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terça-feira, 24 de novembro de 2015

ENTRE RE-VERSOS E VICE-VERSOS PILARES DE HORIZONTES Manoel Ferreira



É mais fácil ser feliz do que escrever;
Não troco a felicidade pela escrita,
É escrevendo que artificio
a felicidade que desejo,
as alegrias que almejo,
as esperanças por que aspiro,
com elas abrir espaços e vazios,
vácuos e abismos,
buracos e grotas
nas estradas íngremes,
para a a-nunciação do
SER E DOS VERBOS,
que lhe tecem a VIDA,
que lhe costuram
as bordas das experiências
e vivências,
que lhes compõem
o itinerário de campos
e
florestas
silvestres.

É mais fácil tecer palavras
Que re-presentem a verdade,
Que atuem em busca de outros
Sim e não das in-verda,
Que habitam o sonho do verbo
Que assistir de camarote
Às realizações de todos os desejos,
A concretização da VIDA em sua
Essência de pureza, inocência,
Acima de tudo,
Da ingenuidade do tempo,
Suas circunstâncias e situações.

É mais fácil alçar vôos profundos
Nas asas de letras e palavras
Dos sentidos e signos,

Que encontrar no quotidiano das ações e atitudes,
Dos desejos e vontades outras
Que preenchem a vida de alegrias e prazeres,
Asas para sobrevoar campos e florestas,
Abismos e descampados;
É criando letras, artificiando palavras,
Transcendendo com elas os caminhos percorridos,
Que a vida se mostra plena,
E os sonhos de estendê-la a todas as distâncias
Se tornam reais,
São perspectivas da beleza e do belo.

Vacilo entre querer e não querer, entre ficar e arrumar as trouxas para escafeder-me sem deixar vestígios, sinais de minha presença, fantasias e quimeras de minha ausência, saudades de minha falta, ec-sistência, sem deixar os passos nas pedras das ruas, re-colhendo as palavras todas que pronunciei, as idéias que, inocente e ingenuamente, divulguei, as idéias que se me anunciaram, esperei amadurecer para id-ent-ificá-las,  como dissera um de meus maiores e melhores amigos no instante de nossa despedida, “você está no seu mundo mesmo”, os sentimentos de amor que armazenei em mim dentro para viver no meu espaço singular e particular, os olhares com que observei as coisas, os rostos e os objetos, jogando-lhes na mochila, bem mais tarde, comentários e opiniões, pontos de vista que ouvi altissonantes, cretinices e mesquinharias, nos litteris de todos os ipsis re-fazer-lhes e re-contruir-lhes nas instâncias e estâncias do in-verno e seu aspecto ensimesmado nas auroras e crepúsculos do sertão, imagem do presente, do verão e seus raios numinosos incidindo nas cabeças de transeuntes e nas ruas sem sombras, não há árvores por todas elas, um convite ao mergulho na divinidade do desejo e o adeus insofismável na algibeira, imagem do passado, “hasta la muerte” no alforje, no dia do apocalipse faria uma viagem rápida com o objetivo exclusivíssimo de soltar os fogos de artifício, comemorando a alegria de assistir ao sepultamento da absoluta súcia, quem há que dela não seja integrante, participante, nascido e criado nela?, ande ao seu lado como ovelha do rebanho, ao fim de toda uma civilização e cultura, o espaço vazio no mapa, jamais em todas as dimensões da alma; quem dera pudesse isso concretizar, não veria re-fletido no espelho a tristeza e a desolação na minha imagem, a boca fechada, em silêncio irrestrito e irreversível, há as suas vantagens, observo com mais percuciência as mazelas e hipocrisias individuais e da história, entre o que se foi e o que haverá de ser – na verdade, na verdade, não sei se foi mesmo, parece confundido com o que está sendo, o que haveria de ser é o que se foi, o que está sendo é uma ilusão do sonho que se anunciou instantes atrás, tudo parece entrelaçado com certas inconsciências, concebidas e nascidas dos instintos voltados para as justificativas e explicações fundadas e fundamentadas nos interesses espúrios, súcias ideologias, pergunto-me como o que há-de ser será possível, se o presente está amasiado, suciado  ao passado, entrelaçado com ele feito vermes, não tendo qualquer resposta, inda que inviável; pergunto-me ainda se haveria possibilidade de silenciar onze anos de minha vida, amanhã poderão ser trinta, três me foram bem fáceis, mas era garoto de oito anos, apesar de