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Quem
me dera agora eu pudesse, fossem-me dados o prazer e a alegria de real-izar não
simples escrita, leve e suave letras, inocentes e ingênuas in-terpretações, não
vocábulos irônicos e sarcásticos, não apenas haverem palavras devidas e
adequadas em seus lugares certos e reais, exalando, como as flores, poiésis e
poesia, busca de estesia e sonoridade, exercendo suas funções de transcendência
e liberdade, como se estivesse a dedilhar uma viola, guitarra, harpa ou
cítara, violino, à mercê da presença de
um público que se extasia com as emoções e sentimentos que a música desperta,
que se sente estesiado e eivado de grandes dimensões espirituais, apesar da
hermeticidade e complexidade das idéias, que são resultados e conseqüências de
dores e dúvidas, com linguagem e estilo clássicos e eruditos, escrita que
efetivamente exige muito para a sua compreensão, degustá-las ao modo de um bom
vinho, sem pressa e sem margens de opiniões subjetivas e pontos de vista
instintivos, coisa por que tenho imensa ojeriza e náusea, por empobrecer a
obra, cria-se ideologias com elas, que só esvaziam e alienam, mas uma que
mergulhasse no mais profundo do ser, na sua essência e espírito, levasse-me bem
mais longe do outro que habita as minhas letras, que reside no mais íntimo de
mim, apesar do ínfimo conhecimento e consciência que tenho dele, que me
trans-forma a todos os instantes, que muda os passos nas trilhas que per-corro,
que modula e esboça novas linhas e entrelinhas de meu ser, que me abre e
dilacera o coração para a presença de mais amor, solidariedade e
compassividade, amizade, apesar da in-consciência dessas trans-formações e
mudanças, mostrasse-me a verdade de meu ser, o ser de minhas verdades, o
verdadeiro ser para o qual fora vocacionado desde a eternidade, a missão real seja
buscar concretizá-lo e não cristalizá-lo, ser-lhe na continuidade das situações
históricas e ec-sistenciais a vida de intuições e espiritualidade.
Creio
e estou ciente de que até o presente momento estive vislumbrado com as
palavras, numa imagem, diante do esplendor da visão e ângulo de uma colina numa
película cinematográfica, a oitava maravilha do mundo me eleva às nuvens, e com
ela sinto a esplend-idade da vida, saliva escorrendo queixo abaixo, molhando o
peito e a camisa, havendo quando era preciso enxugá-la no lenço de linho verde,
de listras fortes e brancas, “encorungadas”,
com a força e o poder que têm, não menos com as habilidades e
engenhosidades que só dons e talentos são capazes de exercer, tornar real,
transcender as mediocridades do quotidiano e das realidades a ele
inerentes, mesquinharias do sistema
político, econômico e social, e diante disso nada mais fiz senão garatujar nas
páginas vazias letras e mais letras, o vazio de contingências intensifica-se
sobremodo, o vácuo de meus olhares ao infinito torna-se mais e mais presente.
Hoje,
assim que acordei, abri os olhos, con-templei a manhã que se a-nunciava através
da vidraça da janela de minha alcova, ouvi o canto dos pássaros,
emocionei-me, trinavam felizes e
alegres, o cachorro da vizinha latindo, latindo, assustei-me – sorri por causa
de algo que me disseram no restaurante e lanchonete Espaço Livre, de meu amigo
Joãozinho: “Quem dorme com cães, levanta latindo”, até fizera eu uma
consideração: “Pode também acordar mordido, não é verdade?” -, só uma coisa
destoava dessa música nos ouvidos, a radiopatrulha passando e buzinando
insistentemente, talvez correndo des-enfreadamente dos bandidos, sujam as
calças de medo deles, chamando a atenção dos que acordavam para o fato
inconteste de que o poder já estava nas ruas – aparência de poder, pois que a
insegurança dos homens e cidadãos impera solene e esplendorosamente, à polícia
só interessa sentir-se superior através da farda, da arma na cintura, da
patente ostentada, no mais são carneirinhos medrosos, até as sombras fazem-lhes
correr, quando não enchem as calças -, de que o poder está ameaçado pelos
princípios do mal, tive medo inteligível
de haver feito da vida um picadeiro de fantasias e mentiras, sentindo-me, devo
confessar com empáfia, orgulho e arrogância, um deus, superior às criaturas
simples e normais, aos que não têm o dom
das palavras, aos que não tem o talento das letras, aos que são sensíveis
naturalmente, e apesar de toda a profundidade que as garatujas a-nunciaram,
apresentaram, re-velaram, ainda me encontro distante, muito distante da
profundidade que almejo alcançar, sinto-me ausente, sinto a falha e os lapsos
de minhas intimidades e essências, de minha memória, re-cordações e lembranças.
