Oh!
doces horas de suave enleio! Oh! sereno enleio de olhares distantes!
Oh!
distância de olhares serenos! Oh! enleio de serenos olhares distantes!
Oh!
olhares en-si-[mesmados} de serenos enleios!
Horas
de suave enleio – amor, fé, esperança...
Elevo
a alma aos auspícios dos desejos mais profundos
Sonhando
o encontro do espírito e a águia
Que
sobrevoa os abismos e silvestres florestas.
Sereno
enleio de olhares distantes – confiança, força, certeza de outras
Sendas
da realidade e do irreal,
De
florestas silvestres, de chapadões desertos e solo trincado,
a serem per-corridas com determinação,
Insistência
e persistência...
Antes
menos... perspectivas e silêncio
Silêncio
e imagens a tecerem
Da
distância as linhas de encontros e desencontros
Amor
nas mãos feitas concha,
Carinhos
e ternuras no brilho dos olhos,
Meiguices
nos lábios finos e cerrados
De
palavras percucientes e sentidos abstratos,
De
entre-linhas ávidas de outros horizontes
E
uni-versos de poiésis e poesia,
De
linhas transparentes e nítidas,
Construídas
nas estruturas do desejo do belo,
A
estética das vontades e volúpias,
- Olhares...
Con-templação...
Na
metáfora da memória, na silepse da arte,
Nos
eufemismos que envelam as morais
Tradicionais
e retrógradas,
Envoltos
no sudário dos engenhos e estratégias
Con-templação
nas pupilas dilatadas,
Nas
retinas as imagens cientes do inconsciente
De
suas mensagens e realidades.
Já
não vou à busca da essência – o que me importaria nesse instante, se me
re-velasse em toda a sua pureza, sublimidade, onde nenhum diamante poderia
cortar-lhes as dimensões sensíveis, como é de sua natureza fazê-lo e
realizá-lo? Na pureza e na sublimidade a minha verdade maior estivesse não
apenas inscrita, escrita, mas biblizada na minha contingência, quem me dera?!
Ficaria boquiaberto de tantos êxtases e volúpias? As pupilas se dilatariam em
conseqüência de a alma haver-se insuflado, empolado, aberto os seus cofres mais
secretos, de as idéias e pensamentos haverem-se re-colhido na caverna do
in-ec-sistente, de os instintos haverem-se a-colhido o que há de mistérios na
carne e nos verbos que nela se trans-formaram, que con-jugaram instintos e
sensações? Quiçá me sentisse pleno, sublime, na alma o frescor de uma manhã de
in-verno, na beleza de seus panoramas no descampado, no espírito o vôo da águia que desbrava o
infinito, descortina o nada de todos os horizontes e uni-versos, dos urubus que
sobrevoam o Quartel da Polícia Militar – ah, ah, ah!... não é piadinha, nem é
sátira, já que só sobrevoam um lugar,
quando sabem de seu preferido alimento bem próximo, têm direito
insofismável a ele, enfim a vida está em jogo, resido ao lado, observo-lhes de
quando em vez, e me pergunto na maior de minhas sinceridades, honestidades e
seriedades: “O que há de podre ali? Sei que na Ditadura Militar tudo era podre
na Polícia, todos os valores e virtudes foram cerceados em nome de suas
ideologias e interesses. Há coisas que nem os séculos e milênios conseguem
trans-formar, dar-lhes novas imagens e realidades. Ao contrário, aumentam sem
limites e fronteiras”.
Talvez
me sentisse no paraíso terrestre. Para que essa pureza iria valer-me? O que
faria com ela? O que me diria a
essência? Noutros momentos tive essa necessidade, mergulhei-me por inteiro em
minha intimidade, a luta fora em vão, as experiências e vivências eram ínfimas
e miseráveis para esse empreendimento, e mesmo neste instante sinto que não
houve quaisquer mudanças; agora, não tenho essa necessidade, esta manhã de
ainda in-verno, em breve se re-velará a primavera, é outra em minha vida, e
quero desfrutá-la calma e serenamente. Tudo o que me satisfaz e contenta,
extasia-me, é degustar as emoções que me perpassam todas as dimensões
sensíveis, pensar estou sendo outro, sentir a outridade em mim dentro.