aquando em vez alguma perspectiva se me a-nuncia, cuido logo de devolvê-la ao catre com alguns comprimidos de Paracetamol, mais um para somar ao coquetel que ingiro todos os dias, algumas massagens nas costas, lugar onde tudo ficou mais que inscrito; jamais poderão figurar em qualquer espaço, levo-lhes comigo para os sete palmos de terra, não havendo quem possa tecê-los de modo a representá-los, quem conhece esses três anos de minha vida não irá dar com a língua nos dentes, respeita-me o último pedido de não fazê-lo, não que tema algo inconsciente seja exposto a todos os ventos, denegrindo-me a imagem, sim porque não quero carregar canalha nas costas pela eternidade, tudo o que disserem serão criações, invenções, frutos da imaginação fértil, mesmo dos interesses de importância, pois que contribui com leituras mais percucientes, esclarecedoras da psique e suas contribuições à personalidade e caráter insolentes, prepotentes – não acredito que a psique seja a responsável pela insolência e prepotência, em verdade são elas frutos da  consciência da inteligência e dos valores sensíveis e intelectuais que me habitam, foram sempre objetos de encômio - à luz do que é exterior, mas no interior a busca de verdades que me indiquem os caminhos do ser e dos verbos - o passado, seja o que ele?, passado e promessa de outro presente, outro futuro; é na carne mesma que trago esses anos, nela ninguém poderá mergulhar, arrancar dela as verdades angustiantes que viveu  por toda a vida, mesmo com a presença de todas as mimeses para tripudiar com as mágoas, ressentimentos e ódios -, o que penso e os sentimentos que me vão no íntimo, entre a verdade e a in-verdade – insegurança e medo, suponho, - que me diz: “O indivíduo, sob qualquer perspectiva e ângulo que se considerar e analisar, está sujeito a todas as mudanças, é uma lei a mais, uma necessidade a mais para tudo o que está por vir”.
Mas não é da esperança grande e imensa que nesta terra houvera, limpa e pura a alegria, como têm costume, hábito e orgulho de assim dizerem dela, sim da condição pesada e dura, cárcere de correntes e algemas, de trabucos e carne viva e sensível, a culpa terá firmeza, a responsabilidade, solidez, o mal logo mudará a natureza, os ossos para sempre sepultados – quão fáceis são ao corpo o caixão, a sepultura! Quão esplendidas são a hipocrisia e mesquinharia na construção de um patrimônio histórico.  
Pensando e sentindo isto profundamente, é que segui a minha jornada no mundo, realizo o que desejo, sinto-me feliz e alegre, saltitante. Se não me engano no momento, fora Fagundes Varela quem escrevera num poema: “Vim, vi e venci”, a aliteração mais famosa de nossas letras brasileiras. Vim sozinho, nos bolsos as experiências, dores e sofrimentos, na algibeira os desejos latentes e manifestos de a alma se revelar nítida e lucidamente; vi sozinho com os olhos de lince que desenvolvi por observar as coisas e a natureza humana; venci com os esforços e persistências que aprendi nas minhas andanças. A língua tornou-se afiada, faca de dois gumes, retalhei tudo e todos, não restou único para contar a história, dizer que fora privilegiado, jamais lhe fora dirigida qualquer palavra negativa, depreciando sua imagem, o que mostra com evidência ter havido algum sentimento de amizade por si; tiveram de engolir-me a seco, a todos faltaram palavras para dizer verbalmente, talento para escrever res-postas ainda que viáveis. Disse-o: é mais ser feliz do que escrever. Sentir-me-ei feliz e satisfeito, se todos procurassem a felicidade que lhes é devida, mesmo com todo o acervo de hipocrisias e falsidades. O que está escrito, está escrito, não adiantam os obstáculos e empecilhos, cumpre apenas escrever outro destino, com um pormenor esplendido: não precisei de ninguém, tudo estava em mim dentro, fora eu quem arrancou de dentro, o de que pude ter consciência e engenho para dizer fi-lo de modo que a vida se tornou outra. Aconteceu o amor verdadeiro, em suas asas alcei os vôos que desejei tanto em minha vida, comunguei-me a ele e a nada mais, não me casei com a cultura, com o povo, não o fiz com a família, casei-me com a amada de meus dias e quotidianos, e somos felizes, muito felizes.   
