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terça-feira, 24 de novembro de 2015

ADEMAIS DE NÓS E NATUREZA Manoel Ferreira




Voz de indignação. Ouve-se em sonhos. Eco saindo do nada. Do centro da fogueira, miolo das chamas, não surge som algum. Se devesse surgir, não me interessa. Qualquer coisa no tempo onde vai morrer o tinir de passos apressados. Chamas retorcendo-se em algemas cativas. Saem da massa incandescente onde se distingue vago o mármore.
Olho ao relógio. Vinte horas e quarenta e nove minutos.
Feto, aeiou. Feto, aeiou. Feto. Féretro. Falta-me afeto. Falta-me redescobri-lo. Descentraliza-lo. Distribuí-lo. Entregá-lo.
Estou um feto. Molhado por dentro e por fora. De dentro para fora. Esse branco.
Esse sol.
Esse reflexo.
Esse eu.
Misturo. Tudo. Faço nada. Sensação. Portão. Plutão.
Esse muro já devia ter caído. Todos caem.
Esse entre(nós).
Entre eu e eu.
Movo-me com cautela. Olhos abertos. Nada enxergando. O corpo acompanha a música. Sem que, a princípio, ouça a melodia.
Vertigem. Rigidez de olhos. Deuses urgentes. Rodo-me. Consciência gela ardente sangue. Repassar abas com lembranças. Silêncio compõe álgidos  afrescos na face.
Mortos dobram-se. Rutilantes pontas aceradas atrás do esquife seguem. Amigos divorciados rebrilham féretros. Mortíferos golpes cortejam muros erguidos. Falange triste. Trespassado adeus caminha tremendo para o chão. Veredas solitárias encrespam sussurros sucessivos. Ninfas latinas. Geram telhados empoleirados. Deuses nunca vencidos.
Silêncio que há. Quietude semelhante. Ausência de ritmos ou dissonâncias. Qualquer coisa fluída, escorregadia. Circunvago a vista em torno. Atônito. Sem nada entender. Compreendendo tudo. Espera com dúvida o resultado do gesto. Há flores por toda parte. Sento-me.
Calor que me toma inteiro. Dilacera-me. Surpreendo a sombra e o silêncio sob a ambigüidade.Desgraçado e oblíquo. Suporto palavras veladas, omissas. Interjeições indecentes, imorais. Exclamações ocultas. Períodos hostis. Provocam cócegas na garganta. Fissura idiota de rir às náuseas. Parágrafos molambosos.
Deslizo a mão pelo criado mudo. Toco o maço de cigarros. O isqueiro. Acendo um. Olhar de brasa de cigarro. Atitudes baralhadas e esmorecidas.
Palavras presas na garganta. Variação alguma. Brecha da imaginação fraca. Linguagem escura de carne retalhada. Torcida na agonia. Coberto de buracos que jorram sangue. Frestas de paralelepípedos enclausurados, encalavrados e vermelhos. Sarjeta de olhos esbugalhados. Careta medonha.
Impossível fixar as vistas. Vai-se a noite. Aqui, deitado, fumando. Olhando as horas passarem.
O cansaço amassa-me. Amarra-me com grossa corda. Resta de mim o fastio. Desejo de aniquilar-me. Acabar-me. Diminuindo-me. Aproximando-me. Afastando-me. Fundindo-me.
O carnaval se foi. Dores habitadas do rio ao leito. Sonhos reprimidos. Crianças nos claros da tarde. Cachorros na boca da noite. Galos nos dentes do dia. Cada desejo, um açoite. Janela aberta. Peito estrangulado. Nunca vou. Nunca volto. O que não digo queima a mim. Não satisfaz o falado. Não odeia. Nem ama. Viaja leste.
Comigo, distraio-me. Embora, medo. Não me lembro. Não me esqueço. Recordação quase vaga.
Como pode criatura? entre tantas amar? Amar e esquecer? Amar. Querer e adorar. Por que não andar? Andar. O que é a vida? Morte ou pedir de amor?
Ah, se pudesse!... Correr só para mim. Tanta saudade. Nem sei. Demonstrar?... Abraço. Beijo. Ficaria olhando. Contemplando. Nada diria. Compreenderia.
Muros esquadrinham-se a arestas cinzas de pedras. Janelas. Convizinham com sacadas fronteiras. Olhar mudo. Longa recusa. Abrir uma carne e a personalidade que lá habita. Enquanto a busco. Retorno. Redução da pessoa a uma coisa. Trabalho por reinventar-me o enigma. Porta para abrir. Amor. Verdade. Tantos olhos a atirar-me sombras.
A cidade afunda-se aos pés que chocalham sapatos.
Voz de arame. Póstuma. Irrealidade que dura mais que um indivíduo. Riso demoníaco.
Obstinação flutua náusea e desdém. Máscara encrava intrigas fáceis. Hábito mergulha em água gelada as afeições despudoradas.

Desespero. Fuga. Mergulhar é meu nome. Mergulho, minha poeira. Olho para dentro. De mim mesmo investigo. Sou. A poeira ruidosa impede que abra os olhos. Tudo cessou. Aparência. Molhado – estou criança-feto.     

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