Chuva
é re-presentação, metáfora, símbolo, signo de melancolia, nostalgia, tristeza;
é quando o homem mergulha nas miríades de sentimentos, emoções, mergulha nas
suas sendas perdidas, nos seus sonhos e esperanças em busca de libertação;
deseja os pingos de água, caindo-lhe no íntimo, neste instante de reflexão e
meditação, lave-lhe, limpe-o, revelando-lhe a alvura do espírito sempre sedento
de paz, harmonia, sintonia e sincronia com a vida e o transcendente, a sua
íntima relação com Deus, com o espírito da natureza.
Na
voz da poetisa Marize Lemos Silva, neste poema Divina
magia das serras
[1], a
chuva é re-presentação, metáfora, signo de agradecimento a Deus pelas
real-izações, alegrias, amor vivido, vivenciado no íntimo; é instante de
orações, re-flexões a respeito do sentido e significado da Vida.
Na
chuva, o Ser se ilumina e resplandece ao instaurar a totalidade do real. A
poesia dos pingos da chuva re-nova “a roupagem” da natureza, “o cheiro”
inebriante “da terra molhada” que despertam o homem para a beleza, estesia das
coisas do mundo contingente, é quando o homem sente profunda a Vida, sente
estar vivendo e sempre desejando a felicidade – como, aliás, a poetisa Marize
Lemos Silva termina este poema, EU VIVO, que é in-ovação, re-novação no tema da
chuva, desfazendo a melancolia, nostalgia, tristeza, revelando o Ser do homem,
o para quê fora criado com a missão da felicidade, desfrutar alegrias e
satisfações, sonhos e utopias os mais essenciais e belos.
Com
a chuva de Deus, o ser da poetisa se apreende como “presença”, e se compreende
no tempo presente, o “barulho que a chuva faz nas pedras redondas” – enfatizado
pelas pedras que “sustentam e energizam a paisagem”. O tempo verbal, o
presente, a chuva caindo, na terceira pessoa do plural, “sustentam”,
“energizam”, utilizado no modo indicativo, permite à poetisa maior amplitude de
“presença”, a “presença” se faz no plural, o “eu” e o “tu”, o homem e a chuva.
Diamantina
é cercada de serras, parece aos seus habitantes que está de todo distanciada do
mundo, sem qualquer comunicação com o exterior; olhando, vê-se apenas as
serras, o horizonte, infinito distantes. No poema, a serra é o lugar onde o
homem vive, e a sua liberdade são os sonhos, é o futuro, antecipação de
fartura, beleza, alegria, paz. A serra não é obstáculo para o encontro dos
homens, da humanidade, uma vez que o Ser só se re-vela enquanto se vela, no
máximo de velamento do Ser, isto é, o sonho de liberdade, na escravidão. Marize
Lemos Silva se torna apta a existir verdadeiramente - a chuva que cai
ininterruptamente re-vela-lhe a vida que está além das serras, a liberdade que se
encontra além de todos os obstáculos, além de todos os impedimentos – pois
compreende o Ser, compreende o seu íntimo, representação do “rios de diamantes
e brilhantes” que a chuva vai formando e constituindo em sua alma, espírito, na
totalidade da vida, no momento em que considera a vida sem subterfúgios, a vida
sendo amor, encontro, a vida sendo melodia da natureza.
A
chuva se faz palavra, se faz poema de amor e espiritualidade, e cria “ondas
coloridas” de desejos, vontades, querências, de caminhos que se abrem para as
andanças, para as buscas dos “raios de sol”. Se a chuva é representação de
melancolia, no “ser” da poetisa é re-presentação de felicidades, sonhos que são
despertados com os pingos de água que energizam o espírito.
Lembrando
o princípio da criação, o Ser não cria o mundo nem o homem do mesmo modo que
Deus os criou no Gênese. Para a poetisa, o Ser cria, ao dar sentido, os “raios
de sol” são o sentido que a chuva dá à vida, o sentido que os sonhos inscrevem
na contingência, que mostram os rios sem margens, sem pressa, a terceira
margem, onde “os bichos se alegram, lagartos, passarinhos, borboletas...”, onde
os homens caminham em direção aos brilhantes e diamantes, figurações e
metáforas do amor, da paz, do esplendoroso e belo, da solidariedade, compaixão,
da totalidade, do espiritual. Poema, para a poetisa, é doação de sentido, pois
que versos e estrofes, sustentados pela sensibilidade e subjetividade, cria o
Ser. Na linguagem de Marize Lemos Silva se trava a luta em que o não-ser – a
melancolia, nostalgia, tristeza que a chuva revela – se desentranha do Ser –
alegria, felicidade, amor, carinho, ternura, “contornando caminhos” -, dando
ensejo a que os entes apareçam. Não é apenas o pensar que acolhe a Palavra e
tenta redizê-la, é também a sensibilidade, espiritualidade que a-colhe e
re-colhe os desejos que habitam o espírito humano, a síntese do pensamento e do
sensível é poesia, é pensamento originário. Marize Lemos Silva, além de
dizedora e mostradora do Ser, como os homens em geral, é ainda a guardiã da
casa do Ser, a Linguagem.