Dizer-me: “Muda a minha vida” seria desejar a transformação de tudo, até mesmo uma transformação de banda, de esguelha, em última instância, para trás, uma trans-formação para trás seria amenização ou paliativo do nada e angústia vividos...
À vida, o ser vivo, o tempo gasto por ela! Enrolam-me, ser vivo e tempo e, devagar, entro num mundo de quimeras e fantasias, vejo um vazio que torna a vagar pela minha própria ec-sistência de ser eu mais uma vez primata, e como pirata navego e estrago meu bom senso com uma simples brisa fria que esbalça minha balça que traz em si apenas minha imaginação comungada à inspiração. Meu corpo cai como se estivesse sem forças e energias de poder ver tudo claro. Meu sorriso amargo e frio tranca minha imagem, chego numa margem como simples homem, e con-templo o pôr do sol. Imagino a imaginação que de fato caracteriza, faz e concretiza o poder verídico, o poder da alegação, da fatalidade, da sufocação, da natureza, das leis, de uma linguagem, mesmo sendo quem a inventa e in-vestiga, cria e in-ventaria. 
Não nego facilmente, honra-me afirmar, apesar de sujeito a todos os enganos e erros, sujeito a todas as rejeições, perseguições e discriminações. Meus olhos se abrem sempre mais para os horizontes que necessitam e que sabem servir-se de tudo o que a santa sem-razão, a razão doentia rejeita, a alegria e o contentamento nesse caso são mais presentes e fortes, a felicidade mais verdadeira e real, o coração conhece bem percuciente “o que é isto – o sangue” que por ele passa e repassa a todo momento, sente-lhe o calor efervescente, vivo e pujante, o sangue quente, que sobe por nada até – dizem na minha terra que se fosse utilizado o nosso sangue na guerra, não seria necessária qualquer outra arma, daria ele o recado de eliminar a todos -, é da minha origem e estirpe, não há como negar ou subestimar, aliás sinto-me orgulhoso dele, não levo desaforo para casa, se tiver de levar algum, com efeito, passo a viver nas ruas da cidade, sem teto, sem lenço para assuar a meleca da influenza e da poluição, e sem documento, carne e ossos lhe agradecem sensivelmente a vida e os fervores, que abrem os horizontes para todos os futuros do espírito e do ser.    
Paro um instante, deixo-me balançando na cadeira à mercê da música que ouço, a perna direita se movimentando ao seu ritmo, o salto do sapato batendo no chão, The House of the Rising Sun, A Casa do Sol Nascente, desde que a conheci, há longos anos, quarenta e três, para ser exato, apaixonei-me, quando ainda não a entendia, amor após entendê-la, olhando, através da janela, a chuva que cai, os pingos que deslizam no vidro lentamente, o tempo nublado – mas tem chovido, hein, sô!, uma mineirice para brilhar sempre, quanto mais por surgir de supetão, sentidos inusitados e excêntricos, inéditos, afloram, transcendem o meramente contingencial -, esperando que no íntimo se re-vele um vento de renovação, se não possível, pelo menos olhar diferente as coisas e o próprio mundo, visão-{de}-mundo outra, a que me habita, em termos bem vulgares, está enchendo o raio do saco, está caindo aos pedaços de tão velha, não tenho vocação para velharias, não entendo a razão de nelas haver me metido, envolvido de alguma forma, contudo com sensibilidade e razão conservo o que me vai no íntimo, na vida, nem para os valores que nelas estão presentes, o amor que rego e cuido desde o amanhecer ao escurecer, por todos os dias, épater le bourjois, para usar uma expressão francesa, inédita em quaisquer outras páginas, com significado e sentido que trans-cendem a razão, intelectualidade, até mesmo todas as dimensões do espírito, quisera conhecê-los com percuciência, isso não é de minha alçada, deixo a quem quiser fazê-lo, se lhe aprouver dizer-me, fico-lhe sobremodo agradecido.  Não é verdade, contudo, que sou em absoluto inconsciente do sentido que atribuo a essa expressão, é histórica, nasceu em um período dificílimo da história francesa.
