Só – sem esta solidão sem limites, sem este
silêncio sem deserto e arrebiques, sem esta mudez sem confins, sem esta nonada
sem travessias e partidas pontes
Ante a luz que ilumina o quarto, olhares
enviesados à grade, sensações re-versadas ao horizonte além, ante a escuridão
da janela aberta, a fumaça do cigarro entre-dedos, tragando o não-ser,
expelindo o que há-de vir... Vozes sussurram-me palavras quase ininteligíveis,
quase destituídas de símbolos e sílabas, os sentimentos perpassam-me, nascem e
re-nascem espontaneamente, as emoções divagam além das fronteiras de defectivos
verbos, aquém dos abismos das metáforas do espírito...
Meu Deus, onde estarei sem a solidão que me
acompanha? Em que montanhas trilharei meus passos sem o silêncio que em mim
habita?
Eternidade de idéias cobre-me em seu manto de
sonhos, utopias, cada vazio em mim de desejos preencho horizontes e uni-versos,
de êxtases a-colho infin-itudes do finito, de clímaces re-colho fin-itudes do
infinito, de volúpias con-templo a clar-itude sideral do universo, de estesias
lanço à peren-itude a poética do espaço. .
Sou quem sou vivendo-me, vivenciando-me por
inteiro. Nesta madrugada silenciosa, não se ouve o ladrar dos cães, dormem,
descansam das vadiagens do dia à cata de ossos e lixos que reviram à busca do
que lhes matar a fome... “Vigilio” os longos dias, longas noites dentro,
desejos, vontades, sonhos, utopias, dores, sofrimentos, culpas, fracassos,
frustrações, decepções, e sempre a esperança de nova aurora, quando o amanhecer
ilumina o coração de amor, e sempre a chama ardente da alma em busca do
crepúsculo, quando a melancolia, nostalgia se envolvem no espírito de outros
sonhos e utopias.
O silêncio no seu canto encolhido espera ser
re-colhido e a-colhido, e de manhã distancia-se. Por que caminhos anda, por que
trilhas dá seus passos, e passo a passo cada passo é um passo?,E na madrugada
triste, angustiada, aparece no seu canto envolto em outros desejos e vontades
que trouxe de suas andanças, espera a minha palavra, e eu o deixo sozinho,
sonhando outros amanhãs, dis-sonhando outros outroras e gêneses, pers-sonhando
outros apocalipses e gênesis.
Sem este desejo inerente ao espírito de refletir-me
nestas páginas brancas de papel, de nestas letras reunir os pedaços de mim, de
nestes sentimentos comungar os instantes de mim, de nestas emoções enlaçar os
abraços dados e recebidos, de nestas utopias ser artífice de um tempo, oh,
tempo, águias atravessam os horizontes, e no uni-verso de suas asas são sonhos,
desejos, liberdade, são esperanças de fé, de amor, entre os homens, a
humanidade - que são os únicos que me ouvem no silêncio de meus sorrisos e
lágrimas. Os companheiros de minhas solidões. Espalhados por todos os tempos de
outrora, de ontens olvidados; Sem esta angústia encalacrada no peito, sem esta
tristeza que desconheço as razões, sem esta depressão que, embora os motivos me
sejam transparentes, deixam-me no sangue a essência da incólume insônia; sem
esse medo, meu Deus,
sem esse medo de sucumbir diante da visão das
verdades em mim trago dentro
Ante a visão do desejo de amor, de ser amado, amar.
Estes homens que não apenas sussurram, cochicham,
murmuram palavras esplendorosas de amor, ternura, carinho, dedicação; não
apenas escrevem lindos, maravilhosos poemas d´amor dirigidos à amada,
confessando-lhe a paixão devassadora, avassaladora, na realidade são apenas
palavras, são desejos de encantar olhos que buscam no deserto um pingo das
águas da esperança, uma folha verde respingada de orvalho da fé. São vivências,
experiências à cata de poesia, de luz nos seus versos e estrofes, em sua
musicalidade, em seu acorde de paraísos e eldorados, tornando-nos viajantes que
a cada passo em outros campos, trilhas, cidades, esperamos o entardecer, a
noite, madrugada, que conversam com o silêncio e roga-lhe o prazer, felicidade
de sua palavra. amo estes homens
- meu Deus, como os amo – que dizem a verdade de
seus sentimentos, não importando se em dialeto caipira, se em sotaque
sertanejo, linguagem chinfrim, português erudito; refletem nas palavras ditas,
escritas, o amor que sentem, vivenciam, vivem, chegando, quase, às melosidades
do sentido. como eu os amo,
Suas atitudes, seus gestos, seus silêncios! Como eu
os amo, carnal, amorosa e sensivelmente, até que descubro nas entrelinhas deste
amor, o desejo de amar e ser amado perseguiu-me pela vida, e, amando os homens
que amam, justifico o amor que não vivo, fujo desta realidade que me oprime,
estilhaça-me por inteiro, da solidão.
No açougue, onde ontem fui comprar costelinha de
porco, estive observando as mãos de um jovem que destrinçava um quarto traseiro
sangrento, o animal abatido havia pouco, enquanto a cada gesto com a faca uma
nota musical era realizada.
Era canção nostálgica, melancólica, triste,
desconsolada, sua “esperança” de liberdade, felicidade, alegria, ee amor
eterno, refletia em cada palavra, verso, estrofe. e eu amei este jovem, seu
canto só se faz - assim acredito – quando com a faca na mão tira a carne dos
ossos.
Às vezes, quando a madrugada me envolve por
inteiro, sentindo os segundos e minutos passarem no silêncio do relógio, o
peito aberto e envolto em ânsias e desejos, as lágrimas não derramadas, os
desejos não realizados, os compromissos não cumpridos, as dívidas não pagas,
palavras, atitudes de não, dores, sofrimentos. da aurora, do novo dia que trará
novas esperanças, sinto a alma mergulhar nos vazios, abismos, alçar vôos
homéricos pelas montanhas, florestas e mares, buscando luzes, esperanças, fé,
escondidas nas dobras dos medos, frustrações, fracassos.
Digo comigo mesmo que a madrugada é gentil,
generosa, compassiva e humana,
está ligada à minha solidão, e seu desejo inerente
à vida é de libertar-nos da realidade de algemas e correntes, de revelar-nos no
espírito as divinidades que nos habitam, e são a ressurreição, redenção dos
pecados capitais, para os quais não há qualquer modo de negligenciar. E digo a
mim que o silêncio é companheiro, solidário, compassivo, está em mim, sou eu
nas suas re-presentações, a-nunciações, sou suas palavras, expressões, e sua
vontade é de me perder nele, deixar-me ser levado pelas asas da águia que
atravessa, travessia!, de re-velar-me na alma as transparências de brilhos
divinos.
Mistério da noite infinita, da madrugada que anda
em passos lentos em direção aos primeiros indícios da manhã, do dia que tecerá
os novos horizontes, uni-versos,
Tristezas, angústias, decepções. Roda-viva.
Manoel Ferreira Neto.
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