A máquina de escrever auxiliara
bastante a quem tinha o hábito irreversível e imprescindível da pena,
profissionais de todos os níveis. Manuscrever páginas e mais páginas cansava
muito, os dedos doíam, e não era algo de nível às exigências do sistema. Só
havia um problema: o erro de datilografia existe por mais exímio seja o
profissional, em documentos oficiais não podiam figurar um único. Era
necessário datilografar vezes e mais vezes até não figurarem. As exigências do
mercado se posicionaram e daí surgiu o corretor. Ajudou bastante.
Por mim, exigente como sou, usar a
máquina de escrever era um martírio: pretendia não houvesse um único erro,
ademais que um amigo íntimo dissera-me que não leria páginas com erros de
datilografia. Muito sacrifício, e mesmo assim ainda figurava um erro aqui e
ali. Preferia, então, manuscrever, o que me ajudara a melhorar a caligrafia,
modo e estilo de aproximar-me do estilo original, o barroco-contemporâneo.
Com a aparição do computador, tudo se
tornou muito simples: corrige-se, enquanto se está escrevendo, e qualquer erro
é eliminado da página, agradável e saudável a leitura. De novo, muito me
auxilia o computador para a escrita quotidiana, e, ademais, ajudara-me a
desenvolver a linguagem, a ortografia, a correção gramatical, e, assim,
transcendi, aperfeiçoando a linguagem erudita e clássica.
As facilidades se tornam problemas
sérios e pujantes. Adquiri a preguiça de manuscrever qualquer página, e, em
verdade, de escrever de qualquer maneira, até assinar o nome. Não tenho a
preocupação com a caligrafia, enraizou-se em mim, não houve qualquer mudança.
Às vezes – era mais assíduo há uns nove
meses -, sentado em bares ou botequins, tomando a branquinha, garatujo palavras
em papéis quaisquer, guardanapo é o mais comum. Chegando a casa, digito,
fazendo as devidas correções.
Surgiu um outro problema. Não adianta
comprar caneta, sempre a perco, até no mesmo dia da aquisição. Necessito dela
para alguma eventualidade, e se procuro alguma no escritório nas gavetas, sobre
a mesa, pensando haver alguma jogada por algum lugar, não encontro.
Numa eventualidade, peço emprestada a
caneta, dizendo a quem peço ser um escritor sem pena, o que dá possibilidade de
interpretações as mais críticas e irônicas: os oportunistas que se sentam nas
cadeiras de academias e não têm uma única palavra escrita, não escrevem nem
bilhetes para a empregada ou a amante; não tenho quaisquer pejos em ser
crítica, não tenho pena do criticado, mostro-lhe as feridas mais íntimas. Há
algumas pessoas, na maioria conhecidos e amigos, que compreendem haver
sarcasmos nestas palavras simples: “sou um escritor sem pena”, mas há quem
apenas entende a situação, não tenho caneta para assinar o nome, tomar nota de
um telefonema ou coisa parecida.
A problemática vai muito além dessas
simples picuinhas que estou registrando com tanta facilidade, os dedos tocando
as teclas rapidamente: se manuscrevo os textos, as idéias ficam ceifadas,
multifaceladas, não consigo concatenar os pensamentos. Isto porque estando a
digitar, retornando a todo momento para ler, avaliar se não poderia
acrescentar, esclarecer algum sentido, suficiente tocar a tecla de “enter”,
dando um espaço, incluindo o que estava obscuro, enfatizando alguma emoção ou
emoção. Manuscrevendo, isso não é possível, a menos que faça anotações dos
lados da página, o que jamais fiz.
Interessante... Faço uma autocrítica, e por
fazê-la consciente, sabedor dos auxílios e prejuízos, não tenho qualquer
vontade ou desejo de passar a manuscrever os textos – não por preguiça, por
haverem falhas e ausências na construção das idéias, mescladas de sentimentos e
emoções os mais diversos, mas simplesmente por guardar papéis não é coisa
aconselhável, quando menos se assusta só há papéis por todos os cantos. Já
pensou guardar sete mil e tantas páginas num escritório: não se anda, não se
faz nada nele, isso se for possível entrar no espaço.
Se penso melhor nessa autocrítica, não
encontro quaisquer justificativas ou explicações – aliás, é muito difícil viver
sem justificativas ou explicações, inda mais estas por serem dimensões
espirituais, aquelas são de nível da alma, da contingência, que muitas vezes se
confundem com as fugas e medos. Para que as justificativas ou explicações? Para
o fato de não me dispor a manuscrever os textos.
Em verdade, explicando-me com
consciência, a nível espiritual, transcendendo as picuinhas, tenho a dizer que
só digitando os textos é que me sinto tranqüilo, auxilia-me na exigência da
linguagem clássica, erudita; só na digitação é que me acho seguro, é realizar o
que em mim habita com pujança e contundência.
Não obstante, se deixar qualquer erro
gramatical, tenho a certeza de que a lâmina do machado descera sobre a minha
cabeça com toda a categoria. Ademais, os erros vão satisfazer o “ego” de alguns
que têm a ousadia e pretensão de afirmar aos quatro ventos que tenho inveja
deles, não sou querido como eles, não sou o motivo de encômios os mais diversos
possíveis. Se não satisfaço o ego dos leitores com as historietas de comadres e
compadres, as picuinhas de simples e humildes, como eles mesmos dizem no que
isto tange.
Nalguma dimensão da linguagem e estilo
necessito das luzes da ribalta incidindo sobre a minha calvície, que vai bem
adiantada, se não tomar cuidado só restarão alguns fios de cabelo próximos às
orelhas, na borda delas, sendo a direita maior que a esquerda – obviamente, não
se tratando de orelha de abano. Creio que as destes homens que dizem sou quem
os inveja, não conhecendo esta realidade, é inconsciente, são as verdadeiras de
abano, pois não se sentem presas à cabeça, que, ademais, comanda todo o corpo.
Alguém me dissera, um doutor em
Literatura, alguém de relações mais que íntimas, isso só Deus pode explicar com
categoria, pois as dimensões de nossas relações se fundamentam inda mais na
espiritualidade e religiosidade, trata-se de meu compadre, o maior crítico que
tenho, que não é fácil entender-me e compreender, é necessário um conhecimento
prévio, mas a linguagem e estilo encantam os homens, devido à linguagem
poética, havendo dimensões que são chaves de minha sensibilidade.
Agora, necessitando de uma caneta para
anotar um telefonema não encontrei, o que me obriga a memorizar, o que não me é
difícil, um sacrifício.
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