Total de visualizações de página

terça-feira, 24 de novembro de 2015

PÁGINAS VAZIAS DE CONTINGÊNCIAS/ONDE... ONDE... Manoel Ferreira

)

Quem me dera agora eu pudesse, fossem-me dados o prazer e a alegria de real-izar não simples escrita, leve e suave letras, inocentes e ingênuas in-terpretações, não vocábulos irônicos e sarcásticos, não apenas haverem palavras devidas e adequadas em seus lugares certos e reais, exalando, como as flores, poiésis e poesia, busca de estesia e sonoridade, exercendo suas funções de transcendência e liberdade, como se estivesse a dedilhar uma viola, guitarra, harpa ou cítara,  violino, à mercê da presença de um público que se extasia com as emoções e sentimentos que a música desperta, que se sente estesiado e eivado de grandes dimensões espirituais, apesar da hermeticidade e complexidade das idéias, que são resultados e conseqüências de dores e dúvidas, com linguagem e estilo clássicos e eruditos, escrita que efetivamente exige muito para a sua compreensão, degustá-las ao modo de um bom vinho, sem pressa e sem margens de opiniões subjetivas e pontos de vista instintivos, coisa por que tenho imensa ojeriza e náusea, por empobrecer a obra, cria-se ideologias com elas, que só esvaziam e alienam, mas uma que mergulhasse no mais profundo do ser, na sua essência e espírito, levasse-me bem mais longe do outro que habita as minhas letras, que reside no mais íntimo de mim, apesar do ínfimo conhecimento e consciência que tenho dele, que me trans-forma a todos os instantes, que muda os passos nas trilhas que per-corro, que modula e esboça novas linhas e entrelinhas de meu ser, que me abre e dilacera o coração para a presença de mais amor, solidariedade e compassividade, amizade, apesar da in-consciência dessas trans-formações e mudanças, mostrasse-me a verdade de meu ser, o ser de minhas verdades, o verdadeiro ser para o qual fora vocacionado desde a eternidade, a missão real seja buscar concretizá-lo e não cristalizá-lo, ser-lhe na continuidade das situações históricas e ec-sistenciais a vida de intuições e espiritualidade. 
Creio e estou ciente de que até o presente momento estive vislumbrado com as palavras, numa imagem, diante do esplendor da visão e ângulo de uma colina numa película cinematográfica, a oitava maravilha do mundo me eleva às nuvens, e com ela sinto a esplend-idade da vida, saliva escorrendo queixo abaixo, molhando o peito e a camisa, havendo quando era preciso enxugá-la no lenço de linho verde, de listras fortes e brancas, “encorungadas”,  com a força e o poder que têm, não menos com as habilidades e engenhosidades que só dons e talentos são capazes de exercer, tornar real, transcender as mediocridades do quotidiano e das realidades a ele inerentes,  mesquinharias do sistema político, econômico e social, e diante disso nada mais fiz senão garatujar nas páginas vazias letras e mais letras, o vazio de contingências intensifica-se sobremodo, o vácuo de meus olhares ao infinito torna-se mais e mais presente.
Hoje, assim que acordei, abri os olhos, con-templei a manhã que se a-nunciava através da vidraça da janela de minha alcova, ouvi o canto dos pássaros, emocionei-me,  trinavam felizes e alegres, o cachorro da vizinha latindo, latindo, assustei-me – sorri por causa de algo que me disseram no restaurante e lanchonete Espaço Livre, de meu amigo Joãozinho: “Quem dorme com cães, levanta latindo”, até fizera eu uma consideração: “Pode também acordar mordido, não é verdade?” -, só uma coisa destoava dessa música nos ouvidos, a radiopatrulha passando e