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terça-feira, 24 de novembro de 2015

ADUSTA TRAVESSIA DE ENREDOS


 

"Nunca me foi dado compreender a relação de vocês. Algo estranho. Quis mesmo acreditar feriram-se muito. Com efeito, há feridas. Não justifica tanta estranheza. Nada dispersa esta angústia. Não será agora irei compreender. Ri muito, quando você me disse: "Fizemos um acordo. Iremos nos encontrar na velhice". Sem sentido. Quis crer vocês representavam um ato de uma peça trágica. A peça nunca existiu. Quis acreditar vocês não têm coragem de se abrirem. O que há para se abrir? Vivem abertos. Nada lá dentro. Tudo vazio. Que espécie de relação é esta? Mas parece a coisa chegou a tal ponto não há mais como sustentá-la. Mesmo assim me pergunto: "O que houve para não ser mais sustentado?". Nada houve. Se ela não está mais interessada em continuar... Não quer continuar. É o que tudo indica. Você traçou outros caminhos. A coisa fica sem resolução. Tudo o que fica mal resolvido tende a voltar. Parece, entretanto, você não tem mais ânimo e disposição para buscar resolução. Cansou-se. Agora, por toda a sua vida irá lembrar-se dela. Uma angústia sem fim. Um duro questionamento: "O que houve?". Não terá respostas. As situações estarão distantes. Nem haverá como desabafar com alguém. Quero acreditar vocês se amam e por não se conhecerem não sabem deste amor. Mas, com efeito, não há amor nesta relação. Talvez haja um amor diferente este século não terá o privilégio de conhecer. E a história impede de ser realizado. E não há como se realizar agora. Não a conheço. Conhecendo você, digo sem pestanejar: você é alguém diferente. Nem com cem anos de convivência diária é possível conhecer. Um homem feito para não ser conhecido. Conheço alguns relacionamentos na história foram mesmo complicados. O de Kafka com Felice. O de Fernando Pessoa com Ophélia. O de Kierkegaard com Olga. Mas o de vocês dois nada há de substancial. Afasto aqui um pensamento meu: eles dois querem imitar os relacionamentos conflituosos de escritores e filósofos. Se quisessem imitar alguém, seria o relacionamento de Sartre e Simone de Beauvoir. Seria um relacionamento de causar inveja. Não há imitação de Anny e Antoine de Roquentin. Mesmo que você quisesse imitar, ela não iria aceitar, tem uma personalidade forte, tem os pés no chão. A coisa não teria continuidade. Pode não assumir isto, mas ela domina você. Uma relação vazia. Dentro do vazio outro vazio. Tudo é possível. Nada se pode determinar. O homem sempre surpreende. Não acredito tenham se ferido tanto a ponto de a relação tornar-se vazia. Vê-se mágoas, aborrecimentos, ódios, raivas. A coisa teria proporções catastróficas. Inimizade real e contundente. Mas não. Brigam. Ficam um tempo longe um do outro. Você a procura. Tudo volta. Mesmo que seja em conversas por telefone. Já quis acreditar: são dois solitários que não assumem a solidão. Reconciliam-se, pois o diálogo afasta um pouco o sentimento de solidão. Se fosse isto, mesmo que não assumissem, iriam procurar um meio de conservar a relação, viverem em harmonia um com o outro. Procurariam desculpas e justificativas para esta harmonia, escondendo a solidão. Mas não. Há sempre querelas. Já quis acreditar vocês dois não sabem o que querem um do outro. Em você, sinto não querer nada dela. Reconheço em você uma boa vontade de estar bem com ela, de solucionar todas as mágoas. Mas não é com ela quer solucionar as mágoas. É com o mundo. Transfere para ela. Tudo bem que procuremos solucionar nossas coisas com alguém. E assim mesmo... É o outro quem nos ajuda. Mas você não quer ajuda da parte dela. Não quer solucionar seus problemas com ela. Nada quer dela. Não há mesmo uma transferência. Já quis acreditar há algo que persegue cada um de vocês dois. É o que impede a relação. Claro. Cada indivíduo possui algo que lhe persegue. O homem um dia surge. Passa a vida inteira lutando contra este algo. Há indivíduo não consegue superar isto. Agora, o que lhes persegue não impediria esta relação. Igualdade não há para se enxergarem um no outro. Este espelho só acontece na imaginação. Por mais imaginação haja nesta relação, não neste nível. Sem dúvida, há muita imaginação. Vocês dois são orgulhosos. Um quer ser mais auto-suficiente que o outro. O pouco sei de você sei de seu complexo de superioridade. Se é que existe humildade, está escondida. Você não se mostra. Ela deve saber disso. Parece ser perspicaz. Teria feito algo para mudar você. Conseguiria. Tenha em mente que tudo isto que estou a dizer-lhe é só um comentário. Conheço você faz um ano. Muito pouco ainda. Talvez ela conseguisse esta mudança. Domina-o com facilidade. Percebo bem querem se esconder atrás da Filosofia. Ambos são filósofos e conhecem bem a Filosofia. De que vocês gozam? De nada. Escondem atrás da Filosofia, a fim de dizerem a si mesmos? "Fugimos de nada". Nada há entre vocês dois. Se for perguntado a você: "Quem é ela?", não saberá dizer coisa alguma. O mesmo no concernente a ela. E por quê? Com efeito, não é por não se haverem revelado. São dois anos de relacionamento. Você percebe a complexidade desta relação? Nem sei o que poderia estar pensando sobre esta nossa conversa. Afinal, está com os seus vinte e oito anos; estou eu com dezenove. Agora, sem dúvida, há algo de inconsciente nisto. O importante não é a inconsciência da relação. Cada um de vocês luta com esta inconsciência. Se bem lhe conheço, tem uma facilidade incrível de penetrar na alma humana. Você sabe de algum segredo dela. E ela sabe de algum segredo seu. A mágoa existente pode estar aí. É o que fez estarem juntos até hoje. Você agora começa a perceber esta inconsciência sua. Disse-me tão logo nos conhecemos que não acredita na inconsciência. Só não caí na gargalhada por não fazer meu estilo. O que disse foi de todo imbecil. Lembra-se do que meu irmão lhe disse: "Deixe de fazer gênero". Não é com ela irá conviver. Por que vou dizer isto agora não sei. Com os trinta e oito anos de idade, irá acontecer algo em sua vida que irá mudar tudo. Nem me pergunte porque estou dizendo isto. Não tem confiança nela. Não irá aceitar. Pergunto: "O que é isto?" Não lhe peço dizer-me. Jamais diria. Só a você mesmo diz as coisas, quando as diz, não acredita na inconsciência. Será mesmo verdade. Não esteve representando como disse meu irmão? Acredita e não quer acreditar. Se diz a si alguma coisa, é que não tem outra escolha, alternativa. É de se surpreender uma afirmação desta. Parece ser um homem muito sincero. Observava eu, quando nos conhecemos, ser ela uma deusa para você, não havia outra mais inteligente, mais culta, mais sensível. Era tudo para você. Teria sido ela mesma? Não digo haver alguém na sua vida naquela época. Não. Este alguém está lá no seu passado. A quem amou e ama tanto?"   

Manoel Ferreira Neto.



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