Quando um ato
absolutamente arbitrário, gratuito, provoca demoníaco eco, o homem se sente
quase livre diante daquilo que seu grito provocou. A verdade eu mesmo não sei –
ainda que o soubesse, acredito seria bem complexo e difícil descrever num
alfabeto de sons comuns a todas as línguas e linguagens -, talvez nunca saiba,
pois já me afoguei em justificativas, mergulhei-me numa atmosfera de buscas e
tentativas de explicar-me, e isto de algum modo transtorna as expectativas e
intenções.
Posicionando-me assim,
não deveria desperdiçar um parágrafo à cata de esclarecer, de tornar límpida e
transparente a idéia, mas num átimo de tempo veio-me uma espécie de pensamento
que poderia aproveitar. O homem se sente quase livre diante daquilo que seu
grito provocou por conservar no íntimo de si uma esperança e um desejo para a
paz e tranqüilidade de espírito, o que tanto pode ser uma perfeição como
imperfeição, mas nem se lembra disto, desejava apenas ouvir o eco de seu ato
demoníaco, de sua angústia e desespero.
A
cruz de um homem é esquecer-se de sua própria voz, aprendendo a assinalar e
assimilar os sons em nível de as coisas irem se sucedendo livre e
espontaneamente, e a ele só cabe assumir as novas possibilidades de silêncio e
a entregar-se por inteiro à sua realização. É neste esquecer-se que acontece
então o fato mais essencialmente humano, aquele que faz de um homem a
humanidade: a voz própria adquire uma vastidão em que os outros homens cabem
todos e onde se abrigam, são compreendidos e entendidos.
Não
sei o que estou pensando, nem o que gostava de pensar neste momento, nem busco
sabê-lo. Creio que assimilei uma técnica desenvolvida por mim, aquando tomo da
pena para dar continuidade ao desejo do espírito: escrevo sem pensar, seguindo
o fluxo da consciência e a atitude da alma, e só espero o instante de terminar,
aí vou saber se há sentido, se está de acordo com as minhas preferências e
gostos. Por vezes, sim, por vezes, não. O que resta é continuar tentando,
continuar observando a condição humana e desejando estabelecer o seu rosto e
fisionomia..
Creio
haver necessitado de minha própria gentileza e finesse para não atravessar o
silêncio com a própria ilusão, pois o silêncio em que eu me retrate sou eu, mas
o silêncio vazio é que é o silêncio vivo. Só alguém muito fino pode entrar no
silêncio vazio onde há um pensamento vazio, e com tal leveza, com tal ausência
de si, que a paixão não marca, seguir estabelecendo e construindo a perfeição
esquiva.
Suntuoso!...
Declaro que me incomoda sobremodo escrever nesta dimensão do espírito, buscando
atingir a sensibilidade pura, transparece um desejo que não será de todo
realizado, ficando agarrado na garganta o entrave da impossibilidade, e, além
disso, a angústia no tempo sem limites e fronteiras, a tristeza de jamais me
ser dado o que mais espero e desejo: definir-me vez por todas.
Pondero
estas considerações, aplicando nelas um juízo e análise com estas atitudes de escrever sem pensar os
sons comuns ao alfabeto das necessidades e vocações do homem, com certeza
decorosas e humanas a respeito da condição humana, das esquisitices e
imbecilidades de todos nós em se referindo ao hábito de olhar o mundo desejando
assimilar a sua continuidade, a sua perfeição.
Com
destreza de observação, são olhares frios e severos, desnudados de qualquer
consideração e mínima pena. Na juventude, no mais tardar no princípio da
maturidade, há até certa graça em contemplar e vislumbrar a perfeição,
empreender-se de corpo e alma à sua execução. Se, contudo, nestes olhares podem
favorecer o impulso inevitável a qualquer homem a sua disponibilidade de
refazer-se e a possibilidade de transformar sua realidade, por que não me
beneficiar com a contemplação do silêncio e do vazio, indivíduo imperfeito e
maculado que sou.?
De
fato, o mais louvado de todos os humanos foi ditoso nas coisas temporais,
enquanto outros, os mais desditosos, detestados, viveram ensimesmados pela
volúpia e inveja, e se viram vencidos nos dramas e conflitos, nas culpas e
remorsos que a matulice acendeu na alma.
Não
apenas que fique nítido, público e notório então para mim, o totalmente
indiferente e ilusório do ideal e do sonho, mas vejo sobretudo como até o mais
interessado dos homens não considere o ideal como coisa principal, como aquilo
que irá tornar possível ao menos vislumbrar nas serras e montanhas um campo a
ser percorrido e que será o porto de chegada e de estabelecimento.
Acredito
sim que desperdicei a juventude em pensamentos e sonhos impossíveis, de
alcançar um nível de perfeição invejável a todos os homens; acreditei que o
alfabeto de sons comuns, se trabalhados e delineados ao longo das experiências,
proporcionar-me-ia uma vida, se não realizada de todo, ao menos nela houvesse
um caminho para a perfeição e sublimidade. Há coisas que só se aprende com o
tempo e as experiências: este alfabeto de sons comuns para mim tem o valor de
um mergulho na busca de conhecimento e de realizações, sejam mínimos ou
máximos, o importante é que me entreguei a ele, dando-lhe engenhosidade e arte.
Não
tenho intenções de uma revolta ou rebeldia, mas há quando me pergunto porque
não nascemos com a perfeição e sublimidade, uma única experiência nos
despertássemos para elas, pondo-nos de imediato à sua execução, para nalgum
tempo de nossas vidas sentirmos plenamente realizados.
Antes,
não sei se por necessidade de dar prosseguimento ao que estava tentando
delinear no espírito, mas me referi aos sonhos da juventude como vazios e
indecorosos, mas a verdade é que não foram propriamente sonhos, e sim quimeras
de um indivíduo que não havia inda acordado para o inusitado das revelações
espirituais, e só hoje posso realmente sentir que são sonhos, são utopias
cristãs no ápice das serras e montanhas, a mil e trezentos metros acima do
nível do mar.
Antes
e melhor ser nesta eterna idade que me encontro com as utopias cristãs no ápice
das serras e montanhas, que mais tarde num
campo coberto de plantas herbáceas que servem para pastagem, abandonado
e solitário aos rigores das variações das condições atmosféricas (temperatura,
chuvas, ventos, umidade).
Manoel
Ferreira
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