buzinando insistentemente, talvez correndo des-enfreadamente dos bandidos, sujam as calças de medo deles, chamando a atenção dos que acordavam para o fato inconteste de que o poder já estava nas ruas – aparência de poder, pois que a insegurança dos homens e cidadãos impera solene e esplendorosamente, à polícia só interessa sentir-se superior através da farda, da arma na cintura, da patente ostentada, no mais são carneirinhos medrosos, até as sombras fazem-lhes correr, quando não enchem as calças -, de que o poder está ameaçado pelos princípios do mal,  tive medo inteligível de haver feito da vida um picadeiro de fantasias e mentiras, sentindo-me, devo confessar com empáfia, orgulho e arrogância, um deus, superior às criaturas simples e normais,  aos que não têm o dom das palavras, aos que não tem o talento das letras, aos que são sensíveis naturalmente, e apesar de toda a profundidade que as garatujas a-nunciaram, apresentaram, re-velaram, ainda me encontro distante, muito distante da profundidade que almejo alcançar, sinto-me ausente, sinto a falha e os lapsos de minhas intimidades e essências, de minha memória, re-cordações e lembranças. “Meu Deus, quem sou?”, questionei-me e suspirei profundo.
Felizmente os desejos são inesgotáveis, basta entregar-me inteiro em busca dessa profundidade, as estratégias e os jogos se me a-nunciarão ao longo da jornada, as intuições, percepções, comungadas à inspiração e imaginações traçarão os passos  - sem eles nada se torna possível, nada se realiza com critério de consciência e verdade; houve instantes na vida, ainda jovem e inexperiente, que pensara e sentira bem íntimo ser eu jogo de palavras e verdades, de sentidos manifestos e latentes, que acumulei ao longo de experiências, vivências, nas estratégias das dores e sarcasmos, dos sofrimentos e ironias, das infelicidades, com seus fracassos e frustrações, e cinismos, pudesse resgatar e recuperar o que se foi perdendo ao longo de minha história ec-sistencial, quotidianidade sensível -, sensibilidade, inteligência são os guias que me seguirão a cada palavra, a cada linha, a cada intuição e idéias, a cada percepção e poder de criatividade, quisera eu ser para as palavras a lua iluminando o sol, quisera acordar todo dia para lhes dedicar todo o meu amor e carinho, aproveitar a manhã para tecer os novos sonhos e utopias, criar forças e dis-posições para outras labutas e esforços, insistências e persistências, assim seria feliz por amá-las, por pro-jetar a vida e a ec-sistência, viveria as mais belas e esplendorosas sensações de prazer, a espiritualidade viva e elevada. Assim me diz alguém de minha intimidade, a quem amo de paixão: “Inteligente para falar, conversar, escrever você é, inteligência incomum, mas para outras coisas é verdadeiramente um burrinho”, retrucando, digo-lhe: “O termo adequado é jeguinho. Não nasci para ser inteligente em termos de farmácia, medicina”. 
Vale a pena a tentativa, vale a pena abrir todas as asas para o vôo ao longo de todas as florestas silvestres, paraíso dos rios, abismos e cavernas. São de desejos e vontades que a vida é construída, são de sonhos e utopias que o destino pro-jetado se empreende no uni-verso da ec-sistência, são de verbos que as conjugações de contentamentos e felicidades compõem a lírica do amor e da solidariedade, são as pronúncias delineadas deles que re-velam os sons da alma, desejam suprassumir e transcender as suas dores e sofrimentos, são as verdades do ser que, através da compassividade, compõem os cânticos ao estilo e linguagem bíblicos.