Há dias os sinos tocavam e repicavam os ares de um firmamento azul do dia como se fizesse pazes com o mundo, com a história de injustiças e arbitrariedades, com o presente de irresponsabilidades e cretinices, comportamentos e atitudes indecorosos e chinfrins, quem nesse buraco de mundo não viva de instintos e ossos?, de parasitismo, exploração e roubo notórios, saíam pombos da pequena igreja, esvoaçando baixos, preenchendo os espaços da pracinha, pessoas paradas, observando, no peito ad-miração e felicidade por cena tão mágica e maravilhosa, merecedora de ser filmada e apresentada nas telas televisas de todo o país para a apreciação de todos, assim elevando mais e mais a imagem histórica, cultural e artística de um arraial, cujas mentalidades individuais, sociais, políticas são menos que o nada, cujos homens nada são senão perspectivas, observadas e con-templadas, à luz das trevas. O inferno será para tais pessoas um lugar démodé, retrógrado, dogma da Idade da Pedra Lascada, para elas outro lugar deverá ser criado para substituir o inferno, um lugar mais terrível e amedrontador, que os vivos de hoje em diante passem a ter mais medo dele do que do inferno de outrora. Serão os pioneiros do novo inferno, merecedores de reconhecimento, pois em vida construíram-lhe. 
São momentos de lembranças, são instantes em que a sensibilidade se apresenta sedenta e ávida de vôos profundos, aproveito o ensejo para tecer em palavras o que presenciei naquele dia em que o povo do arraial com aparências de modernidades e modernismos, insuflado de importâncias e de alegrias contingentes e transcendentes, invadiu o templo como se fossem canibais de um mito, apaches e sioux de um rito, filhos de Cochise, de Jerônimo ou de Touro Sentado, este o índio mais sanguinário da história, de superstições dos deuses indígenas e pagãos; os pássaros cantavam suas músicas no tempo e este integrava na perfeição de um espaço distante, a brisa da manhã era como o espelho dos reflexos humanos, os raios efervescentes do sol naquela tarde eram como a imagem distorcida da racionalidade humana. Canto rouco e triste dos pássaros no quinto de um firmamento in-ec-sistente, que vai de-[r]-ramar de suores os gritos de generais e majores, tenentes e coronéis, cangaceiros e capatazes, apavorados e sensíveis à solidão. A brisa escorregadia judia com os pobres coitados, matando-os de frio, mas esse frio traz uma sensação de proteção. O vento apaga a lembrança, o revoltoso semblante do lugar parece uma contagem regressiva do tempo, do calor humano, da própria esperança. Sonhei e naquele sonho supus as mais lindas histórias de um conto de fadas e como numa fábula resplandecia a paz que mais uma vez julgava inter-mediária dos próprios homens, como num conto-do-vigário tecia com magia os tripúdios e enganações.
As criaturas... pequenas grandes criaturas que formam mito salva uma frase inerte e insensível aos ouvidos, memorizam uma expressão latina que suscita incólume verdade... à loucura... São elas o fulgor de uma estrela de um ponto que esconde e trans-parece lá bem distante, no longínquo de qualquer sensibilidade e racionalidade, onde os ventos de leste curvam-se e seguem humildes para a travessia da contingência à transcendência, imanência à divindade, são o brilho atrás da lua que reflete para trás a sua luz branca e resplandecente, incidindo nos campos silvestres, nos chapadões solitários e íngremes, nos bugres secos e esturricados, nas corcovas de serras e montanhas, onde as estrelas sinuam-se por outros trajetos e itinerários, não é negócio velarem os seus ossuários. A luz já se mostra duvidosa aos seus olhos, porque a lâmpada grande se esconde de por baixo do horizonte, e luminosa leva as criaturas a buscarem o repouso que descansa os lassos irracionais, na noite mansa. A lua que ilumina minhas imagens noturnas, vagando sobre a brisa, cortando o infinito de horizontes e uni-versos, chega cheia de ilusões de história depois de andar de quarto em quarto como num conto de fadas.