Confesso
estar vivendo sob inúmeras pressões nos últimos tempos, sensível que sou estão
mesmo exercendo fortes influências no emocional e psíquico, estou ressentindo
bem profundo o que tem acontecido, mas não me entrego a elas, tenho a catarse
nas mãos a todo momento, podendo utilizar-me dela quando me aprouver, vomito,
vomito, vomito, sigo em frente – se vomitasse na cara dos responsáveis por meus
sentimentos de não, só lhes mostraria o poder de meu estômago de virar-se às
avessas. E agora não estou a vomitar, re-flito sobre os ventos de minha
ec-sistência, emoções que me perpassam todas as dimensões sensíveis, as que se
me a-nunciam do mais profundo de meu espírito e ser, mas as das pressões sofridas
estão nas suas além-linhas, não são puras, cristalinas, mas são verdadeiras. Ao
longo da vida, aprendi a ser sincero comigo, isto, obviamente, ajuda-me a
distinguir, não com clareza e transparência, discernir o trigo do joio dentro
de mim, con-templo o que me trans-cende, busco trazer-lhe à realidade, assim
sou capaz de superar os problemas, de suprassumir os valores e virtudes,
sentimentos e emoções, silêncio e sublimidade que me habitam o ser.
Aroma
incerto no vento, canto erguido algures dentre as terras lavradas, dentre os
pastos de capim seco, luz que sobe de além da montanha, um raio de sol irisando
a poeira suspensa na metafísica das misérias e pobrezas, no abstrato das fomes
e sedes seculares, no solipsismo das angústias e tragédias fugazes e eternas,
são a súbita re-velação de uma realidade perdida, de um tempo perdido, e jamais
reencontrados ou referenciados, porque são só apelos, vozes inaudíveis,
derradeira origem do mundo original, profundeza sem fundo, abertura ao vazio,
limite do ilimitado índice que está para lá de todos os índices, de todas as
cláusulas e parágrafos ilícitos, de todas as constituições ilícitas e
jurídicas, se a-nuncia em mim pela pura suspensão, um ouvido atento e nenhum
rumor, um olhar incerto que procura o que não há, o que não ec-siste nem
algures, um recuo brusco para além de tudo o que é referenciável,
representável, um questionamento que não duvida de sua razão, uma cegueira
trans-lúcida de uns olhos opacos e abertos, uma interrogação que não interroga,
um encantamento de nada, um ad-vertência, aviso de nada. Ouço-os de novo a
esses cânticos anônimos que sobem das regas algures, em parte alguma, como voz
da própria terra, como sussurros e murmúrios de suas cavernas, buracos e
grutas, como lamúrias de suas próprias entranhas rasas e profundas, eu as
revejo a essas luas enormes na ascensão majestosa de uma noite quente de Verão,
eu os sinto ainda a esses aromas no vento e que aspiro ainda de narinas
dilatadas para que a sua realidade entre em mim e seja real, que os possa
sentir e deliciar-me com eles. E um trêmulo a-núncio fala nas origens do meu
ser, de minha obra, de meus desejos e vontades de realizá-los com perfeição e
apreço, no que os trans-cende e assoma no ilimitado de mim. Voz obscura de uma
alegria obscura, vértice de um encontro comigo, ó realidade perdida, imagem
desvanecida no horizonte dos horizontes, voz submersa a todas as vozes, e que
fala ainda quando elas se calam e eu ouço sem ouvir, e se a-nuncia quando tudo
se esgotou, e bate obliquamente como pancada leve no ombro, e que se abre além
da hora mais longínqua como uma varanda, e que irradia ainda de impossível para
além de todos os possíveis, e que recusa todas as razões para ser e é ainda, e
que inicia a minha vida onde ainda não há início, memória de um tempo antes do
tempo, de um começo antes de seu verdadeiro início na origem dos segundos e
milésimos deles, do lugar do meu nascimento verdadeiro, sede e princípio de
divindade que ainda não se corroeu. Eis porque a minha saudade a re-conhece a
essa origem absoluta que não é sequer “memória do céu”, porque o próprio céu é
já uma explicação desta voz mais antiga do que ele, é já uma concretização,
ainda que para lá do mundo, de um apelo que vem de além do mundo, de além de
todas as possibilidades de sua ec-sistência, do aquém de todas as alternativas
de minha historicidade e historial-idade.
Já
não viso o além. Como é belo o mundo, para quem o olha, ingênua e simplesmente,
sem nada procurar nele, sem nada desejar dele, sem saber o que o habita ou não.