“Meu Deus, quem sou?”, questionei-me e suspirei profundo.
Felizmente
os desejos são inesgotáveis, basta entregar-me inteiro em busca dessa
profundidade, as estratégias e os jogos se me a-nunciarão ao longo da jornada,
as intuições, percepções, comungadas à inspiração e imaginações traçarão os passos - sem eles nada se torna possível, nada se
realiza com critério de consciência e verdade; houve instantes na vida, ainda
jovem e inexperiente, que pensara e sentira bem íntimo ser eu jogo de palavras
e verdades, de sentidos manifestos e latentes, que acumulei ao longo de
experiências, vivências, nas estratégias das dores e sarcasmos, dos sofrimentos
e ironias, das infelicidades, com seus fracassos e frustrações, e cinismos,
pudesse resgatar e recuperar o que se foi perdendo ao longo de minha história
ec-sistencial, quotidianidade sensível -, sensibilidade, inteligência são os
guias que me seguirão a cada palavra, a cada linha, a cada intuição e idéias, a
cada percepção e poder de criatividade, quisera eu ser para as palavras a lua
iluminando o sol, quisera acordar todo dia para lhes dedicar todo o meu amor e
carinho, aproveitar a manhã para tecer os novos sonhos e utopias, criar forças
e dis-posições para outras labutas e esforços, insistências e persistências,
assim seria feliz por amá-las, por pro-jetar a vida e a ec-sistência, viveria
as mais belas e esplendorosas sensações de prazer, a espiritualidade viva e
elevada. Assim me diz alguém de minha intimidade, a quem amo de paixão:
“Inteligente para falar, conversar, escrever você é, inteligência incomum, mas
para outras coisas é verdadeiramente um burrinho”, retrucando, digo-lhe: “O
termo adequado é jeguinho. Não nasci para ser inteligente em termos de
farmácia, medicina”.
Vale
a pena a tentativa, vale a pena abrir todas as asas para o vôo ao longo de
todas as florestas silvestres, paraíso dos rios, abismos e cavernas. São de
desejos e vontades que a vida é construída, são de sonhos e utopias que o
destino pro-jetado se empreende no uni-verso da ec-sistência, são de verbos que
as conjugações de contentamentos e felicidades compõem a lírica do amor e da
solidariedade, são as pronúncias delineadas deles que re-velam os sons da alma,
desejam suprassumir e transcender as suas dores e sofrimentos, são as verdades
do ser que, através da compassividade, compõem os cânticos ao estilo e
linguagem bíblicos.
Antes
que sopre a brisa do dia
e se
estendam as sombras,
irei
ao monte da mirra,
e à
colina do incenso.
Com
que objetivo?,
Eis o
que de imediato
Questiona-me
a razão,
O
intimo.
Respondo-lhe,
fixando-lhe
O rosto,
Utilizando-me
de sorriso
Irônico
e cínico:
“Simplesmente
para me alimentar deles,
Com
eles inspirar-me para novas palavras
E
idéias,
Para
outras a-nunciações da poiésis”.
É
tempo de partir, aos horizontes mandar o grito errante da vedeta, o olhar
vagabundo à guarita de sentinela. É tempo agora para quem sonha a glória, para
quem deseja a luz que guia o barco nas águas límpidas e cristalinas, iluminando
as margens, a natureza, e a luta... e a luta, essa lareira, onde re-ferve o
bronze das estátuas, o branco resplandecente dos cristais, as cores di-versas
das pedras preciosas, que a mão dos séculos no futuro talha e ornamenta à mercê
de um livro a decifrar, de uma idéia ou sentimento a in-vestigar. A cada berço
levar a esperança e a fé. A cada campa levar o pranto. A cada cruz nas margens
solitárias da estrada a vontade de a vida ser puramente a paz, a violência
esquecida. Estrada eu sou, e a percorro acompanhado dos íntimos da contingência
e dos desejos do espírito. E pendido através de dois abismos, com os pés na
terra e a fronte no infinito, pedir a Deus a benção aos homens, levantar a Deus
o grito de amor e paz. Cantar o campo, as selvas, as tardes, a sombra, a luz;
soltar minhalma com o bando dos pássaros a sobrevoarem o chapadão, o sertão
infinito e aberto; ouvir o vento que geme, sentir a folha que treme.