Antes que sopre a brisa do dia
e se estendam as sombras,
irei ao monte da mirra,
e à colina do incenso.
Com que objetivo?,
Eis o que de imediato
Questiona-me a razão,
O intimo.
Respondo-lhe, fixando-lhe
O rosto,
Utilizando-me de sorriso
Irônico e cínico:
“Simplesmente para me alimentar deles,
Com eles inspirar-me para novas palavras
E idéias,
Para outras a-nunciações da poiésis”.

É tempo de partir, aos horizontes mandar o grito errante da vedeta, o olhar vagabundo à guarita de sentinela. É tempo agora para quem sonha a glória, para quem deseja a luz que guia o barco nas águas límpidas e cristalinas, iluminando as margens, a natureza, e a luta... e a luta, essa lareira, onde re-ferve o bronze das estátuas, o branco resplandecente dos cristais, as cores di-versas das pedras preciosas, que a mão dos séculos no futuro talha e ornamenta à mercê de um livro a decifrar, de uma idéia ou sentimento a in-vestigar. A cada berço levar a esperança e a fé. A cada campa levar o pranto. A cada cruz nas margens solitárias da estrada a vontade de a vida ser puramente a paz, a violência esquecida. Estrada eu sou, e a percorro acompanhado dos íntimos da contingência e dos desejos do espírito. E pendido através de dois abismos, com os pés na terra e a fronte no infinito, pedir a Deus a benção aos homens, levantar a Deus o grito de amor e paz. Cantar o campo, as selvas, as tardes, a sombra, a luz; soltar minhalma com o bando dos pássaros a sobrevoarem o chapadão, o sertão infinito e aberto; ouvir o vento que geme, sentir a folha que treme. 
No horizonte desvendam-se as colinas, serras e montanhas, até mesmo de montes de terra, sacode o véu de sonhos de neblinas a terra ao despertar. Tudo é luz, tudo aroma e murmúrio, tudo esplendor e silêncio. No descampado o cedro curva a fronte, folhas e prece aos pés do Onisciente mandam a lufada erguer. O sonho do verbo de minhas letras habitou-me sempre como a Estrela Vésper que alumia aos pastores nos fraguedos; ave que no meu peito se aquecia ao murmúrio talvez dos meus segredos, revoltas, ódios e raivas, conflitos e traumas, ao sussurro quiçá de meus silêncios e enigmas, ao cochicho de minha consciência e inconsciência, até da língua solta e livre das quimeras e sorrelfas, contra as hipocrisias sociais e históricas, aparências individuais. Mas por longo tempo sinistra ventania mugiu nas selvas, rugia nos rochedos, condor sem rumo, errante, que esvoaçava, deixei-me entregue ao vento de sorrelfas e fantasias, dos risos e gargalhadas sensaboronas – amo-os sem trincheira, por intermédio deles é que a felicidade se me manifesta plena. Quase me perdi, vi os sonhos todos se esvaecerem juntos com a neblina que cobre as serras e montanhas. Creio no porvir, na infância da inocência e ingenuidade, na juventude dos sentimentos, no amadurecimento da consciência e dos objetivos, na velhice das experiências e sabedorias, sol brilhante do céu da liberdade, em que aprendo a arrancar-me de dentro e mostrar outros uni-versos e horizontes que me povoam o espírito e a alma.
Onde – que expressa o lugar desconhecido, havendo interrogação, em que se pretende e intenciona penetrar inteiro nele, “Deus, ó Deus, onde estás que não respondes/Em que terras, em que céus tu te escondes”, escrevera esta beleza de versos o “Condor da Liberdade”, o defensor dos escravos, o revoltado da escravidão, Castro Alves -,  o questionamento do lugar, do espaço, que desejo tornar não somente conhecido, mas o húmus e a semente de sonhos do verbo, do verbo de minhas ilusões e quimeras, o substantivo de minhas fantasias e utopias, a carne de nonsenses, se assim me expresso conforme o que se me a-nuncia nas profundezas da alma, ou seja, o desejo dela de sonhar assim, conforme os sentimentos de ternura e amor que me habitam nesta manhã de setembro, antes da primavera, de suas flores e odores que extasiam a alma e o espírito, que abrem as perspectivas e imagens do futuro que se encontra ainda longínquo de meus olhares, con-templ-ações e con-templ-atitudes - o dedilhar da harpa a lírica do deserto re-vela o espírito em sua contínua busca da verdade e do amor, a continuidade do ser que se faz continuamente?

Onde
a musicalidade dos cânticos da alma
sedenta de ternura e carinho
manifesta os desejos inerentes
à carne e aos verbos
da felicidade e paz?

Onde
o ritmo dos versos
a-nuncia os raios de luz
que iluminam  os becos,
alamedas das trevas?

Onde
a musicalidade da lírica
manifesta os raios de sol
que iluminam a terra
desde a aurora ao crepúsculo?

Onde
o cantar é degustar os prazeres
das sabedorias
seculares e milenares,
que preenchem
a página vazia de contingências,
que inundam o coração humano
de esperanças e fé?

Onde
traçar a criação mais bela
de minha inspiração?

Onde
tricotar a imaginação e a intuição
para transcender
o belo do sensível e do espírito
para descender
o problema da psique,
a dúvida do instinto?

Onde
bordar a Estrela Polar
de dimensões sensíveis e contingentes?
Crochetear a Estrela Vésper
Dos sofrimentos e dores,
Do quotidiano de buscas
De encontros e des-encontros?

Onde
a esperança, trabalho, liberdade
des-cobrem a estrela foragida,
a lua exilada,
perdida e triste?

