HOMENAGEM
PÓSTUMA A MARCOS DE LEMOS
Os escritores curvelanos estamos de
luto devido ao falecimento do escritor Marcos de Lemos há poucos anos. As
letras curvelanas sentirão a ausência de serem impressas com ardor e volúpia, e
sempre a folha branca que seria preenchida por ele estará presente em nossos
espíritos.
Marcos de Lemos nasceu em Curvelo.
Diplomou-se como Técnico Têxtil e em Direito, e a primeira profissão o fez
viajar mundo. Apaixonado por livros e por escrever, já com o conto A grande vantagem obteve o
primeiro lugar no Concurso Nacional Canta Brasil, da DGF Edições. Nesse mesmo
evento, no item Poesias de Caderno, teve incluídos dois poemas, A alegria e O amor. Publicou também
O grande tecelão, narrando parte
da trajetória da indústria têxtil desde os primórdios coloniais, onde sobressai
a saga de Alexandre Mascarenhas, pioneiro no ramo.
Dos escritores curvelanos é o menos
conhecido, suas obras não são conhecidas em Curvelo. Tirei uma de suas obras de
minha biblioteca, a mim ofertadas com dedicatória, doando-a à Biblioteca
Pública, a fim de os curvelanos pudessem conhecê-la e avaliarem a sua arte, a
sua obra.
Conheci-o em Belo Horizonte por ocasião
do lançamento de Ópera do Silêncio em 28 de novembro de 2000. Não mais tivemos
outra oportunidade de um encontro, tiramos foto juntos (nela seguro os seus
quatro livros a mim doados, que trago afixada num quadro no meu escritório),
agora escrevendo esta homenagem póstuma, digo com sinceridade que as suas
obras, as suas letras, se mergulhadas com profundidade, tornam-se bússolas para
o encontro de nós mesmos, o que em verdade em nós trazemos dentro. Curvelo
ainda não conhece sua obra – e é este o objetivo de minhas críticas sobre os
nossos escritores curvelanos -, mas com esta homenagem espero que todos os
curvelanos procurem conhecer sua criatividade, sensibilidade, intuição,
percepção, a valorizar suas letras dedicadas à Vida.
O enredo de suas obras passa na Rússia,
país que conhece por leituras e visitas, e que o fascina. Pável e Fyódor foi o primeiro da série,
seguido por Muito além do
agora – vidências de um camponês. Como nos outros romances do “ciclo
russo”, aqui se encontram a exatidão histórica e as cores autênticas dos
ambientes em que os fatos se desenrolam.
Lúcio Cardoso é considerado o
Dostoïévski brasileiro pela crítica. Paulo César Lopes publicou em revista um
ensaio sobre o conto Sonho de um
homem ridículo
de Dostoïévski. Eu próprio desde os dezesseis, dezessete anos sinto profundo
amor pela literatura russa, por Dostoïévski, escrevi uma tese nele.
Interessante isto de os escritores curvelanos
estarmos muito ligados à literatura russa, e Marcos de Lemos haver residido na
Rússia.
Creio que possa em poucas palavras
expressar esta admiração, seguida de influências, diretas e indiretas, por os
curvelanos estarmos ligados à Rússia, tirando um excerto da obra Pável e
Fyódor, editora Armazém de Idéias, à página 62: “...
observamos as belezas íntimas daquelas maravilhas, miramo-las em todos os
ângulos imagináveis”. Sim, os curvelanos observamos as belezas que nos
habitam a alma, observamos os sentimentos e emoções que nos habitam o espírito;
miramos as belezas dos sonhos, ideais, utopias que vivem em nós, perpassam a
nossa alma e nos deixam com sede de contemplarmos e revelarmos a nossa
espiritualidade; miramos em todos os ângulos imagináveis as verdades que nos
habitam o recôndito da alma em busca de nos revelar, manifestarmos os
sentimentos mais puros e ingênuos. O russo tem sede de expressar a dimensão
mística que habita a humanidade, e, sem dúvida, o curvelano é um povo místico,
embora não conheça conscientemente esta dimensão do espírito. No meu ponto de
vista, aqui reside esta proximidade nossa com a literatura russa, com
Dostoïévski: a bússola de nossa busca de nos perdermos e nos encontrarmos na
espiritualidade.
Diante da voluptuosidade das letras de
Marcos de Lemos, resistimos certo tempo com bravura, mas o vigor juvenil
suplanta a dignidade, e excitados, em simultâneo nos despimos inteiros,
corremos e pulamos, alegres e saltitantes, permitindo-nos contemplar as
verdades da vida, vislumbrar nossas belezas íntimas, desejar o encontro da fé e
da esperança, desejar o conhecimento de nossas dimensões psíquicas, emocionais,
espirituais, contemplar os horizontes de nossos pensamentos e idéias. Em nosso
único encontro, perguntou: “Você já pensou o que é isto de pensamento e idéia
em nós?”; na verdade, fiquei-lhe devendo a resposta, continuo pensando.
Encontrando-nos na eternidade, espero que tenha condições de a resposta.
No decorrer da leitura de Marcos de
Lemos aprendemos a cavalgar de verdade, a dar rédeas aos sonhos e ideais, em
direção ao horizonte, ao crepúsculo, desejando mais e mais perder-nos na
Majestade do Crepúsculo, na Aurora da Vida.
Difícil a perda de homens com quem nos
sentimos próximos, íntimos, para sempre sentimos o vazio, a ausência. Difícil
para mim a perda de Marcos de Lemos com quem me sinto tão próximo devido à
literatura russa, a Dostoïévski. Contudo, jamais será esquecido, sua obra,
tenho a certeza, irá ao longo dos anos despertar em mim outros sonhos,
inclusive o maior deles: conhecer a tão querida e amada Rússia.
Em mim habitará sempre a saudade de
Marcos Lemos. Ele já é eterno, mas a sua bússola nos orientará e encaminhará
para sempre.
Manoel Ferreira Neto
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