No
horizonte desvendam-se as colinas, serras e montanhas, até mesmo de montes de
terra, sacode o véu de sonhos de neblinas a terra ao despertar. Tudo é luz,
tudo aroma e murmúrio, tudo esplendor e silêncio. No descampado o cedro curva a
fronte, folhas e prece aos pés do Onisciente mandam a lufada erguer. O sonho do
verbo de minhas letras habitou-me sempre como a Estrela Vésper que alumia aos
pastores nos fraguedos; ave que no meu peito se aquecia ao murmúrio talvez dos
meus segredos, revoltas, ódios e raivas, conflitos e traumas, ao sussurro quiçá
de meus silêncios e enigmas, ao cochicho de minha consciência e inconsciência,
até da língua solta e livre das quimeras e sorrelfas, contra as hipocrisias
sociais e históricas, aparências individuais. Mas por longo tempo sinistra
ventania mugiu nas selvas, rugia nos rochedos, condor sem rumo, errante, que
esvoaçava, deixei-me entregue ao vento de sorrelfas e fantasias, dos risos e
gargalhadas sensaboronas – amo-os sem trincheira, por intermédio deles é que a
felicidade se me manifesta plena. Quase me perdi, vi os sonhos todos se
esvaecerem juntos com a neblina que cobre as serras e montanhas. Creio no
porvir, na infância da inocência e ingenuidade, na juventude dos sentimentos,
no amadurecimento da consciência e dos objetivos, na velhice das experiências e
sabedorias, sol brilhante do céu da liberdade, em que aprendo a arrancar-me de
dentro e mostrar outros uni-versos e horizontes que me povoam o espírito e a
alma.
Onde
– que expressa o lugar desconhecido, havendo interrogação, em que se pretende e
intenciona penetrar inteiro nele, “Deus,
ó Deus, onde estás que não respondes/Em que terras, em que céus tu te
escondes”, escrevera esta beleza de versos o “Condor da Liberdade”, o
defensor dos escravos, o revoltado da escravidão, Castro Alves -, o questionamento do lugar, do espaço, que
desejo tornar não somente conhecido, mas o húmus e a semente de sonhos do
verbo, do verbo de minhas ilusões e quimeras, o substantivo de minhas fantasias
e utopias, a carne de nonsenses, se assim me expresso conforme o que se me
a-nuncia nas profundezas da alma, ou seja, o desejo dela de sonhar assim, conforme
os sentimentos de ternura e amor que me habitam nesta manhã de setembro, antes
da primavera, de suas flores e odores que extasiam a alma e o espírito, que
abrem as perspectivas e imagens do futuro que se encontra ainda longínquo de
meus olhares, con-templ-ações e con-templ-atitudes - o dedilhar da harpa a lírica
do deserto re-vela o espírito em sua contínua busca da verdade e do amor, a
continuidade do ser que se faz continuamente?
Onde
a
musicalidade dos cânticos da alma
sedenta
de ternura e carinho
manifesta
os desejos inerentes
à
carne e aos verbos
da
felicidade e paz?
Onde
o
ritmo dos versos
a-nuncia
os raios de luz
que
iluminam os becos,
alamedas
das trevas?
Onde
a
musicalidade da lírica
manifesta
os raios de sol
que
iluminam a terra
desde
a aurora ao crepúsculo?
Onde
o
cantar é degustar os prazeres
das
sabedorias
seculares
e milenares,
que
preenchem
a
página vazia de contingências,
que
inundam o coração humano
de
esperanças e fé?
Onde
traçar
a criação mais bela
de
minha inspiração?
Onde
tricotar
a imaginação e a intuição
para
transcender
o
belo do sensível e do espírito
para
descender
o
problema da psique,
a
dúvida do instinto?
Onde
bordar
a Estrela Polar
de
dimensões sensíveis e contingentes?
Crochetear
a Estrela Vésper
Dos
sofrimentos e dores,
Do
quotidiano de buscas
De
encontros e des-encontros?
Onde
a
esperança, trabalho, liberdade
des-cobrem
a estrela foragida,
a
lua exilada,
perdida
e triste?
Onde
as
águas do rio soberbo
descem
lentas,
peregrinas?
