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terça-feira, 24 de novembro de 2015

BAGAS DE INFIÉIS E IMBECIS Manoel Ferreira




Perguntar-me-ia em primeira instância, até para ser diplomata e estratégico, o que devo fazer, se se me meteu na cachola que não se vive somente para isto ou aquilo e que, se se vive, é num palácio que é preciso ser instalado? Essa é a minha vontade, isto é meu desejo, instalar este palácio.
Quem seria capaz de me arrancar esta vontade, podem tentar anula-la a partir da perseguição, preconceito, marginalização, interesses mesquinhos e medíocres, podem obscurece-la com máscaras e véus? Nada pode arrancar-me esta vontade senão quando alguém perspicaz e inteligente tiver a ousadia de modificar os meus desejos. Pois bem, direi com todas as palavras e letras legíveis: “modificai-os, apresentai-me, senhores, outro fim, oferecei-me novas utopias e sonhos, novos ideais”.
Enquanto espero que me apresentem, ofereçam de coração e espírito, recuso-me a tomar um chiqueiro por um palácio de cristal. Isto até por bom senso: o chiqueiro é chiqueiro, palácio de cristal é palácio de cristal, a menos que esteja afastado de minhas faculdades mentais, seja insano.
É sim possível que o palácio de cristal não seja senão um mito, as leis do ponto e natureza  não o admitam e que eu o tenha inventado, criado, para satisfazer os desejos de pilhéria e cinismo deslavado, impelido por certos hábitos inconscientes e irracionais da nossa geração, não creio os tenha trazido de outras.
O que importaria, aqui e agora, que o castelo de cristal seja inadmissível, ininteligível? Que me importa, pois que ele existe nos meus desejos – construindo ou não construindo, em verdade -, ou, ainda para ser mais profundo, mergulhar na semente de mamona, pois que o castelo de cristal existe tanto quanto existem meus desejos?
Se me apresentarem meios e estilos de o instalar, se me oferecerem as oportunidades reais e concretas de fazê-lo, agradecerei a todos e oferecerei as mãos para o sacrifico, sentir-me-ei feliz e realizado, instalei o castelo de cristal de meus desejos.
Penso e imagino que os leitores estejam caindo na gargalhada pela pilhéria sem limites, numa linguagem e estilo clássicos, eruditos. “Ride até mais não podeis. Ofereço-me a interromper por alguns segundos até que possais continuar a ler. Ride tanto quanto vos faça felizes”.
Se me desnudo diante de vós, apresento-me a vós com estes e aqueles desvios de toda ordem e qualidade, ofereço-me numa taça de cristal para saborear-me num “à nossa”, aceitarei todas as pilhérias, admitirei todas as zombarias, recusar-me-ei, contudo, a declarar-me saciado das fomes milenares, sedes seculares, quando ainda tenho fome e sede; não me contentarei com uma responsabilidade, com um zero cada vez mais inclinando para a esquerda, renovando-se indefinidamente, pela única e exclusivíssima razão de que está conforme as leis da diplomacia, estratégia, os bons princípios.
Estivera numa garagem, num princípio de noite chuvosa, conversando com o proprietário quem tinha alguns galões de pinga. Disse-lhe com todas as letras: “Bem... Você já conhece bem um lema, pode-se dizer lema, isto de termos de articular as nossas preocupações e não nos afastar delas. Deste modo, não admitirei que o coroamento de meu castelo de cristal de meus desejos possa ser um chiqueiro, com alojamentos a preço módico no carnaval”.
Caíra na gargalhada, talvez por haver compreendido e entendido que as bagas aqui não são de infiéis e imbecis.
O que teria a dizer, não me referindo as gargalhadas do amigo? Destruí meus desejos, derrubai meus ideais, apresentai-me um fim melhor, a infidelidade e imbecilidade são mais dignos, e eu vos seguirei.
Ah, sim, nestes momentos de pilhéria, inda mais que não dirigido a alguns, aqueles e estes, mas genericamente, a carapuça serve a uns e outros, dir-me-eis que não vale a pena ocupardes-vos de mim, enfim quem sou e o que represento para ser tão prepotente, arrogante, com o “rei-na-barriga”. Neste específico sentido, posso garantir-vos que vos respondo do mesmo modo, até com uma pitada de pimenta.
Afianço-vos que não admiro um poucochinho sequer em mostrar a língua. Se me dirijo a vós nesta linguagem e estilo, é que outras não me são dadas saber, quem sabe por a língua haver se desenvolvido bastante; não é que aprecie mostrar a língua.
Faria cortar a minha língua com todo prazer e deleite, a medicina está muito evoluída para não estancar o sangue, por gratidão mesmo, se se arranjassem as coisas de modo que não mais fosse preciso dizer alguma coisa, causar polêmicas as mais sérias possíveis e impossíveis.
Não me digais que eu mesmo estou a renunciar o meu castelo de cristal muito cedo, pela única e exclusivíssima razão de não lhe mostrar a língua. Que me importaria se as coisas não se arranjarem assim, o castelo de cristal não seja instalado, tendo de alugar um cantinho no chiqueiro, até com buchas de papel nas narinas para não morrer cedo, isto se for possível chegar lá.
Digo-vos que durante quarenta e sete anos, permaneci silencioso no meu canto, cuidando disto e daquilo, tentando desvencilhar-me de inúmeras dificuldades, mas devido a sair do buraco, falo, falo, falo...
Se vim para dizer alguma coisa, então que seja para transformar, melhorar... Caso contrário, não mereço nem o chiqueiro, e o pior de tudo é que sou eu quem respondo pelo não-merecimento.          


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