Que imagem luminosa, esclarecendo o manto à noite escura, a meus olhos estupidificados se afigura? A clareza da lua não é mais pura... Que encanto! Que esplendor! Que formosura!... Pasmar da imensidade é crer o imenso, é ufanizar-lhe de modo paradoxal, é elevar-lhe a imagem aos auspícios do sol e da lua; tudo em mim o requer, o adora, o sente. Eu ouço, eu olho, eu sinto, eu penso! – através dessa frase tão bem construída, seguindo linguagem e estilo, vejo homens analisando e interpretando e analisando o que penso e sinto, mostrando as suas belezas e os ácidos críticos que ela traz em si. Como espectro acompanho a Noite escura, ninguém me atende, nem deuses, nem mortais, ninguém me atende, sinto-me, contudo, aberto a todos os acontecimentos, situações e circunstâncias, tenho sede e fome de outro homem, o novo homem que em mim ec-siste, des-cobri-o, encontrei-o, e deseja seguir a estrela brilhante das transformações e mudanças, é tempo e instante de me entregar a ele de corpo e espírito, embora os conflitos e dores da alma.
 As criaturas da noite são apaixonadas. Fazem anarquia, fazem comunismo, fazem liberdade, fazem nonsenses e ridículos. Uma farra que descobre sentimentos, que envela dores e sofrimentos, que omite mágoas e ressentimentos, que eleva os fracassos e frustrações às antípodas da terra e do mundo. Que amam a madrugada, o latido dos cães, o zurro dos jegues puxando carroças. Que cantam com fervor, cânticos os mais di-versos na esperança de a aurora nascer, performando novos passos de dança, à luz do corpo, constituído de carne e ossos, de sensações e calafrios. Que somem sem deixar quaisquer vestígios.  
Empalidece e cai a noite que num murmúrio, sussurro, cochicho, martiriza uma parte adormecida do UNI-VERSO, e como cantam as aves cantam os sinos, novamente batendo, acordando o abismo que arregala de olhos vendados. Se todos sonharam? Sonharam, sim, e neste sonho supuseram as mais lindas histórias da escravidão e desrespeito aos direitos humanos, e como numa fábula resplandece a paz que mais uma vez julga inter-mediária da conquista e do resplendor.
Ali, à face da montanha, vejo sumir-se, nos pingos dágua, expressando de outro modo asco e náusea que me habitarão, enquanto for vivo, mesmo debaixo de sete palmos – disse à querida-doce-companheira-e –senhora que na sepultura vou sentir falta de nossas noites de amor e agarração -, mesmo por toda a eternidade até a consumação dos tempos, e serão sentidos por qualquer indivíduo, embora a sua sensibilidade seja apenas para sobreviver no mundo, a mentalidade bem menor que o salário do egregíssimo Prof. Raimundo, o milagre da obra humana, a magia das esperanças de algo ser construído à luz da verdade e do amor. Na minha voz tranqüila, impérios ruíram, orgulhos e vaidades escusas desmoronaram, ostentações de moral e ética indevassáveis quedaram sem direito a único suspiro, até as letras, em princípio, uni-versais e eternas conheceram o nada e o vazio do nascimento da razão, uma luta de morte pré-cede todas as mudanças, no sil-êncio da ordem uni-versal rigor da razão cobre o tempo novo, a fé nova que nasceu, as velhas que se transformam, mudam de fisionomia, mudam as faces. Esse cenário, se as câmaras cinematográficas filmassem em todo o esplendor e magia, transcenderiam a contingência de oitava maravilha do mundo, o mundo inteiro conheceria a divinidade do espírito e sensibilidade da imagem. 
Continuo escrevendo para um mundo distante, para mentes longínquas, de sermos nós, mas amplo de nossos pensamentos, mitos, ritos e história. E que minhas escritas caem num lugar vazio, num abismo sem fundo, onde este vácuo esteja imune da podridão, do odor fétido, muitas vezes ocupando a mente e a alma... Pensando, orando, ou a cantar, encontro em mim uma libertação, prazer que e-nuncia outros sentimentos e emoções, às vezes uma liberdade que esconde e liberta com sua única arma de defesa: “O LAZER”.
Todo dia, faça chuva ou faça sol, há o jogo de luz e sombra, jejum repleto de gula, o réptil subreptício com sua gosma de íntimo. Quem não sabe dos buracos negros nas profundezas do poeta? Quem não conhece os vazios e nadas nas pré-fundas do escritor?  Se os homens e a humanidade, mesmo que nos olhares de esguelha, não sentissem pena e comiseração de nós, o que seria de nossas vidas? Em verdade, humilhe-nos e ofende-nos, somos todos dignos de dó. No observatório do coração alucinado, perdido nas costelas das constelações, nas costas das estrelas e da lua, de sonhos e atônitas realidades, o escritor, o poeta são galileus no breu das inquisições, nas trevas da Idade Média. Todo cair da tarde a toada de medo, de insegurança, poema ou prosa de merda, merda de prosa poética, o morrer que começa feito cócegas nos dedos. 
