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terça-feira, 24 de novembro de 2015

ÁGUA BENTA NUM COPO DE LEITE



Ah, senhores, pudesse eu agora fechar os olhos com bastante força, como se tivesse saudades daquele sonho de estar andando num campo de grama muitíssimo verde, flores por toda a sua extensão, de cabeça baixa, mãos cruzadas nas costas, quando ouvi uma voz que, em princípio, pensei ser-me bem familiar, mas quando virei, já estando a pessoa perante mim, descobri não tê-la visto antes, e talvez que jamais a tenha querido ver e nem tampouco passar por ela,  e ela perguntou a mim se estava a caminho das sendas perdidas, respondendo-lhe eu que não, que estava apenas procurando espairecer um pouco as idéias por me encontrar cansado, desejando mesmo prolongar este sonho um pouco mais, isto, inclusive, iria de algum modo poder persuadir que seguia a alameda que me conduzia a uma verdade de mim,  quando a pessoa disse era necessário ir-se embora, mas que eu continuasse lutando, não desistisse por um segundo sequer, e isto me conscientizou dos valores que assumo no mundo, a luta seria a minha salvação.
 Porém, minutos depois, acordo e salto da cama, lembrando-me de que não coloquei água benta no copo de leite, tomando, antes de deitar para dormir, e que o faria naquele exato momento; Tomar a água benta havia feito uma insofismável revolução em minha vida Tenho sem dúvida buscado apanhar o fio que me liga a todos os sonhos incoerentes e contraditórios que tive durante toda a vida.
        Enquanto, olhando-me ao espelho, percebendo a necessidade de pentear a barba, porque o hábito de cofiá-la com constância a deixou eriçada de todo, consciente de que tenho de vestir-me, procurar uma roupa que me caiba bem, combiná-la, ou seja, produzir-me com esmero, calçar um sapato muito bem engraxado, erguendo ora um pé, ora outro, admirado com o êxtase e euforia, sussurrando algumas palavras entre os lábios, palavras inteligíveis e portadoras de sentido, ao mesmo tempo em que o rosto vai subscrevendo os pensamentos e idéias, os desejos e vontades, os sonhos e ideais, com metáforas adequadas, com símbolos precisos, com signos exatos.
Arauto do invisível avulta pela permanência o oratório que vibra a fibra adormecida, o meu temperamento romântico, e por que não dizer a impulsividade de acreditart que revelo o espírito, quando deveria dizer que manifesto a alma, repleta de circunstâncias e situações. Acabo de retirar do fogo a mísera e formosa heroína de amores desgraçados.
Naufrago uma vez com o homem negligente, empenhado na sorte dramática dos pés feridos em panos velhos de linho, com a respiração alterada, e desde então é substituído pela imagem de angústia...
Não assisto ainda  à aparição de mim a mim próprio. Nunca penso a sós comigo, no silêncio? Estou vivo, sei-o e muito bem, eu, este vernáculo de sonhos que sinto presente, vernáculo que não se pensa, não se toca, é estranho e arrepia de alegria e me põe os olhos na eternidade.
Como se uma árvore me acompanhasse, dialogasse comigo – árvore de grande copa, de desejo definido, curvada como para me saldar, parabenizar-me, com o seu amparo, o viajante da ressurreição.
Como se mãos possíveis me estendessem um tesouro, qual não seja o tesouro de olhos verdes, tesouro aberto para o prazer da alma e realização do espírito. Enigma suficiente para aproximar o amor; resultado capaz de fazer acordar a humanidade dos homens.
É leve, ágil, inquieta – com um pouco de ingenuidade;  às vezes agressiva, mas dotada de espírito perspicaz, sinuoso, capacidade de reflexão e perquirições. Nisto posso entrever o retrato de mulher, se não convém falar também dos olhos, a imagem do tesouro, que, se são nítidos como os de Eva, após o pecado, se é que houve m,esmo o antes dele, consigo pensar nestes olhos distantes. Olhando de certo modo, os risos ameaçam ou penetram os interstícios da consciência alheia. Estas ocasiões que são raras, mas não são duvidosas. A expressão é outra, meiga ou ingênua, e mais de juventude que de adulta, mais de mãe.

                                       

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