Onde
a
terra que desejo talhar livre
na
madeira pura e genuína
do
tempo
e
de seus
porvires?
Onde
o
povo que se faz forte,
que
não conhece obstáculos,
impossibilidades
na
realização de suas vidas?
Onde
o
indivíduo que se faz imagem
e
imaginações da paz e do amor,
o
homem que se faz moldura
e
consciência de querências,
solidariedades?
Onde
em
neblinas densas
a
terra envolta num sudário
de
linho branco dorme,
e
o vento geme
na
amplidão celeste?
Quem
sabe, amigo,
o
vento lhe res-ponda
com
perfeição e divinidade
a
estes questionamentos!
É
preciso paz
para
poder sorrir;
È
preciso amor
para
poder sentir
o
belo e a beleza;
È
preciso viver
Para
sentir bem profundo
O
que é isto –
Ser
o verbo,
O
que é isto –
O
verbo do ser?
Uma
flor nascerá, onde? Onde a sua pétala cujo odor sublime e pleno extasiará o
olfato? A poeira erguida dos escombros tapa o sol e o céu – uma abertura há-de
rasgar a luz ainda, há-de esgarçar os seus raios em que ponto? Silêncio de
expectativa, a Arte afunda-se nele, mergulha nos seus pré-nuncios. O sol morreu nos pincéis dos pintores,
estalaram as cordas na lira do poeta, arregaçaram as linhas na prosa do
escritor, esgarçaram-lhe os litteris só de espírito e sensibilidade,
manifestaram-lhe a contingência do quotidiano difícil de ser conquistado, a
harmonia estoura-nos o cérebro de ruídos e inteiriça-nos os nervos, o gesto da
criação molda o ar de vazio. A noite é calma, as estrelas brilham, o céu é
limpo como a definitividade. Aí estou, aí estamos os homens. Mas que tudo morra
à nossa volta, que tudo pereça em todas as direções, é necessário que estejamos
vivos – até mesmo para que isso morra, este desejo, quero afiançar e confirmar.
Há um mundo novo a criar, há uma vida nova a vivenciar, mas para isso se exige
a presença de mim, nem que seja apenas para sabê-lo. Porque nada existe, se eu
não o souber, se não o entender e compreender à luz dos sentimentos e das
razões.
Onde...
Onde...
Não
são lamúrias da solidão in-audita nas madrugadas silenciosas de alcova nas
trevas, na densa escuridão da noite, no som desagradável dos pernilongos,
ouvindo, por vezes, o latido de cães, por vezes o canto de galo, ambos em horas
diferentes da madrugada, da sala de visitas sob a luz de um abajur, sentado na
poltrona, pernas cruzadas, o cigarro de palha aceso no canto da boca, os olhos
perdidos no silêncio, a fumaça esvaecendo-se no ar, os pensamentos distantes,
sentimentos vivos presentes, nas mesas do Espaço Livre ou Posto Denise, tomando
o último gole de uma bebida, antes de ir embora e dormir ansioso e angustiado
sem a esperança de outra aurora, de
outra luz, como fora em tempos recentes de minha realidade, não estando com
sono, não tendo aonde ir, desejando um violeiro que me cantasse uma canção para
me fazer sonhar e desejar, querer e ter esperanças, a quem pudesse seguir-lhe
as trilhas, como fora na minha juventude de sonhador sem projetos, de rebelde
sem objetivos; não são angústias e tristezas, apesar dos raios de luz a
iluminarem o dia em todas as dimensões da vida e do quotidiano, dos raios de
sol a incidirem nas praças e jardins públicos, de quem des-fizera de seus
idílios e ilusões, sorrelfas e fantasias, acreditando piamente na razão e nas
lógicas do estilo e linguagem do “ter”, noutras palavras, no poder das certezas
e verdades insofismáveis de tudo ser possível, ainda com a ciência de não haver
qualquer punidade para os atos e atitudes ilícitos, sem quaisquer idoneidades,
jamais haver qualquer imaginação de pecados e pecadilhos, culpas e remorsos, ou conseqüências difíceis
e complexas, de não haverem mistérios e segredos, de não haverem dúvidas
cartesianas e mesmo hegelianas, porque Hegel se inspirou em Descartes, nos seus
instantes de delírio, mesmo de glória sem antecedentes “Para conhecer a
filosofia é preciso pensar antes de mim e depois de mim”, e acabou
absolutizando tudo, e até hoje os homens sofremos e ágon-izamos com as
arbitrariedades e inconseqüências do “absolutismo”, que, eivado de finesse,
acenei-lhe as devidas batatas frescas e saborosas, acompanhadas das respectivas
bananas com a mão esquerda batendo no músculo do braço direito.