Onde
as águas do rio soberbo
descem lentas,
peregrinas?

Onde
a terra que desejo talhar livre
na madeira pura e genuína
do tempo
e de seus
porvires?

Onde
o povo que se faz forte,
que não conhece obstáculos,
impossibilidades
na realização de suas vidas?

Onde
o indivíduo que se faz imagem
e imaginações da paz e do amor,
o homem que se faz moldura
e consciência de querências,
solidariedades?

Onde
em neblinas densas
a terra envolta num sudário
de linho branco dorme,
e o vento geme
na amplidão celeste?

Quem sabe, amigo,
o vento lhe res-ponda
com perfeição e divinidade
a estes questionamentos!

É preciso paz
para poder sorrir;
È preciso amor
para poder sentir
o belo e a beleza;
È preciso viver
Para sentir bem profundo
O que é isto –
Ser o verbo,
O que é isto –
O verbo do ser?

Uma flor nascerá, onde? Onde a sua pétala cujo odor sublime e pleno extasiará o olfato? A poeira erguida dos escombros tapa o sol e o céu – uma abertura há-de rasgar a luz ainda, há-de esgarçar os seus raios em que ponto? Silêncio de expectativa, a Arte afunda-se nele, mergulha nos seus pré-nuncios.  O sol morreu nos pincéis dos pintores, estalaram as cordas na lira do poeta, arregaçaram as linhas na prosa do escritor, esgarçaram-lhe os litteris só de espírito e sensibilidade, manifestaram-lhe a contingência do quotidiano difícil de ser conquistado, a harmonia estoura-nos o cérebro de ruídos e inteiriça-nos os nervos, o gesto da criação molda o ar de vazio. A noite é calma, as estrelas brilham, o céu é limpo como a definitividade. Aí estou, aí estamos os homens. Mas que tudo morra à nossa volta, que tudo pereça em todas as direções, é necessário que estejamos vivos – até mesmo para que isso morra, este desejo, quero afiançar e confirmar. Há um mundo novo a criar, há uma vida nova a vivenciar, mas para isso se exige a presença de mim, nem que seja apenas para sabê-lo. Porque nada existe, se eu não o souber, se não o entender e compreender à luz dos sentimentos e das razões. 
Onde... Onde...
Não são lamúrias da solidão in-audita nas madrugadas silenciosas de alcova nas trevas, na densa escuridão da noite, no som desagradável dos pernilongos, ouvindo, por vezes, o latido de cães, por vezes o canto de galo, ambos em horas diferentes da madrugada, da sala de visitas sob a luz de um abajur, sentado na poltrona, pernas cruzadas, o cigarro de palha aceso no canto da boca, os olhos perdidos no silêncio, a fumaça esvaecendo-se no ar, os pensamentos distantes, sentimentos vivos presentes, nas mesas do Espaço Livre ou Posto Denise, tomando o último gole de uma bebida, antes de ir embora e dormir ansioso e angustiado sem a esperança de outra  aurora, de outra luz, como fora em tempos recentes de minha realidade, não estando com sono, não tendo aonde ir, desejando um violeiro que me cantasse uma canção para me fazer sonhar e desejar, querer e ter esperanças, a quem pudesse seguir-lhe as trilhas, como fora na minha juventude de sonhador sem projetos, de rebelde sem objetivos; não são angústias e tristezas, apesar dos raios de luz a iluminarem o dia em todas as dimensões da vida e do quotidiano, dos raios de sol a incidirem nas praças e jardins públicos, de quem des-fizera de seus idílios e ilusões, sorrelfas e fantasias, acreditando piamente na razão e nas lógicas do estilo e linguagem do “ter”, noutras palavras, no poder das certezas e verdades insofismáveis de tudo ser possível, ainda com a ciência de não haver qualquer punidade para os atos e atitudes ilícitos, sem quaisquer idoneidades, jamais haver qualquer imaginação de pecados e pecadilhos,  culpas e remorsos, ou conseqüências difíceis e complexas, de não haverem mistérios e segredos, de não haverem dúvidas cartesianas e mesmo hegelianas, porque Hegel se inspirou em Descartes, nos seus instantes de delírio, mesmo de glória sem antecedentes “Para conhecer a filosofia é preciso pensar antes de mim e depois de mim”, e acabou absolutizando tudo, e até hoje os homens sofremos e ágon-izamos com as arbitrariedades e inconseqüências do “absolutismo”, que, eivado de finesse, acenei-lhe as devidas batatas frescas e saborosas, acompanhadas das respectivas bananas com a mão esquerda batendo no músculo do braço direito. 