Ouço, só, só no ser e verbos entre todas as ad-jacências do amor aos sonhos e utopias, quimeras e fantasias, o silêncio, silêncio afogado e úmido, longo suor frio, na medula espinhal ou no joelho que separa a perna da anti-perna, silêncio branco e sepulcral.  Quero amanhã lembrar-me que fui embora, larguei o passado à mercê do esquecimento do tempo, da indiferença e desprezo humanos. Jamais me esquecerei do olhar do ator John Wayne no filme Rastros de Ódio, contracenando com seus filhos Ethan Wayne e Patrick Wayne, numa cena de escuridão e uma luz fosca, o olhar perfeito do desprezo, só por ele merecia um Oscar inédito na história do cinema, o Oscar do Olhar verdadeiro e sincero, e nenhum ator senão John Wayne seria capaz de mostrar-lhe nas telas mundiais, ele que era frio e duro por fora, mas sensível por dentro. A Academia não dera a mínima para este filme. É com esse olhar que olho a hipocrisia humana, a história de certo povo. Na face das velhas casas alastram-se manchas de água, o rodar dos carros estruge no enlameado da rua feita de pedras, o meu bafo quente coalha nos vidros turvos – disse-o nalgum instante de minha vida, em circunstâncias e situações de que não me lembram, mas agora expilo a fumaça do cigarro à mercê do vento que se dirige ao leste do paraíso celestial, naquela época era a respiração lenta e comedida que se distanciava, a diferença de sentido e sentimentos reside aqui, hoje o éden está muito íntimo, entrelaçado em mim, comungado a todas as dimensões de minhas re-versas razões e in-versa sensibilidade, avessa intelectualidade e intuições do cogito ergo sum, lembrando-me do filósofo Descartes, por quem me senti atraído na idade de minha juventude, apesar de que não tenhamos quaisquer semelhanças nos interesses e objetivos, nas idéias desfaço-lhe as seguranças e certezas do que há-de vir, o por-vir tranqüilo e sereno, sem quaisquer dúvidas, a ciência pura e absoluta da vida, acompanhada da intuição, percepção, imaginação, inspiração, enquanto que o paraíso celestial ao leste está bem distante de mim, só mesmo na imaginação o concebo, e o desejo é de me aproximar dele, saber-lhe, re-colher-lhe e a-colher-lhe, no tempo, literalizado, tecer palavras que lhe id-ent-ifiquem a essência e o ser por vir. E imerso assim em umidade, quase alcançando a lod-icidade, com os pés frios, esmaga-me um cansaço sem tempo, um abandono absoluto da vida e da morte.
Sempre um sepulcro sutil debaixo do edredom e cobertor, altas horas da madrugada, minutos antes do canto do galo, na arapuca de Morfeu os pesadelos de Sísifo, assim ou assado, em si mesmo petrificado – narcísifo en-si-{mesmado}. Vomito finalmente o mito repelente, o mito indecente e indecoroso, o mito refutável e descartável: admito ser gente, con-sinto em ser humano, estar à mercê do tempo, estar sujeito a trans-formações, estar sujeito a ser o outro de mim, envolvido em todos os princípios e verdades do final.
Três horas da madrugada: reclamam as asas da alma espaço para voar além do corpo e do catre, além do bairro e da praça, além do chapadão e dos córregos, quer a alma excitada voar além da cidade, além das florestas silvestres, apesar dos morangos e pêssegos deliciosos e apetitosos, que tanto aprecio, além dos mares que se perdem no infinito, confundem-se com as nuvens brancas e azuis, deixam olhos extasiados e voluptuosos de prazer com a beleza e magia do uni-verso, universo que des-lumbra o barroco de sua apoteose, que a-lumbra o expressionismo dos sofrimentos e dores da alma, vice-versa-lumbra o realismo dos pensamentos e idéias no per-curso do tempo e de suas contradições, suas tragédias homéricas e ulisseanas. Pois que voe a desalmada, voe mais que águia, deixando o corpo em soluços, dissolvido sonrisal, alka-seltzer num copo de solidão.  Sempre uma dose de angústia sobre o acrílico do medo no Pôr do Sol da periferia onde, amargo, me exilo, penso e sinto o que me convém, o que está de acordo com a minha alma e ser, as saudades indescritíveis e indizíveis de minha querida Pitibiriba se me anunciam todas, sou todo saudades, sou todo ouvidos dos sibilos do vento, sinto-me sendo o outro de mim, e mando o resto para a “tonga-da-mironga-do-cabuletê” ou pentear macaco no pálido crepúsculo das montanhas...
