Sofia:
Algo que é sigilo e ressonância,
Sintonia de cristais
Sílabas de sim no
Silêncio do som e do aqui.
Há quanto tempo me reviro em minha mísera pele como
num leito de doente do qual quisera escapar,
Tudo se me afigura mesquinho e feio, sem luz,
É que nada posso ver que não seja através de mim
próprio.
Tudo à minha volta está deserto,
Incerto,
É que não posso dar um passo sem pensar
Não chegarei a lugar algum.
Não sei admitir como e quando me sentirei ausente
deste estado mórbido de desalento, que vem progredindo com intensidade,
agravando de maneira veemente o meu sentimento espiritual. Vem caminhando a
passos largos em direção a uma austeridade que a todo momento me esforço e
sinto urgência de conter essa situação que continua a assustar-me: a
ambigüidade, a múltipla significação de advertência atentando-me para que eu
veja pela frente a autenticidade do ocorrido e não a contemplar uma semelhança
que estou refletindo ser a verdadeira.
Sinto-me prestes a odiar os homens e o mundo
inteiro, por despeito, já que os não posso acusar. Onde quer que se encontre o
grito da caridade e do amor, deve existir o grito do amor ao próximo, porque só
então existirão menos miséria e menos miseráveis seres humanos.
Quisera sair,
Quisera andar sem rumo, sem destino, sem eiras e
beiras
Correr para um outro lugar diferente desse.
Sei que existe a ALEGRIA: vi-a cantar em alguns
rostos.
Sei que rebrilha a LUZ: vi-a iluminar certos
olhares,
Certos caminhos por onde passavam os homens.
Sei que encanta a FELICIDADE: senti-a no olhar
De uma pobre menina que cantava “lá-lá”
Para a bonequinha adormecer
Num dia de Natal chuvoso e ensimesmado.
Seu peito era todo emoção e sentimentos puros
A futura mamãe se re-velava nos toques carinhosos
De suas mãos pequenas.
Mas, Senhor, não consigo libertar-me, gosto de
minha prisão, ao mesmo tempo que a odeio.
Pois sou eu, minha prisão.
E me amo,
Amo-me, Senhor, e tenho náuseas de mim.
Nem encontro, Senhor, a porta de mim mesmo.
Arrasto-me às apalpadelas, às cegas,
Esbarro em minhas próprias paredes, em meus
próprios limites,
Medos, temores, ilusões e quimeras.
Firo-me,
Sinto dores,
Sinto dores demais – e ninguém sabe,
Porque ninguém jamais entrou dentro de mim.
Estou só. Sozinho.
Senhor, Senhor, Vós me escutais?
Senhor, mostrai-me a minha porta; tomai-me a mão,
Abri,
Apontai-me o Caminho.
A estrada da ALEGRIA, o sendeiro da LUZ,
... Mas...
Mas, Senhor, Vós me escutais?
Manoel Ferreira Neto.
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