Dormir
com cães e levantar latindo não é uma frase de cunho absoluto, noutras
palavras, frase de efeito eterna e imortal? No parco ponto de vista que trago
em mim, isso significa que no sono quem dormiu com o cão perdeu a sua
id-ent-idade, e para não ser nada na vida e no mundo pensou ser conveniente
assumir o instinto canino, perdera a fala, substituiu-a pelo latido, que é a
fala dos cães. Dormir com cães e acordar mordido significa radicalmente eles
manifestam seus instintos sensuais com as mordidas. Pode ser que nada disso
aconteça, não se acorda mordido, não se levanta latindo, ambos dormiram em
plena harmonia e sin-cronia. Ah, ah, ah...
Homens
que abrigaram sua liberdade no mais abismático de si mesmos são também
obrigados a ter vida exterior, a se mostrarem, a se id-ent-ificarem, a se
deixarem ver, a se tornarem transparentes, a se assumirem como imperfeitos, a
viverem e conviverem com as ausências e faltas inerentes à alma, até mesmo sujeitos
às hipocrisias, farsas, mentiras, falsidades da natureza – livre, o tropeiro
toca o lote e canta a lânguida cantiga com que espanta a saudade, a aflição,
com que rega e alimenta os sofrimentos e dores, com que ameniza e diminui as
angústias e desesperos, com que nutre as suas esperanças e desejos de
felicidade, amor e paz, com que levanta a voz aos céus, perguntando a Deus onde
Ele está que não responde às suas súplicas e rogos, que permite todas as
injustiças e violências; livre corre o vaqueiro pelos morros e várzea e
tabuleiro do intrincado cipó; pelo fato de seu nascimento, de seu domicílio,
educação, pátria, acaso, coincidências, indiscrição dos outros, elencando o
mais importante que concebo nessa manhã de início de setembro – mês de meu
profundo amor e carinho pela vida e seus desígnios, mês de meus mergulhos mais
abismáticos nos horizontes de minhas carências e faltas, mês de realizações de
meus mais profundos sonhos e utopias, mês que me faz sentir o ser indivíduo que
sou e que intenciono ir além dele -, em breve a primavera se a-nunciará, as
flores exalarão os seus perfeitos odores e embelezarão todas as coisas, as
retinas se serenarão e todas as visões serão divinas, a mente renovará as suas
idéias e pensamentos, eles se vêem empenhados em numerosas relações humanas,
desde as mais intimas às superficiais, desde as mais banais às mais
percucientes; é-lhes conferida toda espécie de opiniões, pelo simples fato de
que são as opiniões reinantes, são as opiniões imperantes, são elas que podem
garantir e assegurar a esperança de outros tempos e verdades que o brilho das
estrelas e lua, os raios de sol revelam a cada noite e dia, a cada sono com os
seus sonhos respectivos e particulares, a cada vigília com os seus problemas e
desejos específicos; toda expressão fisionômica que não for negativa passa como
aprovação; todo gesto que nada destrói é interpretado como adesão, é analisado
como comunhão, é sentido como ligação. Sabem muito bem, esses solitários do
espírito livre, que parecem constantemente, de uma maneira ou de outra, aquilo
que realmente não são; quando nada pretendem senão serem verdadeiros e
sinceros, id-ent-ificarem-se compromissados e responsáveis com a verdade, com
as novas perspectivas e panoramas do eterno e duradouro, em torno deles é tecida
uma rede de mal-entendidos, desde os pré-conceitos às dis-criminações, desde as
idéias arbitrárias e gratuitas aos instintos puros e absolutos, a despeito de
seu violento desejo, sentem pesar sobre seus atos um vapor de opiniões falsas,
de acomodações, de meias concessões, de con-sentimentos simulados e
dissimulados, permissões panto-mímicas e embusteiras, des-secrados de silêncios
complacentes, de interpretações errôneas, despeitos e invejas, medos de seus
interesses e ideologias não serem concretizados, morrerem em absoluto
desacreditados pela opinião pública, pela notória fofoca de lendas e
folk-lores. É isso que acumula sobre sua fronte uma nuvem de melancolia,
neblina de nostalgia, garoa de tristeza, pois, semelhantes naturezas odeiam
mais que a morte a necessidade de fingir, tripudiar, engabelar, mentir.
