Os cristais tilintam e faíscam. O trigo está maduro: o pão é
repartido. Mas repartido com doçura? Sempre cri que harmonizar-me,
relacionar-me com o leitor, é entregar-lhe com carinho e desejos de encontro e
conquista o coração pleno de amores e verbos, isto é eivar os verbos de
espírito e “humusizar” o espírito da carne. É re-partir isso com os homens. É
importante isto saber. Não penso assim, como o diamante que risca o éter não
pensa. Brilho todo límpido. Não tenho fome nem sede: sou. Tenho dois olhos que
estão abertos. Para o nada. Para o teto. Para as estrelas que velam, solícitas
e solidárias, o ossuário da terra.
Quero um manto tecido com fios de ouro solar. O sol é a tensão mística do silêncio. Nas minhas viagens aos
mistérios, dúvidas, incertezas, ao inaudito, inolvidável, ouço as vozes
carnívoras, os sonhos verbais, que lamentam tempos imemoriais: e tenho
pesadelos indecentes, indecorosos, imorais sob ventos doentios, que oscilam,
tremem e tremelicam, que elevam as folhas e pétalas secas, fazem-nas pairar no
vazio, que fazem cair o verde, o viscoso, a vida delas, ao longo do deserto
seco. Sinto-me encantado, seduzido, arrebatado por vozes furtivas, efêmeras, na
realidade passageira, o eufemismo não está sendo chamado à vida, a verdade sonha o espiritual. As
letras quase ininteligíveis, os sentidos quase indescritíveis, as significações
– por que não digo os significantes também, não o sei – falam de como conceber,
inspirar e escrever sobre o elixir como se alimentasse as luzes de outras
querências. Atrás do ser – mais atrás ainda – está o teto que trans-cendia
através das idéias, pensamentos e sensações, e aí conquistei o desejo,
entregou-se ele a mim, que eu olhava com olhos de lince, com intenções de
serpente maligna, de cobra ferina. De repente, verto algumas lágrimas.
Aprofundei-me em mim e encontrei que eu quero a vida, e o sentido oculto,
resultado e conseqüência de minhas ausências e limites de escrever a vida, tem
uma intensidade que tem luz. É a luz secreta ou as trevas de passado remoto,
meu rito é purificador de imagens e de espírito, de forças sensíveis e
transcendentes.
Estou tão amplo, tão pleno. Sou coerente: meu cântico de vida e
verbos é profundo. Há melodia de amor e eu nada posso senão nascer, descobrir o
que é nascer e estar dis-ponível para a Vida em todas as suas dimensões. Tudo
atrás do ser, tudo atrás do pensamento e idéias, tudo atrás das intuições,
percepções, inspirações. Se tudo isso existe, então, eu sou, sou-me.
Não conto os fatos de minha vida. Fatos são objetos, estes não me
dizem quaisquer respeito e considerações, em mim a subjetividade, em mim o
subjetivo, eis as minhas veredas; se não encontrarem a sim-patia do leitor,
encontrará a sua simpatia por buscar caminhos, distantes de minhas verdades.
As palavras não exprimem as idéias. O pensamento condiciona a
emoção. Futuro é outro presente na esguelha de olhos noturnos, Nos soslaios dos
olhares vespertinos, Das visões matutinas às revezes do crepúsculo. Presente
serão ontens esquecidos e latentes. Sentimento de busca e sublimidade. Da
sublimidade ao sentimento de busca esplendores e desejos de pássaros que cruzam
o céu entoam suas líricas nas grimpas de árvores frondosas e folhas viçosas, expressam
em seus instintos diversos, habitam as silveirinhas dos lamentos e silêncios. Ontens
serão subterrâneos do espírito em cujas veredas, culpas de desatinos, e os
desatinos de culpas e pecados, as ansiedades clamam por outros uni-versos, em
cujas trilhas, a-núncios e revelações se espelham. Outroras serão do espírito,
em cujas profundidades, as angústias de sonhos e decepções, as luzes que
iluminarão os caminhos.
Se vós me concedêsseis mínimo de prosa, nos dedos que, em câmara
lenta, insinuam dígitos que são sentimentos nas almas brancas de páginas
passadas! Se vós me consentísseis a destreza das penas, com quem sobrevoais
mares, lagos e desertos, florestas e abismos!
Longos dias, longas noites, em busca da luz plena e absoluta, contemplando
a lua em todas as suas manifestações, as estrelas em todas as suas revelações.
Se vós me désseis o privilégio de um só segundo de anunciação divina eterna e
verdadeira, de saborear o gosto da água que sacia a sede da eternidade,
imortalidade, os dígitos teriam sido apenas modo de imprimir os sentimentos e
emoções que me habitam. Do vôo, mostro-lhe as nuanças, detalhes não digo, são
efêmeros, perpassam fios de outono nos anéis da medula, pormenores tão menos são
cobras que se autodevoram pelo rabo, nuanças de dores e sofrimentos adentro
longas noites de insônia, vigília de letras e sons, de vozes que ecoam nos
lamentos os cânticos de melancolias nuances de verdades e vazios que se
entrecruzam. De desejos que refletem nos espelhos os ritmos de nostalgias pormenores
de fantasias e angústias que se distanciam nas curvas dos tempos e relógios, nalgum
instante a esperança se me extasia os delírios.
Manoel Ferreira Neto.
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