Sonho que vai, sonha por que vem atraindo o toque de ser tocado, acariciado, sonho das belezas das profundezas espirituais, das buscas profundas de felicidade e alegria; dormindo, sonhando, sonho das realezas das perfeitas cordiais de sentir, de tocar, imanizar e curtir sem ser curtido. Sonho que leva tudo que corre no tempo, no espaço, nos traços entre-volados e opacos sem corrigir. Sonho de sonhar sem sentir, de interpretar, de impor, de ver e saber aquilo... 
Oh, bela terra não pode ser ingrata nem julgar suas costas cansadas inda jovem, nem fugir a paz ser sensata, volver com príncipes milharais e no arroz as espigas em ouro lhe envolvendo e o café... Oh, bela terra que acendeia em terra própria vida de matéria viva, imagem de sonho, eros oníricos... Oh, solo trincado pelos raios do sol, por entre o matagal virgem resplandece. 
Apesar de tudo quanto mais latir mais assustarei, deixarei os ouvidos sensíveis, até paranóicos, a alma em alvoroço com todas as dores e sofrimentos, aflorando e revelando as mais profundas e percucientes neuroses. Apesar de tudo quanto mais discriminado e perseguido mais o que latir irá ser inscrito nas laias e estirpes da história das hipocrisias e falsidades da raça humana, do patrimônio das arbitrariedades e gratuidades à liberdade de ser e não ser. Apesar de tudo quanto mais perdido mais encontrarei as veredas por onde trilhar os passos em direção aos infinitos da eternidade e sem-fim. Apesar de tudo quanto mais traído mais resplandeço, mais a minha estrela brilha no espaço sideral – sensível e espiritualmente envio beijos à amiga paulistana muito querida, quem num cartãozinho dissera-me da minha estrela que brilha, retornei-lhe as palavras com sentimentos sensíveis de carinho e ternura. Apesar de tudo quanto mais responsável e compromissado com os ideais de liberdade e sinceridade mais me sentirei disposto a seguir a jornada que a mim foi vocacionada desde todo o sem-fim da imanência. Apesar de tudo quanto mais unido às buscas mais menos serei. Minha memória eriça a fúria das ondas e nas profundezas do coração, lá nas suas pré-fundas, uma velha bandeira de pirata.  
O céu, forrado de estrelas, é um olho arregalado na penumbra do alpendre onde sombras se apalpam. Onde sombras se fazem de carne, cheiro de vida, de carne sendo mordida, de carne, luz encarnada.  A lua, em quarto - minguante, é um seio de soslaio que uma língua procura. As águas onde os ferros temperam, lágrimas são de míseros amantes; a viva flama, o nunca morto lume, desejo é só que queima e não consume.
Sigo a jornada dos obedientes, sabendo que no meio do mundo há quem empurre a pedra com dinamite nos olhos. Montado num jegue, de espora, capa de brim craque, chapéu de abas largas, saudando sertão a fora com os braços desenhados no ar. No canto, peças do cangaço que se paira, e paira o sertão nas sombras ócias da noite, nos vultos preguiçosos da madrugada. Cangaceiro é lua cheia no sertão, é estrela cadente na pradaria, e vem a noite, vem a brisa, vem a paixão pela estrela; no sono, a recordação. Na verdade, na verdade, a lua não se interessa pela conversa baixa, cochicho, sussurro dos gatos, dos ratos e dos homens – uma fraude fatal a favor de fulano de tal e cicrano bis. As paredes de cores e cores e cores estão imitando o poeta dos versos livres/oprimidos, o escritor de prosa re-versa/in-versa, o homem de silêncio/latido/zurro; estão imitando o filósofo das revelações e averiguações do porque da vida obscura, misteriosa e seus desencontros; estão imitando o apenas e o tudo/nada sem igual, sem raiz de um touco morto pelo progresso, pela indiferença, pela modernidade que enfim assumiu que morreu, caiu vez por todas no chão duro e trincado pelos raios do sol, seu esquife está sendo levado para o sepulcro no pálido crepúsculo da primavera, em verdade final dela. Estarei presente no momento de sepultamento, terei certeza e convicção de que morreu.  