Prefiro
crer que não posso re-presentar uma vida orientada para as verdades profundas,
para a sinceridade e dignidade, sem que o coração dilate e que nasça um ardente
desejo de ser também um indivíduo de pura e maravilhosa serenidade quanto a mim
e à própria felicidade, invadido por uma chama ardente e devoradora na busca do
conhecimento e muito distante da neutralidade fria e menosprezadora dos
espíritos ditos científicos, muito acima de uma con-templação desagradável e
enfadonha, pronto a me imolar em primeiro lugar à verdade que reconheci e
plenamente consciente, no fundo de mim, dos sentimentos que decorrerão
inevitavelmente de minha sinceridade.
Por
que só agora me é possível tirar a máscara, libertar-me da farsa e falsidade de
que em meus escritos de outrora, e mesmo de tempos bem recentes, da obra
reunida, não está a profundidade que almejava, o verbo de meu ser com que tanto
sonhei? Iludido estava, isso é que, em primeira instância, consigo res-ponder
com franqueza, posso dizer sem estar tripudiando com as letras e as idéias,
ainda há quando lhes peço cordial e espiritualmente que me deixem expressar o
verbo das idéias e pensamentos, sou, enfim, co-autor e não autor delas. Embora
não foram as letras que se escrevem por si mesmas, que concebem sentidos e
significados a mim não me é possível percebê-los com transparência, me são
inconscientes, posso apenas intuí-los, as responsáveis dessa ilusão que vivo há
tantos anos, sim o medo que senti presente e forte de seguir os meus próprios
caminhos, escutar o meu próprio canto, ouvir o silêncio que me habita em
profundidade o íntimo, a ópera do silêncio que desejo sim executar, seguindo e
não seguindo, as notas musicais que id-ent-ificam as tragédias da vontade e do
desejo, os sofrimentos dos sonhos e utopias, a desgraça das atitudes e ações do
mal e interesses que me prejudicaram a visão do bem e do eterno. Dizer, então,
que me despertei antes que mergulhasse num abismo profundo, não me sendo mais dado
re-tornar à superfície e viver realidades outras e diferentes das que antes
havia vivido, haver-me-ia perdido para sempre, tudo por me haver iludido,
haver-me entrelaçado nas teias de sentimentos arbitrários, dentre eles o de ser
um deus, a mim foram-me dadas a engenhosidade e agilidade com as letras, para
aprender a humildade e simplicidade, para viver o que há de mais puro e
ingênuo, inocente, para me re-fazer de todas as experiências, vivências, dores
e sofrimentos, erros e enganos dessa vida praticados. Aí está quando se faz
mister esmero e acuidade para conservar a dignidade e honra, para resguardar os
princípios e estilos de vida, postura e conduta.
Seria,
então, que amadureci, cresci, posso sentir-me e intuir-me mais profundamente, e
é chegado o instante de isso mostrar, de isso manifestar, de seguir as minhas
próprias trilhas em busca dos verbos de meu ser que se tornarão palavras, que
se me tornarão a vida, alfim sentir-me feliz e realizado com o destino que
tracei para mim?
Tenho
necessidade de afeto, carinho, ternura, sou solitário, tenho assumido isto a
cada passo que dou seja metafisicamente, sentindo-me, por mais que isso suscite
surpresa e espanto, feliz, alegre, contente, seja realmente pelas ruas e
avenidas, quando cumpro as minhas responsabilidades e compromissos, quando
apenas passeio a esmo, a cada degrau da escada que ponho os meus pés a solidão
se torna mais presente e forte, de companheiros de estrada e vida, com quem
posso me mostrar franco e simples e cujas presenças ponham fim ao aperto
doloroso que me causa o silêncio e a dissimulação. Tirem-me esses companheiros
e irei aumentar o perigo que me ameaça. Tirem-me os íntimos e amigos irei
aumentar a possibilidade de não mais me expressar, de procurar ser verdadeiro e
digno.
Tudo
é deserto... somente à praça em meio às atribulações e labutas do quotidiano se
agita dúbia forma que palpita, estorce-se em rouco estertor. Sim, de longe, das
raias do futuro, dos confins dos horizontes e uni-versos, das arribas do
infinito, parte um grito.
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