Como são esplendorosos os astros e a lua, os arroios e as ribeiras, as
florestas e os abismos, o porco e a anta, a flor e o bem-te-vi, o sol e as
estrelas! É prazeroso e ameno passear pelo mundo, perambular pela cidade, na
sombra de por baixo das árvores, no sol escaldante, atravessando as ruas e
avenidas do mundo, imaginariamente, de Curvelo, contingentemente, de modo,
estilo e linguagem suaves, como quem acabasse de despertar e se abrisse a tudo
quanto o rodeasse, a tudo que se lhe a-nuncia de espiritual e sensível, além da
contingência, sem a menor hesitação, sorrindo de tranqüilidade, apenas curtindo
a natureza, e mesmo os inúmeros terrenos
baldios espalhados por toda a cidade, apenas sentindo as sensações de prazer
por estar vivo, por ser vida, por sonhar com a esplendidade das esperanças e fé
mística de meu povo.
Diferente
é o sol que incide seus raios por cima de minha cabeça; diferente o nascer do
sol de mim, ele é a manifestação sensível da natureza e da divindade sua, e eu,
que sou as vivências e experiências do passado, do presente, do futuro que me
virá a partir de minha consciência dos desejos e vontades do ser, e mesmo de
meus enganos, mentiras e dissimulações de minha natureza; diferente o “pôr do
sol” a cada dia, o panorama físico é disso testemunho real; diferentes são as
estrelas que deslizam e caem no per-curso da madrugada, e para quem observa com
atenção isso sente sua vida em todos os momentos em que havia a desolação de
todas as dúvidas e medos do futuro e do presente; diferente, a neblina da
manhã, após a chuva da madrugada; diferente o calor do verão, após as duas da
tarde, do in-verno, após as cinco da tarde; diferentes as noites de inverno,
primavera, verão, outono, é só observar o céu entupigaitado de estrelas e as
fases da lua; diferentes, os diálogos de quem ama e tem consciência de seu
amor, de seus desejos de divindades das emoções e conflitos avessos, de quem
odeia e é inconsciente de seus valores; diferente, a água da cisterna e do
regato; diferente o gosto do maxixe e da jurubeba; diferente, o aroma da manga
e do pequi, da banana e goiaba; diferente o sabor da palavra amiga, solidária e
compassiva, da palavra que só tem interesses em persuadir e convencer disto e
daquilo. Breves se tornam os dias;
efêmeras as noites. Cada hora voa, impelida pelo trabalho contínuo, pela busca
do pão de cada dia, pelos desejos da verdade, pela esperança da fé. Passam
vazias estações. A flor segue trans-colorindo a tela vácua do horizonte, sem
saber que ingratos olhos distorcidos na distância são labaredas extintas,
avesso riso, in-verso amor.
De
todas essas diferenças que acabo de elencá-las, devendo confessar que num
mergulho a que me ad-mira muito, não pensava que fosse capaz dele, seguindo o
ritmo e a musicalidade das a-nunciações do espírito, das nuanças de dores e
sofrimentos, comungados às emoções e sentimentos que me povoam, aos
questionamentos e dúvidas, aos problemas e conflitos, traumas e fracassos,
frustrações e tragédias quotidianas e diárias, a mais importante é a de mim
ontem, antes de todas as pressões, hoje, consciente delas e como estou
con-vivendo com elas, os caminhos que estou traçando para suprassumi-las e
superá-las, serão novas experiências e vivências, serão outras sendas de minha
alma a serem degustadas e amadas pela sabedoria que me proporcionaram, pelo que
me incentivaram na longa jornada através da vida e de seus problemas a serem
vivenciados com dignidade e orgulho.
Já
não aspiro a eternidade. Como é mágica a vida que caminha em direção à morte,
sem nada questionar, sem nada desejar, sem sonhos e utopias, só problemas,
dúvidas, desconfianças, medos e inseguranças, pressões, discriminações,
preconceitos, só a certeza de que não haverá mudanças, transformações, só a
ciência do fim e do esquecimento, nem mesmo a querência da redenção e
ressurreição, do paraíso celestial e do inferno. É maravilhoso o quotidiano de
levantar cedo, trabalhar o dia inteiro, ser desrespeitado, negligenciado,
roubado, sofrer assédios morais, assassinado hediondamente, não ter o que
comer, não ter o que beber, deitar, dormir, sonhar ou não, fazer amor com a
esposa, companheira ou servir-se de outros meios para o prazer e o gozo; é
dignificante não desejar valores eternos e imortais, não dar a mínima atenção
para as virtudes, para a verdade.
