Voz de indignação. Ouve-se em sonhos. Eco saindo do
nada. Do centro da fogueira, miolo das chamas, não surge som algum. Se devesse
surgir, não me interessa. Qualquer coisa no tempo onde vai morrer o tinir de
passos apressados. Chamas retorcendo-se em algemas cativas. Saem da massa
incandescente onde se distingue vago o mármore.
Olho ao
relógio. Vinte horas e quarenta e nove minutos.
Feto, aeiou.
Feto, aeiou. Feto. Féretro. Falta-me afeto. Falta-me redescobri-lo. Descentraliza-lo. Distribuí-lo. Entregá-lo.
Estou um feto.
Molhado por dentro e por fora. De dentro para fora. Esse branco.
Esse sol.
Esse reflexo.
Esse eu.
Misturo. Tudo.
Faço nada. Sensação. Portão. Plutão.
Esse muro já
devia ter caído. Todos caem.
Esse
entre(nós).
Entre eu e eu.
Movo-me com
cautela. Olhos abertos. Nada enxergando. O corpo acompanha a música. Sem que, a
princípio, ouça a melodia.
Vertigem.
Rigidez de olhos. Deuses urgentes. Rodo-me. Consciência gela ardente sangue.
Repassar abas com lembranças. Silêncio compõe álgidos afrescos na face.
Mortos
dobram-se. Rutilantes pontas aceradas atrás do esquife seguem. Amigos
divorciados rebrilham féretros. Mortíferos golpes cortejam muros erguidos.
Falange triste. Trespassado adeus caminha tremendo para o chão. Veredas
solitárias encrespam sussurros sucessivos. Ninfas latinas. Geram telhados
empoleirados. Deuses nunca vencidos.
Silêncio que
há. Quietude semelhante. Ausência de ritmos ou dissonâncias. Qualquer coisa
fluída, escorregadia. Circunvago a vista em torno. Atônito. Sem nada entender.
Compreendendo tudo. Espera com dúvida o resultado do gesto. Há flores por toda
parte. Sento-me.
Calor que me
toma inteiro. Dilacera-me. Surpreendo a sombra e o silêncio sob a
ambigüidade.Desgraçado e oblíquo. Suporto palavras veladas, omissas.
Interjeições indecentes, imorais. Exclamações ocultas. Períodos hostis.
Provocam cócegas na garganta. Fissura idiota de rir às náuseas. Parágrafos
molambosos.
Deslizo a mão
pelo criado mudo. Toco o maço de cigarros. O isqueiro. Acendo um. Olhar de
brasa de cigarro. Atitudes baralhadas e esmorecidas.
Palavras presas
na garganta. Variação alguma. Brecha da imaginação fraca. Linguagem escura de
carne retalhada. Torcida na agonia. Coberto de buracos que jorram sangue.
Frestas de paralelepípedos enclausurados, encalavrados e vermelhos. Sarjeta de
olhos esbugalhados. Careta medonha.
Impossível
fixar as vistas. Vai-se a noite. Aqui, deitado, fumando. Olhando as horas
passarem.
O cansaço
amassa-me. Amarra-me com grossa corda. Resta de mim o fastio. Desejo de
aniquilar-me. Acabar-me. Diminuindo-me. Aproximando-me. Afastando-me.
Fundindo-me.
O carnaval se
foi. Dores habitadas do rio ao leito. Sonhos reprimidos. Crianças nos claros da
tarde. Cachorros na boca da noite. Galos nos dentes do dia. Cada desejo, um
açoite. Janela aberta. Peito estrangulado. Nunca vou. Nunca volto. O que não
digo queima a mim. Não satisfaz o falado. Não odeia. Nem ama. Viaja leste.
Comigo,
distraio-me. Embora, medo. Não me lembro. Não me esqueço. Recordação quase
vaga.
Como pode
criatura? entre tantas amar? Amar e esquecer? Amar. Querer e adorar. Por que
não andar? Andar. O que é a vida? Morte ou pedir de amor?
Ah, se
pudesse!... Correr só para mim. Tanta saudade. Nem sei. Demonstrar?... Abraço.
Beijo. Ficaria olhando. Contemplando. Nada diria. Compreenderia.
Muros
esquadrinham-se a arestas cinzas de pedras. Janelas. Convizinham com sacadas
fronteiras. Olhar mudo. Longa recusa. Abrir uma carne e a personalidade que lá
habita. Enquanto a busco. Retorno. Redução da pessoa a uma coisa. Trabalho por
reinventar-me o enigma. Porta para abrir. Amor. Verdade. Tantos olhos a
atirar-me sombras.
A cidade
afunda-se aos pés que chocalham sapatos.
Voz de arame.
Póstuma. Irrealidade que dura mais que um indivíduo. Riso demoníaco.
Obstinação
flutua náusea e desdém. Máscara encrava intrigas fáceis. Hábito mergulha em
água gelada as afeições despudoradas.
Desespero.
Fuga. Mergulhar é meu nome. Mergulho, minha poeira. Olho para dentro. De mim
mesmo investigo. Sou. A poeira ruidosa impede que abra os olhos. Tudo cessou.
Aparência. Molhado – estou criança-feto.
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