O que é a felicidade senão a simples harmonia entre um ser e a própria
existência? E que harmonia autêntica e verdadeira pode unir o homem à vida do
que a dupla consciência de desejo e sonho de duração e destino de morte? Graças a isso, ao menos, torna-se possível
apreender e aprender a não contar, servir-se de coisa alguma, e a considerar o
presente a única verdade que é oferecida, possibilidade que é ofertada
gratuitamente.
Entendo que me digam: Diamantina, São João Del Rei, Ouro Preto, terras
antigas, onde tudo existe à medida do homem e suas necessidades espirituais.
Mas, se isto é certo, onde encontrar a felicidade e onde está o caminho?
Deixem-me abrir os olhos para buscar a própria medida e alegria! Talvez não
seja preciso abrir os olhos no sentido desta busca: entendo e compreendo bem. A
medida do homem: O silêncio e as pedras mortas, inertes. Tudo mais pertence à
História.
Creio fosse sobremodo
interessante continuar, acrescentando algo mais acerca da felicidade. Não fora
dito, posso afiançar com vigor e orgulho, que a felicidade deve ser inseparável
da esperança e da compaixão, custe o que custar. Está ligada ao amor – o que
não se trata, em princípio, da mesma coisa.
Conheço certos instantes
e lugares em que a felicidade pode parecer tão dolorosa e difícil que é
preferível a anunciação e promessa. Digo
isto, alias, pensando e meditando, a fim de não cometer gafe, o que seria
desagradável, porque, nestes instantes e lugares, não tinha coragem para amar,
isto é, para não renunciar. O que é necessário mencionar é o ingresso do homem
nas festas do amor e da beleza, um fora-da-lei retorna ao amor. Deixo cair os
véus, abro as mãos, diante de Deus, da insignificante moeda de minha
personalidade, caráter.
De todas estas evocações
do passado que tenho vivido na grande efusão dos primeiros anos nasce-me imenso
bem-estar, redobramentos de amizades que reuni em desejos enormes de
intimidade. Agora, tenho inúmeras responsabilidades, sou homem feito a
principiar a vida séria; impõem-se-me obrigações de construir pousadas.
Além das janelas
fechadas, há um coro de pardais em todas as árvores que circundam a residência,
e não pára um minuto sequer, e tudo vai adquirindo esplendor e glória no
infinito de dedos que deslizam nas teclas, procurando registrar o que acontece
e desaparece num passo de mágica e de horror. No céu azul profundo nuvens
espessas põem nódoas. Com o final da tarde, cai luz prateada em que tudo se
torna silêncio. O cume das colinas a princípio está coberto de nuvens.
Levanta-se, depois, brisa cujo sopro sinto no rosto. Com essa brisa, por detrás
as colinas, as nuvens se separam como uma cortina que se abre.
Tristeza, melancolia
esvaeceram-se. A cortina cerrou-se. E a
colina tornou-se a baixar com seus ciprestes e casas. Depois novamente – sobre
outras colinas cada vez mais e mais apagadas na distância -, a mesma brisa que
descerrava aqui as dobras espessas das nuvens, tornava a cerra-las além.
Neste imenso e amplo
movimento respiratório da terra, a mesma exalação se conclui, a poucos segundos
de distância, para outra vez retomar de longe em longe o tema, de pedra e de
ar, serra e colinas, de fuga à escala do mundo.
São olhos em nenhures.
Não quero cantar eternas melodias suaves e singelas. É reconfortante ouvir vozes, notas de beleza
e simplicidade. O silêncio, apesar das ondas e dos pássaros, é próprio desse
campo tão próximo às serras. A alma devia ser forte como os braços e grande
como as mãos.
Admiro sim, e muito, o
laço que une o homem ao mundo, o duplo reflexo em que o coração é capaz de
intervir e dizer sua felicidade, até o limite em que o mundo pode então
aperfeiçoá-la ou destruí-la. Diamantina! O único lugar onde compreendo e
entendo, enfim, que, no íntimo do silêncio, à busca da senda perdida, há consentimento
latente. Em seu céu, mesclado de escravidão e liberdade, aprendo a submeter-me
à terra e a deixar-me abrasar na chama sombria de seus festejos.
Gostaria de lançar um
olhar ao silêncio, este silêncio irreverente que se faz neste instante, cuja
porta vejo eternamente aberta, de fio-a-pavio, e ainda mais ao silêncio atrás
deste.
Ui! Que decoração rica,
que espelhos e porcelanas!...
No âmago do dia, quando
o céu abre fontes de luz no espaço imenso e sonoro, todas os sentimentos puros
e inocentes mergulham na idéia do
limite, e das águas silenciosas eleva-se angustiada plenitude.
“Temo os longos
silêncios que deixam a vida em branco, as pequenas frases que parecem nada
conter e, no entanto, selam pactos e rupturas, lacram as correspondências do
destino, uma palavra supérflua, mão que escorrega. Bem que poderia ter direito,
parece-me, a um pouco de destino – por mais que o queira, evita-me, a luz que
chegou a me ofuscar, acaba por se apagar ao lado. Por mais que revolva a noite,
escrutando a longa vida branca que nunca foi pródiga, por mais que o faça, por
mais que o deseje, sou quem vê emergindo de um fundo de luz lisa, sem conseguir
furar a sombra, a pequenos prismas e perspectivas, o véu noturno que recobre o
contrário humano”.
O Criador quis perpetuar
a vida pela impureza? Quando homem e mulher estão no leito, o amor pode unir
seus espíritos e elevá-los bem acima de suas carnes. O amor é também uma das
fontes do espírito. Não devo pensar nele em termos de conquista, mas de
rendição. Se não consigo me render a um ser humano, como posso me render ao
Senhor? Porque o Senhor exige infinitamente mais do que um ser humano.
Amo intensamente esta
vida e desejo falar sobre ela com liberdade, e só assim posso sentir
perpassar-me por inteiro a felicidade. Dêem-me o orgulho de minha condição de
homem, esta condição suprema e divina que me é capaz de tornar feliz. Ouço
sempre alguém dizer que não há qualquer motivo para orgulho, sentir-me
orgulhoso. Creio que há inúmeros: o sol, vento, chuva, frio. É para conquistar
tudo isso que preciso aplicar força e recursos. Todo ser belo tem o orgulho
natural de sua beleza, e o mundo, hoje, deixa seu orgulho destilar por todos os
poros. Diante dele, porque haveria de negar de pés juntos a alegria e
felicidade de viver, se conheço a maneira de não encerrar tudo nessa mesma
alegria de viver: Não há nenhuma vergonha em ser feliz.
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