Já
não vou à busca da essência;
já
não viso o além;
já
não aspiro a eternidade;
antes
menos... perspectivas e silêncios
são
as querências, são as fábulas
e
lendas de outroras e recentes verdades;
são
os folk-lores das ad-jacências
culturais
e artísticas;
são
as mentiras e omissões
da
experiência e vivência da vigília.
A
noite é só tocaia; um descuido é perdição. Cachorro late-mordendo, cobra dá
bote e se esconde, jegue coiceia e refuga, filhosdaputa rezam o terço a Deus e ajoelham diante de Mefistófeles, sapo coaxa e dá pulinhos no brejo: “Viver é
muito perigoso”. Este instante é uma tristeza dupla, uma angústia múltipla,
camuflada em silêncio: momento de coisas finalizadas como se cada corpo,
desfeito em poeiras metafísicas e solipsistas, tornado em cinzas homéricas e
antigas, repousasse no sono da de-composição, na esperança de só pó misturado à
terra. A vida não tem fundo, não tem cancelas o chapadão, as porteiras do
sertão foram todas derribadas, encontram-se escancaradas a deus-dará, o menino
da porteira já não mais está aqui para re-criá-las, subir nelas e abri-las para
o boiadeiro tocar a sua boiada pela estrada de Ouro Fino. Perdura como a bolha
que a boca sopra e o fragmento explode. Neste segundo, todo uni-verso em
movimento é de nula sign-ificação. Este tempo metamorfoseado em lenços brancos
expira cheirando recordações, exalando memórias que não se apagaram, na
pronúncia rouca da palavra, na inutilidade do corpo na distância, no nada dos
instintos no que é próximo e presente.
Sou
desfiladeiro onde a palavra se perpetua, sou abismo onde o sentido se
trans-figura, sou caverna onde o meu ser trans-cende e se metamorfoseia em
desejos e vontades da realidade, do real e da verdade. Retida em minhas
paredes, a voz resvala em ecos. Cultivo o silêncio, a interna amplitude da fala
num diálogo oculto, num monólogo omisso. Falo na linguagem dos que me amam, não
dos que me odeiam, sentem invejas, ciúmes e despeitos, têm os seus direitos
inalienáveis e insofismáveis. A palavra
teço-a com o amor, apreço e acuidade do tecelão, entrelaçando fios no tear.
Bordo a palavra, idéia a idéia, linha a linha, sentido a sentido, ritmo a
ritmo, alinhavando a musicalidade que precede todas as minhas razões di-versas,
ad-versas e in-versas. Arquiteto os sentimentos e emoções, a cada movimento de
desenhar o símbolo, finalizando o enredo, arrematando a estrutura nas
entre-linhas de seu in-terdito silêncio.
A palavra e o escritor germinam na mesma cova e, juntos, vão no mesmo
passo, porque um no outro se completa, um no outro se comunga, um no outro se
adere – que tese se mostra a partir dessa comunhão? Ou que antítese é a idéia
transparente? Disse-o antes: já não vou
à busca da essência, já não viso o além, já não aspiro à eternidade, menos
ainda agora que desfruto outras sensações e sentimentos no íntimo, não os sei,
não os compreendo, não os entendo. Nada mais me diz qualquer respeito ou
sentido. Se dissesse, antes menos
respeito eu teria, preferiria a negligência absoluta ou deitar-me no
travesseiro do nada e dormir o sono do abismático solipsismo.
Sobem
aos céus os clamores dos homens, lastimam a triste sorte, o enfadonho destino.
Alguma coisa se rompe na região secreta onde se ocultam os gemidos, as
lamúrias. Algo como dardo ferroando o alvo. Alguma coisa mancha, grudando,
maculando e emergindo no amargo da saliva; num esmorecimento, algo sangra. Arde
como a carne repartida do próprio corpo... A carne guarda o cerne de alguma
vida ou mesmo de alguma reencarnação. Um compromisso. Uma responsabilidade.
O
caminho da chuva é o labirinto escuro do interior da terra; vertical travessia
de ventos e cores para a fragmentação do solo. Loucas miragens, roucas
linguagens. Sombra branda e definitiva,
eternizando no sugar das raízes ou no filtrar das pedras, no mesclado de poeira
e areia. Entre uma e outra chuva, todas as águas numa fundição de gotas.