Dormir com cães e levantar latindo não é uma frase de cunho absoluto, noutras palavras, frase de efeito eterna e imortal? No parco ponto de vista que trago em mim, isso significa que no sono quem dormiu com o cão perdeu a sua id-ent-idade, e para não ser nada na vida e no mundo pensou ser conveniente assumir o instinto canino, perdera a fala, substituiu-a pelo latido, que é a fala dos cães. Dormir com cães e acordar mordido significa radicalmente eles manifestam seus instintos sensuais com as mordidas. Pode ser que nada disso aconteça, não se acorda mordido, não se levanta latindo, ambos dormiram em plena harmonia e sin-cronia. Ah, ah, ah... 
Homens que abrigaram sua liberdade no mais abismático de si mesmos são também obrigados a ter vida exterior, a se mostrarem, a se id-ent-ificarem, a se deixarem ver, a se tornarem transparentes, a se assumirem como imperfeitos, a viverem e conviverem com as ausências e faltas inerentes à alma, até mesmo sujeitos às hipocrisias, farsas, mentiras, falsidades da natureza – livre, o tropeiro toca o lote e canta a lânguida cantiga com que espanta a saudade, a aflição, com que rega e alimenta os sofrimentos e dores, com que ameniza e diminui as angústias e desesperos, com que nutre as suas esperanças e desejos de felicidade, amor e paz, com que levanta a voz aos céus, perguntando a Deus onde Ele está que não responde às suas súplicas e rogos, que permite todas as injustiças e violências; livre corre o vaqueiro pelos morros e várzea e tabuleiro do intrincado cipó; pelo fato de seu nascimento, de seu domicílio, educação, pátria, acaso, coincidências, indiscrição dos outros, elencando o mais importante que concebo nessa manhã de início de setembro – mês de meu profundo amor e carinho pela vida e seus desígnios, mês de meus mergulhos mais abismáticos nos horizontes de minhas carências e faltas, mês de realizações de meus mais profundos sonhos e utopias, mês que me faz sentir o ser indivíduo que sou e que intenciono ir além dele -, em breve a primavera se a-nunciará, as flores exalarão os seus perfeitos odores e embelezarão todas as coisas, as retinas se serenarão e todas as visões serão divinas, a mente renovará as suas idéias e pensamentos, eles se vêem empenhados em numerosas relações humanas, desde as mais intimas às superficiais, desde as mais banais às mais percucientes; é-lhes conferida toda espécie de opiniões, pelo simples fato de que são as opiniões reinantes, são as opiniões imperantes, são elas que podem garantir e assegurar a esperança de outros tempos e verdades que o brilho das estrelas e lua, os raios de sol revelam a cada noite e dia, a cada sono com os seus sonhos respectivos e particulares, a cada vigília com os seus problemas e desejos específicos; toda expressão fisionômica que não for negativa passa como aprovação; todo gesto que nada destrói é interpretado como adesão, é analisado como comunhão, é sentido como ligação. Sabem muito bem, esses solitários do espírito livre, que parecem constantemente, de uma maneira ou de outra, aquilo que realmente não são; quando nada pretendem senão serem verdadeiros e sinceros, id-ent-ificarem-se compromissados e responsáveis com a verdade, com as novas perspectivas e panoramas do eterno e duradouro, em torno deles é tecida uma rede de mal-entendidos, desde os pré-conceitos às dis-criminações, desde as idéias arbitrárias e gratuitas aos instintos puros e absolutos, a despeito de seu violento desejo, sentem pesar sobre seus atos um vapor de opiniões falsas, de acomodações, de meias concessões, de con-sentimentos simulados e dissimulados, permissões panto-mímicas e embusteiras, des-secrados de silêncios complacentes, de interpretações errôneas, despeitos e invejas, medos de seus interesses e ideologias não serem concretizados, morrerem em absoluto desacreditados pela opinião pública, pela notória fofoca de lendas e folk-lores. É isso que acumula sobre sua fronte uma nuvem de melancolia, neblina de nostalgia, garoa de tristeza, pois, semelhantes naturezas odeiam mais que a morte a necessidade de fingir, tripudiar, engabelar, mentir.