A vida, alegoria ou pó que grita, que passa, explode e mofa? Hoje sinto a emoção verdadeira de uma entrega, e com tantos dissabores e enganos, uma entrega que se torna um fruto delicioso de sentir o seu gosto, pois reguei a semente até ver a árvore dando os seus frutos. Não digo que chegou o instante de chupar os frutos de minha árvore. É instante de ver os frutos amadurecerem e caírem da árvore – isto é muito bom, excelente, maravilhoso, mágico, pois que é a-núncio de que outros virão, ainda mais deliciosos, dizia-me há alguns anos um ator e amigo, por quem nutro amor e amizade indizíveis em palavras e sentimentos contingentes e transcendentes, que uma cena é mais profunda que centenas de milhares de palavras, mesmo a obra completa de um escritor. A árvore sente e repele, rejeita a nudez crua do boêmio não original, farsante da boêmia, vestiu a camisa, o corpo encolheu, diminuiu, tornou-se nada, de ouvidos elétricos.
Re-nascer é inevitável. Re-nascer como homem, ser humano é um privilégio, ser divino-contingente é uma dádiva. É o único estado que permite realizar o despertar de nossos pecados e culpas.


O raio almíscar e gelatinoso
de nada,
esvoaçante nas dobras
de uma cortina adocicada:
um vôo,
um alçar vôo no tudo,
no nada,
na imensidão
de uma brisa serena e simples,
em sua pequena asa esvoaçante.
Uma bailarina passando no fundo azul
e dilacerante de asas
gritos e sussurros,
de uma leve brisa de nada
e de silêncio.
Um gemido na noite do nada
e do absoluto.
Uma pausa.
O eco.
O eterno profundo.

O que se ergue, desabrocha, floresce e dá frutos, sorrindo ao Sol e ao uni-verso é a semente que virou árvore. Mas somente pode triunfar porque o húmus, rico e fecundo, lhe deu generosamente os nutrientes, ingredientes.  Triunfa a águia porque abre caminho para frente, triunfa o homem porque transforma suas dores em esperanças e utopias. A cada instante se muda não apenas o instante, não só o lugar do ponteiro do relógio, mas o que se crê nele, espera-se dele, deseja que ele realize, a vida passa entre viver e ser, entre re-versos pilares e horizontes.
Quiçá a vida seja inglória, não sei se deveria pensar assim, pois que há instantes em que é pura glória, é puro resplandecer, outros há que não, é inglória, mas, com efeito, conhecê-la é inglório, a sede de conhecimento trans-cende o próprio conhecer. Se re-cordo o que conheci de mim, o que viv-enciei do conhecimento de mim, o que pratiquei com os êxtases e volúpias sentidos, sentindo-me contente, prazeres e alegrias perpassando-me, outrem me vejo, e o conhecimento de antes, o passado é o presente que me habita a lembrança. Quem fui é alguém que amo, contudo somente em sonho. Feliz aquele a quem a luz do conhecimento se lhe a-nuncie, mas não todo. Que pesa o escrúpulo do pensamento na balança da vida? Conhecer, saber são muito importantes, mais importante ainda é não perder a capacidade de aprender.
Estou só. Luzes acesas, sombras corporais. Paredes encortinadas, cantos semi-áridos. Janelas entreabertas, roupas, objetos e jornais. A vida faz teias nos vastos murais... Vai no meio em romaria, está no fim do verbo amar, é a razão de haver a ilha, ai de mim, eu morreria se parasse de remar essa barca redondilha. Ninguém o sabe, não porque não o permita, não o con-sinta, tudo faço para não me deixar ver nas percuciências de minha alma, simplesmente porque esta minha solidão é mais que particular, é a minha essência, é o meu ser. Silencio-me e finjo. Finjo sem fingimento, pois que assim sinto que não tergi-verso o que em mim habita, não tripudio com as verdades em que creio impiamente, não jogo a carta da proscrição, esperando ser absolvido do erro de querer ser perfeito, feliz – a cada coração o único bem de ele poder ser dele.  


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