Recordo-me das gotas da última chuva deslizando suavemente no vidro da janela
de minha alcova, quando sentia bem profundo a longa viagem que empreenderia em
busca de todos os sonhos e quimeras que alimentei pela vida, afora as ilusões e
sorrelfas que elucubrei nos instantes de solidão e desolação perenes.
Ando
em busca da estrela que brilha na madrugada. Caminho pisando campos e planto em
cada canto que passo a verde esperança da flor. Apanho o cristal que germina
nos múltiplos úteros do chão. As mãos unidas em concha colhem água em qualquer
fonte e afagam o broto que nasce desta fixa floração. Ando para a luz, levando o fardo camuflado:
velada canção de versos e estrofes perenes, de sonhos de ritmo e musicalidade,
de tragédia e enredo. Esforço-me para não ruir seco e falido, para não cair
duro e fedendo, para não ficar de pé, esquecido de que já morri, como o é a
modernidade, como o será a pós-modernidade. Escuto o cantar do galo, o cão
ganindo no escuro, pio de pássaro nas moitas. Descubro no boi berrando, no
relincho dos cavalos, no grunhir dos porcos, no entrelaçamento dos vermes de
todas as laias e estirpes, num lobo uivando na serra, no sapo coaxando à beira
do brejo um som recente – animalesco pré-(s)-sentimento – neste tempo que varia
como vento mudando o rumo, quando a chuva se anuncia, a seca continua, continua
o tremer do asfalto, se olhado de cima para baixo, vice-versa, na distância
plana e superfície reta. Felizmente nenhuma voz humana ouço – ouço a minha e
agradeço aos céus o privilégio de distinguir as suas nuanças de dor e
sofrimento -, é hora do sono, sonhos e
pesadelos di-versos. Vou à busca da estrela que brilha na madrugada. Sem
vacilar, vou cantando buscar um facho de sol – um clarão de liberdade – para
re-partir num sorriso no dia que vem raiando, e que será outro na outridade dos
tempos e de minha ec-sistência póstuma e póstera.
Fraca
possibilidade esboça-se e desaparece, roendo minhas entranhas, re-vezando
mordaça e escuridão, em que tateio o trajeto igual sombra que em sombra finda.
Rastejo e sangro, arrasto correntes, mas sigo. Seguir a estrada da vida – por
mais que essa imagem seja lugar-comum e dos mais ridículos – é isso: estar
consciente e aberto a todas as coisas que se a-nunciarão e re-velarão, estar
com desejo alucinante e efervescente de vivenciá-las a todas, experimentar-lhes
o sabor, ser o outro de meu eu, e sabendo que em breve tempo tudo se
desmoronará e será preciso viver e enfrentar outros problemas e conflitos. As
correntes de hoje serão as liberdades da alma e do espírito de amanhã; o sangue
que jorra a deus-dará de hoje será as esperanças de silêncio, sublimidade,
completude e eternidade de amanhã.
Já
não tenho querências da imortalidade. Deixar
um dia tudo acontecer, deixar ser, e saber: o que acontece é bom, o que é é.
Também a coragem deve um dia distender-se e à beira das cobertas de seda, sobre
si mesma dobrar-se. As altas chamas da alma tremulam, vozes estrugem, confusas
canções jorram dos cristais e das luzes; e finalmente dos ritmos amadurecidos
brotam os passos ritmados, brota a dança. A hora sussurrante se escoa no sonho
da noite. Ando às tontas que nem sombra combalida, meu coração está sem pai nem
mãe, sem jeito, e na boca o verbo é um beco sem saída. Minha palavra estéril,
meu gesto vão, minhas atitudes vazias e inúteis, meus medos acumulados na
noite, minhas angústias memorizadas na luz brilhante das estrelas e lua –
infinda taciturna solidão. De repente, chega num relâmpago, luz que cega e
marca feito açoite reverberando golpes no meu âmago.