A
força de seu estilo, comungada a da linguagem, cresce e palpita no mistério de
velamento do Ser, quer dizer, no Silêncio, símbolo da “harmonia do ouro”,
dimensões sensíveis, emocionais, espirituais, símbolo do riso, da felicidade,
no “brilho dos diamantes”, metáfora das conquistas e realizações a partir do
amor.
A
arte manifesta a verdade do Ser, a poetisa sente o Ser palpitar, sente o Ser
sendo, na con-templação da chuva, na meditação da vida, nos desejos e vontades
que habitam o íntimo, a poetisa “vive” este Ser, esta busca de totalidade, de
verdade, de comunhão com a natureza e a liberdade. O suporte desta meditação e
reflexão da poetisa, rios de brilhantes e diamantes, que se formam em sua alma,
correm em busca do infinito, pleno, da plenitude, que é o mar, na relação
originária entre a poesia e o seu espírito, a poesia e o seu pensamento, a
poesia e as dimensões todas de seu espírito, a poesia e o quotidiano de sua
vida, a poesia e os sentimentos de amor e felicidade que dentro traz em si,
movimentando-se no Ser, “aquecendo em seu ninho de pedras quentes”, ou seja na
experiência essencial dos problemas da vida, nas lutas por liberdade, por
espiritualidade.
“Atônita
e embevecida”, a poetisa olha o horizonte, não apenas o que as serras
diamantinenses oferecem ao seu olhar, o horizonte que as transcende, que a leva
ao encontro da humanidade, dos homens, no que eles sonham e desejam. A
totalidade do real, serras, chuvas, bichos, pássaros, natureza, homens, abarca
as contradições e oferece o elemento mediador das dicotomias, na tensão
dialética.
Ora,
o sentido fundamental da existência do homem, o ente que manifesta puramente o
Ser, é o tempo, horizonte de toda compreensão e realização. O tempo constitui a
força de tudo que é, no poema, na vida. Marize Lemos Silva se identifica ao
próprio homem, posto no mundo, impelido pelo tempo. O poema constitui a força
do espírito, impelido a seguir os rios de brilhantes e diamantes, sentindo-lhes
nos interstícios do espírito, desejando-lhes a real-ização, como Deus ensinou
aos homens, buscar a Ressurreição, Redenção, Salvação através do amor às coisas
do mundo, aos homens.
O
desejo de gozar as manifestações e revelações que os pingos de água caindo
ininterruptamente nas pedras das ruas, alamedas, becos diamantes, descendo rumo
ao Rio Grande, seguindo a trajetória em busca do pleno, absoluto, total, gozar
a “mocidade do espírito” que foi revelada à poetisa Marize Lemos Silva, ou
seja, viver, agir e amar, construir seu mundo, advém da certeza de que a
“cortina de ondas coloridas pelos raios de sol” abre o espírito para as
conquistas perenes e eternas do Ser.
Marize
Lemos Silva lança neste poema o apelo para viver o presente sob a mola
propulsora do futuro, antevisto nas imagens que seu espírito cria com a chuva
que cai. Vejo neste poema dela o Ser como tempo, como rio, senhores da busca de
conhecimento e espiritualidade, da juventude, da velhice e da morte. O ser no
tempo da poetisa é a nossa verdade.
O
sentido da obra de arte, do poema, se acha no des-velamento da verdade do Ser,
da verdade da espiritualidade e sensibilidade que são pedras angulares do Ser.
Razão
In-versa não poderia deixar de criticar a obra de Marize Lemos Silva, no que
ela revela de sensibilidade poética, também por estar sendo considerada pelos
leitores, dizem escrever muito bem, dizem ser sobremodo sensível, o que orgulha
este Suplemento-caderno Literário, sente ele estar real-izando os seus
pro-jetos nucleares e essenciais. No que diz respeito ao diretor, só há uma
palavra capaz de agradecer-lhe a sua participação como colunista: “Parabéns”,
Marize Lemos Silva, e muito obrigado por estar enriquecendo sempre as nossas
páginas literárias com a sua sensibilidade e espiritualidade.
[1]
Vale ressaltar que o poema era intitulado no original, o que escrevera
primeiro, revisando aqui e ali no manuscrito, Magia das Serras. Lendo
superficialmente, sugeri-lhe que acrescentasse a palavra “divina”, tornando-se
Divina Magia das Serras, por ela mergulhar mais profundo no Ser que o poema
intenciona revelar. Entregando-me a revisão feita, relendo, com a inclusão da
palavra, possibilitou-me mais de perto esta interpretação hermenêutica do
poema.
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