Prefiro crer que não posso re-presentar uma vida orientada para as verdades profundas, para a sinceridade e dignidade, sem que o coração dilate e que nasça um ardente desejo de ser também um indivíduo de pura e maravilhosa serenidade quanto a mim e à própria felicidade, invadido por uma chama ardente e devoradora na busca do conhecimento e muito distante da neutralidade fria e menosprezadora dos espíritos ditos científicos, muito acima de uma con-templação desagradável e enfadonha, pronto a me imolar em primeiro lugar à verdade que reconheci e plenamente consciente, no fundo de mim, dos sentimentos que decorrerão inevitavelmente de minha sinceridade.
Por que só agora me é possível tirar a máscara, libertar-me da farsa e falsidade de que em meus escritos de outrora, e mesmo de tempos bem recentes, da obra reunida, não está a profundidade que almejava, o verbo de meu ser com que tanto sonhei? Iludido estava, isso é que, em primeira instância, consigo res-ponder com franqueza, posso dizer sem estar tripudiando com as letras e as idéias, ainda há quando lhes peço cordial e espiritualmente que me deixem expressar o verbo das idéias e pensamentos, sou, enfim, co-autor e não autor delas. Embora não foram as letras que se escrevem por si mesmas, que concebem sentidos e significados a mim não me é possível percebê-los com transparência, me são inconscientes, posso apenas intuí-los, as responsáveis dessa ilusão que vivo há tantos anos, sim o medo que senti presente e forte de seguir os meus próprios caminhos, escutar o meu próprio canto, ouvir o silêncio que me habita em profundidade o íntimo, a ópera do silêncio que desejo sim executar, seguindo e não seguindo, as notas musicais que id-ent-ificam as tragédias da vontade e do desejo, os sofrimentos dos sonhos e utopias, a desgraça das atitudes e ações do mal e interesses que me prejudicaram a visão do bem e do eterno. Dizer, então, que me despertei antes que mergulhasse num abismo profundo, não me sendo mais dado re-tornar à superfície e viver realidades outras e diferentes das que antes havia vivido, haver-me-ia perdido para sempre, tudo por me haver iludido, haver-me entrelaçado nas teias de sentimentos arbitrários, dentre eles o de ser um deus, a mim foram-me dadas a engenhosidade e agilidade com as letras, para aprender a humildade e simplicidade, para viver o que há de mais puro e ingênuo, inocente, para me re-fazer de todas as experiências, vivências, dores e sofrimentos, erros e enganos dessa vida praticados. Aí está quando se faz mister esmero e acuidade para conservar a dignidade e honra, para resguardar os princípios e estilos de vida, postura e conduta.
Seria, então, que amadureci, cresci, posso sentir-me e intuir-me mais profundamente, e é chegado o instante de isso mostrar, de isso manifestar, de seguir as minhas próprias trilhas em busca dos verbos de meu ser que se tornarão palavras, que se me tornarão a vida, alfim sentir-me feliz e realizado com o destino que tracei para mim?
Tenho necessidade de afeto, carinho, ternura, sou solitário, tenho assumido isto a cada passo que dou seja metafisicamente, sentindo-me, por mais que isso suscite surpresa e espanto, feliz, alegre, contente, seja realmente pelas ruas e avenidas, quando cumpro as minhas responsabilidades e compromissos, quando apenas passeio a esmo, a cada degrau da escada que ponho os meus pés a solidão se torna mais presente e forte, de companheiros de estrada e vida, com quem posso me mostrar franco e simples e cujas presenças ponham fim ao aperto doloroso que me causa o silêncio e a dissimulação. Tirem-me esses companheiros e irei aumentar o perigo que me ameaça. Tirem-me os íntimos e amigos irei aumentar a possibilidade de não mais me expressar, de procurar ser verdadeiro e digno. 
Tudo é deserto... somente à praça em meio às atribulações e labutas do quotidiano se agita dúbia forma que palpita, estorce-se em rouco estertor. Sim, de longe, das raias do futuro, dos confins dos horizontes e uni-versos, das arribas do infinito, parte um grito.         

Nenhum comentário:

Postar um comentário