Um
amante apaixonado não vive mais em si mesmo, mas na pessoa que se apoderou do
seu coração, sentimentos e emoções, idéias e pensamentos, desejos e esperanças,
fé e confianças, e quanto mais sai de si mesmo para trans-fundir-se no objeto
de seu amor, tanto mais sente redobrar-se o seu prazer, dividido, a mente nas
nuvens, os pés pisando a terra. Não teremos igualmente razão de qualificar com
o nome de furor o próprio estado de uma alma devota que arde de desejo por
alcançar a perfeição, a eternidade, e que não procura senão sair do seu corpo
pelo desprezo dos sentidos? Lentamente, desabrocha e amadurece no meu espírito
a percepção, o conhecimento do que na verdade significa sabedoria e deve ser a
meta das minhas buscas prolongadas, conjugar verbos perfeitos e imperfeitos,
tecer sentidos nas palavras menos que perfeitas, menos que eternas, menos que
compreensíveis, inteligíveis. Nada é senão predisposição da alma, a faculdade,
a arte secreta de conceber, a cada instante, em plena vida, a idéia da unidade,
de sentir a unidade, de encher dela os pulmões. Pouco a pouco, essa certeza
cresce em mim e meu reflexo aparece no rosto velho e todavia infantil,
revelando harmonia, ciência da eterna perfeição do cosmo, sorriso, unidade.
Homem
novo recria-se-me na transparência do meu ser. Sinto-o leve e lúcido,
instantâneo e incandescente, chamejante e ciente, por entre as cinzas que o
fogo deixou. Frente à noite que submergiu os homens e as coisas, frente à
anulação da vida transacionável e plausível, na recuperação deste início do
mundo, o homem primordial que em mim sobe tem a face atônita de uma primeira
interrogação. E não é isso uma imagem, uma figuração com que procure, contra um
hábito endurecido, abrir os olhos a um modo de ver, a um sentido de intuir,
perceber as verdades e as ilusões delas.
Voz
aberta ao insondável, eis que, porém, reconheço agora que se abre apenas ao
insondável de mim. Regresso a mim, ao meu corpo distinto e classificável onde
todo o milagre aconteceu. E pergunto-me, suspenso, como foi possível, como é
que uma breve semente abriu assim até essa Voz, até ao silêncio donde essa
Voz se re-velou, donde essa Voz falo,
donde essa voz gritou a todos os ventos os seus medos e esperanças. Frente ao
grande sono dos homens que o esqueceram, na atenção inexorável ao sem limite de
mim, a minha vigília arde como um fogo assassino. Lume breve na minha
intimidade, na brevidade de um pequeno ser, eu, anônimo e avulso, ocasional e frágil
– eu. E todavia, esse lume vibra de vigor, brilha único e intenso contra o
assalto da noite, contra o salto do sono ao sonho, contra a travessia do sono à
vigília.
Trago
em mim a força monstruosa de interrogar, mais força que a força de uma pergunta.
Porque a pergunta é uma interrogação segunda ou acidental e a resposta, a
espera para que a vida continue a sua jornada sem limites em busca do “Ser”, em
busca de suas águas límpidas e cristalinas.
Já
não vou à busca da essência;
Esplendido
paraíso, a memória,
De onde brota, súbito, o pecado,
De
onde surge, de repente, as lamúrias
E
arrependimentos.
Anoitece
de novo a mesma história,
A
mesma sucessão de vazios e nonadas,
Adeus
de adão ao éden tão con-templado,
Sonhado,
desejado, querido.
Já
não viso o além;
O
desespero entre quatro paredes,
Os
desejos con-vertidos em prantos,
As
vontades derretidas em lágrimas,
O
demônio a saciar as sedes
De
outrora antes do dilúvio,
De
ontem depois da rosa de Hiroshima,
É em
vão a intercessão dos santos.
Já
não aspiro a eternidade;
O que
a idéia pensa e o peito sente
É
como areia ao léu da viração,
Maré
baixa que vira de repente
Bravias
éguas soltas num tufão.
Já
não tenho querências da imortalidade.
A
noite é calma, um bulício remoto agita a palma da vasta mangueira, do outro lado da rua. Tem pérolas
o rio, a noite, lumes, a mata, sombras, o sertão, perfumes. Em toda a fronte há
luzes esplendorosas e mágicas, em todo o céu estrelas, em todo o campo flores.
A águia da liberdade, no imenso itinerário, voa às cordilheiras grandes.
Quebraram-se as cadeias, é livre a terra inteira. A humanidade marcha com a
Bíblia por bandeira. Quero empunhar a lira, quero dedilhar-lhe uma melodia. O
canto da agonia arrojo à terra, aos céus, e ao vácuo povoado de tua sombra, ó
Pai Eterno!
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